S.H.I.E.L.D.: Guerreiros Secretos (Marvel 717 2) escrita por scararmst


Capítulo 19
Refúgio




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Era como reviver um pesadelo, ver uma memória ruim se desdobrar novamente em sua frente como uma maldição da qual não se pode se livrar. Erasmus estava em seu quarto, jogando um jogo de cartas com Adrian, quando a sirene da base soou mais uma vez. Primeiro, os dois se olharam por um instante, ouvindo o barulho repetitivo e ensurdecedor ecoando pelas paredes da base. As luzes de alarme piscavam — vermelhas, de acordo com Adrian, mas brancas para Erasmus, que só enxergava o mundo numa escala de cinza — e Erasmus já tinha aprendido que a S.H.I.E.L.D. não fazia treinamentos surpresa; se as sirenes tinham disparado de novo, então pela segunda vez em poucos dias, estavam passando por alguma emergência.

Na vez anterior, a crise havia sido de terrígeno, e por muito pouco ele tinha descoberto a tempo e impedido Adrian e Yo-Yo de caminharem direto para uma situação muito perigosa. Segundas terrigêneses podiam ser fatais, ou ao menos causar danos gravíssimos ao inumano afetado. Ouvir a sirene outra vez de imediato o fez pensar em mais um ataque de terrígeno na base, e ele sentiu o coração dar um salto.

O garoto ainda olhava em volta, pensando se estaria seguro dentro de seu bunker ou se deveria arriscar sair para uma das celas de contenção. O bunker não era cem por cento selado para impedir a entrada de gases, mas ali, de portas fechadas, achava pequena a possibilidade de algo entrar por debaixo da porta e ser o suficiente para fazê-los algum mal. Constatou isso enquanto respirava fundo, tentando se acalmar e se convencer de estar seguro lá dentro. Estava dando certo para ele, mas não poderia dizer o mesmo sobre Adrian.

O homem tinha abaixado a cabeça, coberto as orelhas com as mãos e tinha a testa franzida. Parecia um tanto irritado, ou com dor. Ou as duas coisas. Erasmus se lembrou de repente da sensibilidade do homem a ruídos altos, e Adrian se encurvava e choramingava, apertando os ouvidos com as mãos.

E agora? O que faria? Erasmus se ajoelhou, segurando Adrian pelos ombros e o puxando até o homem levantar o rosto e olhar para ele. Queria ajudá-lo, mas não sabia como, e Adrian teria de lhe dar algum tipo de informação para isso. Erasmus olhou em volta um pouco desesperado, e escolheu por pegar seu telefone às pressas, digitando em um aplicativo de notas: “O que posso fazer para te ajudar?”

Adrian leu; estava ficando um pouco pálido e lívido. Mas Erasmus tinha feito a pergunta certa.

— Preciso ir até meu bunker, por favor.

Erasmus se perguntou por um instante como isso poderia ajudar Adrian, guardando o celular no bolso com um ar confuso. Ele se aproximou do homem, oferecendo apoio para ele se levantar, e logo percebeu a dificuldade apresentada por Adrian para manter-se de pé. Seu sentidos aguçados estavam atrapalhando o equílibrio do homem ao serem atacados dessa forma pela sirene, e ele se apoiou por completo na cintura de Erasmus em seu semi-abraço para se equilibrar.

— Tudo bem, eu vou te levar até lá — Erasmus respondeu, percebendo no instante seguinte o quão inútil a resposta seria, estando Adrian com a audição comprometida.

Não importava, seu gesto com certeza já tinha dito o suficiente. Ele caminhou até a porta, trazendo Adrian consigo e a abrindo de uma vez.

Não havia confusão do lado de fora. Não havia agentes correndo de um lado para o outro, nem nuvens de gases das quais devesse se afastar. O motivo da confusão, fosse qual fosse, devia estar contido em algum lugar. Isso era o bastante para Erasmus, que agora guiava Adrian em direção ao bunker dele a passos largos. Adrian seguia a uma velocidade incrível para alguém tão zonzo como se apresentava agora, quase como se toda aquela rapidez fosse uma segunda natureza para si. Ou desespero. Talvez fosse só o desespero.

Chegaram à porta do bunker e Adrian respirou fundo, tirando uma mão de um dos ouvidos para destrancar a porta. Ele a empurrou de qualquer jeito e correu para dentro, no que pareceu muito para Erasmus como um piscar de olhos. O garoto entrou com mais parcimônia atrás, e encontrou a gaveta da escrivaninha dele aberta, uma caixinha preta em cima da mesa também aberta e Adrian com as mãos nos ouvidos, depois colocando os tampões, conseguidos para ele por Yo-Yo, nos ouvidos.

Adrian respirou, aliviado, jogando-se na cadeira da escrivaninha. Estava pálido e suava frio. Ainda parecia meio zonzo.

— Se sente melhor? — Erasmus perguntou, imaginando se os tampões já teriam estabilizado a audição dele.

Tinham. Adrian respondeu com um joinha, mas não parecia bem para responder de fato com palavras. Parecia exausto. Só pela forma como tinha se jogado na cadeira dava para reparar e, Erasmus apostaria, sem nenhuma dúvida, que em breve o homem acabaria se deitando.

— Eu vou te deixar aí então, ok? — Disse, agora pensando mais uma vez no alarme e no que teria causado toda a situação de emergência. Precisava descobrir, poderia ser importante. Ou perigoso. — Tranque a porta depois que eu sair, ainda não sabemos o que está acontecendo.

