Love is blue escrita por Lola


Capítulo 11
Capítulo 11 – Uma imensidão azul




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Capítulo 11 – Uma imensidão azul

“Mudam-se os tempos, desnudam-se as vontades.”

Mia Couto

 

Alguns sentimentos têm vida própria – fazemos de tudo para ignorá-los ou transformá-los em algo mais fácil de encarar – o problema é que mais cedo ou mais tarde eles se revoltam contra nossos esforços e mostram sua verdadeira natureza. O amor pode surgir de diversas formas, e em muitas delas não estamos prontos para lidar com sua aparência. São tantas as consequências implicadas em sentir algo tão profundo por alguém, e tão incerto onde isso pode nos levar, que fingir não saber o que está acontecendo dentro de nós é muito mais simples. Sara finalmente havia aberto seus olhos e encarado com sinceridade seu coração, e o que encontrou em meio a inspeção de seus sentimentos, foi nada mais nada menos que os habituais olhos de Grissom. Suaves e profundos, cravados em seu rosto. Era assim que se sentia, perdida na imensidão azul que era seu supervisor – caindo em um amor azul e sem volta. Quão perigoso seria tentar navegar por aqueles mares?

(...)

A morte parece estar sempre a uma distância suficiente e confortável de nós. Tão perto e tão longe – sua imprevisibilidade pode acabar deixando-a em segundo plano dentro de nossos pensamentos. Ninguém vive exatamente pensando que o tempo está acabando, e que o amanhã talvez não chegue. Ou estamos jovens de mais ou ainda precisamos de mais algum tempo de velhice. Até que algum parente ou amigo nos deixa sem aviso, ou até mesmo nós somos surpreendidos por alguma fatalidade que quase nos encerra. Essa é a vida.

Podemos dar voltas inteiras ao redor dos mesmos fatos e mesmo assim só perceber o essencial na milésima tentativa. Como podemos perceber em questão de segundos que aquela pessoa ou situação vão mudar a nossa vida.

Sara precisou de algumas voltas até perceber.

Seu ouvido emitia um zumbido que a estava deixado tonta – mas muito mais do que qualquer barulho causado pela explosão no laboratório, eram seus pensamentos os verdadeiros responsáveis por toda sua confusão. Será mesmo que ela poderia ter morrido? Greg sim poderia ter morrido, ele mais do que ela esteve próximo do centro causador de todo o desastre. Ela estava apenas de passagem. Exatamente para onde ela estava indo?

— Você está bem?

Tirada de seus pensamentos, Sara pode ver um Grissom apreensivo agachado a sua frente.

— Aham – foi tudo que conseguiu responder.

Ele a encarou por alguns segundos, fazendo uma rápida inspeção da mulher, quando pode ver o profundo machucado cravado em sua palma. Sara se sentia muito confusa.

— Querida, isso está feio.

— Estou bem – Sara olhou rapidamente para sua mão e depois para Grissom – A limpeza não será fácil, devíamos começar.

Grissom pode perceber a voz distante da amiga, e como provavelmente ela estava em choque pelo ocorrido. De alguma maneira ela também havia sido atingida.

— Você precisa de pontos.

Nervosamente ela balança sua cabeça em negação – Eu estou bem...

— Pode cuidar da mão dela? – Grissom a ignora, falando um pouco mais alto para o paramédico logo atrás de onde estavam na calçada. Então ela se levanta trazendo Sara consigo, conduzindo-a para ser atendida.

— Sim, Senhor.

Sara seguiu o paramédico até a ambulância, mas manteve seus olhos em Grissom pelo máximo de tempo que pode. Percebeu quando ele voltou par dentro do laboratório acompanhado do diretor do laboratório. As coisas não estavam boas.

— Vamos precisar dar alguns pontos – disse o jovem, e então Sara voltou sua atenção para ele. Ela já o conhecia, era um dos amigos de Hank.

Sentiu seu estômago embrulhar.

— Tudo bem? – ele olhou para ela, colocando a mão em sua testa – alguém já verificou para contusão?

— Yeah – foi tudo que ela conseguiu responder – apenas vamos terminar isso logo.

O rapaz pareceu entender o recado, não procurando iniciar mais nenhuma espécie de conversa. Limpou o corte na mão de Sara e começou a dar os pontos. A perita fechou os olhos com força, e por um instante, a dor forte em sua palma foi um alívio para a bagunça de pensamentos que faziam sua cabeça latejar.

(...)

— Hey, Sara.

— Oi.

Catherine se aproximou da colega na sala de reunião.

— Como você está? – a loira estava usando sua melhor expressão de compaixão – fiquei sabendo que você estava passando pelo corredor bem na hora da explosão.

