Ruptura escrita por Sweet Winter


Capítulo 18
Quando você retorna a um antigo pesadelo


Notas iniciais do capítulo

Escrevi esse capítulo ouvindo "The Vampire Masquerade" de Peter Gundry, então fica aqui a recomendação



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Quando era mais nova, Ariadne acreditava que haviam poucas coisas no mundo que a assustavam. Uma delas era o rato que se escondia embaixo de sua cama toda noite, ela o temia mais do que os barulhos assustadores dos trovões durante as tempestades.

Havia implorado aos empregados e até mesmo aos guardas para capturarem o bicho horrendo, mas nunca conseguiam achá-lo. Vasculhavam o quarto inteiro para no final chegar a mesma conclusão de que não havia um único vestígio do rato. Porém Ariadne sabia que ele estava lá, vinha durante a noite, podia ouvir seus guinchados e barulho de patas correndo pelo quarto.

Aquilo tirou seu sono por muito tempo, dormir havia se tornado uma tortura, pois sabia que assim que fechasse os olhos ele subiria em cima de si e arranharia seu rosto.

Com o tempo, a história do rato acabou sendo esquecida, o medo se foi de uma maneira bem simples: sendo substituído por algo maior.

Depois que seus pais se foram, o que passou a tirar seu sono foi o peso da coroa sobre a sua cabeça. Ela podia o sentir, esmagando seu crânio e cérebro até amassarem.

O rato e os trovões se tornaram passado e, depois de presenciar as sombras, a coroa também acabou esquecida.

Mas agora, de frente para o trono mais uma vez, Ariadne sentia que havia voltado no tempo.

Era como se nada tivesse mudado desde a última vez em que havia estado lá, como se nunca tivesse tido um surto e atacado a todos e as sombras nunca tivessem invadido o castelo. O salão suntuoso demonstrava toda a sua majestosidade de sempre, uma aparência inabalável.

Os empregados e nobres passavam por ela sem sequer dar um olhar para a garota, que por sua vez permanecia indiferente àquelas pessoas, como se estivessem no mesmo lugar, porém em planos diferentes.

“Qual é o propósito disso?”, pensou com uma expressão melancólica para todas aquelas riquezas que por muito tempo ficaram em suas mãos. Afinal, havia algum ponto em voltar para uma vida que havia deixado para trás sem pensar duas vezes? Preferia continuar perdida, em um tempo e espaço desconhecidos, procurando algo que nem sabia o que era. Talvez fosse melhor assim, uma busca inalcançável era mais reconfortante do que viver conformada com algo que a mataria por dentro.

Olhou para baixo, percebendo só agora que suas roupas foram substituídas pelas vestes reais. Um vestido longo, de cor dourada com pequenos detalhes em fios de ouro, além do cabelo perfeitamente arrumado em um penteado mirabolante e finalizado com enfeites de cabelo feitos com as pedras mais preciosas e brilhantes.

Tudo aquilo pesava, a roupa, os enfeites, o cabelo… Era como se vestisse uma tonelada de coisas inúteis que apenas a tornariam mais lenta.

Mas só naquele momento percebeu o quanto carregava um peso desnecessário em seu corpo.

Uma mulher passou correndo por si, desesperada e chorando como se o mundo tivesse desmoronado. Ariadne a observou com curiosidade, por algum motivo ela era a única que havia chamado a sua atenção em meio ao seu estado de inércia.

E então ela percebeu, aquele rosto delicado e ao mesmo tempo elegante era familiar demais. Aquela era a sua mãe. Ou ao menos quem ela foi antes de morrer.

Ariadne seguiu a mulher, que havia parado em um dos inúmeros corredores, jogada no chão em desalento enquanto chorava repetidamente. Perguntava-se o que havia acontecido de tão ruim para que ficasse nesse estado, quando duas damas de companhia chegaram para consolá-la.

— Vossa Majestade, por favor, não chore, o seu rosto… — dizia uma delas tentando limpar suas lágrimas com um lenço.

— Ele não me quer mais! Vai me descartar! — dizia a rainha em meio aos soluços.

— Vossa Majestade, não estou entendendo, o que houve? — perguntou a outra dama de companhia, que segurava seu ombro como uma forma de transmitir conforto.

