Love is blue escrita por Lola


Capítulo 13
Capítulo 13 – O coração de Grissom


Notas iniciais do capítulo

Melhor capítulo eu desconheço hahaha pq na minha cabeça seria incrível se algo do tipo houvesse mesmo acontecido.
Espero que gostem =)

xoxo



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Capítulo 13 – O coração de Grissom

 

“amar-te é desembarcar subitamente no meio do mar”

Francisco José Viegas

 

Não podemos prever tempestades e menos ainda suas repercussões. Quando menos se espera nos vemos ilhados, sejam em nossos barcos de segurança ou em frágeis abrigos de planos. Até que uma forte chuva vem e leva tudo consigo, nos molha a alma, faz arder a pele com o frio da ventania, nos expõem diante a incerteza de quando todo aquele alvoroço irá terminar. Tempestades de verdade não dão aviso. Elas vêm, e mudam a nossa vida. Algumas pessoas são como tempestades. Dessas que começam através de uma fina chuva, quase serena, que aos poucos se revolta e traz consigo trovões e ondas assustadoras. Tudo isso nos balança e tira do lugar, nos abre os olhos e rasga o coração.

Nos últimos dias, Sara havia se tornado a tempestade de Grissom.

Mesmo em seus esforços mais sinceros, o homem se via preso acompanhando os mínimos gestos da mulher. A relação deles não havia mudado, mas Grissom percebeu como Sara tomava mais cuidado ao seu redor, buscando manter uma distância confiável. Ela havia seguido o acordo deles, mesmo que silencioso, onde ambos sabiam de suas limitações para um relacionamento amoroso. Ela nunca mais tocou no assunto, e ele também não tocou. Os olhos de Sara indicavam uma conformidade muda, onde algo brilhava em segredo, mas que ele era incapaz de entender. O problema eram os pensamentos – como era difícil mantê-la longe de suas divagações.

O que estava acontecendo?

Dedicar-se completamente ao seu trabalho era a melhor alternativa. Única. Um trabalho longe de Sara. Com menor frequência de casos juntos, ele era capaz de manter seu foco e atenção nas coisas certas, sem perigo de criar ou alimentar sentimentos. Mas ela estava quase sempre ali, como uma moradora do laboratório, e ao contrário do que todos pensavam, ele não era tão alheio as coisas que se passavam fora de sua sala. Grissom sentia-se preso no meio do mar, colocado lá sem aviso e expectativa de salvação, sofrendo embates diários com tórridas chuvas de dúvidas e pensamentos indesejados. Seu coração estava começando a formigar, e ele preferia pensar que não passava de estresse pelo excesso de trabalho.

Tempestades sempre têm um fim, essa também haveria de ter.

//

— Definitivamente eu estava precisando de um evento assim.

— Não vejo qual a vantagem em bajulações, Catherine.

— Não estava pensando por esse lado – a loira logo explicou, dando uma leve sacudida em seus cabelos, sorrindo maliciosamente para o amigo – estava mais interessada nas bebidas e sociais que vamos poder fazer. Você tem ideia de quanto tempo faz que eu não tenho uma noite de diversões?

Grissom encarou a amiga descrente, deixando que uma pequena carranca se formasse em seu rosto como resposta a sua pergunta.

— Você já avisou o pessoal? – Catherine se encontrava sentada confortavelmente no sofá do escritório de Grissom, encarando o amigo atrás de sua mesa. Uma mesa quase completamente coberta com papéis.

— Sim, todos disseram que vão.

— Ótimo – Catherine se levantou – E você vai precisar de ajuda esse ano com sua gravata?

Grissom fez outra careta – O evento não exige esse tipo de roupa.

— Eu sei, mas é sempre bom se arrumar um pouquinho melhor vez ou outra.

O homem suspirou, e voltou sua atenção para um relatório que precisava ter sido entregue no turno anterior.

— Não se esqueça que você me deve uma dança – a loira disse, caminhando até a porta e saindo.

Outro suspiro. Grissom definitivamente detestava aquele tipo de evento.

O laboratório tinha o costume de fazer algumas confraternizações para todos os turnos durante o ano, com o intuito de promover a socialização dos que trabalhavam no local, além de ser uma ótima oportunidade para os interessados em fazer política. Este seria Ecklie. Os outros queriam apenas se divertir, bebendo e dançando, talvez voltando para casa com alguém no fim da noite. Ele definitivamente não tinha interesse em nenhuma daquelas coisas, mas era obrigado a ir, ou Ecklie e o xerife não o deixariam em paz.

Voltando sua atenção para a pilha de papeis a sua frente, Grissom decidiu não gastar suas energias antecipadamente. Tinha o objetivo de limpar sua mesa até o final do turno, voltar para casa e dormir um pouco – depois ele iria se preocupar em formular desculpas para ir embora o mais cedo possível da tal festa.

//

A campainha soou no pequeno apartamento de Sara.

— Pontual – murmurou para seu reflexo no espelho.

Dando-se um pequeno sorriso de satisfação, passou a mão pelos cabelos uma última vez e saiu do banheiro, indo até a porta.

— Boa noite, Gregory.

— Nossa! – o rapaz não pode se conter.

Ele caminhou pelo espaço que Sara lhe cedeu, e todo o percurso sem tirar os olhos dela. Aquela era a mulher que se escondia por detrás de roupas simples de trabalho

— Feche a boca, Greg.