Mais uma vez a resposta de Adrian foi apenas gestual, com o acréscimo de um aceno de cabeça. Era o suficiente. Precisava ser. Erasmus acenou, sentindo-se um pouco burro ao fazer o gesto estando Adrian ainda de olhos fechados, mas parecia errado deixar o bunker sem se despedir de alguma forma. Murmurou um “até logo” um pouco sem graça, abriu a porta e saiu.

Seguindo o corredor, Erasmus entendeu muito rápido o motivo pelo qual não tinha visto movimentação de pessoas quando se encaminhava para fora do bunker com Adrian. Os agentes estavam todos aglutinados na sala de comando, encarando as telas do computador central, todas pretas com gifs de personagens dando risada.

— O que aconteceu? — Ele perguntou, correndo os olhos pelo projeto de caos instaurado na base.

Piper, Bobbi e Theo estavam inclinados sobre Davis, este amarrado na cadeira e desativado. Yo-yo e Hunter observavam um pouco de longe, parecendo terem acabado de chegar. Foi a inumana quem respondeu a pergunta de Erasmus, em palavras bem diretas.

— Agnes nos traiu, hackeou o Davis e a base, roubou informações e fugiu. Mack foi atrás dela…

Erasmus deixou o queixo cair, chocado. Agnes tinha os traído? Como assim, traído? Ele olhou para as telas, e então para Davis, e no instante seguinte para o corredor que levava ao hangar, de onde passos pesados indicaram o retorno de Mack com a escopeta pendurada nas costas.

— Bobbi, Theo, reiniciem o servidor da base, e vamos torcer para bastar — ele ordenou, com a voz séria e pesada, de um jeito que Erasmus nunca tinha ouvido.

Em verdade, em todos os seus dias na base, nunca tinha visto Mack bravo, sequer sabia se seria possível. Agora sabia, e chegava a lhe assustar um pouco. Ele era um homem de quase dois metros de altura, muito musculoso, e então muito bravo e com uma escopeta nas costas. Pela primeira vez desde a sua chegada na base, Erasmus entendeu exatamente o que o tinha colocado no cargo de diretor.

Bobbi e Theo ao menos responderam; apenas saíram correndo juntos em direção à sala dos servidores.

Mack estava focado. Ele seguiu até Davis, na cadeira, e segurou a cabeça do robô pelo queixo, virando-a devagar de um lado para o outro, procurando algo. Erasmus não sabia o quê.

— Depois de reiniciarem o sistema, quero Bobbi e Theo trabalhando para colocar Davis online de novo. Passe a ordem se voltarem antes de mim.

— Sim, senhor — Piper respondeu, olhando para Davis muito preocupada. Focando nela, Erasmus viu pela primeira vez que ela estava com os olhos avermelhados e úmidos. — E o senhor?

— Preciso terminar de limpar a casa.

E, para surpresa de Erasmus, Mack se virou para ele. Aquele olhar irritado, quase ameaçador, e muito sério e imponente, cruzou com os olhos do garoto e ele soube, na mesma hora, que estava perdido.

Talvez sua inocência de criança comparasse a situação com ser pego pelo pai fazendo besteira, mas a sensação era muito pior. A consequência ali para uma atitude errada não seria um dia sem internet, ir para a cama sem sobremesa ou ficar quinze minutos de castigo. O buraco era muito mais embaixo e, de repente, Erasmus se sentiu à beirada dele, prestes a cair em queda livre em direção a um fundo tão distante que a queda poderia ser fatal.

Sentiu-se tonto. Antes mesmo de Mack proferir as palavras, já sabia que viriam.

— Erasmus, Iniko, meu escritório. Agora.

Não sabia o motivo pelo qual Niko estava indo junto, e se perguntou se ela estaria com problemas também. Em parte, o pensamento da garota estar lá com ele o confortou; parecia uma situação mais tranquila de se navegar se não estivesse sozinho. Ele abaixou a cabeça, não conseguindo encarar Mack nos olhos e caminhando devagar até o escritório dele, do outro lado da sala de comando. Niko veio atrás, depois o diretor e, então, com um baque alto, a porta bateu atrás dele.

Erasmus se sobressaltou. Ele olhou um pouco assustado para Niko e percebeu que a garota portava uma expressão envergonhada. Ela não parecia preocupada e, Erasmus percebeu, naquele momento, que Niko não viera  para receber algum xingo junto com ele. Ela era parte do xingo que ele ia receber.

Mack se sentou na cadeira, apoiando os cotovelos na mesa e cruzando as mãos na frente do rosto. Foi impossível para Erasmus ler a expressão do diretor além de firmeza e uma ponta de raiva; se ele estava sentindo qualquer outra coisa, escondia muito bem.

— Diga o que está escondendo, Erasmus.

A ordem não deixava dúvidas. Não era uma pergunta, Mack não estava questionando a possibilidade de Erasmus ter um segredo. Não. Ele sabia da existência da mentira, e estava demandando saber do que se tratava.

E Erasmus entendia a situação muito bem. Até ele estava surpreso e chateado em ver Clint ser preso em um dia e agora Agnes indo embora dois dias depois. Há pouquíssimo tempo, estavam todos sentados em uma mesa comendo cachorros-quentes brasileiros de Sirius — outro colega perdido, mas esse para a terrigênese, que podia durar qualquer tempo entre segundos e meses inteiros, e nunca se sabia como o inumano sairia dela.

