S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 6
Sangue Novo


Notas iniciais do capítulo

Gente desculpa o atraso, quando eu fui postar ontem o site entrou em manutenção =/
Aqui pra vocês, to kkk



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/799252/chapter/6

Fazia dez minutos que Adrian tinha saído de sua triagem, feita pelas agentes Morse e Ngozi. Parado à frente do laboratório, andando devagar de um lado a outro, pensava sobre os resultados. A resposta imediata, ele já tinha imaginado, foi uma constatação de audição aguçada. Qualquer outra mutação interna, a descontar as alterações bizarras em sua aparência, não tinha se manifestado ainda.

Estava na base há pouco mais de uma hora e, desde que seu quinjet tinha tocado o chão do hangar, havia visto apenas o diretor Mack e Yo-yo, a inumana que tinha ficado no laboratório com as duas outras agentes para entender melhor sua situação. Isso não deveria ser um problema por muito tempo, porém. Mack tinha declarado que a primeira reunião com a equipe completa aconteceria em breve; só estavam esperando outros dois agentes chegarem.

E, até que chegassem, não tinha nada para fazer. Ele se sentou no chão do corredor, encarando o movimento de um mosquitinho pousado na parede, ocasionalmente voando um pouco mas sempre voltando para o mesmo lugar. Em dado momento, ele reparou numa mulher carregando uma arma no coldre, caminhando com uma postura muito típica de quem tinha recebido treinamento militar. Ela possuía  cabelos muito curtos e estatura baixa. Adrian não a conhecia ainda, mas não era falta de apresentações que o incomodava. Era o resto todo.

 O que estava fazendo ali? Era advogado, pelo amor de Deus. Não era soldado. Tudo bem, quando a oferta chegou a ele, o dinheiro oferecido saltou muito aos seus olhos. Desde a sua terrigênese, vinha sendo muito difícil encontrar clientes. Ao que parecia, as pessoas não queriam ser atendidas por um homem de pele estranhamente pálida, algumas veias escuras no canto do rosto e olhos azuis com a íris circulada por um bizarro aro vermelho. Até Adrian se assustava com as mudanças que tinham lhe acontecido, e se assustava ainda mais com a perspectiva — realista — de não serem as únicas. Um dos motivos pelos quais aceitou o trabalho na S.H.I.E.L.D. foi a esperança de haver recursos para entender mais sobre o que estava acontecendo consigo, entender se uma super audição seria tudo com o que teria de se acostumar, ou se ainda deveria esperar mais problemas em seu futuro. O outro motivo…

Adrian tirou o celular do bolso, sorrindo ao ver a foto de pano de fundo. Era ele abraçado a seu filho, Trevor, um garotinho de oito anos que era o presente mais especial de toda sua vida. O garoto era muito carente, tendo sido abandonado pela mãe, e tinha partido o coração de Adrian ter de deixá-lo com a avó para poder se alocar no trabalho na S.H.I.E.L.D., mas, mesmo sendo advogado e tendo uma boa reserva de dinheiro, o orçamento começava a apertar.

Trevor era diabético. Costumavam receber ajuda de uma instituição para dar conta dos remédios, mas ei, você é inumano? Uma pena, não é… A bondade das pessoas era limitada à normalidade alheia. Com o surto de terrígeno causado pelos Purificadores, muitos inumanos tinham aparecido do nada, alguns com poderes perigosos, causando acidentes com vítimas. O povo tinha medo deles. Ninguém queria mais contratar Adrian, ou ajudá-los. Ninguém, a não ser a S.H.I.E.L.D..

E era afinal por isso que estava ali. Faria qualquer coisa por seu garotinho. A ironia violenta do mundo tinha decidido que “qualquer coisa”, agora, exigiria ficar longe dele, mas Adrian era esperto o suficiente para saber que outro trabalho com salário como o qual lhe estava sendo oferecido não cairia do céu. Deus enviava seus milagres, mas não o fazia todos os dias. Precisava aproveitar.

O homem olhou um pouco distraído para os lados do corredor, mas ainda nem sinal de Mack. Talvez ainda fosse demorar um pouco. Talvez tivesse alguns minutos, e sabia exatamente o que fazer com eles.

Adrian abriu um aplicativo de chamadas no celular, ligando para Trevor. O garoto nunca demorava para atender suas ligações, e parte de Adrian se entristecia com isso, imaginando o filho agarrado ao celular o tempo todo, só o esperando ligar. Daquela vez não foi diferente, e Trevor atendeu no segundo toque.