O jovem sorriu malicioso – Você realmente está mal intencionada esta noite, ahm?

— Não sei do que está falando – Sara voltou para o quarto, voltando logo em seguida com um par de saltos muito finos e altos.

— E todo aquele discurso mais cedo sobre aproveitar a noite com quem quisesse aproveitá-la com você? – as sobrancelhas de Greg dançaram sugestivamente.

Ele ficou atento ao silêncio da amiga, observando-a colocar os sapatos. Ela estava realmente muito bonita, e ele sabia que nada poderia acontecer entre eles um dia, mas mesmo assim ele não podia deixar de notar, ou de expressar o carinho que tinha pela mulher. Sara acabou se tornando sua melhor amiga no laboratório.

— Bom, acho que eu estava exagerando um pouco – ela se levantou, dando alguns passinhos e checando o sapato nos pés – Ótimo, estou pronta.

— Exagerando? Você não precisa se preocupar, tenho certeza que vários olhos estarão voltados pra você esta noite.

Em um flash os olhos de Grissom vieram a mente de Sara, e tão rápido como o pensamentos surgiu, ela tratou de afastá-lo para bem longe de seu coração.

— Não estou disponível pra nada desse tipo, Greg – a morena caminhou pelo apartamento, pegando suas chaves e sua bolsa – Eu quero apenas tomar alguma coisa forte e me divertir com meus amigos.

— Certo, diversão é comigo mesmo, Sidle – Greg lhe ofereceu o braço e sorriu sedutoramente – pronta para irmos?

— Eu nasci pronta – ela retribuiu o sorriso.

Sara realmente esperava que aquela fosse uma boa noite.

//

“Não posso

amar

mais claro”

Jorge Sousa Braga

 

Os olhos de Grissom perscrutavam todo o grande salão. Ondas de súplica transbordavam de sua íris, pois tudo que mais queria era poder ser salvo daquele lugar. Normalmente lidava bem com aqueles eventos, mas nos últimos tempos vinha sentindo um desanimo muito maior para interações sociais. Acostumado as burocracias, chegou mais cedo para poder passar o mais rápido pelas formalidades envolvendo sociais indesejáveis com pessoas preocupadas apenas com aparência. Findado essa etapa, pegou uma bebida e foi para sua mesa, esperando que o tempo transcorresse depressa.

“Ao menos não estou usando gravata” pensou ele, e se divertiu com a própria divagação.

— Você parece feliz.

— Nem tudo é o que parece – respondeu Grissom, sentindo-se um pouco mais aliviado por Brass ter chegado.

— Então acho que podemos fazer companhia um ao outro na infelicidade.

— Você também não está animado?

— Acabei de sair de um turno duplo, todo o que eu queria era poder tomar alguma coisa bem forte e dormir.

Grissom assentiu, voltando sua atenção para as pessoas no salão. Ele entendia o amigo, gostaria de poder fazer o mesmo. Lembrou-se de Atlas na mitologia grega, e como deveria ser carregar o mundo, ou ao menos tentar manter em equilíbrio o céu sobre a terra. Ser um perito lhe dava as vezes uma sensação parecida, onde as pontas de uma corda em cabo de guerra eram sua responsabilidade, e caso não fizesse seu trabalho direito, algum dos lado iria ruir. E porque sentia tanto que o céu estava pesando sobre seus ombros, ou que estava completamente perdido no meio de um deserto?

— Catherine já o viu? – Brass perguntou.

— Acho que não, porque?

— Você não está usando gravata.

— Eu nem mesmo gostaria de estar usando roupas nesse momento, Jim – Grissom disse em um tom de brincadeira, mas sendo realmente sincero.

— Quem está querendo ficar sem roupa tão cedo?

Grissom e Brass se viraram para encarar um Greg bastante divertido, ao lado de uma Sara igualmente sorridente.

Grissom então refletiu o fato óbvio de que ele morava em uma cidade no meio do deserto, mas que a sensação que o sufocava não era sobre terras áridas e excesso de sol, mas sim um afogamento gradativo, onde aos poucos ia perdendo os sentidos. Quando olhou para Sara, tão inexplicavelmente bonita e leve a sua frente, sentiu novamente as ondas e trovoadas provocadas pela tempestade de sentimentos que vinham se revoltando quando se tratava dela.

— Aparentemente, Gil – Brass levantou-se, cumprimentando os amigos – Onde você pensa que vai vestida assim? – pegou a mão de Sara e deu uma leve voltinha com ela, olhando-a de todos os ângulos possíveis – Você está muito bonita.

A mulher sorriu largamente – Obrigada, capitão.

— Eu disse que esta noite todos os olhos vão estar nela – Greg completou, puxando uma cadeira para a amiga – Não estou certo, Grissom?

— Tenho certeza que os seus vão estar, Greg.

Grissom sorriu para Sara, incapaz de tirar os olhos dela. Sara sorriu de volta, e acomodou-se ao lado de Greg, de frente para onde ele e Brass estavam.

O mundo dava voltas, e as vezes, também dava rasteiras e pontapés. Grissom sentia-se nocauteado. Mas provavelmente tudo aquilo se intensificava devido o álcool. Precisava se apegar a esta ideia, e não sucumbir ao simples e fácil pensamento de que estava sentindo-se completamente em queda por Sara. Sacudiu a cabeça, e tomou outro gole de sua bebida. Aquilo não poderia acabar bem.

