S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 5
Belas Desavenças


Notas iniciais do capítulo

Bom dia genteeeeee
Aqui está a diversão da semana pra vocês :D
Espero que gostem!



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799252/chapter/5

A cidade de Attilan era o lugar mais belo que Aurelius tinha visto em sua vida, com seus prédios muito altos, flutuando a uma altura inimaginável acima de uma cordilheira de montanhas congeladas. Não que tivesse visto muitos outros lugares; era raro para um Attilaniano, principalmente um de status alto como o dele, sair da cidade para tratar de quaisquer assuntos do lado de fora. Naquela manhã, ele se deteve de frente para a janela de sua suíte, observando a vista do jardim muito verde e a forma distraída com a qual o jardineiro podava as plantas da sebe.

Estava parado havia dez minutos, o que era até pouco em comparação com o tempo que era capaz de dedicar a momentos de meditação como esse em seu cotidiano. Acordar de manhã trazia uma certa melancolia ao homem, uma sensação de derrota misturada com um desânimo de mesmice que nem sempre ele conseguia afastar antes de começar seu dia. Aquele, porém, era um dos dias melhores, de forma que dez minutos respirando o ar frio entrando pela janela bastaram para ele colocar sua mente no lugar certo.

Ele passou a mão pelos cabelos escuros, ajeitando os fios ao menos um pouco antes de sair do quarto. Com a barba muito bem aparada, pele clara e olhos azuis, Aurelius estava mais dentro dos padrões de beleza do que gostaria de estar. Acabava chamando muita atenção. O fato de ser tão alto e forte com certeza era um agravante, e ele também tinha consciência, de um jeito bem envergonhado, de ter a bunda redonda demais. Por algum motivo, as pessoas gostavam disso também.

O homem saiu do quarto, prendendo as abotoaduras de ouro nas mangas do terno preto que escolheu para aquela manhã. Tinha algumas reuniões para atender, alguns negócios para fechar e, embora sua animação para tais obrigações estivesse negativa, jamais deixava seu estado de espírito afetar a qualidade de seu trabalho. Ao menos quanto a isso, ele e sua esposa concordavam.

Ah, a esposa. Aurelius suspirou, um suspiro de preguiça e cansaço, ao chegar na sala de jantar e ver a mulher sentada no outro extremo da mesa, já tomando café-da-manhã. Eupraxia era tão assustadoramente bonita que, por alguns átimos de segundo, ele conseguia se esquecer de como ela conseguia ser insuportável quando bem entendia. A mulher tinha os cabelos pretos presos no topo da cabeça em um penteado muito elaborado, e no momento os olhos lilases dela se distraíam com uma tela holográfica projetada de um smartphone na mesa.

— Bom dia — ele anunciou, mais por educação que por vontade.

Aurelius se sentou no outro extremo da mesa e um criado se aproximou com uma bandeja no mesmo instante, colocando uma tigela de iogurte com frutas na frente dele.

— Pensei que tinha se perdido no caminho até a cozinha — ela provocou, passando o dedo pela tela holográfica para ler alguma outra coisa.

— Para sua infelicidade, não foi dessa vez que eu caí da escada, quebrei o pescoço e você ficou viúva.

A resposta dela foi uma risada muito curta de escárnio. A mulher cortou um pedaço de seus waffles, mastigando displicente.

Ótimo começo. Aurelius sequer lembrava de como tudo tinha chegado a esse ponto. Ela era tolerável, agradável até, antes do noivado. Desde então, tudo só ficava pior. 

Aurelius não conseguia deixar de ressentir Eupraxia pelo rumo que sua vida tomava agora, mesmo sabendo, no fundo, que esse não era um pensamento inteiramente justo. Ele também tinha responsabilidade na união disfuncional dos dois. Fazia anos e anos desde que tinha sido obrigado a se separar de seu verdadeiro primeiro amor, Ileana, por incompatibilidade genética, e ainda que tivesse superado seus sentimentos por ela, não conseguia superar a injustiça da situação. Era irônico e cruel que o mundo decidisse por ele que a mulher ideal para sua vida era uma por quem ele sentia desprezo. 

Ileana estava bem agora. Tinha se casado com alguém de sua casta, tinha filhos. Parecia feliz, e isso o deixava feliz por ela. Infelizmente, ele mesmo não tinha sido abençoado pelo destino com um pareamento genético que o fizesse feliz.

