Amor e Ódio escrita por Olívia Ryvers
A cabeça de Marguerite doía e seu mal estar matinal se intensificou, agora seu estômago se revirava e ela sentiu a boca se encher de saliva amarga antecipando o que aconteceria. Correu para o banheiro, o que assustou amiga fazendo-a segui-la. Verônica assistiu atônita, mas sem repulsa, a morena golfando na privada o pouco conteúdo que ainda tinha no estômago.
—Marguerite? Você está bem?
Lady Roxton tentava se recuperar e tranquilizar a jovem, mas sua palidez e a lágrimas que escorriam dos seus olhos pelo esforço regurgito lhe mostravam o contrário.
—Eu estou bem, Verônica._ conseguiu dizer ainda ofegante e fraca._Nem uma palavra sobre isso com ninguém!_alertou enquanto com dificuldade se erguia do chão. Verônica imediatamente a ajudou..
—Lorde Roxton deveria saber que…
—Não!_ foi veemente._Ele não deve e você não contará nada. Prometa que não dirá absolutamente nada sobre isto com ninguém… por favor_implorou a mulher.
A loira ponderou se atender o pedido da patroa era o correto a fazer. Marguerite havia se tornado uma boa amiga, e por mais que devesse certa obediência a Roxton, algo no olhar da amiga a fez perceber que precisava de sua ajuda.
—Tudo bem, fique tranquila. Ninguém saberá de nada. Eu juro.
—Obrigada…_ havia gratidão em seu olhos. Gratidão esta que logo foi substituída por uma sombra de inquérito._ Verônica… diga-me tudo que sabe sobre William Montgomery e John.
—Receio que não saiba muito da relação dos dois. Lorde William comprou esta propriedade há alguns anos, trabalhou muito para reerguer a destilaria pois queria enriquecer depressa e propor casamento a uma jovem de Londres. Mas algo aconteceu que destruiu seu coração…_Verônica fez uma pausa cautelosa. Não sabia se a patroa deveria ou gostaria de saber o destino do antigo patrão.
—Por favor, continue._ encorajou Marguerite.
—Bem… há rumores que a jovem terminou seu relacionamento com Lorde Montgomery por carta, ele ficou dilacerado e tirou sua própria vida com um tiro.
—Oh, Meu Deus!_Marguerite levou as mãos a boca tentando abafar a triste surpresa. As lágrimas surgiram espontâneas e ela não teve tempo de contê-las.
Seu melhor amigo era seu cunhado e agora estava morto. John nunca mencionou que tinha um irmão, apenas disse que era sozinho e que aquelas eram lembranças dolorosas. Ela também nunca insistiu por medo de magoá-lo. Entretanto, lembrava-se de várias vezes mencionar William e inclusive perguntar ao marido se o conhecia visto que eram do mesmo condado. Sentia que algo muito estranho beirava tudo aquilo. John lhe escondeu tal informação por algum motivo e ela precisava saber o porquê.
—Marguerite, está tudo bem?_ a jovem já se culpava por tratar de um assunto tão íntimo que sensibilizou a amiga com tanta intensidade.
—Eu estou bem… _ disse sem muita certeza._eu só preciso de um minuto.
—Tem certeza que ficará bem?
—Sim… muito obrigada.
Assim que a loira deixou o quarto Marguerite se entregou aos prantos. Em um segundo, toda a felicidade que acreditava ser real havia se esvaído de suas mãos. Ela tinha vivido uma farsa. John a privou da verdade por algum propósito, e Marguerite podia apostar que era obscuro. A maneira sinistra como o marido a tratou no início do casamento teria alguma relação com essa mentira? E o ciúme obsessivo dele? Não viveria nem mais com essas dúvidas, Roxton teria que esclarecê-las e o faria agora.
****
A porta de vidro do escritório se abriu com um pequeno rangido. John observou rapidamente a bela mulher que entrava, embora um pouco mais pálida do que de costume, Marguerite estava magnífica como sempre.
—Que bom que chegou_o homem disse com entusiasmo enquanto se levantava para alcançar a esposa esperando saciar seu desejo urgente por um beijo._Estive pensando que após o lançamento do nosso whisky em Londres, poderíamos passar uns dias com sua família… o que acha?_ suas mãos encontraram os ombros delgados da esposa, mas seus lábios não conseguiram chegar ao delicioso destino. Marguerite recuou evitando o beijo e livrando-se de suas mãos._O que houve?_ questionou confuso pela atitude da morena._Não está com saudades de Arthur?
