Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 22
Lembranças de uma Boneca — Parte 2




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Simon jogava o último sujeito amarrado na beira da estrada, enquanto Lenore se sentava a borda da entrada de sua carruagem, abanando o leque calmamente sobre o rosto.

— Quem enviou vocês? — Perguntava Simon, sem qualquer rodeio.

— Vai pro inferno, seu monstro! — Respondeu o líder do bando.

Nove sujeitos estavam amarrados ali. Os pobres coitados nem tiveram chance contra os dois lordes vampiros. Melhor dizendo, Simon fez tudo sozinho. Antes que o grupo de mercenários percebesse, eles já estavam sendo subjugados, um por um, sem qualquer chance de reação.

O lorde, porém, fora bem gentil em sua investida. Nenhum daqueles homens sofreu qualquer injúria.

— Você pega leve demais, Simon.

— Acha mesmo?

Lenore olhava para o grupo sem muito interesse. Ela estava acostumada a lidar com seres inferiores, embora não costumasse ser tão gentil quanto Simon.

— Agora, por que nos atacaram? — Pergunta a lady, com o leque cobrindo os lábios.

— Precisamos de um motivo? Vocês escravizam os “seres inferiores”, matam para sua própria satisfação. Vampiros são monstros que devem ser erradicados do mundo!

— Eles pagaram vocês tão bem assim? — Pergunta Lenore.

— Não é uma questão de dinheiro. Mas acho que vocês nunca seriam capazes de entender isso.

— Mesmo? Então é questão de poder. Aquele que enviou vocês é alguém muito influente em seu país, certo? Entregá-lo traria consequências piores que a morte, por isso não a temem.

Os homens riem com a fala da mulher, mas permanecem em silêncio após aquilo.

— Eles realmente não vão dizer mais do que isso. — Diz Simon, se aproximando de Lenore.

— Simon, você não possui nenhuma magia que consiga fazê-los entregar a informação que queremos?

— Não existe algo tão conveniente. Nem mesmo nosso poder de controle vampírico é capaz de fazer alguém dar informações que eles não desejam dar.

— É mesmo uma pena. Então, o que pretende fazer com eles?

— Deixá-los aqui para serem devorados pelas criaturas da floresta não me parece ruim.

O grupo faz um rosto preocupado, mas eles permanecem firmes em sua postura.

— Poderíamos levá-los como prisioneiros também. Adoraria ter brinquedos novos em meus calabouços.

Obviamente, os dois apenas estavam blefando. O grupo, porém, não parecia se importar com nada disso. Eles realmente estavam preparados para morrer. Alice vislumbrou a cena com certa curiosidade. Ela percebia, era óbvio para a menina, que os dois mestres estavam apenas tentando arrancar a informação dos homens; ela via em seus rostos que eles não desejavam mal àqueles seres. Mas Alice também reparou certa preocupação na face dos dois lordes.

Também havia algo inusitado chamando a atenção da garota.

O equipamento dos homens e suas roupas lhe eram bastante familiares. Ela tinha uma boa ideia de onde aqueles sujeitos tinham vindo.

Após pensar um pouco, ela finalmente decide se aproximar de seu mestre, Simon.

— Senhor, posso lhe sugerir algo?

— O que tem em mente, Alice?

— Posso tentar?

Simon e Lenore encaram-na com certa curiosidade. Ele podia ver a determinação no rosto da garota. O homem se afasta um pouco e estende sua mão em direção aos sujeitos, dando passagem para Alice.

A garota se aproxima calmamente, encarando o líder do bando com seu rosto neutro. O homem a encara de volta, um pouco confuso.

— Que tipo de piada é essa? Vai deixar essa criança cuidar da gente agora?

— Graves.

— O que?

A menina faz um breve silêncio, encarando-o com seriedade.

— Graves. — Repetiu ela.

O homem parecia confuso. A menina continuava com seu ar sério e focado.

— Hammerfell.

Novamente, o homem permaneceu em silêncio, encarando-a com um olhar indigesto.

— Lionbark.

— O que essa menina está fazendo? — Pergunta um dos homens.

— Eu sei lá...

— Krauser. — Diz a menina novamente.