O homem começou a comer colheradas de seu iogurte em silêncio, muito imerso em memórias e ressentimentos para prestar atenção aos detalhes em sua volta. De soslaio, viu Eupraxia acabar seus waffles e se levantar da mesa, sem achar necessário ou de bom tom pedir licença a ele. Por um instante, Aurelius se distraiu vendo a esposa deixar a sala, amaldiçoando o sangue de seu corpo por correr para baixo ao reparar no tamanho do decote que ela usava. Para a insatisfação de Aurelius, a única parte do casamento dos dois que funcionava era a sexual.

E não que isso fosse algo ruim. Ao menos alguma parte funcionava, o que era melhor que parte nenhuma, mas não deixava de ser uma situação frustrante. Ele tinha se permitido sonhar com uma família de comercial de margarina, principalmente depois de conhecer Ileana. Tinha sonhado com um casamento feliz, com filhos, com sua família. O que tinha agora era uma amante, e só quando os dois estavam com o humor compatível para tanto.

Às vezes, ele se perguntava o que teria acontecido se tivesse recusado Eupraxia, mas nunca ia muito longe no devaneio. Conhecia a si mesmo o bastante para saber ser impossível dizer não ao seu pai. Queria que ele ficasse orgulhoso, queria que o nome da família carregasse sua honra com ele e, atualmente, isso incluía o seu muito desafortunado casamento.

Ele abaixou a cabeça para a tigela de iogurte mais uma vez, comendo sem muita vontade, tentando pensar em coisas que pudesse controlar. Tinha duas reuniões pela tarde, algumas vistorias técnicas para fazer… Como de costume, estava pensando em se afundar no trabalho o dia inteiro e chegar em casa de preferência quando Eupraxia já estivesse dormindo. Era comum, a essa altura, os dois se afundarem tanto em seus próprios trabalhos que ficavam semanas só se vendo durante o café-da-manhã. Parecia uma boa ideia para aquele dia em particular.

Aurelius estava na metade de seu iogurte, absorto em seus pensamentos, quando um dos criados se aproximou de novo com a bandeja, mas dessa vez não trazia comida. Trazia um smartphone que fez um barulho de nova mensagem. Ele moveu a mão para o lado, e seus olhos brilharam dourados por um instante. Aurelius conseguia conversar com qualquer eletrônico suficientemente moderno para ter uma placa-mãe embarcada, e naquele momento, sua ordem foi bem simples: atender a chamada. Ele olhou apático para a tela holográfica que se projetou à frente, mas a apatia desapareceu quase que no mesmo segundo ao reconhecer os rostos do Rei Boltagon e da Rainha Amaquelin na tela.

O homem ajeitou a postura de súbito, fazendo uma suave reverência mesmo estando sentado à mesa. Então, ergueu o tronco, olhando curioso para a tela e se perguntando o que os dois poderiam querer com ele.

— Bom dia, Lorde Chrysanthos — Medusa cumprimentou, traduzindo a fala de Raio Negro, quem se comunicava por linguagem de sinais.

— Vossa Majestade… A que devo a honra, nessa manhã?

— Precisamos requisitar seus serviços para um assunto particular. Queremos a sua presença no palácio assim que você terminar sua refeição.

Aurelius, já sem muita fome, olhou para a tigela de iogurte meio comida. Tudo bem. Podia ser de imediato, então.

— Estarei no palácio em breve.

Os dois agradeceram com um aceno de cabeça e a chamada se encerrou. Aurelius abriu um sorriso pequeno no rosto. Excelente. Uma tarefa designada pelos dois diretamente para ele; desse jeito, não podia ser coisa simples. Com sorte, seria algo que levaria muito tempo para se fazer. Noites em claro, horas acumuladas no laboratório… Se desse sorte, não precisaria conviver com Eupraxia por semanas! Além disso, sempre era bom para seu status ceder serviços ao rei. Aquele pedido só trazia vantagens.

Ele se levantou da mesa, ajeitando a gravata, pegou seu celular e saiu.

