Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes
Simon jogava o último sujeito amarrado na beira da estrada, enquanto Lenore se sentava a borda da entrada de sua carruagem, abanando o leque calmamente sobre o rosto.
— Quem enviou vocês? — Perguntava Simon, sem qualquer rodeio.
— Vai pro inferno, seu monstro! — Respondeu o líder do bando.
Nove sujeitos estavam amarrados ali. Os pobres coitados nem tiveram chance contra os dois lordes vampiros. Melhor dizendo, Simon fez tudo sozinho. Antes que o grupo de mercenários percebesse, eles já estavam sendo subjugados, um por um, sem qualquer chance de reação.
O lorde, porém, fora bem gentil em sua investida. Nenhum daqueles homens sofreu qualquer injúria.
— Você pega leve demais, Simon.
— Acha mesmo?
Lenore olhava para o grupo sem muito interesse. Ela estava acostumada a lidar com seres inferiores, embora não costumasse ser tão gentil quanto Simon.
— Agora, por que nos atacaram? — Pergunta a lady, com o leque cobrindo os lábios.
— Precisamos de um motivo? Vocês escravizam os “seres inferiores”, matam para sua própria satisfação. Vampiros são monstros que devem ser erradicados do mundo!
— Eles pagaram vocês tão bem assim? — Pergunta Lenore.
— Não é uma questão de dinheiro. Mas acho que vocês nunca seriam capazes de entender isso.
— Mesmo? Então é questão de poder. Aquele que enviou vocês é alguém muito influente em seu país, certo? Entregá-lo traria consequências piores que a morte, por isso não a temem.
Os homens riem com a fala da mulher, mas permanecem em silêncio após aquilo.
— Eles realmente não vão dizer mais do que isso. — Diz Simon, se aproximando de Lenore.
— Simon, você não possui nenhuma magia que consiga fazê-los entregar a informação que queremos?
— Não existe algo tão conveniente. Nem mesmo nosso poder de controle vampírico é capaz de fazer alguém dar informações que eles não desejam dar.
— É mesmo uma pena. Então, o que pretende fazer com eles?
— Deixá-los aqui para serem devorados pelas criaturas da floresta não me parece ruim.
O grupo faz um rosto preocupado, mas eles permanecem firmes em sua postura.
— Poderíamos levá-los como prisioneiros também. Adoraria ter brinquedos novos em meus calabouços.
Obviamente, os dois apenas estavam blefando. O grupo, porém, não parecia se importar com nada disso. Eles realmente estavam preparados para morrer. Alice vislumbrou a cena com certa curiosidade. Ela percebia, era óbvio para a menina, que os dois mestres estavam apenas tentando arrancar a informação dos homens; ela via em seus rostos que eles não desejavam mal àqueles seres. Mas Alice também reparou certa preocupação na face dos dois lordes.
Também havia algo inusitado chamando a atenção da garota.
O equipamento dos homens e suas roupas lhe eram bastante familiares. Ela tinha uma boa ideia de onde aqueles sujeitos tinham vindo.
Após pensar um pouco, ela finalmente decide se aproximar de seu mestre, Simon.
— Senhor, posso lhe sugerir algo?
— O que tem em mente, Alice?
— Posso tentar?
Simon e Lenore encaram-na com certa curiosidade. Ele podia ver a determinação no rosto da garota. O homem se afasta um pouco e estende sua mão em direção aos sujeitos, dando passagem para Alice.
A garota se aproxima calmamente, encarando o líder do bando com seu rosto neutro. O homem a encara de volta, um pouco confuso.
— Que tipo de piada é essa? Vai deixar essa criança cuidar da gente agora?
— Graves.
— O que?
A menina faz um breve silêncio, encarando-o com seriedade.
— Graves. — Repetiu ela.
O homem parecia confuso. A menina continuava com seu ar sério e focado.
— Hammerfell.
Novamente, o homem permaneceu em silêncio, encarando-a com um olhar indigesto.
— Lionbark.
— O que essa menina está fazendo? — Pergunta um dos homens.
— Eu sei lá...
— Krauser. — Diz a menina novamente.
— Ei, eu reconheço alguns desses nomes...