—Por que não me disse que William Montgomery era seu irmão?_ soltou sem rodeios com as lágrimas embaçando seus olhos.
—Como soube disso?_a cor fugiu do rosto do nobre, sua pulsação acelerou e a boca ficou seca. Seu pior pesadelo estava se tornando realidade, agora teria que lidar com as consequências de suas mentiras.
—Isso é o que menos importa!_ quase gritou em indignação._ Mentiu para mim e eu exijo saber o porquê.
—Escute, Marguerite… sente-se e se acalme. Eu… _ suas palavras morreram em sua garganta quando notou no delicado pescoço de sua amada exibida a joia que motivou seus instintos de vingança._ Esse pingente…
—É igual ao que William possuía, não é?_ ela tocou a peça como se quisesse escondê-la do olhar hipnotizado de John._ Esse é meu pingente, sempre esteve comigo, exceto quando foi danificado no dia do nosso casamento.
—Você nunca mencionou isso…
—Eu pretendia usá-lo na cerimônia, mas… _ela fechou os olhos dolorosamente se recordando_ não queria que você soubesse… mas minutos antes da cerimônia, Benjamin invadiu meu quarto e me atacou. Ele estava visivelmente bêbado, e eu não desejava um escândalo maior… eu me defendi e ele rompeu o cordão que sustentava o pingente._ ela fez uma pausa lamentando todo o acontecido_ Meu tio chegou a tempo e o expulsou.
—Benjamin a machucou?_ uma súbita onda de raiva o atingiu. Queria estar frente a frente com o ex amigo para fazê-lo pagar por ameaçar Marguerite.
—Não tanto quanto você quando me escondeu o seu passado._ foi sincera.
As palavras o nocautearam John como um soco no estômago. Sabia que de todas as covardias que havia cometido contra Marguerite, romper sua confiança foi de longe a mais dolorosa. Queria abraçá-la e dizer que a amava, mas sabia que ela o rejeitaria. Já a conhecia o suficiente para saber que não aceitaria nada menos que a verdade e nem ele estava disposto a mentir mais.
—Por que você mentiu?_ A voz de Marguerite era quase uma súplica rompendo os devaneios de John. Ela pedia silenciosa e desesperadamente que ele tivesse uma justificativa plausível para tudo aquilo.
—Eu e William éramos meio-irmãos._ começou ele, evitando os olhos decepcionados dela._Faziam alguns anos que não nos víamos. Eu fui morar na Itália e ele conseguiu uma posição na empresa de seu tio.
—Isso eu já sei!_ disse impaciente._ inclusive eu lhe perguntei mais de uma vez se você o conhecia… por que não disse que era seu irmão?_ insistiu ela.
—Quando soube da sua morte, foi muito doloroso.
—Isto não justifica ter mentido para mim. O que mais está me escondendo?
—Eu sei que não justifica… nada justificaria o que eu fiz._ ele tornou a olhá-la._ Marguerite… quando cheguei a McDusky descobri que meu irmão havia tirado a própria vida por uma traição. Ele abriu mão de tudo que tinha para conseguir fortuna e propor casamento a uma moça e ela simplesmente o abandonou deixando uma carta e a confissão de que só o usara, que seus sentimentos não eram verdadeiros e que havia matado um filho que esperava dele._ ele socou a mesa em revolta._ Me vi cego pelo desejo de vingar a morte do meu irmão, mas, a única pista que eu tinha era o sobrenome Summerlee e… o pingente em formato de M._Ele era incapaz de confessar o resto, sequer conseguia mirá-la pela vergonha que sentia de si mesmo, porém, a perspicaz Marguerite pode fazer suas próprias suposições.
—Foi assim que você chegou a nossa casa naquela noite do meu aniversário._concluiu.
—Eu conhecia Benjamin e achei que era uma boa pista para encontrar a tal mulher, não imaginei que Maylenne usaria uma joia igual a esta.
Marguerite ficou em silêncio como se buscasse na memória os acontecimentos daquele dia. Então, com clareza ela lembrou-se.
