Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 4
Decisões e Mudanças




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Enquanto andava em direção ao lavatório para limpar-se do sangue do anão, a mulher é parada por um mordomo, que aparece segurando algo em mãos.

— Senhora, chegou uma carta.

— Uma carta? De quem?

— Tem o brasão de Drakon, senhora.

— Uma carta do rei? Leia-a para mim, por favor. Minhas mãos estão sujas.

O homem abre e começa sua leitura.

— “Oito de abril, ano 1463 do calendário real. Saudações e felicitações a todos os destinatários desta carta. Décimo sétimo rei de Hastermash, Albert Tyran Drakon, convoca sua nobreza para um jantar de negócios e comemoração à conquista do continente negro. É de extrema importância que todos os lordes vampiros se abstenham de seus feudos e partam para o castelo real de Drakon, localizado no centro da província de Drakon, juntamente com um de seus servos, para darmos sequência a esta tão feliz comemoração. A data de início da cerimônia se dará no dia treze de maio deste mesmo ano. Agradeço a cooperação de todos os lordes a este convite tão especial. De seu grande líder, Albert Tyran Drakon.”

— Uma convocação...

— Devemos nos preparar, senhora?

Ela fica pensativa, e logo se vira para além do corredor, encarando com pesar em direção a sala de tortura da mansão. A mulher mordisca levemente o lábio, em dúvida.

— Não tem jeito... comece imediatamente os preparativos.

— Sim, madame.

Ela estala os dedos e solta um grande grito.

— Coelhinhos!

Imediatamente os dois se apresentam para a mulher, quase que em um piscar de olhos.

— Sim, M’lady! — Respondem em ressonância.

— Preciso de um favor de vocês. Escoltem os anões até a vila de Memphis, localizada no extremo leste do país. Lá vocês devem conseguir um barco. Paguem o dono do barco para escoltá-los de volta para Jasfik.

Eles hesitam levemente ao ouvirem as ordens de sua mestra. O coelho a esquerda se pronuncia.

— Madame, vai soltá-los?

— Não tenho escolha. Não posso deixá-los nesta mansão por muito tempo enquanto estiver fora. Não quero que eles façam nenhuma besteira. É uma pena.

— Sim, senhora. Faremos nosso melhor.

— Eu confio em vocês para este trabalho. Meus belos coelhinhos.

Ela se abaixa e acaricia os dois irmãos, que respondem com leves interjeições.

— Ah, droga, sujei vocês, eu esqueci que estava suja com o sangue dele.

— Não se preocupe, madame, não é nada demais.

— Com licença, vou me limpar.

Após se retirar, os irmãos se levantam imediatamente e partem em direção a sala de tortura. Eles se aproximam do anão, enquanto ele vislumbrava os dois entrando com certo deboche no olhar.

— Se não são os coelhinhos, vieram brincar conosco de novo?

— Tens uma boca gigante, anão. Digna de um urso.

Eles começam a prender os irmãos do anão em correntes, enquanto ele encarava com curiosidade o movimento.

— O que planejam agora? Vão nos levar para passear?

— Agradeça a mestra Lenore Hagara por isso.

— O que?

— Vamos soltá-los.

Ele faz uma expressão surpresa e desconfiada, enquanto encarava os gêmeos de cabelos brancos e olhos vermelhos. Mesmo com os cabelos levemente sujos com sangue, eles ainda brilhavam em um branco vívido e profundo.

— Vocês dois parecem coelhos mesmo, com essa aparência. Agora que não estamos em uma floresta escura e eu consigo ver o rosto de vocês... são tão jovens. Qual a idade de vocês?

— Não te interessa.

— Um casal de gêmeos da tribo de Nervara. Não imaginei que existissem sobreviventes desse massacre.

Os dois olham para o anão, indiferentes a sua fala. Ele ri em deboche, tentando irritá-los. Mas parecia que nada que ele fizesse incomodaria os dois.

— Me digam, o que receberam em troca da humanidade de vocês? Valeu a pena tanto assim? Tornaram-se cães... não, digo, coelhos de caça dessa bruxa. E ainda trabalham tão diligentemente para ela.

