Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 21
Lembranças de uma Boneca — Parte 1




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Havia um aristocrata muito famoso na região de Jasfik.

Um homem rico e poderoso, com influências entre comerciantes, militares e até mesmo na alta casa real do reino de Jasfik. Este homem era conhecido por sua postura pura e conduta impecáveis.

Porém, aquilo era uma grande fachada.

Ao mesmo tempo, este homem possuía muitos servos e servas. Uma destas era uma jovem bela, trazida como escrava de uma das grandes conquistas daquele reino. A jovem fora comprada por um alto preço, e suas qualidades e atributos eram notáveis.

E aquele homem as reconhecia.

Daquela noite em questão, onde a jovem fora arrastada a força para aquele quarto, surgiu uma criança.

Com medo, porém, a jovem decidiu esconder sua gravidez.

Vários meses se passaram, a mulher não sabia ao certo quanto tempo, pois não sabia contar. E a criança nasceu.

Naquela noite, uma grande movimentação se fez na casa, mas movimentação esta que estava sendo controlada por seu dono.

— Achou que eu não sabia?

A pobre mulher que fizera o parto estava agora estirada sobre o solo, ensanguentada, mas viva. A mãe, no entanto, temia em cima da cama, segurando o lindo bebê em seus braços.

— Senhor, matamos a criança também?

Os olhos puros daquela menina chamaram a atenção do aristocrata. Algo nela o cativou.

— Não. — Respondeu o homem, um pouco pensativo enquanto encarava o bebê chorando nas mãos de seu soldado.

O homem agarrou a parteira ensanguentada no chão pelos cabelos e a jogou contra a parede.

— Nunca mais me traia novamente, ou terá o mesmo fim desta mulher, entendeu? Você será a responsável pela criação desta criança.

A mulher foi deixada ali, e logo quando seu amo saiu, foi acudida por outros servos.

— Joguem o corpo da mãe na casa daquele homem, e matem-no. — Foi a última ordem do homem aquela noite, apontando para o corpo morto da jovem em cima da cama.

E o dia passou, e rumores começaram a correr.

— Pobre mulher, quer dizer que um dos servos abusaram dela?

— Sim, quem iria adivinhar? E depois de tudo, quando a criança tinha acabado de nascer, ele tentou matá-la junto da mulher.

— É mesmo um absurdo isso! Mas ainda bem que os soldados do jovem mestre chegaram a tempo e salvaram o bebê.

— Ele disse que cuidaria da menina como uma de suas filhas, ele tem um coração tão bom.

E a menina crescia bem, e era ensinada como uma nobre. Porém, não era tratada como uma.

— Não consegue fazer nem mesmo uma conta básica dessas?! Você já tem três anos! Deveria ser capaz de realizar funções aritméticas como essas! Se a beleza é a única coisa que você tem, faremos questão de te dar um uso mais apropriado!

— Senhor, tenha piedade dela, ela ainda é jovem!

— Fique no seu lugar, mulher! Ou quer ir no lugar dessa criança?

A jovem menina fora salva inúmeras vezes por sua mãe de criação, a mesma pessoa que a viu pela primeira vez; a mesma que realizou seu parto.

E os anos se passaram.

E oportunidades apareciam.

Oportunidades que a menina, mesmo jovem, conseguia notar. Como daquela vez em que os olhares preocupados, daquela mulher nobre, que falava com o aristocrata, a diziam que tudo ficaria bem. Todas as vezes que a duquesa visitava o homem para tratar de negócios, ela via no rosto da menina a farsa estampada. Ela podia sentir sua dor. Mas...

— Pobre duquesa. Ficou sabendo? Ela foi encontrada em seu quarto, envenenada.

— Sim, parece que foi suicídio.

— Acharam uma carta contando como ela estava depressiva...

E aquela mulher não fora a primeira a tentar ajudar a criança.

Durante as negociações de seu patrão, a jovenzinha percebia suas atitudes e planos. Ela via como ele controlava a conversa para satisfazer suas próprias ambições. Ele era um excelente manipulador. Ela aprendia muito observando-o. Talvez fosse a melhor parte de sua vida, quando ela estava fazendo serviços próxima a essas conversas.