Uma conversa animada começou, onde Greg divagava sobre como gostava de eventos como aquele. Logo Nick e Warrick chegaram, e compartilharam da mesma opinião de Greg. Quando Catherine também chegou, além de fazer o habitual em chamar a atenção para como estava incrivelmente elegante, tratou logo de implicar com Grissom sobre a roupa que ele usava.

— Que tipo de roupa é esta, Gil? – a loira sentou-se ao lado do amigo.

— Normais?

— Obviamente você não se esforçou muito.

Grissom revirou os olhos – Estou vestindo a mesma coisa que Nick ou Greg, qual o problema?

Catherine ergueu as mãos em sinal de rendição – Nenhum, desde que você me pague aquela dança.

— Grissom dança? – Greg perguntou, e logo levou um cutucão de Sara – Aí!

— Que isso, cara, é claro que o chefe dança – defendeu Warrick, rindo da situação.

— Desculpe, só fiquei surpreso.

— Se você quiser eu posso te ensinar, Greg – Grissom respondeu, bebendo um gole de sua bebida e sorrindo desafiador.

— Oh não vai ser preciso, Sara já se comprometeu com esta tarefa – o jovem passou os braços ao redor dos ombros de da mulher, que fingiu indignação.

— Tenho certeza que meus dedos dos pés vão se arrepender disso depois. 

A noite seguiu mais feliz e leve do que Brass e Grissom esperavam. Todos estavam se divertindo, inclusive eles. Músicas animadas embalavam a pequena festa, junto de vários tipos de bebidas e comidas. Em um lugar como Las Vegas, onde aquelas pessoas trabalhavam todos os dias com o pior lado da cidade, ter alguns momentos para respirar e viver fora do limbo de crimes, era algo que enchia o coração de todos de calor. Por algumas horas eles eram apenas pessoas se divertindo em uma festa – não havia mortes, não havia corpos, não havia problemas. Eles estavam felizes.

Em silêncio, Grissom escutava meio letárgico o que seus amigos discutiam, tentando a todo custo evitar que seus olhos escorregassem para a mulher sentada bem a sua frente. Estava começando a ficar irritado e frustrado com a ironia de sentir seu coração formigar por aquela mesma mulher de anos atrás, que ele quase beijou. Lembrou-se do sorriso frouxo e descontraído que eles trocaram tantas vezes naquela semana em São Francisco, e como a atração foi imediata.

— Como vocês se sentem em uma festa como essa sem poder beber nada? – Greg riu descaradamente de Nick e Warrick.

— Não seja chato, Greg – Sara interpôs.

— Parece que quem deveria estar de plantão hoje era você, Greg – Grissom apontou, aproveitando a deixa para frear seus pensamentos.

— É verdade – Warrick e Nick disseram em unissoro – acho que você já está chegando no limite, garotão – continuou Warrick.

— Eu estou ótimo, pessoal – o jovem levantou-se, meio estabanado – Sarinha, me concede essa dança?

— Parece que chegou a nossa hora também, Gil – Catherine se levantou e estendeu a mão para Grissom, que em um suspiro cansado, segurou.

— Parece que está na hora de nós sairmos a procura de parceiras, amigo – Nick deu uma leve batidinha camarada no ombro de Warrick – ou vamos sobrar nessa mesa.

— Jim, você é minha próxima dança – a loira puxou Grissom para a pista de dança, sem esperar resposta do detetive.

— Acho que tem mais gente alterada do que apenas Greg – Sara comentou, olhando para Brass que riu divertido.

— Vamos logo Sara, a música já está tocando!

O jovem de cabelos arrepiados a puxou pela mão, levando-a para o centro da pista de dança, onde outros casais já se encontravam envolvidos em suas danças.

— Que tipo de música é essa? – Greg disse, posicionando-se de frente para a amiga.

— Do tipo que se dança junto – ela riu, pegando uma das mãos do rapaz e colocando em sua cintura, enquanto a outra segurou com a própria – e nem pense em invadir meu espaço pessoal.

Sara lançou para o loiro um olhar divertido. Tudo estava indo muito bem, e estava sentindo uma paz que não tinha a muito tempo. Começaram a se mover juntos com o balanço da música, até que ela pode avistar Grissom e Catherine não muito longe. Ele estava olhando para ela. Por um segundo sentiu suas pernas falharem, e precisou desviar seu olhar para Greg, que continuava falando e falando sobre alguma coisa que ela não acompanhava mais. Elevou os olhos mais uma vez e Grissom continuava encarando-a, então ela arriscou um sorriso. Ele não retribuiu.

— Eu pisei no seu pé?

— Desculpe? – Sara não estava acompanhando.

Greg parou de se mover e repetiu: - Eu pisei no seu pé? Você ficou série de repente...

— Acho que o cansaço bateu em mim – Sara tentou sorrir, mas estava encontrando muita dificuldade.

Toda alegria de minutos antes foi embora diante a indiferença de Grissom. “Amigos, somos amigos. Ele não tem obrigação de ficar retribuindo sorrisos pra mim” pensou ela.

— Porque não nos sentamos um pouco?

— Tudo bem – Greg assentiu, olhando preocupado para a amiga.

Eles já haviam conversado sobre isso, e ela entendeu e aceitou. Ele não estava interessado nela, então porque sentir-se mal por alguém que não dava a mínima?

