Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 19
Manipulação




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A partida seguia firme, porém calma. Ambos os lados não demonstravam muita agressividade em suas jogadas, eles pareciam mais analíticos que qualquer coisa. A garota tinha dedos calmos e delicados, que se moviam sobre o tabuleiro com muita suavidade e concentração. O monarca, por sua vez, encarava-a com certa curiosidade no olhar.

— Você não é tão ruim, garota.

A menina permanece em silêncio, encarando o tabuleiro como se estivesse hipnotizada por ele. Simon dá uma leve risada e volta-se para o rei.

— Não ligue se ela não o responder, senhor. Ela se concentra muito quando começa a jogar.

— Mesmo? Bom, isso pode ser um problema.

— Não seja tão modesto, vossa majestade. — Dizia Cornélia. — Não há como uma jovem humana ganhar de um vampiro em um jogo estratégico como este.

— Será mesmo? — Perguntou o rei com um sorriso.

Alice continuava suas jogadas, e o rei parecia estar se divertindo. A audiência não dava ares de estar tão interessada no início, mas à medida que o jogo foi avançando e as peças foram diminuindo, o grupo percebeu algo interessante sobre aquela partida.

— Simon... — Sussurrava Lenore, com certo espanto.

— Entende agora?

Foi quando a voz da menina saiu pela primeira vez naquela partida.

— Xeque.

O rei olhou para ela com um rosto sério e concentrado, vislumbrando o tabuleiro por alguns segundos logo em seguida. Ele faz um movimento com um de seus peões e sai do xeque. O próximo movimento de Alice, no entanto, foi um pouco mais ousado.

— Xeque. — Repetiu a menina logo em seguida.

Da mesma forma que o rei saiu do primeiro xeque, ele conseguiu sair deste. Mas...

— Xeque.

“Como isso é possível?” Pensavam todos ali.

Mais uma vez, o rei tentou se esquivar do xeque, e dessa vez ele conseguiu achar uma brecha.

— Xeque. — Disse o rei.

A garota removeu mais uma peça do monarca, dizendo a palavra mais uma vez.

— Xeque.

O rei ri com o movimento dela.

— Eu estou vendo para onde isso vai caminhar.

Faltavam poucas peças no tabuleiro. Após aquele momento, elas foram apenas diminuindo. Até que se sobrasse exatamente duas peças de cada lado. Um rei e um peão.

A aura ao redor da menina parecia calma e serena, no entanto, o rei parecia bastante concentrado enquanto encarava o tabuleiro.

— É um empate. — Comenta Cornélia.

— Não. — Refuta Darius. — Ainda existe a chance de alguém ganhar.

O monarca suspira e derruba seu rei, se levantando.

— Não, eu me rendo.

Os presentes ficam surpresos com a atitude do rei, tal qual a menina, que levanta seu semblante confuso para vislumbrar o rosto de seu adversário.

— Por que se rendeu, meu rei? — Pergunta Cornélia.

— Essa menina não estava tentando ganhar.

— Como é? Claramente ela estava...

— Não. Eu não teria chegado até aqui se fosse esse o caso.

Eles encaram Alice, confusos. A menina fica em silêncio completo, sem expressar qualquer sentimento no rosto. Ela se levanta, segurando a borda de seu vestido e reverencia o monarca.

— Obrigada pela partida, vossa majestade.

Calmamente, a garota retorna até seu mestre, que com um sorriso acaricia sua cabeça.

— O que achou, meu rei?

— Foi uma das partidas mais divertidas que já tive, mas isso apenas porque ela deixou.

Simon ri.

— O senhor está dando créditos demais a ela, aposto que ela estava fazendo seu melhor para ganhar.

Ele fica pensativo, encarando a menina que evitava contato visual com qualquer um ali.

“Será que foi só isso mesmo?” Pensava ele.

— Com licença, senhores.

Simon e Alice se retiram até um canto da sala, juntamente de Lenore e seu subordinado.

— O que achou, Lenore?

— Eu admito, ela é bem esperta.

— Acha mesmo? E você, Alice? O que achou de jogar com o rei?

— Foi divertido, senhor.

— Apenas isso?

— Não... ele foi um oponente desafiador.

— Conte a Lenore as instruções que lhe dei antes de chegarmos aqui.

A menina voltou seus olhos para a vampira e começou a falar.

— O mestre Lumiya me fez um pedido um tanto inusitado antes de virmos para cá. Ele me pediu, caso eu tivesse a oportunidade de jogar xadrez com alguém, que eu perdesse de propósito.

