Ruptura escrita por Sweet Winter


Capítulo 17
Quando o silêncio te aflige


Notas iniciais do capítulo

Mais um só pra compensar o tempo sem capítulos



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/798558/chapter/17

Quando Helena acordou, não estava mais na casa daquela senhora. Com certeza estava bem longe e sozinha. Completamente sozinha.

A primeira coisa que fez quando acordou foi procurar por Ariadne, mas parecia que haviam sido separadas. Não fazia ideia de onde ela mesma estava, quanto mais a outra garota.

Com um pouco de dificuldade se levantou, sentindo o corpo inteiro doer como se tivesse levado uma surra. Ainda estava um pouco zonza, talvez o efeito do que foi posto na comida para elas ainda não tivesse passado por completo.

Definitivamente não conhecia aquele lugar, era deserto e frio. O chão era de uma cor cinzenta, talvez fosse areia? Terra? Helena não tinha certeza, possuía uma textura estranha que nunca havia sentido antes. No céu, apenas uma lua grande, pairando silenciosa, se destacava em meio a negritude.

“Que lugar mórbido”, foi o que pensou. Não gostava da sensação que estar ali lhe trazia, sentia-se vulnerável, observada.

Chamou por Ariadne, na esperança de que ela estivesse por perto, mas não conseguia ouvir a própria voz. Tinha certeza de ainda conseguia falar normalmente, porém o som simplesmente não ressoava ali.

Era tão silencioso que lhe causava angústia.

Andou mais um pouco, sentindo seus passos pesados. Observou que o chão era infinitamente plano, não haviam montanhas, árvores, nem mesmo um sinal de vida. Poderia vagar por ali para sempre que continuaria a se deparar apenas com o nada.

Helena sentia como se a lua estivesse a observando, guardando intenções obscuras, fazendo-a se sentir cada vez mais nervosa. Até mesmo respirar estava se tornando difícil.

Caiu no chão, tentando controlar seus próprios sentimentos que apenas cresciam e a sufocavam. Se encolheu até sua cabeça tocar seus joelhos, repetindo para si mesma que estava tudo bem e que deveria se acalmar.

“1, 2, 3, 4…”, começou a contar, tentando se concentrar nos números para esquecer a sensação ruim que fazia seus ossos gelarem e seu corpo suar frio. Fechou os olhos com força, repetindo a contagem do 1 até o 10 inúmeras vezes.

Um estrondo alto, como um tambor, fez seus ouvidos doerem. Levantou a cabeça na mesma hora, surpresa, procurando a origem do som.

O barulho se repetiu várias vezes, de modo ritmado, como o prelúdio de algo grande.

Helena se pôs de pé novamente, limpando as lágrimas no rosto que só agora percebeu que estavam escorrendo. O estrondo parecia estar vindo de todas as direções, tornando difícil descobrir do que se tratava.

Na verdade era mais como se viesse de debaixo do chão, sob seus pés, enviando ondas sonoras por todo seu corpo até ressoar dentro de si. Apenas aumentava, fazendo-a tremer com o impacto.

Como se algo se aproximasse.

Sem esperar mais, Helena correu. Mesmo que estivesse se sentindo mais pesada ali, correu usando de toda sua energia e força, enquanto o estrondo seguia atrás dela.

Um som rasgante semelhante a uma risada estridente se fez presente à sua direita, sumindo no ar em seguida, como se Helena apenas tivesse passado correndo por ela. A risada surgia e desaparecia diversas vezes, aumentando cada vez mais, como se um público invisível estivesse caçoando dela.

Se tornavam cada vez mais altas, fazendo seus ouvidos sangrarem. Helena tentou tampá-los para não ouvir mais, porém era como se infiltrasse por baixo de suas mãos, lhe alertando que não havia como se esconder.

De súbito, Helena tropeçou nos próprios pés e caiu de maneira estúpida, com a cara no chão. Tentou se levantar, mas seu corpo estava incrivelmente pesado, como se pesasse o mesmo que uma rocha grande.

Sentiu algo segurar o seu pé, puxando-a para trás, arrastando Helena pelo chão, que tentava desesperadamente segurar em algo, enquanto os estrondos atrás de si ficavam mais próximos.

As lágrimas escorreram mais uma vez e tentou gritar, com todo o fôlego que tinha, mas apenas o silêncio se fazia presente.

Você não pode escapar da sua sina.

Uma voz sussurrou para ela em meio ao seu desespero.

Helena parou, sentindo o ar escapar de seus pulmões, e, em uma respiração, não estava mais ali.

Estava sentada na sua cama, ou aquela que era sua cama, há muitos anos. Não estava fazendo nada, estava apenas parada enquanto ouvia do lado de fora do quarto seus pais discutindo.

