Bloody Devotion escrita por Eliander Gomes


Capítulo 17
Assimetria Metafísica




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799702/chapter/17

O jovem mestre Lumiya e sua serva, Alice, se preparavam para deixar a mansão. Enquanto os outros criados de Simon preparavam a carruagem, o jovem dava últimas instruções a garota, que ouvia tudo com bastante atenção.

— Gostaria que estivesse o tempo todo de olho nos arredores, principalmente na atitude de cada um dos lordes.

— Sim, senhor.

— Eu quero, também, combinar alguns sinais com você.

— Sinais?

— Sim. Eu quero que analise uma pessoa em especial; Karen Solas.

— Por qual motivo, senhor?

— Ela será a pessoa mais importante neste jantar. Todos os lordes, provavelmente, vão tentar puxar o assunto para o lado deles, independentemente de como o assunto proceda. Karen tem um condicionamento especial, e suas terras são um ponto importante neste país. Se a oportunidade surgir, eles claramente vão atacá-la, seja metaforicamente falando, ou mesmo de forma literal.

A menina fica pensativa, mas ela entendia perfeitamente o que seu mestre dizia. Antes que continuasse, o jovem mestre mostrou-a do que os sinais se tratavam.

Eram sete sinais no total. Um para caso a garota não fosse nem um pouco confiável; um para caso ela estivesse sendo controlada; três para representar as condições dela para com seu mordomo, sendo cada um destes um nível de proximidade entre os dois; um para expressar preocupações quanto à sua atitude, e um último para dizer que ela seria totalmente confiável.

A menina viu apenas uma vez cada um dos sinais, mas Simon sabia que aquilo seria o suficiente para ela. E era o que mais intrigava a menina; a forma que Simon agia parecia estranha para ela. Em toda sua vida ela foi tratada como um objeto, como uma simples ferramenta descartável, mas por algum motivo, ela não se sentia assim com Simon. A forma como o mestre a tratava gerava certas confusões em sua mente.

— Senhor Lumiya... o senhor me permitiria a fazer-te uma pergunta?

— Vá em frente, Alice.

— Desde que nos conhecemos o senhor tem demostrado grande interesse em minha pessoa, e também em minhas habilidades intelectuais. A forma como o senhor age, em sua maior parte, demonstra que ficou realmente surpreso em encontrar o que buscava com aquele teste, mas... por algum motivo, eu sinto que é como se o senhor soubesse, desde o princípio, exatamente o que buscava.

— Não estou vendo um ponto de interrogação em sua fala.

— O senhor parecia saber da minha existência. A pergunta, meu senhor, é...

— Eu entendo qual é a pergunta. O que posso lhe dizer agora, Alice, é: não se preocupe com isso.

— Senhor?

— Eu disse que não precisa se preocupar. Isso não é importante; não agora. No tempo certo terá suas respostas, e eu também terei as minhas.

Embora sob tais ordens, a menina não podia simplesmente deixar de pensar sobre o assunto. Porém, mesmo que Simon tivesse sido evasivo e misterioso em sua resposta, a menina já tinha conseguido parte do que buscava com aquilo.

As instruções de Simon para sua serva foram precisas e certeiras, e a menina cumpriu tudo com bastante maestria e cuidado. O resultado foi o que o mestre esperava, e o sinal que a garota usou foi o melhor e mais satisfatório possível.

Alice continuava sua análise, de forma concentrada e precisa.

— Lorius parecia querer que as coisas saíssem do controle; pelo meu julgamento, ele estava apenas se divertindo. Georgia quis permanecer neutra, e por isso escolheu o que lhe pareceu mais conveniente no momento. Votar a favor da senhorita daria a ela certo status como alguém benevolente e sábia; ela provavelmente se absteve de uma explicação por este motivo também.

Karen permaneceu com suas sobrancelhas cerradas, encarando a menina com a boca levemente aberta em um ar confuso. O jovem Lumiya volta-se para sua aprendiz mais uma vez.

— Análise rápida. O que me diz de Frankie?

— Ele foi sincero no que disse.

— Hugo.

— Parecia perdido no assunto.

— Cornelia.

— Segundas intenções.

— Horan.

— Se mostrou leal ao senhor.

Ele assente, tocando a cabeça de Alice com um cafuné.

— O que é tudo isso, senhor Lumiya?

— Antes, me diga, o que lhe parece?

Ela parecia cautelosa quanto ao homem. Simon parecia enigmático, ela ainda não sabia se podia confiar nele. Embora os laços do destino estivessem a prendê-los juntos, a menina ainda se sentia hesitante perto dele. Algo em Simon trazia a ela aquele sentimento de preocupação constante.