Grissom viu quando Greg e Sara voltaram para a mesa, e ficou pensando o que teria feito a mulher parar de sorrir. Ele queria ter sorrido de volta pra ela, mas o que ela poderia pensar?

— Você poderia ao menos disfarçar, Gil.

— Ahm? – ele voltou sua atenção para ela, confuso.

— Se você gostaria de dançar com outra pessoa, é só nós trocarmos –

— Catherine – Grissom a interrompeu, nitidamente impaciente – já posso ir?

— Depois que dançarmos mais uma.

Catherine não estava disposta a ceder, e Grissom não seria bobo de ir contra ela. Ficou pensando se a amiga realmente havia percebido onde sua atenção esteve durante toda a festa. Enquanto dançavam outra música, sua mente retornou para o dia em que Sara o convidou para sair. Outra grande volta seguida de rasteira que o mundo estava dando nele. Foi um dia difícil, estava sendo uma época complicada em sua vida, e ele realmente foi sincero em sua recusa – sinceramente seu cérebro não havia mudado de opinião. Mas seu coração não conseguia parar de ressoar em cada batida o “sim” não dito, o “sim” impossível, o “sim” errado. Como era estranho o que se passava em seu peito. Ele precisava parar de beber imediatamente.

— Grissom!

—Aí, Catherine! Qual o seu problema?

A mulher havia parado abruptamente de se mexer e pisado dolorosamente nos pés do homem. Ele parou atônito encarando-a.

— Acho que você já passou da conta de bebidas, não acha? – continuou ele, fiscalizando o próprio pé.

— Eu ou você que de repente empacou e quase me derrubou? – ela arqueou as sobrancelhas, desafiando-o.

— Olha, Cath... Me-me desculpe... Estou realmente cansado, tive um turno duplo... – seus ombros caíram levemente.

— Certo, Gil – ela reconheceu o cansaço nos olhos do amigo – Me desculpe por ser uma vadia.

Definitivamente Catherine estava bêbada, pensou Grissom, ao ponto de admitir o próprio comportamento maluco.

— Vamos voltar para a mesa.

Lentamente voltaram para a mesa.

— Greg, você não tem vergonha de ser tão descarado? – Grissom pode ouvir Brass inquirir.

— Não estou sendo assim, estou apenas arriscando uma última vez.

— Não Greg, eu não vou passar a noite com você.

Grissom arregalou um pouco os olhos, ouvindo as palavras de Sara passarem por sua consciência.

— Brass, vamos, é a sua vez – Catherine parecia alheia a qualquer coisa diferente de si mesma.

— Gil, fique de olho nesse rapaz – Brass apontou para Greg – esses jovens de hoje não tem resistência alguma a mais de duas doses.

Grissom assentiu, ainda tentando entender o contexto das palavras de Sara – E você fique de olho nela – apontou para Catherine – digamos que ela está um pouco...

— Maluca? – Brass terminou.

Grissom deu de ombros em concordância.

— Será que podemos ir logo pra pista? Vejam! Nick e Warrick estão se dando bem – a loira puxou Brass para o meio da pista.

— Bom – Grissom se sentou, pegando uma garrafinha de água de um dos garçons – acho que podemos compartilhar um pouco dessa bebida incrível, Greg.

Sara riu do comportamento de seu chefe – Ele não está bêbado, está apenas sendo dramático – ela explicou, mas serviu um copo para ambos.

— Não estou sendo dra-ma-maticooo – Greg soltou um longo bocejo – Estou apenas tentando te animar.

Grissom olhou de um para o outro, acompanhando a conversa.

— Estou bem Greg, eu disse que só estou cansada.

— Mas –

— Vocês vieram juntos? – Grissom interrompeu, surgindo uma ideia brilhante em sua mente.

— Sim, Greg passou na minha casa e viemos juntos de Taxi. O garanhão aqui pretendia ficar doido.

— Hum – os lábios de Grissom formaram um pequeno bico – eu estou de carro, se quiserem posso dar uma carona pra vocês, também estou cansado, e não sei se agüento muito mais disso aqui – seu tom era sincero, e Sara notou o leve desespero em ir embora o mais depressa possível. Eles seriam a desculpa ideal.

— Mas ainda está tãa-oo ce-cedo – outro bocejo.

— Não é o que seu corpo está dizendo, Greg – Sara riu, pegando sua bolsa – Porque não vamos agora então? Aproveitar que ninguém está aqui pra nos impedir – Sara lançou um olhar cúmplice para Grissom, acompanhado de uma pequena piscadela.

O homem demorou um segundo ou dois para se recuperar – Ótima ideia.

Ao som de resmungos vindos de um jovem pendendo entre o sono e a embriagues, os três CSI caminharam para fora do grande salão sem se despedirem de ninguém, tentando chamar a menor atenção possível.

Enquanto caminhavam pelo estacionamento, Grissom pode dar outra boa olhada em Sara, e como ela estava bonita naquela noite. Ela sempre era linda, pensou. Mas aquele vestido azul marinho que lhe caiu tão perfeitamente no corpo, junto de todos os outros assessórios, a deixaram deslumbrante. Abriu a porta do carro para que ela pudesse entrar e pode sentir o perfume suave que emanou de seus cabelos. Um leve arrepio lhe subiu a espinha.

— Todos prontos? – ele olhou para o lado, sorrindo levemente para Sara, e depois no espelho retrovisor, checando um Greg quase apagado em seu banco traseiro.

