Não havia tempo de falar nada. Não que Sara quisesse dar explicações ao marido por quem só sentia raiva quando estava frente a frente, ainda sim, não queria que ele pensasse que algo estava acontecendo. Ainda sim, foi exatamente o que aconteceu. 

— Então era para cá que você vinha? – Ele cuspiu as palavras. – Saiu de casa e foi direto para os braços dele. – Ele gritou. – Há quanto tempo está às escondidas se encontrando com ele enquanto todos achamos que ele estava morto? 

— Eu não sou você Grissom. – Ela respondeu em tom baixo e calmo.

Não era um tom submisso, era apenas um tom de quem não ia aceitar a provocação. Não iria entrar na briga e no show que ele queria fazer. 

— Você vem me falar de mentiras, mas onde eu encontro você. – Ele não havia ouvido uma palavra que sua mulher havia dito. – Enfiada no apartamento dele as minhas costas. Não consigo pensar em quanto tempo já está fazendo isso. Um ano, dois. Talvez era com ele que quisesse ter um filho. – Ele já não coordenava as palavras, estava tão tomado pela raiva, que ele não prestava atenção do que saia pela boca dele. 

— Grissom, você está me ofendendo. – Ela mantinha o mesmo tom. – Eu não vou discutir com você alterado assim, não aqui e nem agora.

Roberto deu um passo a frente, queria defender Sara. Porém ela levantou o braço, colocando a não na altura do peito dele o fazendo recuar. 

— Eu imaginei que vinha para cá. – Ele continuava gritando, tão alto que já havia chamado a atenção dos vizinhos. – Era o único apartamento vago, não é? Precisava de espaço. Você precisava ficar longe de mim, para poder ficar com ele. Para poder foder com ele. É para isso que queria um tempo, para pensar se valia a pena o divórcio ou se era melhor continuar eu sendo um corno e ele seu amante?

Sara já não aguentava mais os insultos. Estava a ponto de explodir. Ela queria ir embora, mas sabia que deixar ele sozinho com Roberto não era uma boa ideia. Teria que sair e levar ele dali com ela. 

Os sons das ofensas proferidas por Grissom eram tão altas que Raika acordou em seu quarto e veio correndo para sala ainda arrumando o hijab na cabeça. Ela apenas pode ver a briga, o homem gritando, seu pai querendo interferir, mas bloqueado por Sara. E Sara parecia a mais calma entre os três. Era como uma mulher forte que não se deixava afetar por dois homens maiores e mais fortes extremamente hostis à sua volta.

Ela por outro lado, estava assustada. E não sabia o que fazer. Então apenas observou.

— Você não está falando coisa com coisa. Vá para casa. Agora. – Sara ordenou, em um tom elevado e calmo. 

— Para que? Para deixar os dois a sós. Para que possam me fazer de trouxa mais uma vez? 

— Cale a boca. – Sara então rasgou aquele tom baixo, dando um grito. – Cale sua maldita boca e vá embora. 

— Eu não vou me calar. – Retrucou ainda mais alto, como uma criança. 

Roberto olhou para trás, e viu a filha com os olhos arregalados assustados. Em seguida olhou para Sara, e viu aquela mulher forte se esvaindo, perdendo as forças. Ele não deixou que Sara o impedisse mais de se meter naquela discussão, aquilo acabaria agora. 

Ele, com extrema brutalidade, colocou as duas mãos aos ombros de Grissom, que nem teve tempo de reagir. Deu alguns passos à frente, empurrando Gilbert de costas para fora do seu apartamento, e o colocou contra a parede do corredor, ainda segurando os seus ombros. Roberto estava enfurecido.

— Você está ofendendo a sua mulher e assustando a minha filha. – Grunhiu. – Dê o fora daqui antes que eu não responda por mim. 

Grissom olhou para o lado, para dentro do apartamento, e viu uma jovem, pouco mais velha que suas meninas. Os olhos estava arregalados e a expressão sob o hijab era de medo.

— Ela já passou medo demais no Afeganistão, e eu não vou deixar um idiota como você assustar ela ainda mais aqui. – Ele se afastou o soltando. – E nunca mais levante a voz para Sara ou a ofenda na minha presença. 

Grissom demorou alguns segundos para se recompor após Roberto o soltar. Ele apenas lançou um olhar decepcionado a Sara, acreditava realmente que ele a tivesse traído, antes de ir embora.

— Desculpa por isso, Roberto. – Sara disse desconcertada.

— Está tudo bem Sara. 

— Eu vou com ele. Nós dois precisamos conversar, acertar as coisas. Eu realmente sinto muito por ele ter assustado a Raika.

— Não pegue leve com ele. – Roberto advertiu de forma divertida, tentando descontrair um pouco.

— Pode deixar. – Ela sorriu de volta para ele. 

…

Gilbert estava tão enraivado que demorou a perceber que o carro de sua mulher o seguia a curta distância, mal sabia ele que ela também estava tomada pela raiva. Estacionou o carro assim que adentrou o terreno da mansão. Desceu e ficou aguardando que Sara fizesse o mesmo. As filhas ainda estavam na escola, tinham aulas extracurriculares. A morena aproveitou para conversar com Grissom.

— Sara… – Ele disse com voz mansa, bem diferente do tom que usava no apartamento de Roberto.

