Love is blue escrita por Lola


Capítulo 9
Capítulo 9 - "De alguma modo nos tocamos"




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Capítulo 9 – “De algum modo nos tocamos”

“Talvez todos os desencontros

Sejam pela madureza do amar

Ou pelo amar na madureza

E todas as lágrimas

Sejam pela tristeza no amor

Ou pelo amor na tristeza.

O riso pela ausência da dor.

A noite pela dor na ausência.

O eco de voz que faz cócegas

Aos ouvidos da memória

Não morre. Não morrem também

As curvas que retraçam

O caminho dos homens.

Versos que contam histórias.

Olhos que pelo mar vagueiam

Mas que pelos olhos vaga

E rebenta.”

Thiago Venâncio.

 

 

— Tudo bem? – Sara perguntou impassível.

— 95 – respondeu Grissom, sem nem mesmo olhar para a perita.

— Como?

— Meu pulso normal é 70, se chega a 95 é porque estou bravo – falou rapidamente e impaciente, transparecendo em cada palavra seu descontentamento.

Sara manteve seu olhar no homem a sua frente, não se abalando com seu comportamento. Ele continuou.

— Tenho 10 pessoas trabalhando nisso o tempo todo...

— Você exige muito de si.

— Não, não! Eu... Eu não estou bravo comigo! Tem um corpo lá e esse cara sabe onde está! – seu tom se elevou novamente.

Dando um sorrisinho contido, Sara olhou divertida e calmamente para Grissom – Como está o seu pulso agora?

Grissom soltou um longo suspiro, levou a mão até a cabeça, mexendo em seu boné. Sara parecia não estar entrando em sua pilha, e de alguma forma aquilo o fez parar. Olhou um pouco para baixo e voltou sua atenção para a mulher.

— Você quer... – ela desvia um pouco os olhos para os lados, e então o encara novamente – dar uma volta, para espairecer?

Meneando a cabeça, acompanhado de um suspiro, ele responde – Não.

— E clarear a cabeça? – insistiu.

Ele não havia entendido exatamente o que ela quis dizer, mas todo o estresse que estava acelerando seus batimentos cardíacos precisava ser eliminado, e só poderia ter sucesso terminando aquele caso o mais rápido possível.

— Estou bem – ele tentou forçar um sorriso, mas logo desviou os olhos dela.

— Ok – Sara ficou parada no mesmo lugar, olhando para um Grissom a sua frente que parecia exausto.

Sem pensar muito, elevou sua mão até o rosto dele fazendo um carinho em sua bochecha. No mesmo instante que seus dedos tocaram a face do perito, ele elevou seus olhos, encarando-a confuso, como quem questiona em silêncio.

— Gesso... Do reboco – abaixou a mão. Seu semblante continuava irredutível.

Grissom passou a mão no local em que os dedos de Sara tocaram, olhando desconfiado para ela – Oh – ele olhou para a própria mão, não encontrando nenhum vestígio de gesso. Voltou seus olhos para a morena.

— Você deveria ir se lavar... – seus lábios se contraíram em um sorriso, mas não veio realmente. Saiu então para dentro da casa.

Grissom ficou parado olhando para o lugar que Sara estava, ainda não conseguindo processar o que aconteceu segundos antes.

Desistiu. Seguindo o mesmo caminho que a amiga, voltou para dentro da casa.

//

— Não é realmente uma novidade ele não aceitar, Nick – Sara disse, enquanto caminhavam para fora do laboratório.  

— Não estou surpreso – o perito deu de ombros – Mas nos trocar por um inseto?

Sara não disse nada, apenas deu de ombros como o amigo fizera. De certa forma, estava um pouco aliviada por ele não ter aceitado o convite, não sabia exatamente como estava se sentindo após tê-lo feito um carinho no rosto algumas horas atrás. Não havia gesso no rosto do homem, e até agora ela não sabia porque se deixou levar tão ingenuamente pelo momento.

— Porque não vamos tomar logo esse café? – Sara desviou o assunto – Ele quem está perdendo nossa ótima companhia.

Trocaram sorrisos e foram embora.

Já no café, Nick perguntou – E Hank?

Sara engasgou, quase deixando um pouco de sua bebida escapar por entre os lábios.

— Vamos lá Sara, não precisa se envergonhar...

A morena pegou um guardanapo, limpando os lábios, sem olhar diretamente para o amigo – N-Não estou envergonhada.

— Então me conte, já saíram alguma vez? – Nick lhe lançou um sorriso encorajador cheio de dentes.

— Não, apenas trocamos telefones uns dias atrás, mas eu...

— Não encontrou tempo para ter uma vida?

A morena franziu o cenho, encenando indignação – Bom...

— Você sabe que não precisa estourar suas horas extras todo mês, não é mesmo?

— Grissom não veio para o café, mas parece que você resolveu fazer o papel dele.

— Não me leve a mal Sar, sei como é ficar preso no trabalho e não conseguir ter tempo para nada além disso – ele justificou, olhando sério para a amiga – Todos nós sabemos que isso não é o melhor caminho.