— Certo – ela disse simplesmente.

O caminho foi feito em silêncio. Nada de som ou qualquer conversa. Grissom focado na estrada, com as mãos apertadas um pouco de mais no volante, Sara recostada em seu assento olhando para fora da janela, deixando que o vento da noite bagunçasse um pouco seus cabelos. Greg estava cochilando.

— Primeira parada – anunciou Grissom.

Um Greg meio sonolento saiu do carro, apoiando-se na janela de Sara por um instante.

— Você ainda tem a chance de vir comigo, baby – ele falou para a mulher, sorrindo que nem um louco.

— Greg, vá para casa, tome um banho e durma, e vou fingir que você não me chamou de baby – Sara deu leves batidas na bochecha do amigo.

— Ok, um soldado sabe reconhecer a derrota – endireitou-se para caminhar – Queria ter a sua sorte, Grissom – ele disse e se virou, caminhando lentamente para seu apartamento.

Grissom estreitou os olhos para o rapaz que estava lutando com as chaves para entrar, e depois para Sara, que parecia ter perdido toda a cor do rosto.

— Do que ele está falando?

— E quem entende o que o Greg diz? – Sara desviou – Vamos?

A mulher voltou sua atenção para fora da janela, tentando controlar seu desconforto pelo comentário do amigo. Ela tinha vontade de descer do carro imediatamente e chutar sua bunda, mas então pensou que ele não merecia isso dela. E não havia nada entre ela e Grissom pra justificar tal comportamento.

O homem manteve seus olhos cravamos no rosto de Sara por mais alguns instantes, tentando decifrar o que se passava na cabeça da mulher. Resignou-se a voltar para a estrada e dirigir. Eles se encontravam em um terreno bastante perigoso naquele momento, e qualquer passo em falso não teria volta. Seu estômago deu cambalhotas novamente, quando o perfume de Sara voltou a encher o carro. Estava bastante difícil manter a concentração.

— Chegamos – ele anunciou, mais para aliviar o profundo silêncio do que por real necessidade. Sara estava bem acordada para ver que haviam chegado.

— Obrigada pela carona, Grissom – ela olhou para ele e sorriu, seu sorriso de lábios contraídos – Boa noite, até amanhã no trabalho.

Ele não disse nada, as palavras eram suas inimigas sempre que precisava realmente delas. Qual era o grande problema em sua dicção? Era frustrante. Sentiu o peso de tudo que havia pensado durante a festa, e de mais um monte de coisas que não se atrevia a refletir, e a noite escura que estava fazendo o afundou em alguma espécie de transe mudo, onde as palavras não vinham e muito menos qualquer movimento.

Sara virou-se para sair do carro, sem importa-se em não receber resposta nenhuma do homem ao lado. Até que ele disse:

— Sara...              

Ela apenas se virou e o encarou, sentindo de repente um cansaço enorme sobre si.

— Você está linda esta noite – ele disse em um fôlego só, sem entender exatamente de onde aquelas palavras vieram.

A morena não pareceu se surpreender com o comentário, apenas voltou a sorrir levemente – Obrigada Grissom, você também está muito bonito esta noite – seu tom era doce, com um tom de provocação.

Novamente o silêncio os envolveu, e Grissom sentiu o desespero retornar.

— Você gostaria de entrar?

Pronto, ali estavam as palavras, aquelas que ao mesmo tempo temia e desejava.

— Sara... – “Eu não posso, isso não pode acontecer”, ele fechou os olhos, tentando dizer o que pensava, explicar que ela não era o problema, que ele não entendia realmente qual era, mas que apenas não podia dar aquele passo.

— Tudo bem, Grissom – Sara disse baixinho, seu rosto não mais tão leve, mas tomado por alguma sombra muito triste.

Ele a olhou no fundo dos olhos, tentando transmitir através do contato que ele sentia muito, de muitas formas. Mas ela parecia muito magoada para ver.

— Boa noite, Sara – foram as únicas palavras que conseguiram sair.

Sentindo uma profunda resignação, ela forçou um sorriso amarelo e saiu do carro, caminhando lentamente até seu apartamento.

Grissom ficou parado lá, dentro do carro, por longos minutos. Abaixou a cabeça de encontro com o volante, respirando lentamente e tentando contar seus batimentos. Ele estava profundamente irritado, irritado consigo mesmo. Que bagunça toda era aquela que estava acontecendo em seu peito ou em seus pensamentos? Estava difícil entender o que era verdade ou não, quando parecia ter perdido completamente o seu controle interno.

Fazia pouco mais de quatro anos que Sara veio para Las Vegas trabalhar com ele, e durante todo este tempo, o relacionamento deles havia passado por autos e baixos, no entanto, nada tão profundo e confuso como agora. Eles tinham uma amizade diferente das outras, e as vezes percebia que seu cuidado para com a mulher era um pouco mais requintado do que por qualquer outra pessoa, mas sinceramente, não havia pensado exatamente por um lado romântico. Mas Sara sempre estivera lá, sempre que ele chamou ou simplesmente precisou sem falar, ela esteve lá. Porque todo aquele cuidado? E o período que passou em São Francisco, apenas 5 dias que foram suficiente para ele cogitar ter algo mais com ela. Onde ele havia colocado tudo isso nos últimos anos? Porque a ideia de Sara interessada em si era tão assustadora? E melhor, porque a ideia dele mesmo retribuindo estes sentimentos era tão mais assustadora ainda?