A rainha engoliu o choro por um momento, encarando o nada com raiva, quando falou:

— Ele me disse que sou uma inválida, uma incapaz! Tudo porque não consigo lhe dar um segundo filho. — Seu tom de voz, ao mesmo tempo que era triste, mostrava um ressentimento guardado bem no fundo de sua garganta, que poucos poderiam ouvir com clareza. Exceto por Ariadne, que conhecia muito bem sua própria mãe. — Ele me disse que deveria ter escolhido uma esposa que ao menos fosse mais fértil.

— Quem disse, Vossa Majestade?

— Quem mais seria?! — explodiu, cuspindo as palavras na cara da pobre dama de companhia que não tinha culpa de nada. — O rei! É claro! O fiel marido que odeia a própria esposa!

Ariadne não se recordava daquele acontecimento, nunca havia visto a mãe tão abalada ou uma discussão séria como aquela ocorrer entre os dois. Franziu as sobrancelhas, se perguntando o que mais havia deixado de notar pelos cômodos enormes daquele castelo.

A rainha voltou a chorar enquanto as damas de companhia a consolavam naquele chão frio e sujo, até a cena gradativamente desaparecer diante dos olhos da jovem.

Era de noite e trovejava. A chuva caía forte do lado de fora, dando a impressão de que inundaria todo o reino. Ou era o que Ariadne achava enquanto observava as gotas de água da janela de seu quarto.

Estava hipnotizada, pelo som da chuva e dos trovões, acompanhados daquele cheiro melancólico que emanavam. Toda vez que olhava para a chuva, um sentimento não familiar a atingia, algo sombrio que costumava afastar do seu dia a dia, mas que naqueles momentos não conseguia evitar. Era um anúncio, o prelúdio de algo que estava por vir, talvez o fim do mundo ou o sangue derramado de alguém.

Não sabia, apenas sabia que aqueles pensamentos se libertavam de dentro de si quando a chuva vinha.

Assim que ela passaria a noite, assistindo a tempestade do lado de fora e refletindo sobre coisas das quais não se lembraria depois, se não tivesse ouvido o barulho alto dos corredores.

Primeiro se assustou, pensando que estavam sendo atacados, mas logo afastou esse pensamento ao constatar que aquilo não parecia nada com um ataque ao castelo, nesses casos o alvoroço seria maior. Então decidiu sair do quarto e dar uma espiada no corredor, com curiosidade.

Era sua mãe, que atravessava o corredor sozinha e acabou derrubando um jarro no meio do caminho. Ela parecia desembestada, cega pela raiva.

Ariadne a seguiu em silêncio, querendo saber o que havia acontecido. Viu quando ela entrou nos aposentos do rei e da rainha, batendo a porta com tanta força que ela voltou e deixou apenas uma fresta aberta.

Ariadne espiou.

— Como você pode?! Como foi capaz de fazer isso comigo?! — ela gritou para o rei, que a encarava sem expressão, como se já esperasse por aquele momento. — Desonrou não apenas a mim, mas à sua família!

— Mulher, segure a própria língua antes de se dirigir assim ao seu rei! — ele gritou de volta. — Eu não te devo nada, nunca devi, ao contrário de você que só serve para reclamar nos meus ouvidos o dia inteiro!

A jovem Ariadne não sabia do que se tratava, nunca havia visto uma cena como aquela, mas sabia pelas expressões dos pais que aquilo era sério.

— Você…! — A rainha estava tão ofendida que não conseguia encontrar palavras para expressar tudo o que sentia naquele instante. — Eu te dei tudo o que eu tinha, as riquezas da minha família, meu carinho, uma filha! Até mesmo meu corpo! — As lágrimas surgiram em seus bonitos e tristes olhos. — Mas eu nunca fui suficiente para você, nunca. Você me considera tão pouco assim?

O rei se aproximou para dizer em voz mais baixa, porém Ariadne ainda conseguia escutar da distância em que estava.

— Você sempre foi uma insignificante que me fez perder tempo de vida cuidando de ti e seus luxos. Nunca deveria ter me casado contigo.