Agora, tinham de pensar em dois desses aliados como inimigos, e ainda considerar a situação na qual um terceiro se encontrava, sem saberem quando o teriam de volta. Mesmo Erasmus estava afetado, e Mack… É claro que ele não queria mais mentiras.

Mas Erasmus não podia contar. Não podia, de jeito nenhum! Com a forma como seu pai, seu tio e seu avô se encaixavam na situação, dizer algo poderia colocá-los em apuros! E eles tinham feito tanto por ele para conseguir tirá-lo de Attilan e lhe dar a chance roubada de sua família… Tudo bem, tendo passado pela terrigênese, os resultados eram questionáveis, mas se lembrava muito bem da intenção. E mesmo havendo momentos nos quais se arrependia da própria decisão, não podia culpar sua família por tal feito, principalmente sabendo como só tinham tentado o melhor.

E se não contasse, quais seriam as consequências? Iria Mack jogá-lo em uma cela também? Erasmus sentiu um pânico se aflorar em seu peito, um enjoo acumulando na boca do estômago. Não conseguia responder. Não podia responder.

— Erasmus, não jogue comigo agora, por favor — Mack pediu, vendo o silêncio do garoto. Ele suspirou, reclinando-se na cadeira. — Estou exausto. Quero, de verdade, acreditar que você é um bom garoto, mas no momento não posso confiar no meu julgamento. Então preciso que você seja honesto comigo, ou eu vou precisar assumir o pior cenário.

Erasmus sentiu um arrepio na espinha e seus olhos lacrimejaram. Pior cenário, com certeza, seria Mack assumindo algo ruim dele. E não podia dizer a verdade para não colocar sua família em perigo, mas se não dissesse nada, haveria consequências ruins, sem sombra de dúvida.

— O que acontece no pior cenário? — Perguntou, com sua voz saindo em um semi-sussurro, e se encolhendo um pouco onde estava. 

De repente, sentiu-se muito pequeno, e até um pouco indesejado. De repente, tudo de bom que tinha lhe acontecido naquele lugar começou a diminuir em sua cabeça, indo parar em um canto escondido e sufocado pela pressão tomando conta de si.

— No pior cenário, você vira vizinho de Clint até descobrirmos o que não quer nos dizer. E eu realmente não quero fazer isso, Erasmus, não parece certo com você. Mas eu preciso cuidar da segurança dos meus agentes.

Uma cela. Foi como levar um choque. Nunca tinha imaginado Mack dizendo algo assim para si, mas também nunca tinha o visto bravo e desesperado como agora. Devia ter imaginado, desde o começo, que o diretor de uma equipe da S.H.I.E.L.D., por mais bondoso que fosse, teria escrúpulos com um limite não ultrapassável. Ser diretor de uma equipe dessas ia requerer decisões difíceis a qualquer instante.

— Tudo bem, vamos te ajudar — Mack continuou. — Diga a ele o que descobriu, Niko.

Então era por isso que a garota estava ali. Era ela quem tinha descoberto algo. Ela abaixou a cabeça, parecendo evitar olhar para ele e brincando com a ponta do lenço amarrado em sua cabeça, hoje preto com padrões brancos.

— Quando fiz sua análise genética, você estava muito diferente dos outros agentes. Muito mesmo. Eu decidi testar um pouco de cladística e te achei diferente o bastante para ser… hm… outra espécie. Ainda não sei qual.

Outra espécie. Sim, ela estava falando da diferença de uma égua, um jumento e um burro. Éguas e jumentos eram duas espécies diferentes que conseguiam cruzar e gerar um descendente de uma terceira espécie, o burro. O burro obviamente teria um pouco de cada, mas ainda seria algo distinto.

E era essa a situação dos inumanos da terra. Eram híbridos de humanos com inumanos puros de Attilan, ou descendentes de híbridos, mas Erasmus não achava que isso fosse de conhecimento das pessoas fora de sua cidade-natal. Niko tinha descoberto que Erasmus era de Attilan, mas não sabia disso ainda.

Algo clicou na cabeça de Erasmus. Eles não sabiam de onde ele era. Queriam saber qual era seu segredo, mas não faziam ideia do tamanho dele. Pouco a pouco, as engrenagens começaram a girar em sua cabeça, enquanto ele montava seu plano para escapar do perigo no qual se encontrava. Seria possível fazê-lo. Bastante possível. Só precisava ser bem esperto com o que iria dizer.

— Tem razão — ele respondeu com um suspiro. Tentou parecer o mais triste, cansado e arrependido que pudesse, para disfarçar o desespero e o nervosismo. — Eu não diria que sou outra espécie, porque oficialmente sou classificado igual a Yo-yo e Adrian. Mas… geneticamente, sim, existem diferenças. Eu sou um inumano puro. Vim de Attilan.

Mack suspirou, repousando as mãos na mesa e se recostando para trás. Niko parecia surpresa. Ou confusa. Talvez as duas coisas.

— Attilan? A cidade de inumanos?

— Sim. Eu… Eu estou em apuros?

Isso realmente queria saber. Olhou preocupado de Niko para Mack, mas mais uma vez, a expressão do homem era ilegível.

