Minha mente tinha entrado em um estado de torpor. Tudo que eu ouvia era um zuuuuum, que devia ser a barulheira produzida pela sala.

Não era possível, meus olhos tinham me traído. Peguei o coração, li de novo, e de novo, mas as palavras continuavam as mesmas, sem enganos cometidos.

Sou afim de você. 

Sasuke Uchiha.

Sou afim de você. Continuava ali, claro como a neve. Sou. Afim. De. Você. Sasuke Uchiha. SASUKE. UCHIHA!

— Amiga, tá tudo bem? — Hinata perguntou com a mão no meu ombro, notando minha estranheza súbita. Eu apenas estiquei o cartão pra ela, que demorou apenas alguns segundos pra ler e ficar tão surpresa quanto eu. Sussurrando, disse — Sasuke Uchiha? Caramba Sakura!

Ino, que também vinha logo atrás tagarelando sobre os cartões tinha recebido, olhou para nós duas caladas e com cara de espanto e parou com as mãos na cintura.

— Ué gente, o que rolou? — Hinata estendeu o cartão pra ela, ainda me olhando nos olhos espantada em uma conversa muda de Sakura mas como assim, e eu balançando a cabeça de boca aberta tipo Amiga eu não faço ideia. A loira demorou uns segundos para ler, arregalou os olhos como duas bolas de gude azuis e gritou em plenos pulmões — SASUKE UCH…

Hinata e eu não pulamos em sua boca tagarela a tempo, e grande parte da sala de aula agora nos olhava curiosa. Sorri amarelo e fuzilei Naruto com o olhar, que apenas fez uma carinha maliciosa e um sinal de joinha. 

— Ino sua imbecil — choraminguei, tapando meu rosto com a mão.

— Sakura, como assim? — a loira agora sussurrava como se estivéssemos em uma missão secreta. — Você me lança uma bomba dessa assim? Não sabia que você estava de rolo com Sasuke Uchiha!

— Eu não tô! — sussurrei de volta num fio de voz.

Como eu poderia estar de rolo com alguém e elas não saberem? Ou melhor, como eu poderia estar de rolo com Sasuke Uchiha?! 

E vocês devem estar se perguntando, quem diabos é esse Sasuke Uchiha pra criar tanta comoção, ah fala sério é só um garoto,  e eu concordaria, mas a questão é: ele não é “só” um garoto. Digamos que, Naruto era o famoso bom mocinho da escola, sorridente, contagiante, simpático, mas é um fato que não são esses os caras que fazem mais sucesso.

As garotas normalmente preferem os bad boys, e bem, era isso que ele era. 

Alto, moreno, com um olhar marcante, e roupas escuras, o garoto parecia ter saído de um filme antigo, com seus coturnos e cabelo meio comprido. Sempre usava roupas largas que deixavam escapar a ponta de uma tatuagem em suas costas, era calado, reservado, e bem, um grande de um gostoso.

Apesar de tirar notas boas, faltava muitas aulas, e eu sei isso porque ele era da minha turma. Seu Instagram tinha umas três fotos, mas muitos seguidores. Sua fama não era a das melhores, toda a escola sabia muito bem que quando perdia a paciência, não resultava em coisa boa, porque todo mundo viu sua briga no semestre passado com o outro time de futebol.

Ah, esqueci de mencionar, ele era meio-campo do time, e melhor amigo de Naruto. 

Talvez por isso ele fosse tão “famoso” na escola. Se não fosse pelo time, ele poderia passar despercebido, como uma sombra — uma sombra bem bonita, mas uma sombra —, mas durante os jogos, quando botava o uniforme preto e alaranjado da equipe, ele apenas… se destacava. E com Naruto ao lado, era um visual que se complementava. Grande parte do público feminino da quadra, e até parte do masculino, parecia suspirar cada vez que ele fazia um movimento.

Mas Sakura, por que você está chocada então, e não comemorando, que esse garoto tá afim de você?

Isso nos leva à segunda parte da sua fama: a de completo marrento, metido e inalcançável. Isso mesmo, o garoto além de ter quase um fã clube escolar, parecia extremamente dedicado a dispensar qualquer garota que criasse coragem para chamá-lo pra sair. Eu sei disso porque Ino tentou. 

— Testuda sortuda do caralho… — a mesma murmurou e eu dei um tapa na sua cabeça.

— Eu já falei que não tô de rolo com ele! — esbravejei silenciosamente. — Estou tentando entender como isso é possível.

Hinata colocou a mão embaixo do queixo, pensativa.