Sara balançou a cabeça em afirmação. Seus lábios estavam unidos em uma linha fina, nenhuma palavra veio.

— Você está bem? – Catherine pousou uma de suas mãos no ombro de Sara, preocupada com o silêncio da colega.

— Estou bem – a morena forçou um sorriso – só com um pouco de dor – ergueu a mão para que Catherine pudesse ver.

— Isso parece feio.

— Poderia ter sido pior.

As palavras de Sara ficaram pairando entre as duas mulheres. Elas sabiam que aquela era verdade dolorosa que incomodava a todos. Por sorte todos estavam bem, até mesmo Greg.

— Bom... Eu e Warrick estamos tomando conta do que aconteceu – a loira achou melhor mudar o assunto – Grissom está em um caso, e o diretor não sai do nosso pé pelo que aconteceu – uma carranca aborrecida se formou na face bem maquiada da mulher – aparentemente ele precisa de alguém para culpar.

— Nada de novo até agora.

— Pois é, mas eu queria saber se você notou alguma coisa antes da explosão, algo de diferente, alguém cheiro vindo do laboratório.

Sara pensou. Pela primeira vez naquele dia ela se viu pensando sobre o exato momento em que tudo aconteceu, não poderia evitar para sempre. Lembrou de ver Grissom, e ir atrás dele. Apenas.

— Não. Nada. Estava apenas de passagem.

— Certo, se você se lembrar de alguma coisa, é só me bipar – Catherine se levantou.

— Claro – Sara forçou outro sorriso.

— Boa sorte com a mão – disse a loira, sorrindo amigável para a morena, e logo em seguida saindo.

Sara soltou um longo suspiro, buscando suprimir um pouco de toda emoção que a estava sufocando. Levantou-se e foi até o vestiário, ela precisava urgente de um banho e se trocar.

(...)

“Qual era o problema de todos, afinal? Eu estava apenas fazendo o meu trabalho.”

Sara procurou repetir este pensamento várias e várias vezes em sua mente, para quem sabe assim, ela mesma acreditar. O que estava acontecendo com ela nos últimos dias? O que ela evitava com tanta força?

Ela sabia que havia agido errado. Mobilizar um suspeito não era seu trabalho. Nem mesmo sabia porque se comportara daquela maneira. Não estava se sentindo invencível como Nick afirmou. A verdade era que ela não fazia ideia de como estava se sentindo. Em um momento estava tudo bem em sua vida, depois descobriu que seu relacionamento era uma grande farsa, depois começa a pensar de mais em Grissom – mais do que já fazia – e então sofre um acidente. 

Sentada no vestiário pela segunda vez naquele dia, apoiou a cabeça em suas mãos e suspirou pesadamente. Ela era uma mulher adulta, independente, inteligente, com um bom emprego, e também tinha lá sua beleza a ser notada. Como podia estar deixando que o fim de um relacionamento falso a bagunçasse tanto? Ou que uma tensão em torno de seu chefe confundisse tanto seus sentimentos? O que estava fazendo com sua vida? Porque raios não havia ficado em San Francisco?

Outro suspiro. Ela sabia a resposta de todas essas perguntas. E era apenas uma. Um forte formigamento dançou por seu estômago e subiu pelo peito. A imagem de Grissom a encarando escapou de seu controle, e novamente se lembrou de como era estar diante sua presença. A verdade simples era que Sara Sidle estava apaixonada por seu supervisor. E que este sentimento nasceu e veio crescendo desde que o conheceu. Eles não eram mais os mesmos de anos atrás, especialmente Grissom. Seus sorrisos já não vinham fácil, e a leveza de seus olhos estava quase completamente extinta. Se ela era uma obcecada por trabalho, ele era o único capaz de superá-la. Toda atenção do supervisor noturno se encontrava voltada para seus insetos e quebra cabeças. Mas será que não valia a pena uma tentativa? Refletindo tudo o que já haviam passado juntos até aquele momento, seria absurdo pensar que ele também pudesse ter algum sentimento guardado por ela?

///

— Você vai ao promotor com um papel e pontos ligados? – questionou Brass, descrente.

— É tudo o que temos, o resto explodiu.

— O cara vai se livrar.

— Vai – Grissom concordou simplesmente.

Uma pausa se seguiu antes de Brass continuar – Já ouviu falar de Sara?

Grissom suspirou enquanto apertou um pouco os olhos com a ponta dos dedos – Sim, Nick me informou do ocorrido mais cedo.

— Você já falou com ela?

Grissom lhe lançou um olhar significativo, já que ambos sabiam como Sara era.

— Você sabe, Gil – o detetive continuou – hoje não foi um dia fácil pra ninguém –

— Irei falar com ela – o tom do supervisor era nitidamente impaciente.