Ela aprendeu sobre o reino, sobre a corte, sobre as terras que viviam.

E por muito tempo foi protegida por muitos que percebiam sua dor.

Mas...

Chegou um momento em que ela não podia mais contar com ninguém.

— Francamente, você é um fracasso! — A cada chibatada, a menina absorvia o impacto e permanecia em silêncio, como uma boneca sem vida. — E olhe só isso! Você nem mesmo grita após tanto apanhar! Se não pode mais me servir como um suporte intelectual, vai me servir de outro jeito. Seu corpo já é maduro o suficiente.

A mulher que entrara apressada chorava muito.

— Mestre! Por favor, poupe-a!

Em fúria, o homem a derruba com uma forte pancada no rosto.

— Quem te deu permissão para entrar aqui?!

— Por... por favor! Poupe-a! Me use no lugar dela!

— Uma velha como você não pode mais me satisfazer, mulher! E além do mais, essa criatura ainda nem foi tocada... eu não perderia uma oportunidade dessas!

A jovem menina, presa às correntes, apenas ouvia tudo, inerte. Ela não falava, ela não se movia, apenas escutava; como uma boneca.

— Senhor! — Gritou um soldado entrando no aposento. — Os mercenários voltaram!

O homem grunhiu, vestindo-se rapidamente.

— Você teve sorte, garota. Mas eu volto para terminar isso. Você, mulher! Limpe-a e prepare-a para mim!

— Não...

— O que disse?!

— Não vou permitir que o senhor... — Antes que a mulher terminasse sua frase, o soldado é surpreendido pelo seu patrão, que puxa a espada no cinto do guarda e ataca a mulher com violência. O corpo estirado no chão, agora sem vida, foi a visão final que a menina teve de sua mãe de criação.

— Tragam-me uma nova serva e mandem que ela limpe a menina. E limpem essa bagunça!

O homem joga a espada de seu soldado no chão e anda para fora da sala.

A menina ainda não sabia, mas aquela conversa com os mercenários seria um ponto importante para sua vida.

— Podem escolher o que desejarem! Eu farei o que estiver em meu poder.

— Mas o pagamento que o senhor nos deu já é mais que o suficiente, meu amo.

— Não, eu insisto! Peçam qualquer coisa.

— O senhor tem mesmo um grande coração! Sendo assim, nós estamos precisando de um contador.

— Contador?

— Sim, nenhum de nós sabe contar direito. Eu sou o único do bando que sabe ler e escrever, e mesmo eu não tenho muita instrução. Seria bom se pudéssemos ter alguém para lidar com essas coisas por nós.

A menina veio à mente do senhor de imediato. Era perfeito! Ele poderia se livrar daquele traste, finalmente, e desligar-se completamente de qualquer problemas relacionados a ela.

— Pois bem. Darei um presente para vocês.

E assim foi.

A menina encarou seu mestre entrando na sala pela última vez, e o homem jogou um vestido barato em seus pés.

— Vista-se, mudei de ideia. Não vou me sujar com seu sangue, como fiz com aquela vagabunda que te deu à luz. Você não serve nem mesmo para isso.

E a menina foi levada para os seus novos donos.

— Você tem um nome?

A menina apenas assentiu com a cabeça.

— E qual é?

— Alice.

— Alice de que?

A menina pensou, e se lembrou de uma conversa que teve com sua mãe de criação.

— Você não é minha mãe de verdade, não é?

A mulher não queria responder, mas a menina sabia a resposta.

— O que aconteceu com minha mãe biológica?

— Você sabe o que houve.

A menina sabia sim, ela não era burra.

— E qual era o nome dela?

De volta ao momento, ela olhou para os olhos do mercenário e disse:

— Alice Dollberon.

No geral, a garota não era maltratada como em sua antiga vida. Mas ela vivia entre mercenários agora, eles eram ríspidos e, em alguns momentos, hostis.

— Sua comida, bonequinha.

Eles sempre a alimentavam por último, isso quando o faziam. Em muitos momentos, ela acabava ficando sem o alimento.