— Estou decidindo ainda — ele respondeu. — É por isso que sabia que não podíamos deixar Elena e Adrian expostos a outra nuvem de terrígeno, não é? — Erasmus concordou em silêncio. — Hm. Você pode ter salvado a vida deles. Eu não me esqueço dessas coisas, Erasmus. Mas… ainda quero saber porque escondeu isso de nós.

A verdade não podia ser dita. Estavam caçando as bombas e a distribuição de terrígeno, e Erasmus era muito a favor de encontrarem quem quer que tinha bombardeado o planeta inteiro, mas não podia permitir essa investigação voltar até os fornecedores de terrígeno. Não, sua família tinha de ficar a salvo. De alguma forma. Qualquer uma.

— Eu… Eu tive medo de me mandarem de volta — disse, abaixando a cabeça e evitando olhar os dois nos olhos. — Me desculpem… Eu… Eu saí meio que fugindo de casa e da cidade e… E quando eu cheguei aqui nos Estados Unidos, a terrigênese aconteceu e… E eu não posso mais voltar. Terrigênese clandestina é crime gravíssimo em Attilan, eu poderia ser morto por isso, então… Então…

— Minha deusa! — Niko exclamou, estendendo a mão para fazer um carinho no ombro do amigo. — Erasmus, nós jamais te mandaríamos de volta pra um lugar que possa te matar! Não é, Mack?

— É claro que não… — O homem enfim respondeu, levantando-se, a postura relaxada, e caminhou até ele. Erasmus recebeu um abraço breve e paternal, e sentiu, com o peso de um piano em sua consciência, que tinha conseguido se safar. Por enquanto. — Me desculpe por te pressionar, mas, dadas as circunstâncias…

— Tudo bem, eu entendo — Erasmus respondeu com um sorriso nervoso. — Eu… posso ir agora?

Tentou não soar muito desesperado, mas não soube se conseguiu. O importante foi Mack o liberando a saída, e Erasmus deixando a sala tão cedo quanto pôde.

Na sala de comando, Piper e Yo-yo ainda esperavam com Davis, e os mesmos gifs estavam nas telas do computador central. Erasmus sabia que sua resposta se sustentaria por muito tempo, afinal, não era mentira. Tinha, sim, saído às escondidas, mas não escondido da família, e sim do governo. E não podia mesmo voltar, sob pena de morte caso descoberto. Mas havia mais nessa história que apenas tais fatos, e se continuasse ali com esses segredos pendendo no fundo de sua consciência, a qualquer momento era possível conseguirem tirá-los de si.

Erasmus foi para seu quarto. Em silêncio, ele pegou seus poucos pertences, colocando-os em sua mochila e a deixando pronta debaixo da cama. Tinha alguns trocados também, o suficiente para uma passagem de ônibus até Nova York, tinha certeza disso.

Ele se sentou na cama e esperou. Pouco a pouco, anoiteceu. Não falou com mais ninguém; não queria parecer suspeito e ser descoberto, ou pior, convencido a ficar. Ele permaneceu em sua cama, brincando com uma de suas pulseiras de contas, ansioso, até constar ser uma da manhã no relógio.

Era tarde o suficiente. Erasmus pegou a mochila em baixo da cama, deixou uma nota de despedida na mesa e saiu de seu bunker. Em pouco tempo, estava fora da base, seguindo para a rodoviária mais próxima sem se permitir olhar para trás.

 

[...]

 

Alexis ficou parado na entrada por alguns bons segundos ao ver Erasmus dentro do dojô, ajudando Han a varrer o local. Ele piscou os olhos meia dúzia de vezes, atordoado, tirando a mochila das costas e a colocando no canto do local.

Os dois haviam trocado telefones depois daquele dia na praia. Vinham conversando. Bastante até, Alexis diria. Esperava um aviso de Eras na próxima vez em que ele decidisse vir até Nova York, mas o garoto tinha decidido simplesmente aparecer sem aviso. Uma surpresa, talvez? Do bom tipo, com certeza. A boca de Alexis se torceu em um sorriso largo, e ele acenou para Han às pressas, interessado mesmo em cumprimentar Erasmus.

— Olá! — Acenou, caminhando até o garoto, e parou na frente dele com a postura desajeitada. — Você não disse que vinha, eu teria adiantado algumas coisas para ter a tarde livre.

— É… Eu não planejei isso.

A resposta de Erasmus veio com ele cabisbaixo, a voz murcha e nenhum pingo de animação. Algo tinha acontecido, ficou muito claro, muito rápido. Alexis olhou para o lado, trocando um olhar breve e preocupado com Han. O homem tinha a mesma expressão pacífica de sempre no rosto, mas com um leve franzido na testa, o suficiente para denotar preocupação de sua parte. Alexis pegou a vassoura que Eras segurava, tirando das mãos dele devagar e passando o braço pelos ombros do garoto. Erasmus não relutou. Entregou a vassoura e deixou Alexis o guiar até um banco no canto do dojô, onde se sentaram, lado a lado. Algum instinto fez Alexis segurar a mão de Erasmus, entrelaçando seus dedos nos dele. A sensação sempre era surpreendente. A pele de Eras, áspera, devia incomodá-lo, mas Alexis achava a textura um tanto interessante de tocar.

— O que aconteceu? — Perguntou, apertando a mão do garoto e fazendo um carinho com o polegar. Não foi um gesto pensado. Só gostava da sensação do toque, e seu polegar refletiu isso, inconscientemente.

