Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 7
O Teste




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O nome da vila que Simon entrava naquela noite era Silentgrove. Embora a hora da noite, o lugar parecia muito bem iluminado; isso se devia ao fato de a natureza ali ser bem peculiar. Aquele bosque tinha algo que o tornava bastante especial, e Simon conhecia bem o lugar. Ele adorava brincar por ali quando criança.

Pequenas esferas de luz rodeavam a paisagem, como belos vagalumes pela noite, mas todas elas tinha cores diferentes. Eles não piscavam como vagalumes normalmente faziam; ao invés disso, as luzes permaneciam constantes. Elas vagavam pelo lugar de forma silenciosa e tranquila, dando ao local um aspecto mágico. Em meio a todo aquele vislumbre, um pequeno riacho corria, cortando uma bela vila ao meio. Suas casinhas eram simples e feitas todas de madeira das árvores locais.

Assim que vê a comitiva, o sujeito de meia idade se apressa para recebê-los.

— Senhor! É mesmo um prazer recebê-lo em nossa humilde vila! O que traz vossa excelência a esta vila tão distante?

Silentgrove era o território mais distante dos Lumiya, e também a última vila que Simon deveria visitar. O homem simplesmente ignorou todas as vilas que pertencessem a vampiros, o que agilizou muito o processo. O lugar era também um refúgio para escravos libertos ou pessoas que fugiram de outros reinos, por qualquer motivo. Os vampiros “acolheram” tais pessoas, a fim de aumentar seu feudo e poder. Vilas como aquela eram comuns nas bordas do continente, tal como naquela região isolada dentro do bosque.

— Um teste, meu senhor?

— Sim. Não quero que ninguém fique sem fazê-lo, ouviu bem?

— Sim, meu lorde! Farei o possível para que toda a vila coopere.

Após fazer o de sempre, e entregar os papeis ao sujeito, Simon deu uma boa olhada a sua volta. Ele sentiu olhos curiosos sobre si, algo que o deixou levemente incomodado. Ao checar as árvores em volta, ele percebeu um par de olhos curiosos o encarando, olhos estes que se esconderam assim que perceberam que haviam sido descobertos.

— Quem é aquela?

— Oh, meu senhor, não ligue para ela. É apenas um rato que tem nos causado problemas. Ela vive invadindo as casas e roubando alimentos, tal como objetos e outras coisas.

— Ela não vive aqui?

— Ela vive na floresta. Os donos dela foram traidores, criminosos. Eles a abandonaram aqui assim que tiveram a chance. Ela veio com um grupo de mercenários fracassados que tentaram invadir a mansão dos Lumiya há alguns anos, mas foram completamente massacrados. Desde então ela tem vivido escondida na floresta.

— Você disse donos?

— Ela era uma escrava.

Simon podia ver suas roupas e aparência claramente. A menina tinha cabelos desgrenhados em um castanho escuro, uma pele suja com lama e poeira e vestia um saco de batatas; era como se ela tivesse, literalmente, aberto buracos em um e usado como vestido.

A garota parecia pensar que Simon não conseguia vê-la, mas ela claramente estava enganada. O sujeito avançou para cima da pobre garota, não só assustando-a como também capturando-a. Ele a joga sobre os pés do Líder da vila, fazendo com que ela tossisse com a poeira que fora levantada.

— Entregue um para ela também.

— Mas... meu senhor? Ela não deve nem saber ler ou escrever!

— Não importa. O teste deve ser feito por todos.

O sujeito estende uma folha para a garota, que se levantava hesitante e acuada, como um animal encurralado.

— Consegue me entender, garota? Não precisa ter medo.

A menina olha para Simon com seus grandes olhos azuis curiosos. O homem era alto, cabelos pretos e uma pele pálida; ela sabia bem o que aquele sujeito representava, mas não parecia temê-lo. Ela volta seus olhos para o irmão de Simon, Anúbis, que a encarava com certo nojo; seus cabelos lisos e pretos se estendiam além dos ombros, e ele tinha um ar de nobreza e imponência. Ela estende sua mão e pega o papel do homem de meia idade, sem prestar muita a atenção no seu rosto.