—Naquela noite… Maylenne me pediu o colar emprestado. Disse que o dela estava no cofre do banco._ caminhou silenciosamente até a janela e em sua mente as peças do quebra-cabeça começavam a se encaixar._Quando você a viu com o colar imaginou que o meu pingente era o que estava sobre a posse de William… então concluiu que eu era a sua amante.
—Maylenne me fez acreditar nisso._tentou se justificar._ela me contou a história das joias e sugeriu que você fosse descuidada e por isso havia perdido o seu.
—Maldita mentirosa! Cínica! É tão típico dela me difamar por qualquer motivo.
—Eu sinto muito…
Como se despertasse novamente para a culpa do marido, Marguerite afastou a mágoa que sentia da irmã e voltou a arguir John.
—Sente muito? Não seja ridículo! Você sequer foi atrás da verdade. Poderia ter me perguntado entretanto aceitou somente a blasfêmia barata da minha irmã invejosa.
—Não foi só isso… você confessou que tinha uma relação muito próxima de William.
—Nós éramos amigos! É tão difícil para você entender isso?_ falou exasperada.
—Não agora… mas na época eu mal a conheci e sinceramente… desde que a vi pela primeira vez julguei que fosse uma mulher capaz de levar qualquer homem a loucura. Quase aconteceu comigo._confessou.
—Então você se aproximou de mim… ganhou minha confiança, me seduziu, me pediu em casamento… tudo fazia parte do seu plano sórdido!
—Não! Marguerite, por favor, me escute!_ implorou tentando tocá-la, mas ela não permitiu.
—Tudo foi uma mentira!_ concluiu ela não importando que as lágrimas de decepção começassem a escorrer de seus olhos.
—Meu amor nunca foi uma mentira… eu confesso que tentei odiá-la, mas quanto mais lhe machucava mais feria a mim mesmo. Eu me casei completamente apaixonado por você…
—E lutando contra esse sentimento, não é verdade?_ completou ela amargamente.
—Sim…_ ele não podia mentir mais, decidiu a partir dali tratar com a verdade e não a esconderia nada._ Porém depois tudo mudou… somos felizes agora!
—Mudou quando você descobriu que eu não era a mulher repugnante que julgava… mudou quando me entreguei pela primeira vez a você, não foi?_ a cada nova constatação, o desprezo aumentava no olha límpido da mulher.
—Não é verdade! Antes disso, naquele dia eu estava disposto a perdoá-la…
—Perdoar? Quem você pensa que é para julgar algo ou alguém? Você me condenou por algo que eu não fiz e não me deu sequer chance de me defender. Depois que descobriu a verdade aproveitou-se da minha própria inocência e continuou a me enganar… por que não me contou isso antes quando soube que eu não era o ser desprezível do qual jurou se vingar?
—Você nunca foi desprezível para mim… eu tentei lhe contar a verdade naquela tarde, mas, você mesma disse que o passado não importava…
Ela estava perto o suficiente para acerta-lhe uma bordoada. Ele não a culpo por isso. Realmente merecia e queria que ela descontasse toda a sua frustração nele. Não se importava desde que ela se sentisse melhor.
—E tão facilmente aceitou essa conveniência._ bufou com desdém.
Ele não tinha como argumentar, ela tinha razão. Ele havia errado e muitas vezes, a única que tinha a seu favor era o sentimento que nutria por ela, se agarraria isso para reconquistar sua confiança já que não podia imaginar sua vida sem ela. Ver suas lágrimas e saber que ele era o culpado por elas o dilacerava a alma.
—Marguerite, eu…
Não conseguiu terminar a frase. Challenger entrou agitado pela sala sem nem bater à porta. Roxton estava a ponto de repreendê-lo mas não teve oportunidade. Antes que tomasse fôlego para dizer-lhe algo, o ruivo disparou.
—John! Precisamos de sua ajuda na produção, houve uma briga entre dois operários. Estão feridos, já chamei a segurança, mas precisamos da sua autoridade para que não se repita. Além disto, os investidores sul-americanos chegaram em meia hora para uma reunião é necessário controlar os ânimos para causar uma boa impressão.