— Pai? — Ele chamou, aparecendo na tela com um sorriso grande e a cara um pouco sonolenta.

— Você estava cochilando? Desculpe, o papai não queria te acordar.

— Ah, estava sim, mas a vovó disse que era preu acordar mais cedo porque eu tô dormindo demais de tarde. Ela disse que eu tenho que fazer minha lição de tarde, porque de noite eu fico com preguiça demais e acabo fazendo tudo errado…

Adrian se lembrava das manias de sua mãe. Ela costumava dizer isso tudo a ele também, mas o homem sempre tinha sido muito noturno. Talvez tivesse passado esse hábito a seu filho, e nesse caso seria difícil para ele se adaptar a uma rotina tão diferente. Ele engoliu em seco, tentando não pensar em como tudo estaria difícil para o garoto. Estava tudo bem. Era o melhor que podia fazer.

— Obedeça sua avó, ok? Não dê trabalho pra ela.

— Tá booom paaai… — O menino respondeu, suspirando de um jeito que muita gente acharia petulante, mas pai bobo que Adrian era, só conseguiu achar fofo. — Quando é que você vai voltar? Tô com saudade da nossa casa.

Quando ia voltar? Não fazia ideia. E, com sorte, não muito cedo. Precisava daquele emprego, daquele dinheiro. Não podia simplesmente jogar a oportunidade para o alto, por mais que ver o rosto triste do filho do outro lado da tela partisse seu coração.

— Assim que eu puder eu volto. Eu prometo.

— Tinha que ser tão longe? Por que você não pode fazer do seu escritório igual os outros?

Não podia responder. Dizer a seu filho que estava na S.H.I.E.L.D. estava fora de cogitação. O garoto sequer sabia dos problemas financeiros do pai, é claro que não sabia, e era para continuar assim. Ignorante e inocente.

— Esse trabalho é mais complicado, mas é muito importante para nós dois. Você entende isso, não é?

— É… — ele respondeu, e Adrian soube que o filho não entendia quase nada.

De relance, o inumano viu Mack acenando para ele no final do corredor, e Adrian devolveu o gesto ao diretor, sinalizando para que ele esperasse um instante e já estaria lá.

— Preciso ir — Adrian disse, sentindo as palavras apertarem na garganta. — Mas eu vou te ligar mais tarde para saber se fez a lição. E trate de fazer tudo direitinho, ok? Sem avacalhar. Estudar é a coisa…

— ...mais importante que eu faço na vida, eu sei.

— Exatamente. Até mais tarde, filhão.

— Até.

Com um último aceno, a chamada caiu. Adrian se levantou do chão, guardando o celular no bolso com certa tristeza pela curta duração da conversa, mas ajeitou o casaco do terno e seguiu o diretor sem fazer perguntas. Estava ali para trabalhar, afinal, e a julgar por tudo que estava em jogo com esse seu trabalho, era melhor fazê-lo muito bem.

— Seu filho? — Mack perguntou quando Adrian se aproximou dele. Mack já sabia tudo que havia para saber sobre a criança, tendo isso pesado muito na decisão de Adrian ao aceitar a vaga.

— É. Não gosta de fazer lição de tarde — comentou, com um sorriso besta no rosto.

— Ah… A minha gostava.

A expressão de Mack pesou por um instante. Adrian sentiu que havia algo de melancólico nela, algo perdido. Algum instinto de paternidade que tomou conta dele, algo se traduzindo em preocupação e dor.

— Ela… Tem quantos anos?

— Tinha dez… É complicado.

Mack não precisou falar mais nada. Adrian murmurou um “eu sinto muito”, seguido de um sinal da cruz e uma prece silenciosa pela alma da garotinha. O que quer que tivesse acontecido, não lhe competia saber, e nem sabia e queria. Qualquer que fosse a resposta, imaginar algo similar acontecendo com Trevor já fazia seu coração acelerar. Quanto menos detalhes, quanto menos asas desse à sua imaginação, melhor, principalmente com o garoto estando longe de si. Se acontecesse algo com seu filho… Nem sabia o que sobraria de si depois, porque morreria por dentro. De certo que morreria.

— É a reunião, diretor? — Perguntou, depois de um tempo, pigarreando e tentando mudar o assunto da interação.

— Não ainda — o homem respondeu, guiando Adrian em direção a uma sala adjacente. — Lembra quando te entreguei seus casos de advocacia?

— Sim. Eu já li tudo, inclusive e…

— Tudo bem, eu posso saber depois — o diretor cortou, abrindo a porta e entregando duas pastas para Adrian. — Aqui, seus clientes. Divirta-se.