A menina se aproxima do anão e injeta algo em seu braço.

— O que é isso?

— Um sonífero. Vai te derrubar para facilitar as coisas para gente.

— Acha mesmo que isso vai funcionar em um anão?! Conseguimos tomar toneladas de cerveja antes de sequer ficarmos bêbados. Um sonífero não vai fazer o menor efeito em nós!

— É mesmo? Foi um desperdício então.

Ela se afasta em direção a porta.

— Irmão, vou chamar alguns servos para nos ajudarem a levá-los.

— Tudo bem, Akane.

Ele se senta em uma cadeira a frente do anão, encarando-o com um sorriso.

— E aí, apreciando a estadia?

— Ah, claro, sua mestra até arrancou um dedo meu. Está sendo um excelente serviço.

O garoto ri.

— Quer jogar?

— Jogar?

Ele puxa um baralho do bolso, balançando-o a frente do rosto.

— Conhecendo minha irmã, ela vai demorar um pouco para selecionar os servos. Eu tenho certeza de que ela vai fazer questão de pegar os mais fortes, mas, ao mesmo tempo, que não vão fazer falta na mansão. Enfim, eu vou ficar entediado de esperar, então que tal matarmos o tempo com um jogo de cartas?

O anão solta um riso de deboche, mas aceita.

— Só não sei como vou jogar com as mãos atadas.

— Ah, não esquenta! Eu te solto! Afinal de contas, você não vai ser burro o suficiente de tentar escapar, não é?

Ele encara o garoto com um rosto sério e tenso.

O menino distribui as cartas para o anão e logo começam a jogar. O anão parecia um pouco tenso, mas tentava manter-se em controle.

— Tem um nome, garoto?

Ele ri enquanto jogava mais uma carta.

— Que pergunta idiota, anão! Todos têm um nome.

— E qual é o seu?

— Akira. E o seu é Hodvar, né? Lembro do seu irmão gritando isso na floresta.

Hodvar tentava a todo custo ler o garoto de cabelos brancos, mas parecia inútil. Sua postura relaxada trazia à tona uma personalidade fria e cruel. Talvez Hodvar tivesse sentido pena dele em algum ponto do jogo, mas sempre que se lembrava da perseguição na floresta, todo esse sentimento ia embora. Não se passaram muitos minutos até que a irmã do garoto se aproximasse deles.

— O que está fazendo, Akira? Jogando com o prisioneiro?

— Desculpa, Akane, é que eu fico entediado te esperando.

— Francamente... coloque as algemas nele de novo e vamos andando.

O anão parecia passivo, mas ele sentia que não corria perigo. A situação parecia diferente, por algum motivo. Enquanto andava pelos corredores da mansão, em direção a sua saída, ele via certo movimento no caminho. Sua experiência como mercenário trazia à tona em sua mente certos pensamentos.

— Me digam, coelhinhos, por que estou sendo “libertado”? Sua mestra parecia ter planos para mim e para meus irmãos...

— Ficou decepcionado, anão? — Perguntou a menina, sem olhar para ele.

— Talvez eu tenha ficado.

— Bom, é um assunto um pouco delicado para ser compartilhado com um prisioneiro. Nesse caso, devo ser obrigada a deixá-lo curioso.

Ele abaixa a cabeça, pensativo, logo após soltar um sorriso.

— Entendo. Algo importante deve estar prestes a acontecer, pelo visto.

O dia já tinha começado, o sol já pairava sobre o céu. Assim que alcançaram a porta da mansão, o anão vislumbrou a luz brilhante daquele sol radiante se estendendo além da porta. Seus irmãos desacordados eram carregados por homens fortes, enquanto ele era escoltado pelos dois coelhos.

— Uma bela visão, de fato...

— Sim. Essa é a mansão que você invadiu.

— É raro ver dias ensolarados neste país. Vocês podem mesmo sair da mansão desse jeito?

— Ah, entendo o que está querendo dizer. Mas não se preocupe, apenas vamos indo.