Levantando a cabeça do volante, ele sabia que precisava voltar para casa. E muito mais do que isso, ele precisava esquecer esse sentimento, mesmo sem entender o que realmente ele era.

//

Semanas depois.

Um homem extremamente inteligente, este era Gilbert Grissom. Mas às vezes questionava se havia feito a escolha certa sobre seu trabalho. Mesmo sendo um dos melhores, se não o melhor, a dúvida sempre voltava a pairar em sua mente. Ele poderia lecionar, escrever um livro, ficar mais tempo com sua mãe, se envolver em alguma expedição pelo mundo e estudar novas espécies de insetos, experimentando a ciência no que ela tinha de mais prático e surpreendente. Ele poderia ter algum relacionamento de verdade, que não acabasse ruindo nos primeiros estágios devido seu aficionado interesse em trabalho.

Naquele momento, agachado diante uma mulher desconhecida, brutalmente morta em seu banheiro e posicionada como uma espécie de arte a ser exibida, Grissom teve todas as dúvidas de sua vida postas na borda, prestes a transbordarem. Ela se parecia com Sara. Se não houvesse falado com ela minutos antes, acreditaria ser ela, bem ali na sua frente, sem vida ou futuro.

Levantou-se, ainda com dificuldades de tirar os olhos dela. Aquele era o grande problema de seu trabalho – ele deixava cru demais a finitude da vida, e como era simples estar vivo e no segundo seguinte, morto. Pessoas desconhecidas já eram complicadas de ver, mas a possibilidade de alguém tão próximo, era assustador. As paredes incrivelmente brancas do banheiro onde Grissom estava o estavam sufocando, elas lembravam um estado de limpeza e pureza que não era possível depois de uma brutalidade tão grande como aquela. Fechou os olhos e tentou racionalizar. Aquele não era o momento certo para afundar, ele precisava manter-se lúcido, respirando.

 Saiu o mais rápido que pode para fora da casa, ele precisa de um pouco de ar para poder pensar e funcionar direito. Foi então que ele viu, toda sua equipe o esperando, e também Sara. Viva. Ela se virou e olhou para ele, como se fosse capaz de ler tudo que estava se passando consigo através de um simples olhar. Um enorme alívio encheu seu peito, todos estavam bem, ela estava bem.

— Pronto para nós? – Brass perguntou, vindo de encontro a Grissom.

— Por enquanto, ninguém entra nesta casa exceto o CSI.

Todos observaram a seriedade e calma com que Grissom ditou as ordens, e em silêncio, concordaram.

(...)

Oh ele sabia que ela estava chateada, ficou muito claro nos olhos de Sara. Uma das coisas que ele mais gostava nela era isso, a facilidade em expressar sentimentos, dizer o que pensava, colocar na luz o que estava acontecendo em seu interior. Mas ele não podia deixar que ela entrasse, não podia deixar que ela visse o mesmo que ele. Grissom sabia que mais cedo ou mais tarde ela veria Debbie, e que provavelmente notaria a semelhança entre elas. Mas isso era uma coincidência, algo que estava fora de seu controle como supervisor ou perito. Qual era realmente o problema, então?

— Uma coisa que eu nunca me acostumo nesse trabalho é que qualquer coisa pode acontecer a qualquer um.

Catherine disse, olhando para Debbie no chão e um Grissom de cócoras concentrado em seu corpo desfalecido.

— Por isso nós estamos aqui – ele disse, seu rosto impassível.

A loira olhou para Grissom, que continuava agachado olhando para o corpo, e tentou formular alguma coisa para dizer. O amigo não parecia bem, e ela sabia como alguns casos podem nos pegar de jeito. Era do conhecimento de todos que Grissom e Sara tinham um relacionamento diferente, que vinha de outros tempos, algo que ninguém nunca se atreveu a investigar melhor – e nos últimos dias ela vinha percebendo como o homem mantinha uma postura diferente diante Sara. Talvez nem mesmo ele percebesse. Decidiu que não era uma boa escolha revelar seus pensamentos naquele momento.

— Este banheiro foi o motivo dela ter comprado este lugar – disse por fim, analisando todo o local.

Grissom olhou para trás, e disse – O que está cheirando?

— Produto de limpeza, desinfetante, talvez... – ela se aproximou do vidro onde Debbie estava – O esguicho de sangue da artéria está na altura da nuca, indica que ela estava de pé quando foi atacada – tentou visualizar a cena em sua mente – E o jato de sangue mais alto foi o maior.

— Falta incontestavelmente lividez – Grissom disse ainda agachado analisando o corpo – Deve ter sangrado muito.

— O assassino colocou algo encima dele. Foi uma confusão sangrenta, mas não existem... – a loira olhou melhor pelo chão - ...pegadas, não há marcas de mãos, nenhuma mancha.

Grissom finalmente levantou-se, mas continuou olhando Debbie – Parece que foi colocada nesta posição.

Catherine analisou – Qual é a mensagem?

— Não sei realmente se quero descobrir.

Havia sido mais uma confissão, um pensamento que escapou por entre os lábios, do que uma consideração para Catherine ouvir. Mas ele não se importava, não agora.

(...)