— O que me diz, consegue entender algo? — Pergunta Simon, curioso.

A menina não diz nada, mas acena positivamente com a cabeça, enquanto encara o papel. Simon se vira para ir embora, mas sente algo agarrando sua capa; era a garota, que o segurava com certa curiosidade nos olhos. Os servos do vampiro se prepararam para avançar na menina, mas foram imediatamente impedidos por um único sinal de Simon, que encarou a garota com um sorriso.

— Qual o problema?

— Você... é um vampiro?

A pergunta inocente da menina pegou os presentes de surpresa.

— Não consegue dizer só de olhar?

— Eu nunca vi um vampiro antes.

— Não tem medo de mim?

— Por que eu deveria ter?

A inocência e ignorância dela eram de certa forma engraçadas. Anúbis riu junto de seus servos, mas Simon permaneceu encarando-a com um sorriso.

— Não precisa ter.

Ele puxa delicadamente sua capa, fazendo-a soltar. Simon e sua comitiva se afastavam, enquanto a menina encarava-os com um rosto curioso.

E então, uma semana se passou.

Como prometido, Simon retornou a cada uma das vilas que visitou, recolhendo todos os que passaram no teste. Todos foram conduzidos à um estábulo desocupado na mansão dos Lumiya. Havia cerca de vinte pessoas ali.

Naquele dia, a chuva estava forte. Simon entrou no estábulo levemente encharcado, encarando os presentes ali com um rosto neutro. Sua capa pingava, chamando a atenção da curiosa menina sentada no canto mais isolado do lugar.

— Pois bem, vocês foram os que obtiveram os melhores resultados nos testes que distribuí. A partir de hoje, vocês competirão pelo cargo.

— Cargo? — Perguntou um jovem rapaz.

— Sim. Vocês estão aqui por isso. O real motivo pela qual distribuí os testes foi para encontrar alguém apto para se tornar meu servo.

Um servo vampírico nada mais era do que um escravo de confiança. É claro, em situações normais aquilo não seria algo desejável para ninguém. Mas em Hastermash, a situação era diferente. Entre a possibilidade de viver a vida inteira preso em uma vila pequena, tendo que trabalhar pelo resto de sua vida, tudo para poder pagar os impostos, sem qualquer perspectiva de vida e ainda correndo o perigo de ser atacados por criaturas mágicas ou bandidos, mercenários ou mesmo um grupo de outro feudo; ou a possibilidade de se tornar um servo vampírico, podendo viver na região mais segura do feudo, tendo certas regalias que nunca sonhou... a resposta era óbvia.

Mas mesmo com tudo isso em mente, ainda existiam aqueles que se recusavam a se tornarem servos de vampiros.

— Senhor... com todo o respeito... e se não quisermos isso?

— Você é corajoso de perguntar.

O rapaz hesita, mas permanece com sua postura firme.

— Eu não o desejo irritar, meu lorde.

Simon se posiciona de lado, saindo da frente da porta.

— Não o fez, rapaz. Se não desejarem, não há problema algum. Podem voltar a suas vilas. Não desejo ter servos desobedientes ou insatisfeitos com o cargo.

O rapaz olha para trás, encarando o resto do grupo. Ele era um jovem que treinava para se tornar um guarda de sua vila. Duas pessoas o encaravam com olhares diferentes dos demais ali, e eles eram conhecidos dele.

— Você quer voltar para sua noiva, não é?

— Sim...

— Tudo bem, não se sinta culpado.

Logo após isso, ele sai pela porta, para dentro da chuva. O som de seus passos logo desapareceu, cobertos pelo forte som das gotas caindo sobre o solo.

— Espero que ele sobreviva às bestas da floresta. — Diz Simon, voltando-se para o grupo.

Os dois conhecidos do sujeito hesitaram. Simon se aproxima do centro do estábulo, enquanto todos se esforçavam para não ficarem em seu caminho. Os humanos no lugar se posicionaram nas bordas da sala, encarando o vampiro ao centro.

Simon virou um balde de madeira de boca para baixo e colocou algo no seu topo.

