Capítulo 10 

(...) 

A aparição de sua mãe e a interrupção na conversa com Phillip a levou para uma apresentação indesejada a um cavalheiro, um amigo do futuro duque Haskett; que foi a única informação que Lenora guardou em sua mente. 

E ela estava ela, fingindo prestar atenção em suas palavras enquanto sua mente trazia de volta o pensamento anterior que teve em relação a Phillip e o que aquilo poderia significar. 

Anthony Nosten era uma companhia agradável, não estava falando bobagens como os outros cavalheiros costumavam fazer, mas à medida que a conversa se seguia — a qual apenas ele estava falando — ela não conseguia parar de pensar no que a própria mente lhe dissera momentos atrás.  

Ela queria mesmo Phillip como um pretendente?  

— Não concorda, Srta.? — Anthony perguntou, olhando-a com um sorriso leve em seus lábios. 

Sua pergunta a despertou.  

Ela piscou duas vezes e buscou em sua mente qualquer pista que pudesse ajudá-la a recordar-se do assunto da conversa, passara tantos minutos sorrindo e acenando com a cabeça que sequer prestara atenção em suas palavras.  

— Perdão?  

O cavalheiro a olhou.  

— Estava apenas falando sobre a temporada deste ano — disse ele e Lenora assentiu lentamente, retornando ao seu fingimento. — Está gostando?  

Anthony terminar com uma pergunta foi certeiro, a forçou a manter sua atenção em suas palavras.  

— Um pouco monótona — Lenora não o olhou ao respondê-lo. Apenas queria sair dali logo. Talvez de volta para sua casa.  

O rapaz concordou.  

— Sim, sim — balançou a cabeça. — Está diferente dos anos anteriores?  

Lenora Barrington o olhou e piscou.  

— O que quer dizer? — Ela não entendera sua pergunta ou talvez tenha entendido, mas gostaria de saber o que ele quis dizer com ela. 

Seu rosto ganhou uma expressão juvenil demais, ela sabia como fazê-lo sem que parecesse forçado e sabia que se o olhasse como se fosse estúpida iria conseguir tirar dele alguma resposta. E ela esperava que suas próximas palavras não a forçassem a espantá-lo; sua mãe a mataria se a visse fazer isso, mas ele fez o oposto do que era esperado.  

— Está em sua quarta temporada, não é? Só quero saber se essa está tão monótona como as outras, já que continua sendo como uma debutante.  

Piscou.  

Surpresa. Indignada.  

Nem mesmo Lenora sabia como deveria sentir-se naquele momento após as palavras de Anthony, o decoro dizia que deveria seguir com a conversa, ser gentil e manter a classe, mas tudo o que se passava em sua mente era a imagem de seu punho vindo de encontro com o rosto do moço por falar palavras como aquelas.  

Tudo bem que, aquela não era a primeira vez que alguém jogava em sua cara o fato de estar em sua quarta temporada, mas as pessoas que faziam isso eram parte de sua família e existia toda uma questão que envolvia tal contexto. Anthony, não passava de um mero desconhecido para ela.  

— Acho que deveria ser prudente com as próximas palavras, Anthony — ela o ameaçou, ainda que seu tom de voz estivesse gentil demais para que alguém conseguisse perceber que realmente existia uma ameaça ali.  

Lenora até mesmo chegou a sentir o punho se fechando, sabendo que no instante em que o ferisse seu nome seria alvo de novas fofocas além da solteirice, mas ela pouco se importava com isso. Uma coisa era ouvir de seus pais que ela não podia ficar solteira a vida inteira, outra coisa era ouvir essas mesmas palavras de um cavalheiro que pouco conhecia. 

— Estou apenas dizendo que, como a senhorita já está mais acostumada com os bailes e os demais eventos por estar em sua quarta temporada, deve ter uma experiência melhor na temporada do que eu.  

— O quê? 

Anthony tentou, ela notou que ele esforçou-se para não ofendê-la, mas suas palavras apenas deixaram a situação ainda pior que antes e, por um breve momento ela pensou em deixar tudo aquilo para trás e seguir com seu fingimento em ouvi-lo tagarelar, mas quando imaginou que Anthony simplesmente pararia de falar, ele continuou.  

E para sua infelicidade ele soltou o que ela considerou ser a justificativa necessária para o que faria a seguir.  

— Seu pai dobrará seu dote se não se casar este ano também?  

Lenora se viu ali completamente sem palavras.  

Claro que, todos sabiam sobre o aumento de seu dote, mas ela nunca imaginou que alguém seria corajoso o suficiente para dizê-lo na sua frente.  

E nesse momento, seu punho fechou-se ainda mais firme, suas unhas pareciam prestes a rasgar o tecido fino de sua luva se acaso continuasse. Mas apesar do forte desejo em machucá-lo por ofendê-la, ela sabia que poderia jamais fazer algo assim. Afinal, não seria apenas seu nome a ser citado nas fofocas, mas o de seus pais também, porque no momento em que depositasse um soco no rosto de Anthony Nosten, todos falariam sobre a falta de criação negada por seus pais.  