— Ah… Eu… Eles queriam saber coisas demais. Eu saí de madrugada.

Fugiu para não responder perguntas. Alexis suspirou, não poderia dizer que não simpatizava. Desde o fim da confusão com os Purificadores, vinha tentando esquecer aquilo tudo e o universo continuava jogando consequências da situação em sua cara. Era tão difícil o mundo deixar alguém em paz quando a pessoa só queria isso?

— Entendo — Alexis respondeu, engolindo em seco e já se sentindo culpado, mais uma vez, por ter manipulado Erasmus para ir para lá. — Desculpa, foi minha culpa, não foi?

Erasmus ergueu a cabeça de uma vez, balançando-a em negação com muita ênfase.

— Não! Não, não tem nada a ver com você! Eu fui porque quis… E… Não foi de tudo ruim. Você tinha razão, eles me ajudaram com um monte de coisas. É só que… tem outras coisas, coisas que são complicadas, sabe? Bem complicadas…

Sabia. Ah, sabia muito bem. Tinha vivido esse lado da situação. Erasmus parou de falar e, por alguns instantes, eles ficaram sentados em silêncio, Alexis ainda segurando a mão de Erasmus e se perguntando o que devia fazer. Queria poder ajudar, mas não queria se enfiar na situação. Sabia bem como era insuportável tentar deixar algo para trás e ter pessoas se intrometendo o tempo todo.

Talvez devesse deixar Erasmus escolher.

— Como eu ajudo você?

Erasmus abriu um sorriso de canto, triste. No começo, os sorrisos de Erasmus tinham assustado Alexis, mas depois, o mutante aprendeu a admirá-los como uma das partes mais únicas do garoto. O fato de que enfiado em merda como estava ele ainda conseguia sorrir com tanta frequência era admirável. E talvez por isso mesmo vê-lo triste era uma facada tão grande. Erasmus não parecia o tipo de pessoa capaz de se magoar, mas ali estava.

— Não acho que tem como… Eu não posso voltar pra casa e não posso voltar pra S.H.I.E.L.D. também… Acho que vou comprar uma barraca e ir morar na praia, mesmo.

Morar na rua? Não, era muito perigoso! Com sua aparência peculiar, poderia ser confundido com um mutante a qualquer momento, e várias pessoas tendiam a ficar muito agressivas com mutantes quando os viam sozinhos. Alexis sabia muito bem disso. Tinha visto com seus próprios olhos.

— Você não tem onde ficar? — Alexis perguntou para confirmar, tirando o celular do bolso. A resposta de Erasmus foi dar de ombros, mas era o suficiente para Lex, que começou a enviar mensagens para a mãe.

A resposta não demorou a vir. Alexis sabia que, se explicasse a situação, sua mãe ia concordar com Erasmus passando um tempo em sua casa na mesma hora. Primeiro por ela ter o coração grande até demais, e segundo porque tinham quartos extras na casa. Nem se sua mãe negasse Alexis ia deixar Erasmus na rua; se precisasse levar ele para dentro de casa pela janela, levaria. Felizmente, seria bem mais simples.

— Agora tem. Vai ficar comigo até pensarmos em algo, ok? — Alexis declarou, guardando o celular.

— N-não! — Erasmus se apressou a negar, soltando a mão de Alexis e levantando as próprias mãos, quase para se afastar um pouco dele. — Não posso te dar um trabalho desses, não é certo… Eu vou me virar, não se preocupe, eu fiquei anos viajando sozinho, não vai ser novidade…

— Não me interessa se é novidade! Eu já mandei mensagem pra minha mãe, você vai me fazer mandar outra falando que não precisa mais? Ela vai ficar preocupada e me atazanar horrores depois.

Alexis se arrependeu da fala quase na mesma hora. Tinha esse jeito um tanto agressivo de tentar convencer o mundo a ver e pensar como si, e Erasmus parecia ser muito sensível a esse tipo de comportamento. Ele abaixou o rosto e Alexis suspirou, segurando as duas mãos dele e as puxando até o inumano olhar para ele.

— Se for medo de te encherem de pergunta, não se preocupe. Meus pais não são disso, e é só por um tempo. Só até a gente decidir algo melhor, ok?

Erasmus ainda parecia relutante, mas acabou acenando positivamente com a cabeça, um gesto que fez Alexis sentir um enorme peso ser retirado de suas costas. Pensar em Eras largado nas ruas de Nova York de noite era quase desesperador de tão perigoso.

— Ótimo. Eu vou fazer minha rotina e, mais tarde, quando eu estiver indo embora, você vem comigo. Entendido?

— Ok…

Ele ainda parecia muito triste. Em reflexo, sem saber muito porque, mas apenas querendo animar Erasmus de alguma forma, Alexis se inclinou e deixou um beijo na testa dele. Não sabia porque o tinha feito, mas fez. Ele viu um tom rosado subir ao rosto de Erasmus e sentiu o próprio rosto esquentar em seguida, mas não falou mais nada sobre. Alexis seguiu até o tatame e se juntou a outros alunos da mesma turma dele que tinham chegado para praticar.

Foi uma tarde um pouco inquietante. Alexis tentou se concentrar ao máximo em seus exercícios e não pensar em Erasmus ou na situação dele, mas por algum motivo sua mente continuava indo e voltando da prática para o garoto; já sabia que essa prática não seria das suas melhores. Não importou. Ao fim da tarde, quando tinha começado a escurecer, tomou uma ducha nos vestiários e pegou sua mochila, correndo até Erasmus, quem tinha esperado pacientemente no banco a tarde inteira.