Ah. Os clientes. Adrian agradeceu com um sorriso meio amarelo e entrou na sala em seguida. E lá estavam eles. Os dois adolescentes cuja bagunça passara a ser trabalho dele consertar. Adrian fechou a porta atrás de si com um suspiro um pouco cansado, olhando de Iniko, a garota sentada à esquerda, para Theodore, seu amigo do lado direito.

Jesus lhe desse a santa paciência necessária para lidar com atitude e ego adolescente. Essa era uma faixa etária na qual não estava nada ansioso para ver Trevor chegar e começar com seus surtos de “já sou adulto” e “você está me envergonhando”. Ninguém merece...

— Ok. Iniko e Theodore — anunciou, sentando-se na cadeira de frente para os dois e largando os arquivos sobre a mesa que os separava. — O diretor Mack me explicou a situação de vocês.

A garota se inclinou para a frente, apoiando os braços nas coxas, ansiosa. O garoto parecia muito menos interessado no assunto, com os braços cruzados e o corpo jogado para trás.

— E? — Ela perguntou, cruzando os dedos, agitada. — Você pode ajudar?

— Se eu posso ajudar… — ele retrucou, soltando uma risadinha anasalada em descrença. — Eu não perco meus casos, Iniko. É claro que posso ajudar. Mas vamos começar do mais simples — respondeu, abrindo a ficha de Theodore sobre a mesa. — Mack os colocou a par da estratégia de inocentação que vai ser utilizada para vocês dois?

— Ele disse que vamos alegar influência externa — Theo respondeu com uma risada sarcástica. — Meu pai estava na organização, a figura paterna de Niko também, então eu entendo de onde a ideia vem. 

— Sim, e tem mais alguns detalhes… Eu vou tentar resumir. Por serem menores de idade, conduzidos por seus responsáveis legais para a atividade, podem ter a responsabilidade retirada de vocês. Principalmente a julgar pela ajuda oferecida ao Homem de Gelo no final da crise, e pela entrega de dados sendo feita agora para a S.H.I.E.L.D.. Pra ser sincero, é um caso fechado. Ninguém vai condenar vocês.

A expressão de Theodore deixou claro que ele não acreditava muito nisso. Era só o que faltava, uma criança questionando sua autoridade e competência no trabalho… Adrian sentiu a sobrancelha tremer de leve, mas decidiu ignorar a expressão do outro e seguir em frente.

— Para você, Theodore, depois que os trâmites legais da acusação acabarem, vai ser só uma questão de recuperar sua herança. Não devem haver problemas envolvidos depois que a S.H.I.E.L.D. processou a documentação do funeral adequadamente para você. Você vai precisar ir a Glasgow assinar alguns papeis, e pronto.

O garoto suspirou, revirando os olhos, e Adrian decidiu, não gostava dele. Tudo bem, podia focar na menina. Ela parecia bem mais interessada.

— Para você, Iniko, a situação é diferente. Depois que os Purificadores roubaram os bens da sua família, eles fizeram uma bagunça. Mergiram companhias, venderam outras, mataram outras… O traço burocrático e a trilha de papeis e transações monetárias está um tanto confusa de se seguir. Vai dar trabalho e vai levar tempo rastrear exatamente o que é seu, e um rastreamento bem-feito é essencial para conseguirmos a permissão para ativar sua herança. Em outras palavras, temos que desfazer o roubo primeiro, e tem muita lavagem de dinheiro no caminho.

A garota gemeu de desagrado, afundando o rosto nas mãos. Bem, não podia culpá-la. Daria mesmo um trabalho danado, e no lugar dela, não teria ficado muito animado.

— Para sua sorte, já peguei casos assim antes — o homem continuou. — Eu disse que vai ser difícil, não que eu não vou conseguir. Mas você vai precisar esperar um bom tempo.

— É… Não dá pra dizer que eu não esperava algo do gênero. Tudo bem.

Adrian concordou, olhando para os dois por um instante. Agora ele tinha dois adolescentes frustrados na sala. Jackpot.

— Bom, Theodore, me procure quando quiser dar início à sua papelada. Eu vou deixar tudo encaminhado de uma vez. Iniko, eu entro em contato com você quando tiver novas informações. Eu posso adiantar, a respeito da companhia de farmacêuticos, que…

Um ruído de estática soou de repente, interrompendo a fala de Adrian. Logo a voz de Mack ecoou nos alto-falantes, com a exata convocação que o inumano estava esperando.