— Eu sei... Eu... Só não estive muito disposta nos últimos dias para um encontro.

— Você parecia disposta naquele dia que ele a convidou.

— Eu... Bom... – Sara pegou sua xícara de café e levou até os lábios, tentando ganhar tempo para responder – Acho que mudei de ideia?

Nick arqueou as sobrancelhas, desconfiado – Não sei exatamente o que te impede Sara, mas acho que sair de vez em quando pode ser legal – um sorriso surgiu novamente em seus lábios – Warrick e eu costumamos sair depois de alguns turnos... Se algum dia você quiser se juntar a nós...

— Vou me lembrar disso, obrigada – ela disse sinceramente.

— Ótimo – Nick parecia satisfeito – Quais seus planos para agora?

— Eu ainda preciso voltar para o laboratório e finalizar um relatório do último caso.

— Mais trabalho...

— Prometo ir embora depois – a morena fez um leve bico com os lábios, contendo um pequeno sorriso – É a minha folga de qualquer maneira, não posso demorar.

Nick olhou profundamente para a amiga, sabendo que não adiantaria de nada entrar naquela discussão.

(...)

Sara se encontrava na sala de descanso do laboratório, terminando um relatório sobre seu último caso encerrado. Já estava quase no fim, era preciso apenas mais algumas assinaturas e tudo estaria pronto. Quando terminou, juntou todas as folhas e as organizou dentro de uma pasta maior. Por fim, deixou que seus olhos vagassem pelo local, tendo sua atenção presa à cadeira que horas antes Grissom havia estado sentado alimentando seu inseto. Soltou um pequeno suspiro inaudível, tentando aliviar alguma bola sufocante de sentimentos que se infiltrou por seu estômago e dançava através de seu peito. Sentia-se ridícula depois de tudo, depois daquele movimento imprudente em tocar o rosto de seu chefe. Será que ele percebera que não estava falando a verdade, e não havia gesso algum em seu rosto? Se percebeu, não disse nada. Como sempre, ele era ótimo em manter o silêncio.

Outro longo suspiro. O que ela ainda estava fazendo sentada ali, enquanto seu dia de folga estava apenas começando e implorando para que ela o aproveitasse? Olhou ao redor dos corredores, mantendo-se sentada. A mesma movimentação de sempre, alguns técnicos, outros peritos. Viu um cara loiro passando pela porta e logo se lembrou de Hank. Porque ainda não havia ligado para ele? Ele disse que estaria esperando a ligação dela, quando estivesse disponível. E tudo que ela havia feito foi um carinho no rosto de seu supervisor. Grissom. O que estava acontecendo com ela afinal? Porque de repente as coisas entre eles haviam se tornado tão estranhas? Ou será que era apenas ela que pensava isso? “Provavelmente”, pensou consigo mesma. Mais frequente do que gostaria, as lembranças de quando se conheceram ficavam brincando em sua mente, fazendo com que suas entranhas se revirassem sempre que ele estava perto.

— Sara?

A perita olhou para cima, desviando sua atenção do ponto fixo sobre a mesa que nem mesmo percebia estar direcionada.

— Grissom. – ela não esperava por isso, olhou para o homem a sua frente um pouco desconcertada. Sorte a dela ele não poder ler seus pensamentos.

— Você não está de folga hoje?

— Estava apenas terminando alguns relatórios sobre o caso – ela os pegou e empurrou para o supervisor – preciso apenas que você revise e assine.

Ele olhou para os papeis sobre a mesa, e voltou os olhos para Sara. Inclinando a cabeça um pouquinho para o lado, e deixando que um leve biquinho se formasse em seus lábios.

Silêncio.

— Tudo bem? – a morena estava fincando incomodada pelo olhar profundo de avaliação que Grissom depositava sobre ela.

— Claro – ele disse finalmente, arredando a mesma cadeira que esteve horas antes e se sentando de fronte para Sara.

— Você também não está de folga?

— Sim.

— E o que esta fazendo aqui, então?

Ele sorriu para ela – Recolhendo seu relatório.

— Parece que eu não sou a única com problemas de hora extra – a perita finalmente sorriu de volta, buscando encher o pulmão com bastante ar para tranquilizar seus nervos.

— Eu sou o chefe – sorriu mais de lado, lançando para Sara uma leve piscadela.

— Touché – ergueu as mãos em sinal de rendição.

— Bom... – ele começou – e como vão as coisas?

Grissom parecia levemente desconfortável. Normalmente a inquietação era algo característico de seu comportamento, ao buscar estabelecer conversar pessoais. E definitivamente ele estava começando uma ali – especialmente depois que Sara tocara seu rosto.

— Quais coisas?

— Bom... Vegas, sua vida... Fora do trabalho – ele deixou seus olhos dançarem pelo rosto da amiga enquanto tentava formular suas palavras, lembrando-se de súbito que anos atrás, ele havia sido o único a estender uma mão para acariciar o rosto dela. Sentiu uma incrível onda de calor lhe subir a face.