— Prontinho. Vamos? — Chamou, estendendo a mão para ele. Erasmus pegou a mão de Alexis, jogou a mochila nas costas e os dois seguiram para fora.

A casa de Alexis não ficava muito longe dali. Os dois caminharam por alguns minutos, sem soltar a mão um do outro em nenhum momento. Não conversaram: Alexis tinha perguntado o que precisava saber e não ia pressionar Erasmus a falar coisas as quais não quisesse dividir.

Chegando em casa, o pai de Alexis não estava — tendo viajado a negócios no começo da semana, só estaria de volta na semana seguinte. A mãe dele não tinha voltado do serviço ainda, mas a empregada tinha preparado o jantar para eles. Alexis morava em uma casa espaçosa de quatro quartos com um bom jardim e uma piscina de tamanho moderado nos fundos. Não eram milionários, mas estavam bem mais que confortáveis. Seus pais trabalhavam bastante para isso.

Alexis viu os olhos de Erasmus se prenderem na piscina por alguns instantes enquanto entravam em casa, e abriu um sorriso, apertando a mão dele.

— Pode entrar se quiser. Mas eu viria jantar antes se fosse você, a comida deve estar quentinha agora.

E com o cheiro de macarrão com almôndegas enchendo o ar, Erasmus não demorou a concordar.

Os dois se sentaram para jantar, a empregada olhando duas vezes para Erasmus, mas não ousando olhar a terceira depois que Alexis a encarou com os olhos totalmente brancos. Ela juntou as coisas, tendo terminado pelo dia, e se despediu dos dois, indo embora quase em um passo apressado. Ainda estavam comendo quando a mãe de Alexis chegou, mais cedo que de costume, com um sorriso largo no rosto e acenando para os dois sentados na mesa de jantar.

— Olá! Você que é o amiguinho do Alexis?

Ela já tinha visto uma foto de Erasmus do dia dos dois na praia e, desde então, não calava a boca sobre querer conhecer o garoto. Alexis sabia que sua mãe só queria vê-lo por ser, aparentemente, o único amigo que tinha, e pelo amor do Magneto que ela nunca descobrisse sobre Héctor, ou seria mais uma encheção de saco.

— Ah, olá senhora MacLean — Erasmus cumprimentou, limpando a boca com um guardanapo e se virando para apertar a mão dela. A mulher não reagiu diferente a Erasmus de forma alguma. Já tinha o visto por foto antes. — Desculpe, devíamos ter te esperado para jantar…

— Ah, de jeito nenhum, imagina! Eu não janto, vou lá pra cima tomar um banho e relaxar um pouco, só como mais tarde, e vocês deviam estar com fome. Fique à vontade, viu, o quarto de visitas está ajeitado para você. Alexis me disse o que aconteceu… Não se preocupe, nós vamos arrumar uma solução pra você, ok? Até lá, pode ficar aqui.

— Obrigado… Mesmo, eu nem sei o que dizer…

— Vá se divertir com meu filho, já está de bom tamanho. Bom dia pra vocês, crianças.

A mulher acenou uma última vez e foi subindo as escadas para o segundo andar da casa. Erasmus deu mais uma garfada em seu macarrão, agora olhando para a parede lateral da casa, coberta de janelas do rodapé ao rodateto, sendo assim toda aberta para a piscina do lado de fora. Alexis, quem antes tinha pensado ser fascinação pela água, de repente reparou que devia ser algo mais. Talvez nostalgia, saudade de casa… Ou algo completamente diferente. Mas tinha prometido não perguntar.

Ele terminou de comer e esperou Eras terminar também, tirando os pratos e os lavando a despeito dos resmungos de Eras que queria fazer algo para ajudar. Então acabou chamando o garoto para ver um filme enquanto faziam a digestão.

Foi um resto de noite tranquilo no qual não conversaram por nada sério por um bom tempo. Alexis colocou alguns filmes de artes marciais na televisão e os dois se sentaram no sofá extensível da sala com alguns cobertores, assistindo um filme atrás do outro, e Alexis muito surpreso em ver Erasmus gostar tanto de filmes de artes marciais, assim como ele.

Pouco a pouco, Erasmus começou a bocejar, e Alexis viu no relógio que eram quase dez horas da noite. Ele devia ser acostumado a dormir cedo.

— Quer ir pro seu quarto?

Erasmus, com a cabeça deitada casualmente no ombro de Alexis, assentiu. O mutante abriu um sorriso pequeno, desligando a televisão e guiando Erasmus até o aposento dele. Era um quarto de visitas simples, com um guarda-roupa e uma cama de solteiro.

— O banheiro você já sabe onde fica. Se precisar de algo, meu quarto é logo esse aqui do lado.

— Certo. Obrigado, Lex, de verdade… Você é a melhor pessoa do mundo.

E por algum motivo, a última fala, que devia ser um elogio misturado com agradecimento, chegou como um soco na boca do estômago. Alexis abaixou a cabeça, coçando atrás da nuca e se escorando contra o batente da porta.

— Eu não diria isso.

— É, você não parece gostar muito de si mesmo — Erasmus comentou, dando de ombros e pegando um pijama dentro da mochila. — Devia. Eu te devo muita coisa, Lex.