— Ei, eu reconheço alguns desses nomes...

“São nomes de famílias nobres de Jasfik...” pensou o líder do bando.

— Don Berg.

O rapaz franze as sobrancelhas, temendo o próximo nome que a garota iria falar. A menina morde os lábios antes de pronunciar o próximo nome.

— Von Burker.

O homem permanece inerte e em silêncio, junto com os outros sujeitos; mas a menina já havia conseguido o que queria ali.

— Von Burker. — Repetiu ela.

Os homens permaneceram encarando o chão, em silêncio, enquanto seu líder olhava no mais fundo dos olhos da menina. Alice podia sentir a hesitação no olhar do sujeito à medida que ela pronunciava o nome. A reação deles; era exatamente o que ela queria.

— Von Burker. — A voz dela parecia um pouco diferente agora, e Simon percebera isso.

— Maldita... agora eu sei quem é você.

Ela hesita por um segundo, voltando-se para seu mestre logo em seguida.

— Foi o lorde Von Burker, senhor. Ele é um aristocrata famoso na região de Jasfik. Lhe dou mais informações quando partirmos.

A menina anda para longe, um pouco hesitante. Sua voz parecia levemente trêmula, algo que chamou a atenção de seu mestre. Alice nunca havia demonstrado tal atitude, mesmo durante a reunião com os nobres.

— Você é ela, não é?! Aquela garotinha! Eu sabia que tinha te reconhecido.

A voz do homem penetrou os ouvidos da menina, que parou seus passos em hesitação.

— Eu sabia... você está viva afinal. Aquela pirralha que estava sempre colada com o lorde Von Burker durante suas negociações. A mesma que foi dada como presente para o grupo lendário de mercenários “Presas do Lobo Dourado”.

Mesmo que seu rosto permanecesse neutro, Simon podia sentir a perturbação fluindo pelo corpo da criança. Suas mãos tremiam, enquanto ela tentava contê-las segurando-as a frente de seu vestido, em sua clássica pose formal.

— O que será que Von Burker faria se soubesse que você está viva? Aposto que ele pagaria uma fortuna para tê-la de volta...

— Não...

— Como é?

— Aquele homem não iria me querer de volta.

— Mesmo? Bom, isso não importa. Você agora é um monstro.

Um monstro? Ela já não tinha certeza do significado real dessa palavra. Durante o seu tempo convivendo com humanos, essa palavra sempre surgia em conversas paralelas dos nobres.

— Fico me perguntando o que estes monstros já devem ter feito com você. Pobre criança.

Pobre?

— Vocês são mesmo nojentos. Mas a hora está chegando, vampiros.

— O que quer dizer? — Pergunta o lorde.

— Acha mesmo que vai acabar aqui, com nosso grupo? Não. Enquanto vampiros existirem, as “criaturas inferiores” não descansarão. Nós vamos livrar o mundo de vocês, vamos erradicar esse mal do mundo.

Aquela fala não pegou ninguém ali de surpresa, mas mesmo assim Simon ficou preocupado. Aquilo confirmava suas suspeitas sobre o assunto. O homem olhou de rabo de olho para sua amiga, Lenore, que o encarou de volta com mesmo olhar.

Alice, no entanto, permanecia parada, de costas para os sujeitos, em um estado inerte.

— Qual o seu nome? — A pergunta repentina pegou o homem de surpresa.

— O que?

— O seu nome.

— Para que quer saber, garota?

Alice se aproxima novamente do sujeito, se abaixando para olhá-lo mais de perto.

— Apenas me diga.

O olhar sincero da menina cativou o sujeito; mesmo que eles fossem inimigos em tal situação, ele não podia não se deixar levar pelos olhos azuis, puros e delicados daquela menina.

— Darton.

— Darton, me diga, o que é um monstro?

O homem encarou-a com um semblante confuso, mas logo fechou seu rosto em fúria e voltou-se para os dois lordes vampiros que encaravam a cena curiosos.

— Você têm vivido entre um e não sabe a resposta?

— Darton, me diga, uma menina humana, escrava, mesmo uma camponesa, teria a oportunidade de jogar uma partida de xadrez com um rei humano, de igual para igual?

— O que?