Não conseguia discernir o que falavam, estava muito concentrada em um desenho pendurado na parede à sua frente. Ele possuía rabiscos infantis, havia sido feito por ela há muito tempo, quando ainda estava aprendendo a escrever. Helena naquela época talvez tivesse uma ideia muito clara do que estava desenhando, mas olhando para aquela folha agora se perguntava o que queria tanto dizer com aqueles traços pretos fortes, acompanhados da sensação ruim que olhar para aqueles desenho sempre lhe trazia.

Não sabia, toda vez que olhava para o pedaço de papel, ganhava um novo significado. Seria uma espécie de aviso, dado do seu eu passado para o seu eu futuro? Deveria estar se lembrando de algo importante?

Foi puxada de seus pensamentos quando sua mãe apareceu no quarto, com lágrimas nos olhos lhe dizendo para arrumar suas malas. Ela parecia arrasada, Helena não entendia por que.

Ela lhe disse algo sobre precisarem ir embora o mais rápido possível, antes que sua cidade virasse uma zona de guerra, porém não conseguiu ouvir o resto antes de ser arrastada para outro cenário.

O lugar parecia um laboratório, as luzes que iam do rosa até o roxo faziam seus olhos doerem. Várias pessoas de jaleco passavam por ela enquanto estava amarrada no que devia ser uma maca. Não podia falar, nem se mexer, apenas observar.

Aquelas pessoas murmuravam coisas entre si, usando equipamentos que com certeza eram mais avançados do que aqueles que Helena conhecia. Entre as conversas, podia distinguir algumas falas sobre sinais de saúde impressionantes, outros sobre como deveriam reaproveitar um corpo tão bom, e coisas do gênero.

Até que um homem, de óculos quadrados e cabelos grisalhos em meio aos castanhos, se aproximou dela, falando:

— Será rápido e indolor, não se preocupe, quando perceber já terá apagado.

Helena não sabia por que, mas sentiu vontade de mandar aquele cara ir se foder. Porém, sem conseguir se mexer, apenas ficou quieta enquanto espetavam uma agulha no seu braço, sentindo-se pesada e sonolenta, o mundo ao seu redor escurecendo pouco a pouco.

Quando acordou estava na escola, a dos refugiados. Sua cabeça deitada sobre os braços cruzados na carteira se levantou subitamente quando ouviu a professora chamar seu nome repetidas vezes. Todos na sala a observavam, em silêncio com olhares julgadores.

A professora disse algo sobre Helena precisar de mais responsabilidade em sala de aula e que deveria dormir em casa, porém a garota não deu atenção a nada daquilo, focada demais no borrão escuro que crescia nos rostos daquelas pessoas. Ninguém parecia perceber o mesmo, mas Helena via mais do que as pessoas comuns.

Os borrões cresceram até preencher todo o seu campo de visão e ela ser deixada em meio a uma escuridão infinita.

Você nunca foi como eles, Helena.

Era aquela voz novamente, falando com ela. Não sabia o que tanto queria dizer, mas lhe causava um calafrio estranho.

Você sempre foi diferente.

Tentou se mexer, mas seus pés estavam presos ao chão. Ou melhor, algo os segurava no lugar.

Sabe por quê?

“Por quê?”, era o que ecoava na mente de Helena, foi a pergunta que mais a torturou durante sua vida inteira. Por que não conseguia ser como as outras pessoas? Por que via coisas que mais ninguém conseguia enxergar? Por que passou a vida tentando encontrar uma resposta para uma pergunta desconhecida?

Tantos anos sendo torturada por algo, um sussurro que vinha à noite lhe assombrar, se infiltrando entre suas cobertas até chegar em seus ouvidos, alertando sobre um acontecimento que passava os dias temendo que chegasse.

Por quê?

Porque o seu destino está atado ao meu.

Helena foi puxada para baixo, caindo na escuridão até seu corpo aterrissar com um baque no chão de componente desconhecido. Estava de volta ao mesmo lugar, os estrondos atrás de si continuavam, mas a risada e a força invisível que segurava seu pé haviam desaparecido.

Se levantou com dificuldade, apoiando as mãos no chão para impulsionar o corpo. Quando se pôs de pé, voltou a correr, mancando como se houvesse machucado o pé, o que a deixava ainda mais lenta.

“Eu não vou conseguir”, pensou em derrota. Podia sentir que o que estava a seguindo estava ainda mais próximo, a ponto de enviar tremores por todo o seu corpo.

Não tinha escapatória, estava logo abaixo dela e iria devorá-la.

Um buraco se abriu abaixo de si, como se o chão estivesse cedendo de uma vez só. Não havia como Helena escapar, não seria rápida o suficiente.

O que estava abaixo de si seria o seu maior pesadelo, uma criatura cheia de dentes e olhos prestes a arrancar toda a sanidade de seu corpo. Não importava o que fizesse, iria a engolir e mastigar, destroçar até mesmo o seu espírito.

Estava a puxando cada vez mais, como uma força gravitacional da qual nunca conseguiria escapar. Helena sabia, no momento em que olhou para baixo, que aquela luta estava perdida.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Ruptura" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.