Como uma moça como Lenora Barrington pode agir de forma tão descortês? Eles diriam. Como seus pais permitem que ela faça algo assim?  

— Ouvi dizer que trata-se de um valor alto e... 

— Pare de falar, por favor. — ela pediu de forma impaciente. — Apenas pare de falar.  

Sabia que não poderia feri-lo fisicamente e por isso optou pelo que julgou mais simples e como uma covarde que poderia ser chamada, afastou-se dele sem nem mesmo olhar para trás. Tudo o que queria naquele momento era ficar o mais longe possível daquele homem antes que escolhesse a violência.  

Lenora sempre estivera ciente de tudo o que era conversado entre seus pais e estava presente quando Lorde Barrington sugeriu aumentar seu dote para atrair mais pretendentes e mesmo que ela tivesse deixado claro que não acreditava que fosse funcionar, concordou com a atitude do pai.  

Ela sabia que não era tão atraente como as outras moças, não era o diamante da temporada como algumas eram consideradas e tão pouco se importava com isso.  

Estava também ciente do que era dito sobre si em rodas de conversas, não apenas por ela sempre espantar algum cavalheiro, mas também por ela se parecer demais com seus irmãos mais velhos. Não se espantou quando um rapaz certa vez lhe disse que quando a olhava, era como estar olhando para seus irmãos trigêmeos.  

Mas as palavras de Anthony foram...  

Ela nunca sentiu-se daquela forma antes.  

Diminuída a apenas uma moça solteira que praticamente perdia seu tempo na temporada com um dote gordo e muito atrativo. Sim, estava em sua quarta temporada e ouviu de tudo, mas nunca palavras como as que foram ditas por Anthony Nosten. Poderia facilmente perdoá-lo se ele tivesse parado no momento em que ela o avisou da ofensa, mas ele não parou e por qual motivo? 

O que ele esperava com aquilo? Ofendê-la apenas?  

Lenora apenas ousou olhar para trás porque queria ter certeza de que sua mão não a estava a seguindo e suspirou alto quando não a viu. Mas sentiu-se tensa quando viu que era Anthony a persegui-la.  

Apressou o passo, ignorando a presença dele não tão longe assim dela e seguiu até encontrar o corredor que a levaria para o terraço aberto da casa.  

— Srta. Barrington — o ouviu lhe chamar uma vez.  

Lenora prosseguiu até alcançar uma parte do terraço, mas parou quando percebera que já tinha alguém ali. 

— Lenora.  

Foi como ser puxada ao reconhecer a voz de Phillip. Lenora virou-se e o viu ali e se perguntou como que não o reconheceu tão de imediato? Afinal, ela sempre o reconhecia, mesmo que estivesse de costas.  

— Phillip.  

Seus lábios se esticaram tentando mostrar um de seus costumeiros sorrisos, mas tudo o que ela conseguiu exibir foi um leve levantar de lábios que mais pareceu uma careta do que um sorriso. Estava irritada demais para simplesmente sorrir.  

— Está tudo bem? — perguntou ele, Phillip nem mesmo se moveu.  

Seus lábios se abriram para uma resposta, porém antes que conseguisse formular qualquer palavra ela sentiu a presença de uma terceira pessoa ali no terraço e rapidamente virou-se na direção do intruso.  

— Oh, Srta. Barrington eu pensei… 

Levou apenas um segundo, Lenora esqueceu-se por completo do decoro e de que estava em um lugar cheio de convidados. Nem mesmo se deu conta do que estava fazendo até sentir o latejar de seus dedos doloridos após a mão avançar contra o nariz largo do cavalheiro.  

Anthony resmungou quando o golpe acertou em cheio o centro de seu nariz, ele cambaleou para trás e tropeçou nos próprios pés e felizmente não chegou a cair. Mas a cena já fora humilhante o suficiente.  

— Céus! 

Phillip exclamou atrás dela em choque.  

— Que diabos?! — Anthony esbravejou.  

O sangue sujou parte de sua luva, mas o que era um pouco de sangue diante de uma cena como aquela? 

Percebendo que cometera um erro — apesar de não estar arrependida — recuou dois passos, uniu os lábios com força para impedir que alguma palavra saísse deles.  

— Você… — Anthony tocou o nariz e viu o sangue escorrer. — Srta. Barrington…  

Lenora nada disse, apenas gesticulou com o punho fechado em direção ao moço em uma ameaça silenciosa. Isso bastou para que ele a deixasse em paz e corresse de volta para o salão, a mão cobrindo o nariz ferido enquanto o sangue ainda escorria.  

Phillip assistiu a cena sem saber o que fazer ou o que dizer, verdade seja dita, ele sabia que ela era capaz disso, mas nunca de fato imaginou que Lenora Barrington iria ser corajosa o suficiente para realizar tal ato em um evento lotado como aquele.  

Ela respirou fundo como se estivesse aliviada por finalmente ter se livrado do rapaz e voltou-se para o visconde ainda muito calado e espantado com o que acabara de presenciar. A luva suja com alguns respingos do sangue era uma prova clara do que fez e isso não a incomodava, por enquanto.  

— Isso foi…  

Phillip interrompeu-se, isso chamou a atenção dela.  