— Atenção agentes, dirijam-se à sala de comando. Agora.

E “agentes”, por mais bizarro que soasse, incluía ele também. Adrian suspirou, abrindo um sorriso sem graça para os dois, e se levantando da cadeira. Logo, os dois o seguiam em direção à reunião.

 

[...]

 

Sirius se perguntou, pela quinta vez no último minuto, se estava incomodando alguém. Sua perna balançava freneticamente, um reflexo de sua ansiedade se manifestando enquanto estava sentado em uma das poucas cadeiras da sala de comando. Ele já tinha levado os dedos à boca umas três vezes, mordendo as unhas em impulsos ansiosos,  culpando-se por isso depois.

O que estava fazendo ali? Era jornalista! Dos bons? Sim. Investigativo também, o que tinha certeza, era o que tinha atraído a atenção da S.H.I.E.L.D.. Bendita hora em que investigou e desvendou um caso que estava sendo olhado pelo braço brasileiro da organização. Podia ter dito que não quando foi convidado a se juntar a ela? Podia. Mas… Bem, uma agência de espionagem tinha achado que ele tinha qualificações interessantes para o trabalho. Certamente havia motivo. Certamente valeria a pena ao menos tentar, o que era, no fim das contas, o motivo pelo qual tinha ido, mesmo depois da notícia de que teria de deixar o Brasil e se juntar a uma equipe alocada na fronteira dos Estados Unidos com o Canadá.

Era frio naquela joça de lugar. Ele apertou a jaqueta, tentando se agasalhar um pouco mais, olhando indignado para o tanto de agentes presentes em mangas curtas. O aquecedor ligado em dezenove graus celsius — conversão feita por Sirius no celular, uma vez que aquele povo insistia em ser ridículo e usar uma medida de graus que nenhum outro lugar no mundo usava — nem devia ser chamado de aquecedor. Que ultraje. Não estava na basenem há uma semana e já sentia falta do sol de São Paulo, de cachorro quente com purê de batata e pizza com borda recheada. Se o aquecedor era uma piada, o cachorro quente então…

Ele olhou em volta, analisando por alto os rostos dos presentes. Ainda não sabia o nome de ninguém e talvez demorasse um pouco para aprender. Eram três adolescentes — um bem feinho, coitado — e uma outra quantia de adultos. Eram uns doze na sala, aguardando a chegada do diretor, o que não demorou a acontecer. Mack era o único de quem Sirius tinha aprendido o nome, embora sentisse que o homem loiro do outro lado da sala não lhe era estranho. Onde tinha visto ele antes? Defensores? Não, espera… Vingadores? Talvez. Excelente, sem pressão.

Sirius se sentia muito pequeno. Ele passou a mão pelos cabelos escuros, compridos na altura do ombro, tentando de alguma forma parecer mais asseado. Com olhos escuros, pele parda e um nariz proeminente de ascendência indiana, tinha se perguntado algumas vezes se ia esbarrar no time com algum xenófobo como dos casos que tinha visto na mídia deles. Havia sido um alívio e tanto descobrir que o diretor da equipe era negro e que a namorada dele era colombiana. Isso devia significar um ambiente confortável, não é?

Mack subiu no palanque e apertou alguns botões em um teclado. O burburinho de conversa ao redor de Sirius, ao qual ele tinha se acostumado de tal forma que mal o reparava, sumiu, e todos se viraram em direção ao diretor.

— Espero que tenham usado o tempo para se conhecerem melhor — o homem começou, ainda digitando coisas e fazendo mapas aparecerem na tela.

Não, Sirius não tinha usado o tempo para conhecer ninguém melhor. Não confiava em ninguém ainda, e não gostava de ir se amigando com estranhos. Precisava de tempo. Esperava que as pessoas fossem entender, ou acabaria se passando por alguém arrogante, e odiava a ideia de passar essa impressão.

— Muito bem, a essa altura eu expliquei a todos vocês mais ou menos porque estamos aqui — Mack continuou, e Sirius se inclinou para a frente um pouco, aguçando os ouvidos pra acompanhar as falas do outro. Seu inglês era bom, mas conversar com alguém nativo dos Estados Unidos sempre tinha uma dose de complexidade a mais. — Vamos começar a tratar dos detalhes.

Mack apertou um último botão, e vários mapas apareceram nas telas, com bolinhas azuis espalhadas por toda a parte. Não precisou de explicação alguma para todos entenderem que as bolinhas representavam locais onde explosões de terrígeno tinham acontecido.