— O que disse?

— Ele me pediu para que perdesse, mas que não deixasse a pessoa ganhar até o último momento.

— Simon, o que essa menina está dizendo é que você pediu que ela segurasse o jogo o máximo que ela conseguisse? Ela estava... ela estava controlando o jogo?

Simon sorri, encarando a mulher atônita.

— Entendeu agora, Lenore?

Ganhar ou perder; isso não importava. O real desafio era decidir e manipular o tabuleiro a seu favor; fazer com que o jogo corresse da forma que ela queria. Esse era o real desafio, o real objetivo.

E Alice conseguiu tirar de letra.

Lenore finalmente havia percebido o que aconteceu, ela voltou sua mente ao jogo em questão. A quantidade de peças e suas qualidades, o tempo inteiro, ficaram emparelhadas; sempre que o rei perdia alguma peça, Alice fazia questão de se livrar de uma de um mesmo valor, e o oposto também acontecia.

A imagem do tabuleiro sempre igual rodeou a mente de Lenore e a atordoou por um segundo, fazendo-a encarar a menina com bastante admiração.

Mas Alice parecia não entender isso. Para ela, foi apenas um momento de diversão.

— Peço perdão, meu senhor. No fim das contas ele acabou desistindo antes que eu deixasse-o vencer.

— Não tem problema. Você fez um excelente trabalho.

...

— Ah, eu realmente deveria ter pedido informação...

Hugo andava pelos corredores do castelo com um ar confuso e desesperado. Enquanto segurava suas partes baixas, o rapaz revirava a cabeça em busca de algum lugar para se aliviar. Ele finalmente chegou a um pequeno jardim, com uma fonte no centro.

— Vai ser aqui, não posso mais segurar!

Ele abre o zíper ali mesmo, e se posiciona na frente de um dos arbustos. A pequena criatura quadrúpede que o seguia vê a cena e decide acompanhá-lo.

— Você também estava apertado, amiguinho?

Os dois se encaram e o rapaz sorri.

Assim que eles terminam, o jovem se abaixa para acariciar o cão. Sem virar seu rosto, ele fala algo em uma altura bem audível.

— É seu costume ficar secando os outros enquanto eles se aliviam, senhorita Banshee?

A fala do rapaz, totalmente calma e relaxada, pega a mulher de surpresa.

— Não foi minha intenção, só queria uma oportunidade de abrir uma conversa.

— Sei.

Ela se aproxima, acompanhada de seu servo. Hugo, no entanto, nem se importa em se levantar para falar com ela; ele continua acariciando o seu cachorro com um rosto sério.

— Me diga, senhor Korhil, como conseguiu a liderança de sua família?

— E isso te importa por qual motivo?

— Hm, agressivo... do jeito que eu gosto.

A mulher chega bem perto, antes de ser parada pelo jovem, que puxa sua arma e a aponta para ela.

— Te conheço bem, Elena Banshee.

— Conhece?

— Bem... mais ou menos. Eu ouvi boas histórias sobre você. Sobre seus trabalhos.

— Entendo. E?

— E... é isso.

Ela sorri, disfarçando um rosto decepcionado.

— Você não é do tipo de falar muito, não é?

— Não gosto muito de conversar.

— Eu percebi. Você não parece ter aptidão social alguma, o que me deixa curiosa sobre suas capacidades...

Ele franze os olhos, fitando-a com certa dúvida.

— Está insinuando que não mereço meu posto?

— Não foi o que quis dizer..., mas...

O homem crava sua arma sobre o solo, se levantando e encarando a mulher com um rosto sério.

— Nosso clã não precisa de modos e roupas finas. Nós somos um grupo de bárbaros, responsáveis pelo treinamento dos soldados que são espalhados pelo território, inclusive os que estão no seu território.

— Ah, me desculpe, não foi minha intenção ofendê-lo...

— Não foi o que me pareceu.

Elena vira-se de costas e começa a andar em volta do jardim, acariciando as flores.

— O que acha do nosso país?

— O que tem para achar? Não é como se eu tivesse uma opinião sobre como as coisas estão. Se eu consigo lutar com pessoas fortes e comer uma boa comida, eu já estou satisfeito. As criaturas inferiores que vivem aqui me proporcionam a boa comida, mas os tempos de paz estão diminuindo a outra parte. Participar da expedição foi bem divertido, confesso, mas depois dela as coisas têm andado calmas demais.

— É mesmo? Mas você não passava o tempo todo no campo de treinamento?