— Por que fez isso?  

Lenora piscou outra vez, o punho aos poucos foi relaxando.  

— Ele me ofendeu — disse firme. — Apenas reagi.  

O visconde assentiu.  

A questão de uma mulher agir com tamanha falta de decoro seria assunto — se Anthony contasse o que houve — e Lenora tinha conhecimento disso. Apesar de ter pensado a respeito e cogitado simplesmente ignorar o que houve antes, decidiu seguir em frente e esquece-se de Nosten e sua fala ofensiva.  

Até que ele a seguiu.  

Foi isso. Ele ter vindo atrás dela, segui-la como um cachorrinho que a irritou.  

Alguns dos presentes viram isso e não demorariam para que criassem alguma fofoca sobre a cena. Isso a irritou também, aquela possibilidade de ser algo de fofoca com Anthony.  

Errou? Era possível que sim.  

Se arrependia? Jamais.  

Sentiu-se vingada, orgulhosa de si por conseguir a façanha de feri-lo e agir como se nada tivesse acontecido; apesar de estar com a luva que comprovava que ela era a responsável pelo nariz quebrado do rapaz. 

— Bem, diante do que vi não irei perguntar o motivo — disse ele com tranquilidade. — Não tenho dúvidas de que tenha feito isso por ter razão para tal.  

— Certamente tive.  

— Acha que ele irá contar o que fez? — questionou.  

Lenora franziu o cenho. De início pensativa, mas então se mostrou indiferente.  

— Creio que não. Contar que uma moça quebrou seu nariz iria arruinar sua reputação homem forte e corajoso — respondeu num tom neutro.  

Na verdade não era isso o que a preocupava. Se Anthony contasse que foi ferido por uma moça, não demoraria para que ele se tornasse alvo de piadas infames. Contudo, ela corria o risco de ser alvo de fofocas por agir como um homem descontrolado e violento.  

E isso sim a arruinaria. Um soco poderia destruí-la.  

— O que realmente me preocupa é minha mãe — comentou ela, arrumando a luva em sua mão para tentar esconder a gotículas de sangue. — Não sei o que ela fará se descobrir sobre isso.  

Phillip meneou a cabeça. 

— Ela irá ouvi-la e compreendê-la. 

— Não se isso acabar com as minhas chances de encontrar um marido.  

Dizer isso a fez mostrar uma careta, Lenora não temia que a fofoca de ferir Nosten arruinasse seu futuro, mas temia que isso fizesse sua mãe ter algum ataque do coração. Afinal, era tudo o que ela mais queria nesse mundo.  

— Pensando bem, não me parece ser tão ruim assim.  

Phillip riu.  

— Isso vai matá-la.  

— Não, vai apenas me livrar de pretendentes indesejados.  

Respondeu com grande indiferença, os dois se puseram a rir.  

E ela então se lembrou. O pensamento que a invadiu momentos atrás, de Phillip como um possível pretendente e do que isso poderia significar para ela.  

Era loucura. Eram amigos!  

Seu rosto esquentou. Tal possibilidade ao mesmo tempo em que estava fora de cogitação, parecia uma ideia maravilhosa de tê-lo como marido. Phillip era bom, a fazia rir, a conhecia como ninguém… Ele seria muito bom para ela. 

Quando o pensamento de que Phillip poderia ser um bom marido, tomou grande parte de sua mente, ela notou que isso nunca acontecera antes. Nunca o tinha visto como um pretendente até aquele momento e, por mais que essa ideia pudesse parecer irreal e tão absurda, ela se deu conta de que apesar de toda a estranheza ao primeiro momento, gostou do quão insano seria isso.  

— É melhor eu encontrar minha mãe antes que ela comece a me procurar pelo salão — anunciou de repente.  

Suas mãos alisaram o vestido como se isso pudesse disfarçar o que se passava em sua mente. O constrangimento pelos próprios pensamentos e por se deixar levar por algo tão louco.  

— Sim — concordou Phillip. Seus olhos fixos nela.  

Lenora fez uma reverência breve, seguindo o decoro da melhor maneira que pôde sem que deixasse transparecer o que se passava em sua mente. E Phillip, como o perfeito cavalheiro que era, segurou sua mão e a trouxe de encontro ao seus lábios em um beijo que aos olhos daqueles que passariam por perto fora inocente, mas para ela… Foi muito mais do que ela poderia imaginar.  

Seus lábios tocaram a parte nua de seu pulso, exatamente o ponto onde a luva não cobria.  

Por mais que Lenora tivesse lutado para demonstrar que isso não a abalou, o que sentiu quando os lábios de Phillip tocaram sua pele foi uma sensação inédita. Seu coração disparou e o corpo parecia queimar por inteiro. Como poderia algo tão simples e casto como um beijo lhe causar uma comoção como aquela?  

— Até logo Lenora. — pronunciou a curta frase com naturalidade, parecendo não notar tudo o que acontecia com ela naquele mesmo instante. 

— Até, Phillip.  

Ela acenou com a cabeça e enfim o deixou. Caminhando com passos decididos pelo salão em boca de sua mãe até encontrá-la.