Não morava muito longe do palácio, sendo herdeiro de uma das poucas linhagens de Attilan de casta alta o suficiente para morar nos arredores do prédio. Ainda assim, ele pegou o carro e pediu ao motorista para levá-lo, não se sentindo interessado em andar — as ruas de Attilan eram muito frias na maior parte do ano, estando a cidade flutuando a alguns quilômetros da cordilheira do Himalaia. Ele se acomodou no carro, aproveitando o aquecedor pelo curto trajeto antes de deixar o veículo e caminhar palácio adentro.

Precisou esperar um pouco enquanto era anunciado. Como sua presença era esperada, não demorou para os reis autorizarem sua entrada. Ele atravessou os portões da sala do trono, sentindo um aperto suave na boca do estômago ao entrar. A sala sempre o intimidava. Comprida e construída de rocha sólida, no fundo do aposento ficava um palanque, sobre o qual se encontrava o trono. Como era costume para tais encontros, Boltagon estava sentado no trono, uma cadeira muito alta com uma construção elaborada fundindo os braços da poltrona às paredes que cercavam o palanque. Medusa estava parada ao lado dele, de pé, com os cabelos ruivos flutuando distraidamente pelas suas costas. Aurelius não sabia dizer se ela movia o cabelo de propósito para intimidar visitantes ou se era um movimento natural, que apenas acontecia. Fosse por querer ou não, ele se sentia intimidado.

— Lorde Chrysanthos, obrigada por atender nosso chamado — Medusa anunciou.

Ele se ajoelhou à frente do trono, um gesto de respeito, mas logo se pôs de pé novamente. Medusa e Raio Negro não eram do tipo de exigir mesuras exageradas, ele sabia, mas fazia questão de manter as formalidades onde deveriam estar.

— Fico satisfeito em poder ajudar, Vossa Majestade. Em que meus serviços são necessários?

Medusa trocou um olhar rápido com o rei. Boltagon ergueu a mão num gesto de dispensa, e os guardas e criados presentes, aos poucos, deixaram a sala. As portas foram se fechando e Aurelius sentiu uma formigação debaixo da pele, indicação de sistemas de segurança sendo ativados ao redor dos dois. Era uma reunião extraoficial, então.

— É sobre a questão do terrígeno.

Ah. A questão do terrígeno. Era assim que estavam tratando o acidente? Ele pigarreou baixinho, colocando as mãos para trás. Tinha suas opiniões, mas nunca era prudente expressar opiniões para os governantes de Attilan antes de se certificar primeiro de que haveria concordância com a opinião deles também. Principalmente se chegasse aos ouvidos do Conselho Genético. Os julgamentos de traição não eram tão raros, afinal.

Como Aurelius continuou calado, esperando, Boltagon começou a se comunicar em sinais, e Amaquelin seguiu com a tradução.

— “A coisa está saindo de controle. Foi muito bom que os mutantes conseguissem encontrar a fonte de tudo e prendessem os criminosos por trás do atentado, mas, em primeiro lugar, ainda há bombas por aí. E em segundo lugar, nunca é bom ter mutantes metidos em questões com terrígeno. Eles são muito… passionais sobre o assunto.”

E com razão, Aurelius pensou, lembrando-se dos números de mortos aparecendo na televisão. Para eles, tratava-se de uma arma tóxica. Aurelius também seria passional no lugar deles.

— “Precisamos encontrar a raiz do problema e cortá-la de uma vez. Com os nossos termos e as nossas leis” — ela continuou, traduzindo os próximos gestos do marido. — “Não queremos ter de dividir responsabilidade legal com os mutantes, e a única coisa os impedindo de agir, tenho certeza, é a presença do gás no ar. Além disso, ainda tem a S.H.I.E.L.D., e não queremos terrígeno nas mãos deles. De qualquer forma, o problema precisa ser resolvido dentro de casa.”

Sim. Aurelius concordava com isso. Não era culpa dos humanos descendentes de inumanos a situação que vinha acontecendo, mas terrigênese descontrolada era perigosa e podia ter consequências drásticas. Não deveria ser responsabilidade de mutantes ou da S.H.I.E.L.D. lidar com o problema. Era a bagunça deles. Eles tinham que limpar.

— “Se o terrígeno chegou nas mãos de quem quer que tenha produzido essas bombas, tem que ter saído daqui de algum lugar. Nós tentamos conseguir uma amostra por vários métodos, mas elas estão sendo levadas antes que possamos obter resultados. Então, precisamos de uma abordagem diferente. Precisamos descobrir como um lote inteiro de cristais foi contrabandeado para fora da cidade. E é onde você entra.”