— Eu não sei dizer. Primeiro me pareceu que estava tentando ajudar minha pessoa; embora eu imaginasse que nisso teriam segundas intenções envolvidas.

— É isso que pensa? É realmente isso que lhe parece?

Sua postura hesitante a fez ficar em silêncio. Simon percebe a postura defensiva dela. O homem suspira e volta a falar.

— Acha que eu pediria a Alice para me dar esta análise na sua frente se fosse isso? Ou que eu arriscasse todo meu feudo em um plano exagerado como este, apenas para ganhar sua confiança?

A menina fica pensativa, voltando-se para seu mordomo, que a encara de volta com a mesma expressão.

— Então... então, o que quer de mim, senhor Lumiya?

— Por hora, apenas um obrigado seria suficiente.

Ela solta uma leve e breve risada tensa, suspirando logo em seguida.

— Me desculpe. Muito obrigada, senhor Lumiya, por me defender lá atrás.

O homem assente, com um breve sorriso.

— Há algo que desejo discutir com a senhorita, Lady Karen.

— E o que seria?

O jovem anda na direção dela, chegando bem próximo.

— Isso vem me incomodando desde que te vi chegando.

Ele estende sua mão na direção do rosto dela, fazendo-a reagir no mesmo instante, dando um tapa em seu braço.

— O que pensa estar fazendo?

O tapa na mão de Simon criou uma leve atmosfera tensa no ambiente, mas, após alguns segundos, o homem levanta sua mão mais uma vez, mas dessa vez o mordomo da garota segura seu pulso.

— Senhor Lumiya, eu respeito o que fez por mim mais cedo, mas isso não te dá o direito...

— Eu consigo sentir; o frio vindo de você.

A menina e seu mordomo congelam hesitantes no mesmo instante, ficando atônita. Eles encaram Simon com um rosto incrédulo.

— O... o que... disse?

— Eu disse que consigo sentir o frio vindo de você. Eu estava apenas querendo confirmar isso.

— Eu... eu não sei do que está...

— Claramente sabe, senhorita Karen. Eu percebi, desde que chegou a este castelo, a senhorita não tem demonstrado sinais de doença alguma. Sua saúde parece perfeitamente estável, seu corpo parece perfeito. Mas isso não significa muita coisa. Foi então que pedi para minha aprendiz analisar sua atitude. Você claramente demonstra sinais de preocupação e medo, também demonstra sinais de estar escondendo algo.

— Eu...

— Seu mordomo também têm constantes olhares de preocupação sobre a senhorita. Isso demonstra uma lealdade legítima vinda dele, mas também demonstra que algo não está certo.

A menina hesita, se afastando levemente.

— Quem é você, Simon Lumiya?

O homem ri, se soltando gentilmente do mordomo e se afastando um pouco.

— Exatamente quem você acabou de dizer que eu sou. Apenas um lorde vampiro, o lorde da casa dos Lumiya.

— Realmente? Apenas isso?

— Sim.

— Então... então como sabe sobre isso? Sobre o frio?

— Porque eu já enfrentei aquelas criaturas. Eu conheço bem o poder deles. E acima de tudo, conheço a sensação gerada por elas em seres magicamente sensíveis quando estão por peto. A mesma sensação da qual sinto vindo de você neste exato momento.

A menina tremia enquanto ouvia a fala do jovem mestre Lumiya.

— Entendo, então é isso... o senhor é um mago, e dos bons. Sim, está certo. Eu tenho uma dessas coisas... dentro de mim.

— Senhorita! — Disse o mordomo em tom de repreensão.

— Está tudo bem, Marcos. Não há motivos para esconder isso dele agora. E tendo em vista tudo que aconteceu, não creio que tenha sido ele a pessoa quem fez aquilo.

A menina faz uma pausa e respira fundo, voltando a ficar com uma postura mais calma e relaxada.

— Senhor Lumiya, vou contar ao senhor o motivo de eu ter me atrasado hoje para este jantar. Eu fui atacada no caminho para cá.

— Atacada? Por quem?

— Assassinos, provavelmente mandados por algum outro lorde. A verdade é que foram mais de um grupo. Eles pareciam mesmo interessados em me ver morta. Alguém incitou ira dentro das vilas da minha região, fazendo com que os próprios habitantes do meu feudo se voltassem contra mim. Eles organizaram um grupo para me atacar; além destes, também vieram um grupo de assassinos profissionais, provavelmente mandados por outra pessoa. E por fim, tiveram aquelas criaturas mágicas que foram soltas convenientemente dentro das florestas dos arredores do meu castelo.

— Está dizendo que três lordes tentaram assassiná-la?