— Vocês fazem química juntos, certo? E vivem se encontrando por causa de Naruto. — assenti. Na verdade, eram meus únicos pontos de contato com ele — Você não odiava ele?

E aí chegamos ao outro ponto da minha surpresa: eu não suporto o garoto, e ele parecia saber disso e se divertir.  Primeiro, quando ele chegou na escola e causou toda aquela comoção, eu pensei, Hm realmente você é um gostoso, mas não sei se foi o fato dele ser um marrento, se achar, ou de ser incapaz de falar mais de três palavras em uma frase que me fez ter uma aversão inconsciente ao Uchiha. Eu fiz um esforço, juro que fiz, quando Naruto chegou gritando para mim que o melhor amigo de infância dele iria estudar lá, fiquei feliz e até pensei: Poxa, podemos virar todos amigos, mas não foi o que rolou, ele só ignorava com maestria a minha existência e minhas tentativas de aproximação.

E aí, como eu não sou idiota, passei a ignorar a dele também. Várias e várias vezes, Naruto me chamava pra ir em sua casa e Sasuke estava lá como uma sombra, jogando videogame enquanto eu interagia como uma pessoa normal. Na verdade, lembro de uma vez que eu ainda sentia muita raiva de sua falta de educação, e perguntei quando Naruto saiu para buscar água:

— Vem cá, o gato comeu a sua língua?

O moreno apenas tirou os olhos da tela do jogo, olhou bem pro meu rosto com uma cara de tédio, deu um sorrisinho debochado e voltou a jogar, me ignorando completamente. Aquele dia foi o ponto final, foi uma bandeira fincada em cima da minha montanha de ódio. 

Dois anos depois disso, eu já não odiava ele, mas também não gostava muito. Tinha aprendido a lidar, porque o bendito do professor de química tinha inventado  de fazer duplas para as aulas pelo nome da chamada, e eu acabei caindo com ele. E a convivência era resumida a isso: ele me ignorando, eu ignorando ele, algumas farpas trocadas de vez em quando, e a saudável chama da antipatia mútua ao fundo. 

Bem, era isso que eu achava, porque aparentemente agora ele era afim de mim. 

— Cara, isso é impossível — meus pensamentos estavam a mil, procurando uma explicação lógica para aquilo — Ele nunca fala comigo, e quando fala é pra me irritar!

— Ah, o amor — Ino zombou — Vai ver é o jeito emo dele de dizer que te ama.

Encarei a loira com ódio, porque ela claramente estava se divertindo às minhas custas. Enquanto pensava em um xingamento para direcionar a desgramada, minha mente de repente se iluminou em uma explicação.

— Pode ser uma pegadinha — exclamei, de repente tudo fazendo sentido. — Naruto deve ter feito isso pra me sacanear cara, o Sasuke nunca mandaria um coraçãozinho, fala sério!

Virei na hora para observar o loiro, que ainda fazia suas palhaçadas no meio da sala, e decidi confrontá-lo após terminar meus serviços de “cupida”. As meninas se dispersaram pelo mesmo motivo, as custas de minha promessa de mantê-las informadas. 

O bolo gigante de declarações de Sasuke estava na minha bolsa, mas ele não estava mais na sala desde que entramos — se me lembro bem tinha o visto pela manhã, então só podia estar matando aula. Percebi que essa era minha oportunidade de tirar essa história a limpo, e ao terminar tudo, Naruto já tinha sumido em uma sábia decisão de evitar minha fúria. 

Como agora era o intervalo, saí pelos corredores em busca de quem eu achasse primeiro, e por sorte, ou azar, Sasuke estava deitado em um dos bancos do pátio, assistindo algo em seu celular.

Andei com passos duros até lá, a cabeça explodindo de pensamentos confusos e principalmente irritação. Parei na sua frente, cruzando os braços na frente do peito, e o mesmo me olhou com sua cara de bunda habitual por uns segundos, apenas voltando o olhar para o celular sem falar nada.

Tossi de maneira forçada e teatral.

— Seus corações — falei duramente, colocando a pilha de declarações alheias em seu peito, com mais força do que o necessário.

— Valeu — e dessa vez ele não se deu o trabalho nem de olhar na minha cara. 

Tenho quase certeza de que tremi de ódio quando peguei o coração dele do bolso da saia do uniforme e taquei bem na sua cara.

— O que é isso? — falei, bem irritada. 

Ele pegou o pedaço de papel que caíra no banco ao lado de sua cabeça e conferiu seu conteúdo. 

— Ah, isso — seu olhar vagou rapidamente do coração de volta para o vídeo que assistia. Observando bem percebi que era um cara falando sobre uma moto enorme.  — É seu, ué. 