Amaquelin enfiou a mão no bolso, tirando de lá um smartphone e projetando uma tela holográfica no ar. Aurelius sentiu uma corrente de energia amena percorrer sua espinha, e ele franziu a testa, concentrando-se no vídeo na tela. Era um vídeo de um dos depósitos de cristais da cidade. Tudo parecia normal: havia muitas caixas acumuladas no local, mas nada parecia fora de lugar. Então, de repente, elas desapareceram.

Aurelius piscou os olhos algumas vezes, dando dois passos para a frente. Ele ergueu a mão, tocando a tela holográfica de leve. A tela brilhou em um dourado suave onde ele teve contato com ela, e o vídeo voltou alguns segundos para trás.

De repente, as caixas estavam ali. Ele deixou o vídeo correr e pronto, não estavam mais. E foi só ao fazer isso pela segunda vez que Aurelius entendeu o que o formigamento na ponta dos seus dedos estava tentando dizer.

— Adulteraram as imagens das câmeras de segurança.

— Sim — Amaquelin respondeu, agora com suas próprias palavras. — Não conseguimos saber quem foi, nem ter acesso à filmagem inteira.

Aurelius franziu a testa, pensando. Não seria impossível recuperar o arquivo original, mas dependeria de sorte, e ele precisaria do acesso às câmeras que tinham feito o vídeo em primeiro lugar.

— Posso investigar — ele disse, cruzando os braços numa tentativa de esconder um pouco o bolo de desconforto que começou a se acumular na boca do estômago. — Pode ser possível recuperar a filmagem original, mas não é garantido.

— Tenho certeza de que vai fazer o seu melhor — a rainha respondeu, e Aurelius soube que não era um desejo de boa-sorte. Era uma ameaça velada. — Roubo de terrígeno é um crime muito sério, o senhor está ciente. É imperativo que encontremos o transgressor e que ele seja devidamente punido. Não podemos deixar esse tipo de coisa acontecendo em Attilan.

Não. Com certeza não poderiam. Aurelius se abaixou devagar, em outra reverência, esta de despedida.

— Começarei imediatamente. Algo mais, Majestade?

— Sim. Sigilo, Lorde Chrysanthos. Ninguém deve saber dessa investigação. É um trâmite de traição, ninguém pode ser confiado. Entendido?

Não seria um problema. Não era como se fosse difícil manter algo escondido de Eupraxia, considerando como ela não tinha interesse algum nos afazeres da vida dele.

— Entendido.

— Ótimo. Dispensado.

Aurelius deu as costas e deixou a sala do trono. Por um momento, considerou o que seu pai diria se soubesse que estava trabalhando diretamente para o rei. Era o tipo de tarefa que traria ainda mais honra para seu nome quando estivesse concluída, mas… Nem sempre era possível recuperar arquivos corrompidos, e algumas vezes podia ser uma tarefa demorada e cansativa. E se falhasse…

Não. Não iria falhar. Não podia se dar ao luxo de receber alguma reprimenda da Família Real por não conseguir resolver o que lhe foi incumbido. Pior, não podia se dar ao luxo de ter de lidar com seu pai. O homem tinha tido coragem de ameaçar a família de Ileana de morte para impedir o filho de se casar com ela, e Aurelius sabia não serem ameaças vazias. Se arriscasse trazer vergonha para o nome de sua família, as consequências poderiam ser bem graves, e não podia permiti-las.

Era melhor aquelas câmeras colaborarem com ele. De um jeito ou de outro.

 

[...]

Eupraxia passou a mão pela nuca, sentindo a palma umedecer com o suor acumulado. Ela suspirou, cansada, levando as mãos aos cabelos e os prendendo para cima mais uma vez. Os cabelos dela eram inteiramente pretos, o tipo de preto tão escuro e fechado que não refletia luz absolutamente nenhuma. Era comum ficar bem quente embaixo dos fios por conta disso, e ajudava estar no laboratório, onde o ar condicionado sempre estava tão forte. Mas já estava no local há tantas horas que nem o ar condicionado estava resfriando sua nuca.