— Ham, Grissom... Você está bem? – Sara disse desconfiada, ele parecia pálido.

Ele não respondeu, apenas olhou em meio a confusão de pensamentos que lhe sombrearam a razão, e deu um sorriso sem graça.

— Ok – a perita meneou a cabeça, ignorando as estranhezas de seu supervisor – Eu vou bem... O trabalho anda bem... – obviamente estava protelando.

— Hum... – Grissom fez um biquinho com os lábios – vida pessoal?

As sobrancelhas de Sara fizeram uma dança engraçada em seu rosto. Que tipo de pergunta era aquela?

— Vida pessoal?

— Sim, as coisas que fazemos fora do trabalho – ele tentou soar natural. Se preocupava com a amiga, ele melhor do que ninguém sabia de suas longas jornadas de trabalho – além de assuntos relacionados a ele...

— Acho que já conversamos sobre isso antes.

— Tudo bem.

Ela não estava aberta sobre aquele assunto, e ele entendeu. Normalmente, se fosse qualquer outro de seus subordinados, Grissom não teria se importado em ultrapassar alguns limites e insistir no assunto. Mas quando se tratava de Sara, ele não conseguia nem mesmo se aproximar do limite.

Lembrou-se novamente de colocar a mão no rosto dela, em um pretexto de estar removendo algum cabelo rebelde de sua visão. Lembrou-se de como quase se beijaram.

Outra onda de calor.

— Grissom, você não parece bem – Sara fez um movimento para se levantar – Você está ficando vermelho – quando foi para se levantar realmente, Grissom ergueu uma mão, em sinal de impedimento.

— Calor – disse rapidamente – Las Vegas – ele riu.

— Calor?

— Imagino como você tenha sentido a diferença com San Francisco.

Aquela mudança brusca de assunto foi inesperada.  

— Um pouco, eu acho... – a confusão óbvia nas expressões de Sara fez Grissom sorrir – Não é como se meu trabalho houvesse mudando muito de lá pra cá...

— Como assim?

— Lá eu era uma perita, aqui sou uma perita...

Grissom assentiu.

— Eu nunca realmente te agradeci por ter me convidado...

— Não é necessário – ele rapidamente contrapôs – finalmente estou podendo atestar meus pensamentos sobre você, e como disse anos atrás, você corresponde as minhas expectativas como profissional.

Ela se lembrava do que ele estava falando. Se lembrava claramente de quando ele mencionou que um dia talvez pudessem trabalhar juntos.

— Bom, parece que isso tudo não é mais uma conferência.

O silêncio se instalou finalmente. Aquele simples comentário de Sara trouxe inúmeras indagações e sentimentos para ambos na sala. Grissom não entendia exatamente o que ela quis dizer, e também não compreendia o porque de sentir-se incomodado com palavras tão simples. Já Sara, apenas se referia ao fim de um momento em que tudo parecia ser mais simples entre eles e em sua vida.

— Planos para o dia de folga?

— Repor o sono é algo que está no topo da minha lista – Sara respondeu, ajeitando-se na cadeira.

— Não sabia que você dormia – Grissom brincou.

Os lábios de Sara se contorceram para não desenharem um sorriso. Seus olhos simularam uma falsa indignação – Ok senhor, já entendi, acho que está na hora de ir pra casa.

— Sara, antes... – Grissom se levantou – Espere por mim um minuto.

Sem esperar resposta, saiu da sala de descanso, deixando para trás uma sara confusa.

Antes mesmo que a mulher pudesse pensar muito, seu supervisor retornou, com algum objeto em mãos.

— Encontrei isso recentemente – ele estendeu para ela o que havia buscado – E pensei que talvez você gostaria de guardar... Para se lembrar... – Grissom perdeu-se um pouco, dançando nos próprios pés – De San Francisco.

Sara encarou a foto que ele lhe deu. Era a mesma que tiraram anos atrás, quando foram caminhar até a ponte Golden Gate. Não havia pensado realmente sobre aquele pequeno pedaço de papel, e menos ainda que ele havia guardado.

— Oh – ela disse apenas, ainda concentrada em observar as pessoas sorridentes no papel – Ela me lembra mais do que apenas a cidade.

Ergueu os olhos e enfrentou Grissom, sem querer parecer um desafio. Eles pareciam saudosos e cheios de amor. O supervisor não disse nada, mas sustentou os olhos de Sara, sentindo um desconforto no estômago.

— Obrigada, Grissom – a mulher se levantou finalmente, pegando sua bolsa e guardando delicadamente sua foto dentro dela.

Ele sorriu fracamente, esfregando as mãos umas nas outras, tentando aliviar sua tensão.

— Nos vemos amanhã a noite.

— Tchau, Sara.

 

 

Esse diviníssimo acidente

nos reuniu

juntou

mesmo que você seja barro

e eu carne

nós nos tocamos

de algum modo nos tocamos

Charles Bukowski


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