“São nomes de famílias nobres de Jasfik...” pensou o líder do bando.
— Don Berg.
O rapaz franze as sobrancelhas, temendo o próximo nome que a garota iria falar. A menina morde os lábios antes de pronunciar o próximo nome.
— Von Burker.
O homem permanece inerte e em silêncio, junto com os outros sujeitos; mas a menina já havia conseguido o que queria ali.
— Von Burker. — Repetiu ela.
Os homens permaneceram encarando o chão, em silêncio, enquanto seu líder olhava no mais fundo dos olhos da menina. Alice podia sentir a hesitação no olhar do sujeito à medida que ela pronunciava o nome. A reação deles; era exatamente o que ela queria.
— Von Burker. — A voz dela parecia um pouco diferente agora, e Simon percebera isso.
— Maldita... agora eu sei quem é você.
Ela hesita por um segundo, voltando-se para seu mestre logo em seguida.
— Foi o lorde Von Burker, senhor. Ele é um aristocrata famoso na região de Jasfik. Lhe dou mais informações quando partirmos.
A menina anda para longe, um pouco hesitante. Sua voz parecia levemente trêmula, algo que chamou a atenção de seu mestre. Alice nunca havia demonstrado tal atitude, mesmo durante a reunião com os nobres.
— Você é ela, não é?! Aquela garotinha! Eu sabia que tinha te reconhecido.
A voz do homem penetrou os ouvidos da menina, que parou seus passos em hesitação.
— Eu sabia... você está viva afinal. Aquela pirralha que estava sempre colada com o lorde Von Burker durante suas negociações. A mesma que foi dada como presente para o grupo lendário de mercenários “Presas do Lobo Dourado”.
Mesmo que seu rosto permanecesse neutro, Simon podia sentir a perturbação fluindo pelo corpo da criança. Suas mãos tremiam, enquanto ela tentava contê-las segurando-as a frente de seu vestido, em sua clássica pose formal.
— O que será que Von Burker faria se soubesse que você está viva? Aposto que ele pagaria uma fortuna para tê-la de volta...
— Não...
— Como é?
— Aquele homem não iria me querer de volta.
— Mesmo? Bom, isso não importa. Você agora é um monstro.
Um monstro? Ela já não tinha certeza do significado real dessa palavra. Durante o seu tempo convivendo com humanos, essa palavra sempre surgia em conversas paralelas dos nobres.
— Fico me perguntando o que estes monstros já devem ter feito com você. Pobre criança.
Pobre?
— Vocês são mesmo nojentos. Mas a hora está chegando, vampiros.
— O que quer dizer? — Pergunta o lorde.
— Acha mesmo que vai acabar aqui, com nosso grupo? Não. Enquanto vampiros existirem, as “criaturas inferiores” não descansarão. Nós vamos livrar o mundo de vocês, vamos erradicar esse mal do mundo.
Aquela fala não pegou ninguém ali de surpresa, mas mesmo assim Simon ficou preocupado. Aquilo confirmava suas suspeitas sobre o assunto. O homem olhou de rabo de olho para sua amiga, Lenore, que o encarou de volta com mesmo olhar.
Alice, no entanto, permanecia parada, de costas para os sujeitos, em um estado inerte.
— Qual o seu nome? — A pergunta repentina pegou o homem de surpresa.
— O que?
— O seu nome.
— Para que quer saber, garota?
Alice se aproxima novamente do sujeito, se abaixando para olhá-lo mais de perto.
— Apenas me diga.
O olhar sincero da menina cativou o sujeito; mesmo que eles fossem inimigos em tal situação, ele não podia não se deixar levar pelos olhos azuis, puros e delicados daquela menina.
— Darton.
— Darton, me diga, o que é um monstro?
O homem encarou-a com um semblante confuso, mas logo fechou seu rosto em fúria e voltou-se para os dois lordes vampiros que encaravam a cena curiosos.
— Você têm vivido entre um e não sabe a resposta?
— Darton, me diga, uma menina humana, escrava, mesmo uma camponesa, teria a oportunidade de jogar uma partida de xadrez com um rei humano, de igual para igual?
— O que?