Ele não sabia. É claro que não. Alexis balançou a cabeça, culpando-se na mesma hora pelo que estava prestes a fazer, mas Erasmus o via como um santo caído na terra mesmo depois de tê-lo manipulado para ir embora. Isso não era certo, de forma nenhuma. Eras não devia nada a ele. E daí que tinha o incentivado a voltar para o mar? Tudo bem, era algo que o garoto queria muito fazer, mas não precisava de sua ajuda para isso. Aconteceria naturalmente. E estar oferecendo a casa para ele era o mínimo, também.

O mutante fechou a porta atrás de si, trancando-a por precaução. Não era o tipo de conversa a qual queria sua mãe pegando no meio do caminho.

— Você não entende. Não sabe com quem está falando.

Eras desistiu de se trocar ao ver Alexis ali e a porta fechada. Ele devolveu o pijama para a mochila, colocando-a de lado e se sentando na cama.

— Me conte, então.

É. Contar. Alexis engoliu em seco, indo até a cama e se sentando ao lado de Erasmus. Bem ao lado. O suficiente para seu ombro encostar no dele um pouco. Não foi uma escolha consciente, mas ainda assim, aconteceu.

Alexis suspirou, olhando para o teto por um tempo e pensando em como começar. Sabia que dar voltas, inventar histórias e motivos, enrolar só pioraria a situação. Precisava ser direto e sincero e, quando Erasmus invevitavelmente o mandasse embora, tentar convencê-lo ao menos a ficar por uma noite para não dormir na rua.

— Onde você estava uns meses atrás chegou a notícia do massacre nos esgotos?

Erasmus concordou, primeiro um pouco distraído. Depois, Alexis viu os olhos deles se arregalarem e os músculos travarem de vez. Ele estava com medo. Já tinha percebido onde a conversa ia chegar.

— Eu não matei ninguém — Alexis se apressou em dizer,  sentindo-se meio obrigado a se defender; não queria que Erasmus tivesse medo dele, pois esse seria um pensamento ridículo e doloroso. Ele segurou a mão do inumano, querendo mantê-lo ali consigo, ao menos até terminar de falar. — Eu nem machuquei ninguém.

Foi o suficiente para Erasmus parecer relaxar, embora ainda o olhasse com desconfiança.

— Mas eu era parte da equipe responsável por fazer isso. É… estranho. Eu ouvi todas essas histórias, todas essas… ideias. Coisas sobre mutantes não serem dignos de nada, não serem gente, serem… lixo, mesmo, e… Eu não sei, Eras, eu comecei a me odiar muito por causa disso. E eu não conseguia lidar com isso, então comecei a odiar os outros. Quando anunciaram um grupo de mutantes designado a eliminar ameaças mutantes… eu não pensei duas vezes.

— Ameaças? — Erasmus perguntou, agora um pouco curioso, olhando-o com aqueles olhos interessados que Alexis já tinha aprendido a reconhecer.

— É… Então, quando as “ameaças” se revelaram serem “refugiados”... Eu fiquei enjoado. A garota comigo não se impediu de nada, ela estava destruída demais por dentro para lidar. E eu… deixei. Eu fui embora para longe e não fiz nada, e… Parte de mim estava aterrorizada que, se eu tentasse interferir, ela me mataria também. Mas eu sabia o que estava acontecendo. E eu deixei acontecer.

— Uma garota matou todos eles sozinha? — Eras perguntou, e Alexis concordou com um aceno da cabeça. — Nossa… Minha nossa… Bem, não me surpreende você ter fugido, ela parece muito perigosa…

— É. Ela era. Muito.

O tempo passado não passou despercebido a Erasmus: Alexis reparou, pelo franzido na testa dele, que ele estava juntando os pontos.

— Eu não consigo entender… Não, eu consigo sim. Eu não consigo é imaginar… Você deve ter se odiado muito para chegar nesse ponto. Não me surpreende que não quisesse ninguém relacionado a tudo isso por perto. Deve ter sido muito doloroso.

Erasmus puxou a mão de baixo da de Alexis, mas não para se afastar dele, e sim para colocar a sua mão sobre a do outro, apertando-a de leve. Alexis quase deixou o queixo cair. Como essa conversa tinha chegado a esse ponto? Não era para ser diferente? Não era para Erasmus tê-lo mandado embora? Sabia que Eras tendia a ver o melhor nas pessoas, mas que o garoto conseguisse entendê-lo tão bem e tão rápido era novidade. E surpreendentemente acolhedor.

Alexis suspirou. Deve ter sido muito doloroso, Eras disse, e pela primeira vez em muito tempo, toda a raiva acumulada daquela época, todo o ódio direcionado aos outros, começou a se acumular na garganta dele, se fazendo presente por mais que Alexis tivesse tentado o abafar.

— Foi, sim. Ainda é.

— E você acha que não faz diferença se machucou alguém ou não? Acha que o resultado final é o mesmo por causa das suas intenções?

— Erasmus, você ouviu o que eu falei?

— Ouvi. Eu acho que se o inferno está cheio de boas intenções refletidas em péssimas atitudes, não vejo porque o céu não possa ter pessoas má-intencionadas, mas que no fim das contas agiram de forma correta. Eu não sou tão diferente assim de muitos mutantes… tenho a cara esquisita, não posso voltar pra casa… E estou dentro da sua casa. Você abriu sua casa pra me ajudar. Entendo que deve estar tentando compensar por alguma coisa, mas…

— Não — Alexis respondeu de repente. — Não estou. Eu só te queria aqui.