Ela desviou os olhos lilases para o relógio no canto da tela do computador. Era tarde da noite,  beirando as dez, e ela ainda estava no laboratório. Diria a Aurelius que tinha trabalho demais para fazer; era mentira, e ele saberia, mas não tinha problema. Seu adorado marido assumiria ser uma questão dela tentando ficar mais tempo longe dele, e por Praxis, que assumisse. A verdade era um pouco diferente.

Eupraxia trocou a guia do navegador, encarando de novo o padrão das explosões de bombas de terrígeno pelo mundo. Não havia regra, era um padrão completamente aleatório, e isso não a ajudaria em nada em seus planos. Ela só precisava de um cristal, só um, e poderia ir embora daquela cidade antes que fosse tarde demais. Antes que Aurelius tivesse motivo para fazê-la ficar.

Muitas vezes, a mulher se perguntava se tomaria atitudes diferentes caso pudesse voltar atrás. Desde o momento no qual tinha conhecido Aurelius quis lhe socar a cara, embora fosse muito boa em fingir educação. É claro, ao ser sugerido que se casasse com ele, sugestão essa da qual não podia escapar se quisesse continuar mantendo o papel de filha perfeita, a paciência acabou. Eupraxia tinha total noção de que vinha descontando no homem uma enorme pilha de ressentimentos sobre sua própria vida, coisas das quais ele não tinha culpa nenhuma, mas não conseguia evitar. Quando se dava conta, estava o maltratando de novo, xingando, dando as costas ou simplesmente ignorando sua existência.

Em seu desespero para manter a própria imagem de perfeição, tinha se condenado a um casamento indesejado, e condenado Aurelius junto com ela. Tudo bem, ele não tinha sido amarrado no altar, mas Praxis tinha escondido seu desgosto pelo homem por muito tempo. Talvez, se tivesse sido sincera desde o início, ele não teria aceitado se casar. Teria decidido escolher uma outra mulher, alguma que o tolerasse, mesmo que não fossem se amar. Talvez, se tivesse sido sincera, não estaria na situação em que estava agora.

Ela voltou para a guia anterior, com preços de casas para alugar em alguns países do mundo e passagens aéreas. Era uma mulher abastada e de educação superior. O quão difícil seria para uma física quântica conseguir um trabalho? Ela falava inglês muito bem, apesar do sotaque de Attilan, e isso teria de contar pontos em alguns países, não é?

Praxis trocou de guia para a de vagas de emprego, mas antes de começar a ler de fato, ouviu a porta do laboratório se abrindo. Ela apertou algumas teclas às pressas, fechando as guias e torcendo para não ser seu marido, ou seria capaz do homem conseguir muito bem adivinhar o que ela estava olhando. Felizmente, era apenas o zelador. O inumano de casta baixa, um senhor baixinho, grisalho e um pouco encurvado, era de uma família que nunca tinha passado pela terrigênese.

Ela sempre sentia um enjôo estranho quando o via. O homem representava sua família, antes dela ser aprovada para a terrigênese. Ao menos, seus pais tinham conseguido cursos superiores, mas nunca tinham subido muito na escala de trabalho. Seu pai, químico, e sua mãe, médica, tinham sido designados a hospitais das regiões mais pobres de Attilan, recebendo um trocado para sobreviver e criar a filha, até que a garota teve a terrigênese autorizada e uma mutação muito benéfica como resultado. Agora, a mãe tinha uma clínica em um bairro de luxo, e o pai abrira a própria firma de produtos químicos para limpeza.

Eupraxia desceu o olhar para a aliança em sua mão esquerda. Era por isso que estava casada, pensou. Para seus pais melhorarem de vida. Para ela ter uma vida melhor. Tinham se tornado elite depois da união com a família Chrysanthos. Qualquer um daria um pé e uma mão para estar na posição dela, e lá estava ela, planejando fugir.

Seus pais ficariam bem. Precisava acreditar que sim, ou não teria coragem para fazer o que era necessário, e seu tempo era limitado.

— Lady Aristarche? — O zelador enfim chamou, utilizando o sobrenome dela.

Sim, pois Praxis tinha se casado e decidiu enfiar as tradições de nomenclatura num local onde não batia Sol. Não bastava detestar seu marido, ainda teria de abrir mão do sobrenome de sua família, um orgulho que ela carregava por ter dado status a eles sozinha, para usar o do engomadinho? De jeito nenhum. E as pessoas que fofocassem pelas suas costas se quisessem, não estava nem aí.