Porque alguém faria isso? Grissom sabia que aquela era a pergunta errada a se fazer. Pensar por tal perspectiva o fazia cair no mesmo erro que tentava evitar que seus subordinados cometessem. O importante é a evidência, nada mais. Como perito ele não estava naquele caso para entender os motivos do assassino, menos ainda se identificar com a vítima. Mas a imagem de Sara dentro daquele banheiro não o abandonava, e mesmo que tentasse a todo custo direcionar seus pensamentos para o ponto de racionalização correto, seu equilíbrio estava em frangalhos.

Olhou atentamente para a peça de vidro que retratava uma borboleta. Grissom já havia percebido como aquele deveria ser o animal preferido da jovem Debbie, pois em todos os lugares da casa havia algum objeto com aquele formato. Pegou então uma das fotos sobre o balcão e olhou atentamente para a mulher ali retratada, de braços abertos e muito sorridente. Meneou a cabeça, reprimindo novamente o pensamento “Por quê?”. O que levaria alguém a fazer isso com uma mulher como ela? Como alguém teria coragem de machucá-la?

Sem poder controlar, olhou para o espelho e viu Debbie, sentada olhando para si, para logo em seguida se transformar em Sara, perscrutando-o. Sentia que estava no piloto automático. Estava dobrando turno, e não se lembrava qual a última vez que dormiu ou se alimentou direito. Desde aquela noite após a festa, onde pode ver com tamanha clareza a tristeza nos olhos de Sara, olhar para a mulher havia se tornado algo difícil. Ele não queria magoá-la com sua decisão, queria que ela fosse feliz. E ele não poderia lhe oferecer essa felicidade. 

Seu telefone começou a tocar, tirando-o de suas reflexões.

— Grissom.

— Hei.

Sara.

— Sara... Ahm... Ouça, estou em uma área com sinal fraco, ligarei de volta...

Porque estava agindo tão imaturamente? Evitar não resolvia nenhum de seus problemas, no entanto, esteve tão acostumado a mecanismos de fuga e esquiva, que estar sobre o simples som da voz de Sara, o fez afundar nas profundezas de um oceano sufocante de sentimentos.

— Eu consegui uma amostra de pele dentro do ralo do cano da banheira – a CSI disse um pouco mais alto para que ele pudesse ouvir.

— Amostra de pele? – Grissom sentia-se em desespero. Local de ligação ruim? Ou talvez pensamentos altos de mais que o impediam de ouvir qualquer outra coisa? – Isso é ótimo, dê ao Greg.

— Eu dei. Você quer que eu vá até aí para te ajudar?

— Não, eu estou bem – demonstrou um pouco mais de aflição do que a necessária em sua voz – Eu-eu... Ahm... Eu falo com você depois.

Desligou.

Olhou-se no espelho e pode ver nitidamente, um homem completamente perdido.

//

— Não me diga que você nem foi pra casa?

Grissom que estava de joelhos no corredor, coletando evidências do carpete, ergueu-se para encarar Catherine.

— Ok – ele não diria então – Eu estou apenas começando aqui, nem fui aos outros quartos ainda – voltou-se para o chão, continuando seu trabalho.

— Você sabe que após 16 horas você perde o foco – a expressão de Catherine era pendia entre pena e horror – Você está em seu terceiro turno... Quero dizer, sou a favor de horas extras, mas isto é ser muito ganancioso.

— Meus joelhos não estão aguentando mais.

— Você comeu alguma coisa? – a perplexidade só aumentava para a loira.

Grissom interessou-se – O que você trouxe?

— Verei o que tem na geladeira.

O lampejo de esperança se apagou no mesmo instante. Viu Catherine se afastando – Temos que repor isso, você sabe – disse alto.

Ela não respondeu.

Permitiu-se sentar no chão macio, relaxando um pouco as costas. Grissom sabia que estava chegando em seu limite, e que estava mais envolvido do que gostaria de admitir com o caso. Provavelmente Catherine havia percebido. Mas ele precisa encontrar alguma evidência, algo que o ajudasse a entender e descobrir quem cometera aquele crime. Seus esforços não seriam medidos, mesmo que pra isso precisasse ir e voltar de lugares muito mais reclusos dentro de si, e encarar verdades que escolheu ignorar.

//

Tudo fez sentido de uma única vez. Como quando compramos um quebra cabeça muito complexo, e no fim, as últimas peças se encaixam naturalmente, e nos deparamos com uma imagem banal. Não havia grande mistério por trás do assassino, menos ainda de seus motivos para matar. Tudo resumia-se a falta de amor, ou quem sabe, o mal uso dele. A rejeição poderia fazer o inferno na vida de alguém, mas escolher viver no eterno sofrimento era muito mais sobre uma escolha do que obrigação. E quando Grissom ficou de frente para Lurie, vendo-o tão tranquilo em seus argumentos, sentiu-se aliviado por não identificar-se com o homem. Não em tudo.

Não se pode ter garantias de amar e ser amado de volta, nem mesmo exigir isso de alguém. O mundo da voltas, as pessoas mudam, e os sentimentos também. A graça do amor era justamente dar seu coração e confiar que o outro iria cuidar dele. Grissom não pode fazer isso a muito tempo. No entanto, sentia-se profundamente triste pelo homem a sua frente, aparentando tanta segurança, mas completamente perdido por dentro. O mar no qual se encontrava afogado era muito mais sombrio e doloroso do que o mar que ele, Grissom, estava naquele momento. Mesmo sofrendo constantes baixas, e correndo desesperado de uma verdade clara que lhe pairava aos olhos, ele não era como Lurie, não completamente.