— E é melhor não passar a perna na gente, criança! Podemos não saber contar, mas sabemos quando estamos sendo enganados.

E é claro que ela nunca faria nada para irritá-los. Ela não queria ter que passar por tudo aquilo de novo. Eles viajavam muito, e ela teve a oportunidade de ver muita coisa que nunca havia visto antes. E em sua última viagem eles foram para um local diferente de tudo que ela sequer imaginara.

O nobre no comando daquela região, no entanto, estava ciente de sua estadia ali.

— Mercenários humanos?

— Sim, meu lorde.

— São uns tolos por virem até Hastermash em busca de minha cabeça.

— O que faremos, senhor?

— Deixe-os vir.

E assim foi. A menina fora largada ali, nos arredores daquela vila, e seus donos nunca regressaram.

Vivendo de migalhas e roubando o que podia das casas dos moradores, a menina sobreviveu, durante meses, talvez até tenham se passado alguns anos. Quando ficava doente ou se machucava, ela usava de seu conhecimento para se curar. Quando precisava de amparo, ela apenas podia contar com o que aprendera no passado.

Até aquele dia em que, pela primeira vez, viu um vampiro.

A visão daquelas criaturas a facionou de imediato.

Ao tentar espioná-los, no entanto, a menina percebeu o quão inferior ela era daqueles seres.

Sua velocidade a fascinou.

Sua força a extasiou.

Sua eloquência e imponência a hipnotizou.

Mas o que mais a chamou a atenção foi seu olhar.

Pela primeira vez, ela não se sentiu inferior ou ameaçada.

Mesmo de fato, claramente, ser inferior.

Os olhares daquele ser grande a sua frente não eram maliciosos. Eram parecidos com os olhares daqueles que tentaram ajudá-la no passado. Sim, algo nele a lembrava de sua falecida mãe.

Algo nele era semelhante a duquesa.

Eram os mesmos olhos caridosos e preocupados.

— Entregue um para ela também.

— Mas... meu senhor? Ela não deve nem saber ler ou escrever!

— Não importa. O teste deve ser feito por todos.

Ela ainda se lembrava do que o homem que a dominara em Jasfik dizia sobre os vampiros.

— Monstros! Criaturas da noite que se aproveitam dos mais fracos. Se eu pudesse, exterminaria todos eles...

Mas não era o que lhe parecia naquele momento.

A criatura alta, de cabelos negros e pele pálida, era bela.

— O que me diz, consegue entender algo?

Sim, ela podia ler perfeitamente. Não apenas ler, mas em sua mente as respostas já foram reveladas no momento que ela olhou para o papel. Não, aquelas escritas não se comparavam aos desafios intelectuais a qual ela estava acostumada.

O grupo de caracteres não lhe assustavam como os daquele sujeito em Jasfik.

Ela não podia simplesmente deixar a criatura ir embora sem perguntar.

Ela já sabia da resposta, mas queria confirmar.

E então, ela estendeu sua mão e segurou-o. Algo que ela jamais teria coragem de fazer com seus antigos mestres.

Ela tocou em sua capa.

— Qual o problema?

— Você... é um vampiro?

Ela ficou atraída pelo olhar curioso do homem ao ouvi-la. Era como se ele se compadecesse dela.

— Não consegue dizer só de olhar?

— Eu nunca vi um vampiro antes.

Quando ele a fez aquela pergunta, a menina não entendeu no momento o motivo, e mesmo pensando agora ela seria incapaz de entender.

— Não tem medo de mim?

E por isso, a resposta dela não poderia ter sido outra.

— Por que eu deveria ter?

Afinal de contas, ele não parecia com o monstro que diziam ser. Não, ele não lembrava nem um pouco um monstro.

Um monstro era cruel.

Um monstro era sádico.

Um monstro de verdade se alimentava de suas vítimas sem motivos.

Como aquele homem em Jasfik.

Era diferente de um animal, que fazia por instinto ou necessidade.

Mas aquele à sua frente não parecia nada disso.

A visão bela que se afastava a fez ficar pensativa.

E ela decidiu se dedicar para aprender mais sobre aqueles que a fascinaram tanto aquele dia.

Ela queria ver mais sobre.


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