— Estamos fechando? — Ela perguntou, sentindo um aperto no peito. Preocupada com viagens, fugas e outros problemas, acabou negligenciando boa parte de seu trabalho pelo dia. Odiava a sensação.

— Sim. Perdão, senhora, mas terei de pedir que deixe o laboratório.

Ela abriu um sorriso simpático, desligando seu computador e recolhendo a bolsa.

— Tudo bem, eu já terminei por hoje.

A mulher deixou o zelador começar a limpeza do laboratório e saiu do prédio. Ela quase não se deu conta do trajeto, entrando no carro em piloto automático. Enquanto o motorista dirigia, os olhos de Praxis se distraíram com as árvores passando pelo caminho, sem prestar atenção em qualquer coisa de fato. Parte dela desejava que o carro se perdesse no trajeto. Que ela não precisasse ir para a casa e passar por mais uma noite de surto e estresse no qual não sabia se seria dessa vez que seria descoberta.

Infelizmente, porém, seu dinheiro pagava muito bem um dos melhores motoristas de Attilan, e ela chegou em casa sã e salva. Sentiu uma onda de desânimo passar por si ao ver, de fora, a luz de seu quarto com Aurelius acesa, percebendo que não escaparia de uma conversa naquela noite. Talvez pudesse apenas ignorá-lo. Ignorar seria uma boa estratégia.

Eupraxia seguiu o caminho do jardim da frente com bem menos interesse do que seria de se esperar de alguém morando em uma mansão grande como a dela, mas a cada dia em sua vida de rica e influente ela se questionava mais e mais se o sacrifício tinha valido a pena. Começava a pensar que não. Tudo bem, sua casa era linda, seu marido também — não era cega, e a parte física costumava funcionar muito bem entre os dois — mas a cada dia ela se sentia mais escrava de regras e imposições. Não queria Iêda sensação em seu futuro. Não podia ter essa sensação em seu futuro.

Ela seguiu as escadas acima em direção à suíte que ocupava com Aurelius por aparências, porque não podiam deixar fofocas se espalhando sobre dormirem em quartos separados. E a criadagem fofocava, é claro que sim. Ela entrou no quarto arrancando as sandálias com uma mão, soltando os cabelos com a outra e já começando a puxar o zíper do vestido nas costas enquanto caminhava até o banheiro.

Ao abrir a porta, todos os pensamentos, dúvidas e cansaços ocupando sua mente se derreteram de uma só vez. Ela chegou ao cômodo no exato instante no qual Aurelius estava se levantando da banheira, depois de tomar um banho ele mesmo. Nu e molhado, ali estava a melhor parte do casamento dos dois.

Alto e um tanto musculoso, as sombras projetadas pelas lâmpadas laterais sobre a pele molhada de Aurelius criavam um efeito quase criminoso de tão belo. Os bíceps, o abdômen e as coxas em particular pareciam ter sido desenhados por um escultor grego. Quase sem se dar conta, quase que hipnotizada, ela se aproximou devagar, pousando a mão no peito do marido, sentindo os fios dos pelos do corpo sob sua mão, e olhou para cima, encarando os olhos azuis dele. Em alguns segundos, uma conversa inteira aconteceu entre eles. No instante seguinte, os lábios de Aurelius estavam sobre os dela.

Era possível dizer como o dia dele tinha sido pela forma como a beijava em momentos como esses. Naquela noite, o beijo foi intenso, mas não necessariamente rápido. Ele apertou a cintura dela com força, levando a outra mão até o zíper do vestido das costas da esposa e terminando o que ela tinha começado a fazer segundos atrás, jogando o tecido no chão. Aquele vestido era um modelo que dispensava sutiã, e ela abraçou as costas dele, sentindo seus seios se apertarem contra o peito de Aurelius. Aquele era o beijo de quem tinha tido um dia pesado. Não corrido, mas intenso. Alguma coisa tinha acontecido.