— Até agora — Mack prosseguiu — não foi identificado um padrão nas explosões. Nós temos a tarefa de rastrear a existência dessas bombas até a fonte e cortar o mal pela raíz. Comunicações, o que vocês têm pra mim?

E todo mundo se virou para olhar para ele e para a mulher morena sentada ao seu lado. Eles se entreolharam; sequer tinha perguntado seu nome. Ela também não tinha falado com ele, então estavam quites, não é?

Ela acabou respondendo primeiro.

— Eu só tive trinta minutos com o celular desde que saí de onde estava antes. Não dá pra fazer milagre com isso, né?

Debochada, ainda por cima. Excelente, era tudo o que ele precisava como colega de equipe. Sirius franziu a testa, encarando o mapa. Não havia padrão nenhum, o que queria dizer que a escolha dos alvos não estava sendo centralizada por ninguém. Já tinha visto isso acontecer algumas vezes.

— É aleatório. Estão vendendo as bombas pra qualquer um que quiser comprar — ele respondeu, enfiando a mão no bolso e tirando uma caneta. Sirius começou a girá-la na mão, um pouco ansioso.

Primeira reunião e era ele quem tinha que dar respostas? Belo começo. Nem estava nervoso por isso, imagine…

— Bom começo — Mack comentou. — Continue.

— Anéis de tráfico geralmente funcionam de forma centralizada. Uma pessoa pega uma carga grande, distribui pros aviõezinhos e eles saem entregando no território deles… — Sirius parou ao perceber que muita gente o olhava esquisito. — “Aviõezinhos” é como chamamos traficantes baixos no meu país, os garotos que saem com o papelote de droga pra vender na rua e voltar com o dinheiro pro chefe deles. Quando isso acontece, a distribuição é sempre no mesmo lugar, e a droga sai do mesmo lugar que é pra onde o dinheiro todo vai.

— É, mas é uma tática de espaço pequeno — a namorada do diretor completou. Sirius reconheceu o sotaque colombiano nela e não pôde deixar de se sentir acolhido. — É muito complicado traficantes se comunicarem com seus esquemas a estados de distância. Só existiu um Pablo Escobar e não foi à toa. Não se sai coordenando um esquema desses entre vários países.

Sirius concordou, abrindo um sorriso pequeno e aliviado. Sim, acolhido. Era assim mesmo que se sentia.

— Você mencionou que essas bombas não são fáceis de se fazer — Sirius continuou, dirigindo-se a Mack. — É seguro garantir que teriam de sair de um mesmo fornecedor?

— Sci-tech? — Ele chamou, virando-se para a adolescente e para a mulher alta e loira sentada ao lado dela.

— Eu sou bióloga, Mack — a loira respondeu.

— Bem — a mulher ao lado de Sirius cortou. — Eu entendo uma coisa ou outra de hardwares. A bomba em si não é difícil de fazer, e pelo o que eu li sobre terrígeno nos meus adorados trinta minutos com um celular, não parece ser difícil fazer um mecanismo de liberação. É água e pedra. Pronto. Agora… O difícil está em conseguir o terrígeno em si, principalmente nessa quantidade toda. Isso sim eu acho provável ter sido feito por uma organização só.

Interessante. Sirius ponderou, começando a ligar alguns pontos em sua cabeça.

— Se é assim, então é provável que um único fornecedor esteja por trás do terrígeno. Se ele fornece o terrígeno para as bombas serem feitas, ou se já fornece a bomba pronta… Daí resta investigar para saber. Mas é um bom começo. Se pudermos colocar a mão em uma dessas bombas podem haver sinais de onde ou como foi produzida.

— Esse é o problema — Mack respondeu, apoiando as mãos na mesa. — Nunca conseguimos pegar uma delas nos ataques. As cenas sempre são limpas antes.

Bem, isso era ainda mais fácil de resolver. Sempre era mais fácil achar a mercadoria ilegal antes de ser vendida para o consumidor final. E mais fácil ainda era comprar um pouco dela.

— Então vamos conseguir uma antes — ele sugeriu. — Podemos entrar em contato com anéis de mercado negro e comprar uma como se fôssemos clientes finais.

Sirius soube na mesma hora que tinha acertado. Mack abriu um sorriso, honesto e satisfeito. De repente, o agente se perguntou se tinha tido uma ideia genial ou se Mack estava os testando. Qualquer que fosse o cenário, o resultado foi positivo. Para Sirius, era tudo o que importava por ora.