— Faça isso, ela te respeita, e é uma boa garota.

— Ela é uma mulher adulta, Jim.

— Eu sei, eu sei – Brass se defendeu – mas até mesmo os adultos precisam de uma palavrinha de vez em quando.

Sem mais palavras, Grissom meneou a cabeça e saiu para seu escritório.

Há poucas horas, seu local de trabalho havia literalmente explodido, e viu saindo de uma maca um de seus melhores técnicos. Greg era um jovem incrível, com uma personalidade destoante na maior parte das vezes, mas com um futuro brilhante. Grissom não sabia como se sentiria caso o acidente houvesse sido mais sério. E tantos outros se feriram. Sara era um deles. Não tão grave quanto Greg, mas o suficiente para deixá-lo apreensivo com o que poderia ter ocorrido de pior. E depois resolveu que poderia fazer o trabalho policial, mobilizando um suspeito. Como se ele já não tivesse problemas suficientes, ela precisava ser tão imprudente?

Eram tantas as coisas em sua cabeça, que estava difícil manter longe suas dores de cabeça. Greg no hospital, Sara estava se sentindo invencível, o diretor do laboratório pegando no seu pé, sua audição cada vez pior. Estava na hora de fazer algo a respeito dessas coisas – ao menos de algumas delas.

Ao chegar em sua sala, juntou suas coisas para sair, e tomado por um ímpeto de coragem, e antes que desistisse novamente, procurou em seus contatos o número de sua médica para poder fazer uma nova avaliação e dar início ao processo de cirurgia.

“Dr. Karen Roth” Leu Grissom em um de seus papeis. Até que escutou alguém se aproximando e parando no batente de sua porta.

— Tem um minuto? – era Sara.

— Estava de saída – Grissom disse sucinto, não sentindo muita empolgação para conversar naquele momento.

— É, o horário diz que está de folga.

— Estou – ainda com poucas palavras, Grissom retira seus óculos e os guarda dentro de sua jaqueta.

— Eu também.

— Devia estar de licença – tomou cuidado para usar o tom certo de repreensão em suas palavras. Um pequeno sentimento amargo o lembrou de sua conversa com Brass e o comportamento de Sara horas antes.

— Eu estou bem – ela responde em meio a um sorriso, sentindo-se contente por ele parecer preocupado com seu bem estar.

— Teve sorte, e não estou falando da explosão – esclareceu, ainda com o mesmo tom.

— Falou com Brass.

— E Nick.

— Pegamos o cara – justificou.

— Isso é tudo? – Grissom se levantou de onde estava escorado na beirada de sua mesa, recolhendo suas coisas, não pode evitar uma pontada de ironia com Sara. Mesmo sabendo ter se comportado de maneira errada, ela insistia em não admitir.

— Gostaria de ir jantar comigo? – ela disse de uma só vez, antes que a coragem fosse embora.

“De onde veio isso?” Pensou Grissom rapidamente. Toda aquela situação estava começando a ficar estranha. Sara definitivamente não estava se comportando bem naquele dia.

— Não.

— Porque não? Vamos... Jantar e ver o que acontece.

Grissom a encarou desconcertado, entendendo finalmente o ponto que Sara estava fazendo naquela conversa.

— Sara... – ele começa, mas faz uma pausa, tentando encontrar as palavras certas. “Droga” Pensou em meio a um pesado suspiro – Eu não sei o que fazer sobre isso – ele fez um pequeno movimento com os dedos indicando os dois.

Aquelas não eram as melhores palavras, mas eram as mais sinceras. Se havia algo que ele não sabia naquele momento era o que fazer, não somente sobre os dois, mas sobre muitas coisas em sua vida. E sair com Sara, definitivamente, não facilitaria nenhuma delas.

— Eu sei – ela disse enquanto o olhava profundamente. Suas palavras eram baixas, quase como um sussurro. E assim que as ouviu, Grissom sentiu todo o peso da surpresa em como a mulher a sua frente as disse com convicção – Quando você se der conta, pode ser tarde demais.

Ela não disse mais, apenas se virou e saiu. Grissom a seguiu com os olhos, sentindo-se incapaz de qualquer atitude que amenizasse o peso que surgiu naquele momento. Lentamente se aproximou da porta e apagou a luz de seu escritório. Sua vida estava uma bagunça, e nada melhor do que mais um pouco de Sara para lhe tirar o sono e encorpar as dores de cabeça. Mas havia algo mais urgente, e sua audição não podia mais esperar.

 

Tudo o que muda a vida vem quieto no escuro, sem preparos de avisar.”

 João Guimarães Rosa


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