A última frase saiu sem pensar. Não mediu o que estava falando e nem as consequências, mas no instante em que já tinha o feito, não se arrependeu em nada. Era verdade, afinal. Erasmus tinha aparecido em sua vida como alguém de quem Alexis queria se ver livre o mais cedo possível, mas o destino era mesmo uma coisinha engraçada. Não bastasse colocar Eras de volta em seu caminho, fazia Alexis o querer por perto.

Não sabia explicar. Já tinha se apaixonado antes, e sempre começava com um soco no estômago e um arrepio na coluna. Nada disso tinha acontecido com Eras. Com ele, aos poucos, Alexis vinha aproveitando mais as conversas, os tempos passados juntos. Vinha admirando mais e mais o espírito dele, como ele conseguia ver as coisas boas em um mundo no qual antes Alexis apenas via ódio e rancor. E então outras coisas, pequenas coisas que deveriam incomodá-lo se tornavam cada vez mais interessantes. Não que Alexis não ligasse, não. Ele realmente adorava. Adorava a textura da pele de Eras, achava o sorriso dele mais divertido e sincero que qualquer outro que já tivesse visto, mesmo com três fileiras de dentes nele, e ficava encantado com cada detalhe que fazia Eras tão diferente, único, e especial.

Raios, estava apaixonado mesmo. E o que Erasmus ia querer com ele, depois de confessar uma atrocidade daquelas? Alexis suspirou, decidindo se levantar e deixar Erasmus sozinho, mas o inumano segurou a mão dele, mantendo-o no lugar.

— Você me queria aqui? Por quê?

Alexis não sabia se conseguiria responder. As palavras estavam agarradas em sua garganta naquele momento. Erasmus estava próximo dele, muito próximo, os dois com os ombros colados e, quando Lex virou o rosto para encará-lo, reparou ficarem com os narizes se tocando também.

Erasmus não se afastou. Estava sentado, firme, parecendo esperar por algo. Seria possível… Alexis sentiu o coração acelerar. Devia… Devia? Podia?

Ele olhou para os lábios de Erasmus, sentindo um arrepio na espinha, uma mistura de ansiedade, de vontade… Devia, sim. Podia, com certeza.

Alexis levou sua outra mão à nuca de Erasmus, puxando-o mais para perto e deixando um beijo sobre os lábios dele.

Não sabia qual reação esperava de Erasmus, sendo o garoto sempre tão tranquilo e às vezes até um pouco tímido, mas certamente não esperava aquilo. Erasmus levou as mãos ao rosto de Alexis para puxá-lo para perto também, beijando-o com uma vontade surpreendente. O inumano separou os lábios, e Alexis sentiu o coração disparar de uma vez, porque o beijo simples se transformou depressa em um beijo de língua muito envolvido, acompanhado de um abraço para se aproximarem mais. Eras definitivamente tinha muitos dentes, e afiados, Alexis percebeu, era melhor tomar cuidado com isso, ou poderia se machucar. Mas tudo bem, valia a pena o risco, pensou, enroscando os dedos nos cabelos dele e o puxando mais e mais para perto de si.

Oh, merda, o que estava fazendo?

Erasmus se afastou com o rosto corado, e Alexis não sabia se de vergonha ou pela temperatura do quarto que tinha começado a subir.

— Desculpe. Isso foi… intenso, não é? Desculpe, eu não…

— Não. Não, não se desculpe, não — Alexis pediu, puxando Erasmus para perto de novo para repetir o beijo, agora com a mesma voracidade que o garoto tinha apresentado segundos atrás.

Estava claro. Estava a fim de Erasmus tanto quanto ele de si, por mais que o pensamento não fizesse o menor sentido na cabeça de Alexis. Como podia ter dado tanta sorte? Não merecia Erasmus e, se tivesse um mínimo de sensibilidade, iria embora antes de fazer algo do qual não podiam voltar atrás.

Mas como encontrar essa sensibilidade com Erasmus o abraçando daquele jeito, passando uma mão por baixo da camisa dele, enviando outro arrepio pela espinha de Alexis ao sentir o toque da pele dele contra a sua. Céus, aquilo era agradável demais. Demais. Alexis tirou sua blusa, largando-a no chão e puxando Erasmus mais para perto. O inumano tirou a blusa dele também e Alexis o abraçou, sentindo os batimentos descompassados ao tê-lo tão perto de si daquela forma. Ele levou os lábios ao pescoço de Erasmus, puxando o garoto para seu colo e depois o deitando no colchão, deitando-se por cima dele.

O que estavam fazendo? O que estavam fazendo? Devia ir embora e voltar para seu quarto, não é?

— Você quer que eu vá embora? — Alexis perguntou, uma parte de seu cérebro ainda tentando racionalizar a situação em meio a tudo que acontecia com seu corpo, quase implorando para a resposta de Erasmus ser uma negativa.

Como se fosse possível ser algo diferente. Não era.

— Não — Eras respondeu. — Fique aqui.

Era o bastante. Alexis se abaixou para beijá-lo mais uma vez.


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Notas finais do capítulo

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Além dessa, tenho vagas também para uma interativa original sobre revoltas civis. Acesse aqui:
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Considere também dar uma olhada nas minhas outras histórias? :D Eu tenho coisas para vários gostos ^^

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