Marguerite não se virou, evitando que o cientista e amigo notasse seus olhos vermelhos. Embora Roxton quisesse terminar a conversa com a esposa, sabia que George tinha razão. Desviou seu olhar da mulher visivelmente magoada que recusa-se a encará-lo para o bioquímico.
—Eu já estou indo.
Challenger notando o clima pesado apenas assentiu com a cabeça e deixou a sala. John voltou atenção a linda morena que ainda não o fitava. Ele sabia que merecia tal repulsa.
—Escute, Marguerite… eu preciso…
—Vá!_ disse por fim, evitando ouvi-lo mais.
Ele não insistiu. A esposa precisava de um tempo e impor sua presença só a faria mais mal do que já lhe havia causado. Deixou a sala rezando para que na próxima conversa Marguerite estivesse mais calma e disposta a escutá-lo.
****
Marguerite se lançou sobre o tecido plácido da luxuosa cama estilo medieval que divida com o marido. Ela estava emocionalmente esgotada e perdida como nunca antes esteve. Sua bolha de felicidade foi rompida como se tudo não tivesse passado de um sonho. Ela acreditou em John, achou que ele seria o homem com quem viveria o resto de sua vida, foi a ele a quem entregou seu corpo e sua alma. Era razoável que sentisse traída e miserável ao descobrir que seu casamento foi motivado pela vingança e não pelo amor.
Sua cabeça girava com tantas revelações e ela buscava um norte. Percebeu sobre a mesa a carta que chegara destinada a ela junto com a joia reveladora. No calor de como tudo acontecera, Marguerite ignorou a mensagem que o tio lhe enviara. Levantou-se determinada a ler as palavras doces e acolhedoras do tio, provavelmente isto a faria bem. Desejou tanto ter seu abraço e seus conselhos naquele momento. Estava tão sozinha, e a única pessoa que podia ouvi-la era a última a quem queria ver.
Abriu com cuidado o envelope e logo reconheceu a caligrafia erudita de Sir Summerlee. Marguerite sorriu ao ler o quanto ele dizia que sentia sua falta e contava trivialidades de Londres e da empresa, porém, um anúncio inesperado fez seu coração se alertar. Ela não podia deixar que isto acontecesse. Não bastava apenas ela saber a verdade, todos precisavam saber, só assim ela conseguiria evitar mais tragédias.
Subitamente ergueu-se da poltrona e verificou o calendário. Não podia perder nem mais um dia. Jogou algumas peças de roupa em uma mala e deixou McDusky disposta a defender e limpar sua reputação.
****
A reunião com os investidores latinos foi promissora, embora a cabeça de John estivesse à léguas dali. Mentalmente ensaiava o que diria a Marguerite para convencê-la do seu amor. Estava disposto a fazer o que lhe fosse imposto para recuperá-la.
—Marguerite… _chamou entrando no quarto que dividiam. Não encontrando sinais da esposa, concluiu que magoada, ela havia preferido dormir em seu quarto antigo. Entendia sua decepção e não a forçaria a dormir com ele se não fosse sua vontade. Estava confiante que com o tempo ele seria capaz de abrandar e consertar seu coração estilhaçado.
Não teve sucesso ao procurá-la no outro recinto. Uma ideia absurda começou a lhe causar pânico. Correu para o closet e notou que faltavam algumas das roupas favoritas dela. Não podia ser… Marguerite havia ido embora!
Passou as mãos nervosamente nos cabelos tentando entender para onde ela teria ido e como podia encontrá-la. Estava a ponto de sair para uma busca às cegas quando notou o pedaço de papel sobre a mesa. Por um instante imaginou que poderia ser uma carta da esposa explicando-lhe algo, mas quando não lhe reconheceu a escrita concluiu que ele não era digno de tal consideração. A mensagem era endereçada a Marguerite e remetida de Arthur Summerlee. Roxton sabia o quanto era errado invadir assim a privacidade da mulher, mas tratava-se de atitude desesperada. Talvez encontrasse uma pista do paradeiro da amada lendo a sua correspondência. Tão logo terminou de ler soube exatamente para onde Marguerite havia fugido e sabia que ela precisaria de ajuda.
—Verônica!_ gritou impaciente.
—Milorde… _a garota loira entrou no aposento correndo.
—Arrume minha mala, partirei para Londres amanhã.
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