E o colocou de volta na minha mão.

Me exaltei, soltando um som ofendido. Eu não me renderia a insuportabilidade desse ser. 

— Você sabe sobre? Você que escreveu isso? — interroguei, já irritada.

O moreno, atento às várias peças que o provável mecânico apresentava na tela do seu celular, apenas confirmou com a cabeça. Percebendo que eu não me contentei com a resposta mal dada, disse:

— Perdi uma aposta.

É o que?!

Meu sangue ferveu na hora. Eu sabia que era muito pouco provável que Sasuke Uchiha tivesse escrito aquele bilhete, e sabia que mesmo se tivesse sido ele e não uma pegadinha de mau gosto, devia ser algum tipo de brincadeira. Mas entre achar e ter certeza, tem uma grande diferença, e principalmente porque, bem, Sasuke é um garoto bonito, e o ego de ninguém aguentaria uma sacanagem dessas.

— Aposta?! — gritei, tendo vontade de socar aquele rosto carrancudo e principalmente me socar por ter achado por um momento que ele não estava envolvido e que tinha sido coisa do Naruto. Óbvio que ele iria adorar perder seu tempo me zoando só pelo prazer de ser babaca.

Afinal, era isso o que ele era: um marrento e escroto. 

— Olha — finalmente tirou os fones de ouvido e deixou o celular de lado. Sasuke se levantou, e ajeitou o cabelo, o que me fez engolir em seco, já que sua presença sempre foi meio intimidante, seja pela altura elevada ou pela cara de poucos amigos. — Não é isso, quis dizer que perdi uma aposta e tive que mandar. Só isso.

— Uma aposta com quem? — quem esse bastardo pensa que é pra fazer aposta comigo? Estava queimando de ódio, querendo ter visão de raio laser para derreter aquela cara marrenta.

— Naruto, Gaara, Itachi — falou calmamente. Sua expressão suavizou ao perceber todo meu ódio. Coçou de leve a cabeça, parecendo meio encabulado, uma expressão que não parecia combinar com seu rosto — Jogamos uns jogos e apostei que se eu perdesse ia ter que confessar meus sentimentos. 

Suas palavras me desarmaram completamente, e voltei para aquele estado de choque. Confessar meus sentimentos, que sentimentos? O que o “grande” Sasuke Uchiha iria sentir por mim? A gente nem se dava bem!

Sua risadinha me despertou para a realidade, e eu tossi tentando disfarçar, mas a completa surpresa não deixava minha expressão, e não consegui controlar meu cérebro, que agiu mais rápido que eu.

— Então você tá mesmo afim de mim? — disparei, me arrependendo logo em seguida. É óbvio que não Sakura, pelo amor de Deus, o garoto só está brincando com a sua cara. 

Mas, contrariando toda a minha linha de pensamento e expectativa, o moreno corou. Sim, corou! Eu achei que era uma alucinação mas claramente deu pra perceber, naquela pele branquela. E em seguida, ele riu pra si mesmo, achando graça da minha pergunta direta ou como quem se sente mais leve após confessar um segredo. 

Até aí tudo bem, eu acreditaria até o final ser uma pegadinha. Não tinha como, eu tinha visto errado, corar não significava nada, não tinha a menor possibilidade. E aí eu pensei, num momento de fraqueza, Tá bom Sakura, e se ele estiver mesmo afim de você? e em um monólogo mental, respondi: Aí eu vou me fazer de maluca, mas sem chance, não é isso. 

O problema de verdade foi que ele se aproximou, e segurou a lateral do meu rosto e nuca com uma das mãos. Minha mente esvaziou completamente e só conseguia prestar atenção que em como seu cabelo caía suavemente sobre o rosto, e naqueles olhos negros me fitando intensamente, encarando minha boca como uma devoção que causou reações no meu corpo que eu não admitiria nem para mim mesma.

— Sim Sakura — sua voz soou grave e intensa, e diferente de todas as vezes que a ouvi, não continha um pingo de sarcasmo ou diversão. Era apenas sincera, crua e sincera, arrepiando a pele da minha nuca, que era acariciada de leve por seus dígitos — Eu sou afim de você. Bem afim.

Não sei em quem botar a culpa. Se boto a culpa no choque, que me fez travar e querer sair dali o mais rápido possível, se boto a culpa na minha mãe, que me criou desse jeito. Se culpo a mãe dele, por parir uma pessoa tão imprevisível, ou se culpo os Céus ou Universo, por não me prepararem pra uma situação dessa. 

Independentemente de quem seja a culpa, só sei que fiz a única coisa que pensei. Virei as costas e saí andando.