— Então, é trabalho de vocês — ele concluiu. — Comunicações, entrem em contato com o mercado negro e arranjem uma compra pra nós. Especialistas, continuem treinando, quando eles forem fazer a compra disfarçados vão precisar de backup. Sci-tech, continuem com o apoio aos inumanos e se preparem pra dissecar essa bomba quando chegar. Agente Jaeger, se puder ensinar um pouco de hardware para as duas, vai ser de grande ajuda. Muito bem, todos têm suas ordens — ele concluiu, afastando-se da mesa. — Ao trabalho.

Fácil assim? Sirius olhou, atordoado, todos começando a se levantar e ir para suas estações, cumprir com suas funções. Essa sim era uma reunião rápida; fazia as reuniões do antigo trabalho de Sirius parecerem uma sessão extendida de Senhor dos Anéis. Ele girou na cadeira, e devia ter deixado muito claro em seu rosto que estava perdido, pois Mack caminhou até ele, parando ao seu lado.

— Algo em sua cabeça? — O diretor perguntou, cruzando os braços e se escorando na mesa à frente do agente.

— Ah… É diferente do ritmo com o qual estou acostumado.

— Você foi bem — Mack o acalmou, pousando a mão no ombro do agente. — Comprar direto do mercado negro é uma boa estratégia.

— É… Mas você já tinha pensado nisso… Não tinha?

A resposta de Mack foi apenas um sorriso, mas ficou muito claro para Sirius se tratar de uma confirmação.

— Eu queria ver como você e Jaeger pensam. Estou satisfeito com o resultado. Agora, hora de colocar a mão na massa, hein? Arranjem um acordo de compra dos bons pra gente.

Certo. Sobre o acordo… Sirius abaixou a cabeça, um pouco receoso, e viu Mack levantar a sobrancelha em um gesto interrogativo. Ele nem precisou formular a pergunta, e Sirius soube que precisava responder.

— Bem… eu tenho um informante no Brasil. Mas… Lidar com o anel de tráfico dele é perigoso.

— Não se preocupe com isso. Vocês vão ter bastante reforços.

Sirius não sabia se isso era o suficiente para o acalmar. Não seria novidade se colocar em risco, mas havia um sabor diferente daquela vez. Levaria agentes secretos profissionais com ele para uma de suas improvisações de missão de disfarce, e era muito provável que ia ouvir deles que vinha fazendo tudo errado. Não estava nada ansioso por essa parte.

Ele pegou o telefone de novo, olhando nervoso para a tal agente Jaeger, sentada na frente do computador fazendo alguma coisa. Havia uma nova mensagem no celular, e ele a abriu quase automaticamente, quase sem se dar conta.

Era de sua tia, a mulher que tinha como mãe e que o criara a vida inteira. Primeiro, uma imagem de bom dia com várias flores no fundo. E depois, um desejo de boa sorte no emprego novo.

Sorte. Sirius quase riu. Devia ter sido sorte mesmo que o fez acertar em sua primeira reunião. Talvez, fosse precisar mesmo era de um milagre.

 

[...]

 

Dois minutos. Dois minutos inteiros foi o tempo no qual Agnes ficou sentada do outro lado da mesa de Mack, na sala dele, encarando o homem em silêncio enquanto ele passava páginas da ficha dela sem falar nada. Ela sabia o quê ele estava lendo e no quê estava pensando. O que não sabia era o quê ele ia dizer. Agnes aguardou, encarando os movimentos do homem com um desconforto cozinhando na boca do estômago.

Ela era boa em deduzir o que os outros pensavam. Em conversar, dar ordens, receber instruções… Mas não havia talento que pudesse a ajudar quando lidava com alguém tão inexpressivo quanto ele. Era como observar uma estátua e esperar que sorrisse, ou xingasse, ou qualquer coisa parecida. Parte dela queria fazer um comentário sarcástico, quebrar o gelo e cutucar a seriedade do homem. A outra parte sabia com quem estava lidando, e que não devia abusar da sorte. Sua posição era muito delicada, e quase que inteiramente dependente da boa vontade dele. Não queria gastar uma paciência que, mesmo parecendo, não era ilimitada. A de ninguém era.

Ela conteve uma risada sarcástica, pensando no que seu pai diria se visse onde ela estava agora. Já fazia seis anos que seu pai estava morto, e ainda não se passava um dia que fosse sem sentir falta dele. Sempre tinham sido os dois contra o mundo, ela tinha aprendido tudo o que sabia graças a ele e às portas que tinham sido abertas em sua vida. Em momentos como aquele, lembrava-se dos finais de tarde que passava com seu pai em um ou outro pub na Alemanha, seu país natal, bebendo boa cerveja e comendo salsicha de qualidade — em vez do lixo que se chamava de salsicha naquele país. Parecia uma vida diferente. Parecia uma pessoa diferente. Tudo  desandou desde que o tinha perdido. Às vezes, ela achava melhor ele não estar presente para ver a vergonha que era ela sentada no escritório de um diretor da S.H.I.E.L.D..