Eles saíram pela porta e logo a visão do anão foi se ajustando a luz de fora da mansão. O jardim era florido, bem cuidado e passava um ar de quietude e paz. Mesmo sobre o peso das algemas, o anão podia admirar o lugar com bastante cuidado. Ao longe, ele viu a silhueta da mestra vampira, parada no meio do jardim, olhando para ele.

— Nunca imaginei ver algo assim na minha vida, uma vampira parada sob a luz solar.

A mulher abriu um sorriso encantador e genuíno, como se tivesse ouvido algo engraçado.

— Eu fico surpresa por ainda ter gente que acredite nessas lendas.

— Então vocês não tem fraqueza ao sol?

— Armas de prata, luz do sol, estacas de madeira, até mesmo alho; todos eles são mitos difundidos por seres inferiores como você. A verdade é que nenhuma dessas coisas é realmente mortal aos vampiros.

— Então está dizendo que vocês não possuem fraquezas?

— Nós não somos demônios, anão; somos apenas seres diferentes. Mas não é como se esses mitos não tivessem algum fundo de verdade. Veja, nós vampiros somos seres essencialmente noturnos. Por causa disso, a luz não é algo que faz bem aos nossos olhos em um âmbito geral. A luz do sol ofusca um pouco nossa visão, tal como seu calor e radiação natural, que irrita um pouco nossa pele. Mas não é como se um vampiro fosse morrer por tomar um banho de sol.

— Entendo, no fim das contas é prejudicial, mas não ao ponto de levar a morte.

— Precisamente. Quanto as estacas de madeira ou armas de prata, é apenas um equívoco. Provavelmente, alguém deve ter conseguido matar vampiros dessa forma, e logo vincularam os objetos ao feito. Pense comigo, você vai até uma floresta que geralmente é calma e tranquila, mas no meio do caminho encontra um corpo com feridas misteriosas. Você não sabe o que o matou, mas ao seu lado, você vê um grupo de pássaros diferentes, pequenos, que nunca viu antes na vida. Mesmo parecendo inofensivo, você vê que esse pássaro está se alimentando dos restos do corpo. O que você presume nessa situação?

— Que... os pássaros teriam matado aquele ser?

— Precisamente. É esse tipo de coisa que gera os mal-entendidos e lendas do mundo. São apenas histórias que carecem de informação.

Ele parecia admirado e confuso. A mesma mulher que o torturou a alguns minutos atrás parecia tratá-lo quase como um convidado. Sua aura estava calma e tranquila, e o anão não sentia qualquer sinal de perigo naquela situação. Embora muito temeroso pela vida de seus irmãos, ou pelo caminho que iam realmente seguir, sua mente entrava em conflito com esses sentimentos.

...

Sobre os olhares curiosos do povo da vila, a garota andava calmamente seguida por seu mordomo. As casas permaneciam fechadas, e os poucos corajosos que ainda tentavam vê-la através de frestas nas janelas se perguntavam quem era aquela vampira. Os rumores talvez fossem verdadeiros, mas eles não sabiam dizer.

O líder da vila, um homem idoso e maltrapido, esperava temeroso pela aproximação da garota. Ele parecia tenso, enquanto dois guardas aos seus lados carregavam suas lanças, trêmulos.

— Não há necessidade de mostrarem seus dentes para mim, humanos.

O velho pareceu hesitar com a fala da menina, no mesmo instante, pediu para que seus soldados se afastassem um pouco.

— Peço mil perdões se parecemos rudes, minha senhora...

— Não o foram.

Ele se curvou, se colocando de joelhos perante a garota, enquanto ela parava a poucos metros do homem.

— Então, os rumores eram verdadeiros? A mansão... digo...

— Sim, eu sou sua nova Lady. Levante-se.

Sem saber o que o aguardava, o velho apenas rezava para que ela não se irritasse por qualquer motivo. Ele se levantou imediatamente após o pedido da garota, evitando olhar em seus olhos.

— Diga-me seu nome, humano.

— E-eu me chamo Tarik, sou o prefeito desta vila, M’lady.

— Prefeito? O que é isso?

— Eu... eu sou o responsável por tomar conta da vila sob suas ordens, minha senhora.