Ela decidiu que por ora não dava a mínima aos detalhes, tinha algo mais interessante para fazer. Praxis desceu uma das mãos até a bunda do marido, apertando-a e soltando um gemido baixo contra os lábios dele. Era quase uma injustiça ele nascer homem e com uma bunda daquelas, mas ao menos, pensou, podia desfrutar disso. Nesse aspecto, ela tinha dado sorte.

Aurelius separou seus lábios dos dela, e os dois se olharam por mais um instante. Os olhos dele, antes azuis, começavam a mostrar um fino círculo dourado em volta das íris, um sinal reconhecido por Praxis de que os poderes dele estavam ficando um pouco reativos. Ele estava excitado,  e ela conseguia sentir puxando-o pela bunda contra seu corpo.

Ela também estava, e sabia que ele conseguia perceber na forma como sua pele começou a brilhar, refletindo a luz do banheiro de forma irregular. Devagar, o homem a virou de costas para si, puxando-a para perto pelo abdômen e levando a boca ao seu pescoço. Eupraxia sentiu o coração acelerar, uma mistura de excitação com anseio e adrenalina, mas não quis sair dali, não agora… Aurelius começou a descer a mão para dentro da calcinha dela, tocando-a entre as pernas, alternando os beijos em seu pescoço com mordidas leves e uma outra mais ousada no lóbulo de sua orelha.

Praxis tremeu, sentindo um arrepio percorrer sua espinha. O maldito sabia o que fazer, e sabia como ela gostava. Em vários momentos ela não sabia dizer se era bom ou ruim, mas naquele em específico, só conseguia agradecer.

— Rell… — O apelido escapou antes que ela pudesse se conter.

Eupraxia não gostava de chamá-lo assim, não gostava de demonstrar uma intimidade sentimental que não sentia, mas de vez em quando era simplesmente impossível, e ela não sabia o porquê. A outra mão de Aurelius subiu para o seio dela, massageando e acariciando seu mamilo de leve. Praxis gemeu, alto dessa vez, encurvando o corpo para frente e apoiando as mãos na pia. De relance, ela viu Aurelius abrir um pequeno sorriso convencido pelo reflexo do espelho, e franziu a boca em irritação.

Odiava espelhos. Precisavam sair dali.

— Está tentando me exaurir de pé no banheiro? Tenha classe, Aurelius.

— Oh. Está geniosa hoje — ele comentou em resposta, fingindo choque com apenas um sucesso parcial.

Ele sabia que ela odiava o banheiro, mas não sabia o porquê. Presumia que era frescura dela, e fazia isso para provocar um pouco. Eupraxia preferia assim. A última coisa de que precisava era de seu não tão amado marido sabendo sobre seu medo, muito forte, de espelhos.

Aurelius tirou a mão da calcinha dela, puxando a peça de roupa para baixo. Eupraxia aproveitou para dar dois passos não tão discretos para longe do espelho ao terminar de tirar a peça de roupa, e isso foi o bastante para Aurelius.

Ele a puxou para perto, beijando-a mais uma vez e a seguindo a passos um pouco atrapalhados para a suíte. Era um homem muito asseado, e Praxis também, mas nenhum dos dois se preocupou com a água pingando no chão do quarto naquele instante. Ela sentia raios de luz se refletindo com ainda mais força para fora de sua pele, e quando Aurelius desviou a boca para o pescoço dela mais uma vez, a mulher olhou para cima, vendo um espetáculo de luzes em arco íris e padrões prismáticos se projetando no teto, saindo da pele, de seu próprio corpo.

Praxis conteve um suspiro. Não importava quantas vezes via, sempre conseguia se surpreender. Era o tipo de habilidade que nunca conseguia reproduzir de sua própria vontade, o tipo de coisa que acontecia quando ela saía de controle. Já tinha tentado entender como funcionava várias vezes, tinha tentado reproduzir, mas não adiantava. A parte mais bonita de quem era só aparecia quando estava com Aurelius.

Que ironia.

Ele a puxou para cima e ela travou as pernas em seus quadris, enlaçando o pescoço dele com os braços. Aurelius subiu na cama dos dois, deitando-a no colchão com uma delicadeza pontual que aparecia muito raramente, apenas em momentos como aqueles. Era mais um item na lista de coisas não conseguia entender, mas que não chegava a se importar.