— Eu fui escrava por toda a minha vida, Darton. Em nenhum momento eu tive a oportunidade de comer uma refeição completa ou dormir em minha própria cama. Para outros escravos, eu era considerada uma peça de elite, pois eu tive oportunidade de ser criada e educada dentro da casa principal de Von Burker. Muitos se matariam para ter a chance que eu tive; e soube de alguns que chegaram a fazer isso. Alguns deles tinham ciência de como era a minha vida, e mesmo assim eles a desejavam. Quando eu errava uma questão, eu era punida. Quando eu servia um chá pelo lado errado da mesa, eu era punida. Mesmo se eu não soubesse a resposta para uma pergunta trivial como “que horas são”, meus donos me castigavam. Uma vez, eu encostei sem querer na capa de meu senhor; fiquei trancafiada por três dias e três noites na solitária, sem comida, tendo de beber a água suja que pingava dos canos. — A menina se levantou e encarou Simon com certo apreço em seus olhos. — Perguntas não podiam sair de meus lábios. Erros não podiam ser cometidos. — Ela voltou-se novamente para o homem. — O que me diz, Darton? Tudo isso que lhe disse agora parece algo que um monstro faria?

O homem a encarou com um rosto pensativo e confuso.

— Mas não é como se a sua vida estivesse tão diferente agora, não é?

A menina sorri.

— O que você acha?

Ele encara-a com certa hesitação. O homem sabia a resposta. Os olhos sinceros da menina gritavam a resposta. Mesmo que em sua mente, ele tentasse não a validar, ele a sabia. Mesmo assim, ele a encarou com um rosto furioso.

— Mas você ainda é uma escrava.

— Sim. Eu ainda sou uma escrava. Mas diferente do passado, dessa vez eu escolhi ser uma. Paguei com o meu sangue o preço de me tornar uma escrava. Mas sabe o que eu ganhei em troca? Um quarto próprio, comida abundante e deliciosa, aulas cuidadosas e muitas vezes divertidas. Eu até joguei xadrez com o rei deste país.

A menina se afasta dos homens, se colocando em sua posição anterior. Embora o lorde tivesse suas dúvidas sobre Alice, Simon sentia que podia confiar na garota. Toda a hesitação que ela exalava anteriormente havia desaparecido. O homem quebra seu devaneio de alguns segundos e se dirige novamente na direção daqueles sujeitos. Ele leva sua mão na direção do líder do bando, fazendo-o fechar os olhos por impulso.

— Matá-los ou trancafiá-los em uma masmorra não trará benefício algum a nós.

O homem sente um breve alívio em seu corpo, assim que as cordas se afrouxam. Confuso, ele encara o lorde se afastando em direção a sua carruagem.

— Vamos, Lenore, já perdemos tempo demais aqui.

— Tem razão.

A mulher se levanta, fechando seu leque e sorrindo para o sujeito humano a beira da estrada.

— Tenham um bom dia, e não vá se meter em mais confusão.

— É alguma piada?! — Grita o sujeito, irritado. — Vão simplesmente dar as costas para nós como se nada tivesse acontecido?!

— Preferem morrer por nossas mãos?

Ele reage com confusão, encarando seus amigos que compartilhavam da mesma sensação.

— Eu disse antes, matá-los ou trancafiá-los não vai nos trazer qualquer benefício.

— E vocês não são tão fortes a ponto de termos que nos preocupar em escoltá-los para fora do país.

— Sintam-se gratos por deixarmos que partam nessas condições. Se ainda assim nutrirem ódio por nós, se ainda se sentirem humilhados e injustiçados por essa situação, fiquem mais fortes e retornem.

Após ouvir aquilo saindo da boca do lorde, Lenore encara Simon com um olhar repreensivo.

— O que? — Pergunta o sujeito, com um olhar confuso.

— Porém, se de alguma forma as palavras de minha serva tiverem tido algum efeito em vocês... não, esqueça.

O homem entra na carruagem, seguido dos dois servos. O cocheiro parte assim que o grupo entra, enquanto os homens humanos permaneceram encarando a carruagem partindo, reflexivos.

— Ei, Darton! Nos desamarre também! — Gritou um deles, quebrando o momento.


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