— A maior parte, sim. Cheguei a treinar alguns dos nobres de outras casas, como as irmãs e irmãos do senhor Lumiya.

Ela olha sutilmente para seu servo, que a encara com um leve sorriso. A mulher chega a poucos centímetros de Hugo, em um ar sedutor, chegando seu rosto bem próximo do dele.

— O que me diz de um jogo, senhor Korhil?

— Jogo?

— Você gosta de jogos, não gosta?

— De que tipo de jogo estamos falando?

— Hastermash tem entrado em um momento decisivo, sei que deve ter reparado isso. Uma nova era vai se iniciar, querendo nós ou não. Em breve nossa terra vai deixar de ser o que é. Com isso em mente, sei que já deve ter reparado alguns pontos importantes para essa revolução.

O homem fechou seu semblante em seriedade, enquanto a mulher acariciava seu abdômen.

— Sabe que eu não lavei as mãos, não é?

A mulher começa a rir, se afastando dele em meio a gargalhadas. Hugo encarava-a com certas dúvidas sobre sua sanidade, mas para Elena aquilo não passava de diversão. Ela se aproxima de novo e o agarra em um abraço sedutor, quase encostando seus narizes.

— Simon Lumiya. Ele é uma ameaça para nossa Hastermash. Se depender dele, você não vai mais ter utilidade para nosso povo. Sei que deve ter reparado isso.

— Eu sei o que está tentando fazer, senhorita Banshee. Posso não ser inteligente como os outros lordes, mas não vou cair na sua conversa. Eu sou um guerreiro, gosto de lutar, mas sei os resultados que uma guerra podem trazer.

— Acha que estou tentando incitar uma guerra? Não, você me entendeu errado.

— É mesmo?

— Sim, não será uma guerra, e não serei eu a incitá-la. Isso será um massacre, mas não será nós que estaremos do lado vencedor. E não é sobre lutas físicas, mas sobre lutas intelectuais. Veja bem, após o tratado de não agressão com Jasfik, o reino tem seguido seus passos isolado do restante do mundo. Porém, existem vários boatos de mercenários que veem invadindo essas terras, seja em busca de vingança ou para testar sua força. De toda forma, os humanos não gostam de nós.

— Eu ouvi sobre isso também...

— Eles dominam a maior parte do planeta, e nós, vampiros, a raça superior, temos apenas um continente em nossas mãos. Não acha que já está na hora de conquistarmos um pouco mais? Sei que o rei atual não compactua da mesma ideia, e sei que se depender daquele Lumiya, nós nem mesmo teríamos o poder de ter escravos. O que estou dizendo é que, se as coisas continuarem assim, Hastermash em breve vai entrar em colapso. Os humanos não vão obedecer ao pacto por muito tempo, e se nós não estivermos preparados para isso, nosso povo sofrerá.

— Então é isso, está dizendo que se não fizermos nada os humanos vão invadir nosso país e nos massacrar?

— Não só os humanos, mas todas as raças inferiores vão se unir para nos derrotar, nos erradicar. Nós não somos imortais, Korhil. Mesmo sendo superiores em força, eles nos superam em número.

— Está superestimando esses ratos. Um milhão de ratos podem atacar um dragão em conjunto, o dragão ainda seria capaz de vencer. Já lutei com alguns humanos, mesmo alguns anões. Eles não representavam ameaça alguma.

Ela solta o rapaz, andando para longe com um sorriso.

— Talvez eu esteja exagerando um pouco. Mas você vai querer mesmo arriscar perder nossas terras? Não precisa me dar nenhuma resposta. Ao invés disso, reflita sobre o assunto.

— Então, você tinha mencionado um jogo...

— Reflita primeiro. Se você decidir jogar comigo, então aí eu te faço a oferta novamente. A propósito, gostaria de deixar-lhe um pequeno convite no lugar. Vou estendê-lo aos outros lordes também, mas você está sendo o primeiro; sinta-se honrado.

— Que tipo de convite?

— Uma grande caçada.

O rapaz sorri ao ouvir.

— Oh... tem tempo que não faço isso com pessoas decentes. Jogar algo assim com nobres vai ser interessante... se você conseguir que eles apareçam, pode contar comigo.

Ela se retira, seguida de seu servo, enquanto o homem encara o cachorro, pensativo.

— Então é isso que é ser um nobre, pulguento? Sorte sua que não entende palavras.

O cachorro talvez realmente não tivesse entendido nada, mas havia outra pessoa que fora capaz de entender no lugar dele.


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