Ele jamais faria o mesmo com Sara.

Mesmo decidindo-se pelo seu trabalho, ele não desejava que Sara fosse infeliz. Se havia algo que tinha certeza em seus sentimentos pela mulher era a ausência desse tipo de egoísmo. Esperava que ela fosse feliz, mesmo que com outra pessoa. Mas ainda assim, era assustador ver o que um amor adoecido poderia fazer com alguém.

Grissom olhou atentamente para Lurie, e como a segurança transbordava por seus poros, sentindo-se vitorioso por ninguém ter alcançado seu feito, pela falta de provas em atestar a realidade de seus comportamentos. O verdadeiro motivo por aquele caso tê-lo sugado tanto era simples, e Grissom tinha a razão diante de seus olhos. Aquele homem fez aquilo que ele não foi capaz. Aquele homem o lembrou de tudo o que o impediu nos últimos anos em seguir em frente com qualquer pessoa. Aquele homem o lembrava de maneira clara, como Sara era importante, e como por tantos anos ele simplesmente esteve ocupado demais para perceber. Aquele homem e seu terrível crime, gritaram mais alto do que qualquer pensamento atormentador que ele pode ter nos últimos dias, e calou qualquer dúvida que restasse em seu coração. Como Sara era importante.

— Vocês tem mais alguma prova? – questionou o advogado para Grissom, que apenas meneou a cabeça em negação contida, para logo dizer:

— Não, não temos.

— Nós podemos não ter provas, mas temos uma teoria – completou Brass.

— Isso não é admissível no tribunal – argumentou o advogado.

— Não, não, vale a pena ouvir – interpôs Lúrie.

Brass se aproximou do médico, e disse em tom ameaçador – Nós achamos que você matou Debbie Marlin porque ela rejeitou você, e Michael Clark pagou o preço.

Ele riu do capitão, mas não disse nada.

— Obrigado pelo seu tempo e suas teorias, mas você mesmo disse, que você não tem um caso – o advogado virou-se para seu cliente – Doutor?

Ambos levantaram-se rumando até a porta, até que Grissom falou:

— Isso é triste, não é, doutor? – Lurie parou, ainda de costas para o perito – Homens como nós – Grissom ergueu os olhos um momento para ver que estava sendo ouvido – dois homens de meia idade que permitiram que o trabalho consumisse suas vidas – Grissom não olhou para Lúrie, e ele também não olhou para trás, apenas ficou parado escutando – A única altura em que tocamos em outras pessoas é quando estamos usando nossas luvas de látex – olharam um para o outro – Acordamos um dia e nos damos conta que durante 50 anos não vivemos nada – Grissom pareceu pensar, completamente absorto em sua divagação – Mas então, de repente temos uma segunda chance. Alguém jovem e linda aparece. Alguém...com quem poderíamos nos importar. Ela nos oferece uma nova vida com ela... Mas nós temos uma grande decisão para tomar, certo? Porque nós temos que arriscar tudo que trabalhamos para poder tê-la. Eu não pude fazer isso. Mas você fez. Você arriscou tudo – Grissom e Lurie se encaravam, e para qualquer um presente na sala, era claro que ambos estavam revivendo coisas em suas mentes – E ela te mostrou uma vida maravilhosa, não mostrou? Mas então ela lhe tirou isso e deu a outra pessoa... e você estava perdido. Então você tirou a vida dela. Você matou os dois e agora você não tem nada.

O médico o encarou, impassível – Eu ainda estou aqui.

— Você está?

Ele então saiu junto de seu advogado, muito menos confiante do que minutos antes.

Grissom soltou um longo suspiro, deixando sua cabeça pender sobre o pescoço. Ele já podia sentir, um forte dor de cabeça estava se aproximando. Viu quando Brass o deixou sozinho, e sentiu-se aliviado pelo amigo não fazer nenhuma pergunta sobre o que ele havia acabado de dizer. Já era difícil demais lidar com seus próprios questionamentos, ter alguém de fora interrogando não iria ajudar em nada. Levantou-se lentamente e juntou suas coisas. Precisava ir embora, tomar um banho e dormir, sem hora para acordar.

Caminhando até a porta fez uma prece silenciosa para que não houvesse sonhos ruins ou enxurradas de pensamentos e sentimentos naquela noite, ele realmente precisa descansar. Mas então ele viu Sara, saindo da sala de espelho que dava acesso a sala que ele esteve segundos antes.

Fitaram um ao outro, ambos muito conscientes do que acabara de acontecer. Sara tinha no rosto a mesma expressão triste daquela noite após a festa. O coração de Grissom afundou com a visão da mulher. Mas não havia nada que ele pudesse fazer.

— Boa noite, Sara.

Foram palavras completamente sem finalidade. Não havia chance de ser uma boa noite depois de tudo. Tentou sorrir para ela, mas falhou miseravelmente.

— Boa noite, Grissom.

Ela se moveu primeiro, passando por ele, caminhando pesado. Ele pode sentir quando ela passou por si, toda a tensão que emanava de seu corpo. Não estava em seus planos que ela escutasse suas palavras, não havia nem mesmo um plano em dizê-las tão abertamente. Mas talvez aquilo fosse o melhor para acontecer, talvez fosse o melhor para eles.

Era preciso seguir em frente, e arcar com as consequências. 


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