— E por isso precisou ter me traído com uma prostituta?! — a rainha voltou a gritar em um acesso de fúria. — Eu fiquei sabendo apenas através de um empregado, você nem ao menos teve a dignidade de ser sincero comigo?! O que o reino irá pensar quando descobrir?! Que sou casada com um traste que não respeita a própria família?!

Um tapa ecoou no quarto. A rainha caiu sentada no chão por causa do impacto, Ariadne virou os olhos para o lado, chocada demais com a cena para continuar observando.

— Quem você pensa que é para falar assim comigo?! Uma mulherzinha estúpida como você nunca terá o direito de erguer o tom de voz assim com o seu rei! — Outro tapa, acompanhado do grito desesperado e do choro da rainha, que havia perdido toda a sua postura elegante naquele momento. — Você acha que fez muito por mim?! Tudo o que fez foi me dar uma filha inútil e mimada como você, uma imprestável que vai acabar nesse mesmo estado deplorável!

Ariadne podia se surpreender muito ao presenciar uma briga tão forte entre seus pais, afinal mesmo que não fossem tão próximos, o sentimento entre eles nunca parecia ser de ódio, ao menos se respeitavam, era o que pensava. Mas ouvir algo assim sobre ela vindo da boca de seu próprio pai lhe causava algo mais forte que surpresa. Era dor.

— Vou jogar vocês duas em uma vala! Vou dá-las de comer aos porcos, ao menos assim terão alguma utilidade! — Os tabefes continuavam a medida que falava, enquanto a rainha se esperneava, tentando se soltar do aperto ou ao menos revidar. — Ou melhor, vou mandá-las para a forca! Por traição ao rei!

O peito de Ariadne doía tão forte que não conseguia respirar direito, sua visão se tornava turva e aquele sentimento ruim voltava. Não aguentava mais ouvir aquilo, precisava fazer alguma coisa para parar aquela dor.

Precisava fazer algo.

Não havia percebido quando, nem sabia como aconteceu, apenas sabia que quando abriu os olhos estava dentro do quarto, com uma adaga ensanguentada em mãos e o corpo do rei caído ao seu lado.

Ao perceber a cena ao redor, rapidamente largou a adaga assustada. Olhou ao redor, procurando o culpado para aquela bagunça, no entanto só encontrou a sua mãe desmaiada no outro canto do quarto.

Correu até ela, a sacudindo e chamando, mas ela não levantava, permanecia imóvel. Seu pai por outro lado, possuía múltiplos ferimentos no peito, principalmente, e em outras partes do corpo.

Ariadne olhou para as próprias mãos, percebendo que estavam manchadas de sangue, assim como seu vestido de tecidos finos. Tentou se esfregar os braços para se limpar, mas todo aquele sangue parecia impregnado na pele e nas roupas.

Desesperada e sem entender o que estava acontecendo, começou a gritar por ajuda. Em poucos segundos vários dos empregados e guardas do castelo chegaram, presenciando uma cena aterrorizante. Eles se entreolharam confusos e assustados, depois para Ariadne que continuava a gritar.

Foi preciso um tempo para todos assimilarem o que aconteceu. Fizeram perguntas para a jovem princesa, tentando ser o mais delicados possível com o estado de trauma em que ela se encontrava, ao mesmo tempo em que buscavam entender o acontecido repentino, mas tudo o que receberam foi a resposta de que ela não se lembrava de nada, apenas de que ouviu um barulho estranho do corredor e, quando percebeu, estava no quarto vendo seus pais mortos.

No fim, o veredito foi de que o rei e a rainha foram assassinados na calada da noite por um reino inimigo. O rei foi esfaqueado inúmeras vezes, num claro ataque de vingança e ódio, enquanto que a rainha, ao presenciar seu próprio marido ser morto, desmaiou de tristeza e seu coração se desfaleceu na mesma hora.

Foi essa a história repassada para o povo, chocado demais com a morte da sua majestade, e foi nisso que Ariadne acreditou por tanto tempo enquanto era coroada a nova rainha.

Mas ela deveria saber que aquela sensação que vinha junto com a chuva não era apenas melancolia. Aquele formigamento nas mãos quando segurava uma arma não era apenas ansiedade. Havia algo a mais em seu corpo quando reagia à lembrança da morte do rei, do sangue em suas mãos.

Não era apenas dor o que sentiu naquela noite.

Era ódio.


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