— Para o próximo teste, vocês devem abrir esta caixa. O primeiro que abri-la será o grande vencedor. Já devo adiantá-los que não será por força que a abrirão. Cada um de vocês receberá um pedaço de papel, contendo uma pequena dica de como abri-la. As dicas são diferentes, por isso será de suma importância que troquem informações entre si, ou que achem um jeito de obter a informação por conta própria.

Após dizer essas palavras, o vampiro coloca uma segunda caixa no chão, mas está aberta, contendo vários pedaços de papel. Cada um dos presentes ali pegou um papel. A última a se aproximar da caixa chamou a atenção de Simon. Ele se lembrava dela.

— Você é a garota daquela vila, não é?

Ela olhou para ele com um rosto sério, pegando o papel dentro da caixa logo em sequência. Ao obter a dica, a garota logo se virou e foi para seu canto isolado, a fim de esperar pela ordem de Simon.

— Bom, eu ficarei aqui e assistirei todo o processo. Não me decepcionem. — Tendo dito isso, ele fez um sinal com a mão, dando início ao desafio.

No mesmo instante, a garota que se isolara no canto se moveu, indo em direção a pessoa mais próxima a ela e estendendo seu papel a ela. O sujeito olhou para ela com certo nojo e confusão, mas rapidamente pegou o papel e se afastou. A menina voltou a seu canto e se sentou, abraçando seus joelhos e encarando o vampiro.

“Ela não vai nem tentar?” Se perguntou Simon. Os próximos minutos se sucederam de forma curiosa. Simon permaneceu escorado em uma parede próxima a entrada do estábulo, enquanto os presentes do lugar continuavam interagindo entre si. Foi quando um grito chamou a atenção de todos.

— Me devolva, seu merda!

— Já falei, eu não roubei nada de você!

— Eu sei que foi você quem roubou minha dica! Devolve agora!

Os dois pareciam exaltados, mas nada Simon fez. Ele apenas assistia a cena, enquanto os dois caiam nos socos após a conversa se intensificar um pouco mais.

Vários minutos se passaram após aquilo, e um a um os membros tentavam abrir a caixa. Eles se aproximavam do objeto e mexiam em seus mecanismos, mesmo sem entendê-los, e logo recolocavam o objeto de volta no lugar, confusos.

Simon encarava a situação com bastante desinteresse, até que percebeu algo intrigante.

A menina que o chamara tanto a atenção anteriormente parecia um fantasma no meio daquela gente. Ninguém reparava nela, nem pareciam notá-la ali. Ela se tornara parte do cenário, apenas observando tudo. Simon percebera, finalmente, a estratégia daquela garota.

“Entendo. Ao escolher se livrar de sua dica, ela poupou-se do trabalho de lidar com essa gente. Ela seria um alvo fácil, e provavelmente teria que lidar com coisas indesejáveis. Mas como ela planeja conseguir abrir a caixa assim?”

No entanto, Simon reparou que a criança permanecia com seus olhos vidrados na caixa. Ele ignorou-a por um tempo, voltando seus olhos aos demais participantes. Vários núcleos pareciam terem se formado. Simon notou que cada um deles possuía um certo “líder” que comandava as ações dos demais. Eles pareciam ter criado uma certa organização. De tempo em tempo, um membro de um dos grupos se aproximava do balde e tentava resolver o enigma da caixa, sem sucesso. Ele retornava ao seu grupo e relatava o que descobriu.

Nessa idas e vindas, porém, ele finalmente viu algo interessante acontecer. A menina que antes permanecia parada, agora se aproximava da caixa. Ela pegou o objeto, para a surpresa de todos, e começou a vislumbrá-lo. Em poucos segundos, a menina começou a mexer em suas engrenagens. Simon percebeu o que estava a sua frente.

— Finalmente. Você era quem eu buscava.

Eles escutam um barulho agudo de metal vindo do objeto; ela conseguira. Ao abrir o objeto, a menina retira um broche em formato da casa dos Lumiya. Um broche em forma de rosa, vermelho com as bordas brancas. A menina encarou-o curiosa, voltando-se para o vampiro logo em seguida.


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