Finalmente, Mack largou a ficha na mesa, cruzando os braços e a encarando de um jeito que devia ser muito intimidante para muita gente. Agnes apenas repetiu o gesto, aproveitando também para cruzar os pés para cima da mesa dele. Não era de se assustar fácil. Tinha visto muita coisa nessa vida.

— Então você sabe uma coisa ou duas sobre hardwares? Humilde? — Ele perguntou, com um olhar severo e a boca travada em uma expressão de seriedade.

— Não vim aqui pra chamar atenção. Inclusive, na verdade, não sei por que vim. Eu tinha escolha.

— Ah, sim. Eu podia te deixar na Ryker. Lugarzinho aconchegante, celas de concreto, pouco banho de Sol…

Agnes se impediu, por muito pouco, de suspirar. Não devia mais estar na Ryker. Não devia ter ficado aquele tempo todo lá, sequer devia estar naquela base. Deveria ter ido embora, mas para onde? Quais eram suas opções a essa altura? Agnes sempre tinha sido, em algum nível, realista. Aquela equipe da S.H.I.E.L.D. era sua única escolha no momento.

Ela desviou o rosto para a parede da sala. Podia concordar com Mack, mas não precisava admitir em voz alta. A mulher encarou de soslaio sua foto na ficha em cima da mesa. Estava com os mesmos cabelos castanhos lisos, franjinha cortada em cima da testa e olhos verdes cobertos pela nuvem habitual de abandono e raiva. A foto, por se tratar de um retrato de cadeia, também contava com uma plaquinha com seu número de presa, sendo segurada por ela.

Agnes decidiu que a foto a incomodava. Ela estendeu a mão, fechando a ficha e abaixando os pés da mesa, inclinando-se para a frente e apoiando os braços no tampo.

— Tudo bem. Por que me chamou aqui? Assunto pendente? Bateu arrependimento? O que você quer falar comigo que não pode falar na frente dos outros?

— Você tem contatos, não tem? — Mack perguntou,  batucando os dedos na mesa devagar. — Certamente tem, é um requisito para se ser um agente de comunicações. Você e Sirius, ambos têm contatos.

Certo. Os contatos dela estavam prestes a decepcionar Mack em proporções muito absurdas. Ela não tinha mais ninguém. Nunca mais tinham entrado em contato com ela. Tinham-na abandonado para apodrecer naquela maldita prisão, sem aviso, sem nada.

— Não mais — ela respondeu, apenas. — Fui abandonada.

Mack deu de ombros, não parecendo muito convencido pela forma como ela respondeu. Incrível, agora queria saber mais que ela sobre sua própria situação também?

— Não acho que seja tão simples. Mesmo se você não tiver contatos, tem conhecimento.

— Onde quer chegar? — Agnes cortou, de repente, se inclinando para a frente. — Se você me trouxe para cá por causa do meu passado, então sinto muito, se fodeu. Estou tão no escuro  quanto você.

— Não, Agnes. Eu te trouxe aqui por dois motivos. Primeiro, porque eu realmente precisava de alguém com experiência em computadores. E segundo… tem gente nova demais nessa equipe. Gente inocente. Sirius está prestes a entrar em um buraco de coelho de pesquisa de mercado negro, e eu não quero que ele acabe se metendo onde seja perigoso demais.

Oh. Agnes franziu a testa, começando enfim a juntar os pontos em sua cabeça.

— Você quer uma babá.

— Eu quero alguém com malícia. A maioria das pessoas novas aqui é inocente demais. Alguém precisa saber reconhecer riscos. Alguém precisa saber apontar as minúcias que podem estar sendo usadas contra eles. Eu preciso, sim, de seu conhecimento de computadores, Agnes, mas mais que isso, preciso do seu conhecimento de vida.

Sim, ele queria uma babá. E quando Agnes se lembrou do tipo de gente nova na base — um jornalista, um advogado e uma criança — conseguiu entender bem o motivo. Não era o tipo de trabalho impossível de ser realizado, mas não seria divertido. Não era algo que ela queria fazer, mas a essa altura, sabia aceitar suas ordens.

— Ok. Mais alguma coisa?