Ela faz um rosto curioso, se voltando para seu mordomo.

— Entendo. Marcos.

— Sim, M’lady.

— Continue por mim.

Ele se curva para a garota, que se afasta um pouco.

— Senhor Tarik, gostaria de pedir-lhe primeiramente que abaixe sua guarda. Está tenso.

— Sim, senhor, não foi minha intenção ofender os líderes deste lugar, de forma alguma...

— Não é isso, não há necessidade alguma disto. Tenho certeza de que os rumores se espalharam pela vila, não é? O que ouviram?

— Nós... nós ouvimos os rumores de que a mansão tinha sido infestada por uma maldição e que toda a família Solas tinha sido dizimada. Apenas a senhorita Karen tinha sobrevivido.

— Sim, foi o que aconteceu. Karen Solas é sua nova Lady. A senhorita Karen não possui uma saúde muito boa, como já devem saber. Ela ficou afastada da mansão por anos, e não tem capacidades físicas de estar assumindo um posto tão elevado. Tendo isso em mente, propomos a vocês um acordo.

— Um acordo?

— Sim. Mesmo tendo sua saúde debilitada, ela ainda é uma vampira. Se algo acontecer a ela, mesmo em tais circunstâncias, sabe o que aconteceria a este feudo, não sabe?

— Tenho... uma noção, senhor.

— Neste caso, quero propor um acordo com o senhor. Peço-lhe que ensine Karen a governar.

— O que?

— Você tem experiência como líder da vila, e tem bons soldados e escribas na vila, tenho certeza. Mesmo que a maior parte deles estivessem na mansão durante a calamidade que recaiu sobre nós, sei que devem ter sobrado alguns aqui. O que peço é que eles se tornem tutores de nossa querida Lady. Se o fizerem, serão grandemente recompensados.

— Eu... sim, meu senhor, eu farei o que me pediu..., mas não sei se tenho condições de ensinar uma vampira.

— Não se preocupe, ela aprende rápido. Não é como se ela fosse uma completa leiga, no fim das contas. A propósito, se tiverem êxito em sua missão, posso garantir que todos os impostos da vila serão grandemente diminuídos. Todas as taxações terão um décimo do valor atual.

— Um décimo?! Meu senhor, isso é...

— Não gostou? Nesse caso, podemos diminuir para um vigésimo.

O homem ficou sem palavras perante a fala do mordomo. O homem, sem receber uma resposta, continua sua fala.

— Bom, de qualquer forma, Lady Karen não necessita de tantas regalias, ela apenas precisa de conhecimento. Estou ansioso por sua visita à mansão.

O mordomo se vira, indo em direção a sua mestra. Enquanto se afastavam, todos os membros da vila começaram a sair de suas casas, para terem uma visão melhor dos dois.

— Então é verdade? Ela é a última sobrevivente?

— Senhor... senhor, essa é uma grande chance! — Disse uma mulher ao velho.

— Ela tem razão! Podemos matar aquela vampira! Se formarmos um plano...

— Calados! — Gritou o líder da vila.

Todos encaram o velho com rostos hesitantes. Ele continua.

— Todos vocês sabem em que país estamos, não sabem? Sabem o que acontecia se uma lady desaparecesse? Sei que não preciso dizer...

— Mas... mas então... o que será desta vila? Ela... ela admitiu não saber governar, e até mesmo pediu nossos conselhos... como uma vampira doente vai conseguir nos proteger?!

Ao longe, na estrada que levava a mansão, a menina ouvia tudo aquilo com sua incrível audição. Ela sabia que o que diziam era real, mas mesmo assim, não parecia se importar muito.

— Marcos.

— Sim, M’lady?

— Meu sangue ainda é vampírico. Minha linhagem ainda é pura. Sendo assim, isso significa que ainda sou digna de ser a lady deste lugar, certo?

O homem não entendia direito o que se passava na mente de sua mestra, mas seu olhar preocupado sobre ela durou poucos segundos, antes que ela continuasse.

— Também tenho que me esforçar, não concorda?

O mordomo assente com um sorriso.

— Sim, senhora.


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