— Eu fui escrava por toda a minha vida, Darton. Em nenhum momento eu tive a oportunidade de comer uma refeição completa ou dormir em minha própria cama. Para outros escravos, eu era considerada uma peça de elite, pois eu tive oportunidade de ser criada e educada dentro da casa principal de Von Burker. Muitos se matariam para ter a chance que eu tive; e soube de alguns que chegaram a fazer isso. Alguns deles tinham ciência de como era a minha vida, e mesmo assim eles a desejavam. Quando eu errava uma questão, eu era punida. Quando eu servia um chá pelo lado errado da mesa, eu era punida. Mesmo se eu não soubesse a resposta para uma pergunta trivial como “que horas são”, meus donos me castigavam. Uma vez, eu encostei sem querer na capa de meu senhor; fiquei trancafiada por três dias e três noites na solitária, sem comida, tendo de beber a água suja que pingava dos canos. — A menina se levantou e encarou Simon com certo apreço em seus olhos. — Perguntas não podiam sair de meus lábios. Erros não podiam ser cometidos. — Ela voltou-se novamente para o homem. — O que me diz, Darton? Tudo isso que lhe disse agora parece algo que um monstro faria?
O homem a encarou com um rosto pensativo e confuso.
— Mas não é como se a sua vida estivesse tão diferente agora, não é?
A menina sorri.
— O que você acha?
Ele encara-a com certa hesitação. O homem sabia a resposta. Os olhos sinceros da menina gritavam a resposta. Mesmo que em sua mente, ele tentasse não a validar, ele a sabia. Mesmo assim, ele a encarou com um rosto furioso.
— Mas você ainda é uma escrava.
— Sim. Eu ainda sou uma escrava. Mas diferente do passado, dessa vez eu escolhi ser uma. Paguei com o meu sangue o preço de me tornar uma escrava. Mas sabe o que eu ganhei em troca? Um quarto próprio, comida abundante e deliciosa, aulas cuidadosas e muitas vezes divertidas. Eu até joguei xadrez com o rei deste país.
A menina se afasta dos homens, se colocando em sua posição anterior. Embora o lorde tivesse suas dúvidas sobre Alice, Simon sentia que podia confiar na garota. Toda a hesitação que ela exalava anteriormente havia desaparecido. O homem quebra seu devaneio de alguns segundos e se dirige novamente na direção daqueles sujeitos. Ele leva sua mão na direção do líder do bando, fazendo-o fechar os olhos por impulso.
— Matá-los ou trancafiá-los em uma masmorra não trará benefício algum a nós.
O homem sente um breve alívio em seu corpo, assim que as cordas se afrouxam. Confuso, ele encara o lorde se afastando em direção a sua carruagem.
— Vamos, Lenore, já perdemos tempo demais aqui.
— Tem razão.
A mulher se levanta, fechando seu leque e sorrindo para o sujeito humano a beira da estrada.
— Tenham um bom dia, e não vá se meter em mais confusão.
— É alguma piada?! — Grita o sujeito, irritado. — Vão simplesmente dar as costas para nós como se nada tivesse acontecido?!
— Preferem morrer por nossas mãos?
Ele reage com confusão, encarando seus amigos que compartilhavam da mesma sensação.
— Eu disse antes, matá-los ou trancafiá-los não vai nos trazer qualquer benefício.
— E vocês não são tão fortes a ponto de termos que nos preocupar em escoltá-los para fora do país.
— Sintam-se gratos por deixarmos que partam nessas condições. Se ainda assim nutrirem ódio por nós, se ainda se sentirem humilhados e injustiçados por essa situação, fiquem mais fortes e retornem.
Após ouvir aquilo saindo da boca do lorde, Lenore encara Simon com um olhar repreensivo.
— O que? — Pergunta o sujeito, com um olhar confuso.
— Porém, se de alguma forma as palavras de minha serva tiverem tido algum efeito em vocês... não, esqueça.
O homem entra na carruagem, seguido dos dois servos. O cocheiro parte assim que o grupo entra, enquanto os homens humanos permaneceram encarando a carruagem partindo, reflexivos.
— Ei, Darton! Nos desamarre também! — Gritou um deles, quebrando o momento.
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