Mack sorriu, e havia um tom convencido e orgulhoso no sorriso dele que não agradou Agnes em nada. Ela sentiu um arrepio estranho na coluna, e assistiu o diretor abrir a gaveta mais próxima e tirar uma caixinha de lá.

— Um presente.

Agnes pegou a caixa, com o símbolo da S.H.I.E.L.D. em cima, olhando desconfiada para Mack e de volta para a caixinha. Ela abriu a tampa, devagar, e lá dentro viu uma pulseira de metal, um aro simples sem decorações.

Algo a dizia que não era uma joia qualquer.

— O que é isso? — A garota perguntou, pegando a pulseira de forma desconfiada.

— Um sniffer. Coloque, por favor.

Um sniffer?! O queixo de Agnes caiu. Ela encarou a pulseira, querendo jogar o objeto longe e quase não acreditando que ele estava, de fato, a obrigando a usar aquilo.

Ela devia ter desconfiado. É claro que a S.H.I.E.L.D. não ia deixá-la perto de eletrônicos de forma não-supervisionada. Considerando o nível tecnológico da organização, devia ser um algoritmo de rastreio de rede sem fio, algo para checar qualquer atividade dela na internet e mandar direto para o computador do Mack.

Não poderia nem assistir pornô em paz. Mas que inferno… A garota abriu a pulseira, colocando-a no pulso e vendo uma luzinha azul piscar. Já estava funcionando.

— É a prova d’água — Mack anunciou. — Não precisa tirar pra nada, nem para o banho. E se você tirar, eu vou saber. Se você encostar em um celular, eu vou saber. Qualquer coisa que você digitar em um computador, eu vou saber. Eu vou saber até quando você abriu a smart geladeira da base. Então, vamos ser honestos um com o outro. Você sabe no que pode mexer, e no que não pode. Não tem motivo para nos estressarmos, não é?

Agnes abriu um sorriso, tentando ao máximo fazê-lo sair natural, mas imaginando o quão amarelo teria sido. Pela expressão plena de Mack como resposta, julgou ter sido bem sucedida.

— Não. Não tem motivo.

A mulher se levantou, colocando as mãos no bolso e tentando se impedir de arremessar alguma coisa. Muito bem. Quando em Roma… Evite incendiar a cidade e prefira agir como os benditos romanos.

— Eu vou me juntar a Sirius — ela anunciou, dando as costas para o diretor. — Ele deve estar precisando de ajuda.

Agnes não esperou resposta. Ela deixou a sala e bateu a porta atrás de si.

 

[...]

 

21:37

Localização: RESTRITA

 

O homem estava sentado àquela mesa há tanto tempo que começou a sentir a necessidade de descartar sua frustração na primeira pessoa que atravessasse a porta de sua sala. A primeira pessoa foi um subordinado, para satisfação dele, mas um dos bons, o que representaria um desperdício. Não podia simplesmente atirar nele para descartar as frustrações; teria de ficar para outro dia.

— Relatório — pediu, cruzando as mãos à sua frente. Não estava com humor para más notícias. Era bom receber uma boa resposta.

— A pré-produção do projeto está completa, senhor. Nos falta agora a cobaia e o especialista para a fase final.

Excelente! O homem deixou um sorriso um tanto macabro sair do canto de sua boca, e o subordinado à sua frente espelhou o gesto. Ele se levantou, dando a volta na mesa com as mãos atrás das costas e parando na frente do outro.

— Isso não será um problema. Eu encontrarei a cobaia e o especialista para nós. Dispensado.

— Sim senhor! Ha…

— Não há necessidade disso por aqui. Apenas saia — o homem o cortou com um meneio da mão.

O subordinado saiu, e quando o homem se sentou de novo em sua mesa, seu humor tinha melhorado muito. Tudo estava indo como planejado. Agora, era só uma questão de tempo.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Link pro grupo de whatsapp: https://chat.whatsapp.com/DrHNqXKPp8cBfLb7UGgbAL

Considere favoritar essa fic e Homem de Gelo também. Vai deixar meu coração bem quentinho ♥

Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
https://www.spiritfanfiction.com/historia/a-rosa-do-tempo--interativa-19350882/

Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

Leia a duologia Hunters! Comece aqui: https://fanfiction.com.br/historia/771022/Hunters_Hunters_1/

Leia minha original de fantasia urbana, Carmim! https://fanfiction.com.br/historia/787245/Carmim/

Leia minha fanfic de Harry Potter! https://fanfiction.com.br/historia/781763/Marcas_de_Guerra_Historias_de_Bruxos_1/



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2)" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.