— Estou dizendo que três grupos tentaram um ataque falho contra minha pessoa. Talvez apenas para me atrasar, talvez para me tirar completamente do caminho. Eu não sei ao certo a verdadeira intenção deles, mas sei o que aconteceu no final.

O jovem fica pensativo, olhando para o chão, mas depois de poucos segundos volta-se para a Lady a sua frente novamente.

 — E então?

— Os ataques foram todos impedidos por este ser. Desde que eu nasci, senhor Lumiya, estou sujeita a uma condição bem específica.

— Assimetria metafísica? — Perguntou o lorde, já imaginando a resposta.

— Sim.

Simon suspirou ao ouvir, mas Alice pareceu confusa sobre o assunto.

— O que é isso, senhor Lumiya? — Perguntou ela, inocentemente.

— É o que acontece quando uma pessoa nasce com um grande poder e potencial mágico, mas seu corpo não corresponde à altura. Na maioria dos casos, o indivíduo constantemente sofre de dores e deterioração de órgãos e membros. Uma das formas mais usadas na antiguidade para tratar isso é o uso contínuo por parte do indivíduo de magias, mas foi descoberta que essa forma de tratamento traz consigo um grande problema; como o corpo não é compatível com seu estado mágico, ele acaba provocando uma deterioração pesada do corpo no momento do uso. Por causa disso, foram criados vários métodos ao longo dos anos para lidar com a doença, e o mais comum hoje em dia é o aprisionamento do indivíduo em uma área antimagia. Porém, o indivíduo precisa ficar constantemente nesta área, e viver lá para sempre. E foi este o motivo pela qual a senhorita passou tantos anos isolada, não foi?

Karen assente calmamente com a cabeça.

— Sim.

— Hoje em dia existem vários remédios e produtos para diminuir a produção e consumo de mana, tal como fortalecer magicamente o corpo. A mais famosa é a injeção antimagia do reino de Kondrir. Porém, existe uma forma ainda mais eficaz, talvez a mais eficaz que um dia vai existir.

— Sim... e essa forma...

— É permitir aquelas criaturas de se alimentarem de seu mana. Uma vez dentro do seu corpo, elas podem viver se alimentando constantemente de mana, e permitir que seu corpo se recupere e não sofra mais. Mas permitir essa simbiose significa abrir mão de uma vida comum e viver à mercê desta criatura.

Eles escultam uma risada vinda de Karen, mas não era a voz dela.

— Caramba, você sabe bastante mesmo, não é? Simon Lumiya é como te chamam, certo?

O rapaz encara a menina, que parecia com um semblante completamente diferente agora. Seus olhos brilhavam em um azul intenso, enquanto no seu rosto, um sorriso carismático o encarava.

— E então, o que vai fazer agora, Simon Lumiya?

O homem suspira, voltando-se para ele com um sorriso.

— Eu não vou fazer nada. Se você está dentro dela, é porque foi uma decisão dela. Mesmo sendo poderosos, vocês não podem simplesmente tomar o corpo de um indivíduo contra a vontade dele, pelo menos não sem matá-la.

— Sim, está certo. Depois de descobrir sobre os assassinos, esta jovem foi atacada por uma outra criatura, uma que a segue desde a infância.

— Uma assim como você, eu presumo.

— Sim e não. De fato, somos similares em composição, mas totalmente diferentes em essência. A criatura quer tomar o corpo desta garota a força, mas ele não percebe que ao fazê-lo a mataria. Por isso, eu fiz um acordo com ela. Entrando no corpo dela, eu poderia constantemente estar a protegendo deste ser, enquanto me alimentaria do mana dela e aliviaria suas dores e deteriorações.

— E tudo que você deseja em troca é uma moradia e comida grátis.

— Precisamente. Não lhe parece uma troca justa?

Simon fecha os olhos e fica pensativo.

— A princípio sim. Mas não vou pensar muito sobre o assunto, a decisão foi de Karen.

— Sim, a decisão foi dela.

Assim que diz isso, o brilho desaparece dos olhos da garota e ela volta a sua postura normal, levemente desconfortável.

— Isso era tudo que queria saber, senhor Lumiya?

— Sim. Isso era tudo.

— Então, já tem sua resposta. Podemos prosseguir? Eu realmente preciso ir ao toalete.

O grupo volta a andar, sendo guiados por Simon. Enquanto se afastavam, uma figura estranha os observava. Assim que a criatura etérea desaparece, o sujeito na sala de jantar abre um leve sorriso.

— A senhorita vai ficar bastante interessada nisso. — Diz ele em um inaudível sussurro.

Elena Banshee abre um sorriso discreto ao ouvi-lo, enquanto se deliciava do prato a sua frente.

— Essa comida está realmente saborosa, meu rei! Você tem ótimos cozinheiros neste palácio.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Bloody Devotion" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.