— Vamos conversar, no seu escritório, agora. – Disse séria, com tom autoritário.

Ela passou reto por ele, se adiantando ao escritório do marido. Ele fora em seguida e fechou a porta.

— Que cenina foi aquela Gilbert? – Ela perguntou em tom acusatório.

— Como mais você queria que eu reagisse? Eu já não gostava da ideia de você se mudar para o apartamento dele achando que estava morto. Imagina eu chegar lá e descobrir que ele estava vivo. Que os dois estavam juntos. 

— Você é um idiota. Eu recém havia descoberto que ele estava vivo. Era óbvio que eu não ia ficar lá no mesmo apartamento que ele. Não seja ridículo. – Ela estava incrédula. – Eu estava indo contar a você quando chegou.

— Ah, estava. Claro. – Ele riu amargo, cheio de ironia. 

— Eu não vou discutir com você. Não vou entrar nesse seu joguinho. Você me mentiu durante um ano, me fez acreditar que queríamos a mesma coisa… E agora você quer jogar toda sua culpa, toda sua mentira em cima de mim, como se fossemos iguais.

— E não somos? – Ele ergueu a sobrancelha. – Acontece que você fez pior. 

— Eu fiz?

— Eu menti para você sobre uma vasectomia, você mentiu durante sei lá quanto tempo sobre uma traição. Você estava me traindo bem embaixo do meu nariz. Desrespeitou não só a mim, mas as suas filhas também, agindo como uma…

— Se você disser essa palavra, eu vou te calar a tapas. – Ela disse séria. – Você realmente acha que eu seria capaz de fazer isso? Você acha que eu mentiria para você, assim como fez comigo, e trairia sua confiança dessa maneira? 

— Por Roberto? Eu acho que sim. 

— Então, não tem mais o que pensar. Vou entrar em contato com os advogados e iniciar o processo de divórcio.

— Para poder ir correndo para os braços dele? – Ele falou cheio de mágoa.

— Não, para eu me afastar de você. Por que você só prova que nosso casamento foi um erro, que amar você foi um erro. E eu não consigo mais pensar em ser sua esposa.

Grissom estava tão irritado que não conseguiu ceder aos impulsos de impedir ela de sair. Ainda sim, ela parou na porta e olhou para trás.

— Você devia falar com a sua mãe. Ela sabe muito mais do que imagina, e pode te mostrar o erro que você acabou de cometer. 

Ela não parecia demonstrar nenhum sentimento. Só que a raiva que sentia, estava dando lugar para a tristeza, uma tristeza imensa, que iria se refletir em breve em lágrimas caindo dos seus olhos. E ela não queria fazer aquilo, não ali. Precisava sair daquela casa antes que começasse a chorar. 

Pela segunda vez naquele dia, ela caiu em prantos dentro do carro. 

...

No apartamento de Roberto, ele não conseguia descansar. Grissom estava muito alterado e Sara havia ido atrás dele. Ele não devia ter deixado ela ir, ela sabia se defender, ainda sim, estava preocupado com ela. 

Queria ligar, mas ainda estava sem telefone. Precisava comprar um smartphone urgentemente, para ele e para Raika.

A adolescente, no entanto, seguia na sala e viu o pai se sentar no sofá. Confuso.

— Porque fez assim? – A jovem perguntou. – O marido dela é idiota. – Ela falou alterada. – Você homem muito melhor. 

— Não é assim que as coisas funcionam. Ela realmente ama ele. – Ele explicou pacientemente.

— Você ama ela.

— E vou amar pra sempre, mas o que importa é como ela se sente. Isso tem que ser recíproco. Se um dia a gente voltar a ficar juntos, tem que ser porque ela voltou a me amar.

— Então ficar parado? Não fazer nada? – Ela parecia indignada. 

— Não, não ao menos por enquanto. Se ela não se divorciar dele, já sabemos como ela se sente. Se ela se divorciar, então, eu sei que tenho uma chance. 

— Você disse "não divorciar". Por que?

— Por que é como ela se sente no momento. Ela ama ele. Raika, algo que você tem que aprender, é que apesar de aqui ser um país livre, a nossa liberdade se restringe a liberdade do próximo.

— Não entendi.

— Eu não posso obrigar a Sara a me amar. Ela tem a liberdade de amar quem ela quiser e estar com quem ela quiser. – Ele explicou com paciência. – Querer que ela fique comigo a qualquer custo, acaba com a liberdade dela. E eu preso que ela sempre tenha isso, você sabe melhor do que ninguém o que é ser privada de sua liberdade. Ainda mais sendo mulher.

— Eu entender isso. Mas porque não lutar por ela?

— Eu me contento só de poder estar perto dela. – Ele disse por fim. 

— Você não foi torturado demais no Afeganistão? Pode parar de se punir. – Ela ergueu a sobrancelha. 

— Você ainda é muito criança para entender certas coisas. 

Ele sabia que dizer isso a irritava, mas era a melhor maneira de acabar uma discussão com ela. Mesmo sendo reprimida quase toda sua vida, ela era forte, teimosa e imponente. Não sabia recuar.

Pode ver ela virar-se e ir para o seu quarto reclamando em persa dari. Ele não pode deixar de rir. Ainda sim, sua mente vagava preocupado pensando na discussão que teria causado entre Sara e Gilbert. Se preocupava até onde ele poderia ir por ciúme.