Aurelius se inclinou, algumas gotas de água de seus cabelos molhados caindo sobre o rosto de Praxis. Ela levou as mãos ao rosto dele, fazendo um carinho na lateral, prendendo os olhos naquele belíssimo anel dourado formado ao redor das íris azuis dele. Bonito demais. Chegava a dar raiva.

E ela sabia, não era a única que pensava assim. Aurelius tinha demonstrado mais de uma vez seu fascínio com os olhos lilases e os cabelos anormalmente pretos de Praxis, mas naquele momento, ela viu pela forma como ele a olhou inteira, de cima a baixo, era com a pele dela que ele estava fascinado. Com os padrões de cores e ondas luminosas correndo lentamente sobre o corpo dela. 

Aurelius se posicionou entre as pernas de Praxis, com os olhos fixos no colo dela e correndo uma das mãos sobre o seio da esposa. Ela sentiu um arrepio correndo sua espinha quando o marido a penetrou, de uma vez, puxando-a para perto por uma das coxas. Praxis o viu travar o maxilar para tentar conter um gemido, mas ficou muito feliz ao ver que ele falhou, afinal, aquela era a única ocasião em que podia dizer que amava ouvir a voz do marido. Não sabia que trava era essa que homens tinham quanto a gemidos mas, por favor, que ele se destravasse mais. Até o som da voz de Aurelius era capaz de fazê-la se contorcer.

Ele começou a se mover, nem rápido e nem devagar, o ritmo ao qual os dois tinham aprendido ser perfeito para eles. Praxis sentiu o calor em seu corpo aumentar, e estendeu as mãos, agarrando os pulsos dele, o primeiro instinto o qual pôde responder. A voz da mulher escapava em gemidos curtos, e ela notou que Aurelius tinha voltado a observar e se admirar com os padrões luminosos em seu corpo.

Havia algo na forma como ele a olhava, como se ela fosse uma deusa grega, como se fosse a mulher mais bela a existir no mundo, que mexia com Praxis quase tanto quanto qualquer coisa que ele pudesse fazer com as mãos. Quem não gostava de ter o ego massageado? E  daquela forma…

Aurelius percorreu a parte de trás da coxa dela com a mão, e quando seus dedos se aproximaram da parte de dentro, ela sentiu o corpo tremer, levando-a ao ápice. Além de suas pernas se contraindo ao redor dos quadris dele, um gemido alto entregou o momento, e Aurelius a abraçou forte contra seu corpo, acelerando seus movimentos.

Por fim, ela ouviu o segundo e último gemido da noite escapando da boca de Aurelius, e depois do orgasmo, ele soltou o abraço ao redor da esposa. Aurelius saiu de dentro dela, jogando-se na cama ao seu lado, e olhou pra o teto, onde tinha sobrado muito pouco das luzes. A pele de Eupraxia estava voltando ao normal, e os olhos de Aurelius também.

Por algum tempo, os dois ficaram em silêncio, regularizando a respiração, o momento íntimo se afastando deles a cada segundo. Eventualmente, o ar do quarto ficou frio, e Eupraxia quis se vestir. E quis também um segundo para si. Ela olhou para o lado, vendo o travesseiro de Aurelius encharcado por causa dos cabelos molhados dele, e soltou um suspiro alto e cansado. Odiava bagunça.

— Você molhou a roupa de cama — ela acusou, levantando-se em seguida e indo ao banheiro para tomar o banho que tinha sido sua intenção inicial.

Sabia que os lençois estariam trocados quando voltasse, pois Aurelius também não suportava bagunça. Ainda assim, ela se permitiu demorar um pouco na banheira. Talvez, se demorasse, Aurelius já estivesse dormindo quando ela voltasse para o quarto.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Link pro grupo de whatsapp: https://chat.whatsapp.com/DrHNqXKPp8cBfLb7UGgbAL

Considere favoritar essa fic e Homem de Gelo também. Vai deixar meu coração bem quentinho ♥

Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/a-rosa-do-tempo--interativa-19350882/

Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

Leia a duologia Hunters! Comece aqui: https://fanfiction.com.br/historia/771022/Hunters_Hunters_1/

Leia minha original de fantasia urbana, Carmim! https://fanfiction.com.br/historia/787245/Carmim/

Leia minha fanfic de Harry Potter! https://fanfiction.com.br/historia/781763/Marcas_de_Guerra_Historias_de_Bruxos_1/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2)" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.