Ruptura escrita por Sweet Winter


Capítulo 19
Quando você está procurando por um objetivo




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— Hum, desculpe, mas qual é o seu nome? — perguntou Anna, olhando intrigada e confusa para a garota à sua frente.

— Alexia. — Ela não deu tanta atenção ao diálogo, parecendo mais intrigada com a chuva no momento.

— Prazer, Anna — se apresentou rapidamente. — Por acaso você viu uma garota exatamente igual a nós e segurando uma espada passar por aqui?

Alexia virou a cabeça para ela de súbito, agora interessada de verdade no que ela dizia.

— Como? Você conhece a Harian? — questionou. — Espera, você é a pessoa que ela foi encontrar, não é? Por que ela não está contigo? O que aconteceu?

— Calma — pediu Anna. — Eu também não sei, fomos parar em um lugar estranho e fomos atacadas por aquelas sombras, as… Como ela chamou mesmo?

— As bruxas? — Alexia demonstrava nervosismo.

— Isso! As bruxas nos atacaram, então Harian pediu para que eu ficasse em um lugar seguro enquanto ela ia atrás delas, mas ela desapareceu.

— Desapareceu? Simples assim? Tipo “puff”? — Alexia fez um gesto com as mãos para se expressar.

— Eu não tenho certeza do que “puff” quer dizer, só sei que não encontrei mais ela, ela pode ter se perdido em outro lugar, se ferido ou até mesmo nos abandonado, sei lá. — Anna chutou uma pedrinha no chão com frustração.

— Não, ela não faria isso. — Alexia titubeou. — Pelo menos eu acho, né.

— Não importa agora, precisamos… — Anna cortou a frase ao meio, olhando para o céu coberto de nuvens cinzentas com dúvida. — Do que precisamos? — murmurou.

Alexia também não tinha uma resposta certa, até o momento estava apenas esperando Harian voltar para lhe dizer qual era o próximo passo.

— Eu não sei, voltar agora não parece mais uma opção, meu mundo basicamente se desfez em pedaços. — Era tanta informação para processar, que apenas agora Alexia se deu conta do que aconteceu. — É, acho que não vou mais ver meus pais e minha avó. Gostaria de pelo menos ter me despedido.

Anna bufou.

— Não é hora de chorar por isso agora, vamos achar um jeito de reverter essa situação. — Passou as mãos no cabelo, tentando raciocinar todos os acontecimentos e extrair algo útil disso.

Alexia olhou para a garota, se perguntando quem diabos aquela colegial pensava que era.

— Você não sabe e eu também não, o fato é que estamos todas perdidas — disse. — Na verdade, a maior parte disso não faz sentido. Por que somos as únicas que não foram afetadas pelo desmoronamento dos mundos ou o que quer que isso seja? — Balançou os braços de forma exasperada.

Anna ficou em silêncio. Aquilo era verdade, era estranho que seu universo tivesse se desmanchado na sua frente, mas ela ainda estivesse inteira e bem - ou o máximo que podia ficar.

— Aliás, Harian consegue fazer aquele negócio de passar pelas aberturas, se somos basicamente cópias umas das outras, por que não conseguimos fazer o mesmo? — Alexia parou para pensar. — Espera, se Harian não estava contigo, como você chegou até aqui sozinha?

— Bem… — Anna ficava desconfortável só de lembrar da sombra falando em seu ouvido e das memórias que reviveu. — Eu estava em uma situação ruim e tudo o que eu mais queria era sair dali, então, quando percebi, vim parar nesse lugar.

— Que estranho. — Alexia olhava para a garota de uniforme escolar com curiosidade. — Consegue repetir?

Anna se concentrou, fechando os olhos e pensando em qualquer coisa. Mas nada lhe vinha na mente e nada acontecia, apenas continuava no mesmo lugar.

— Não. Eu estava em um momento bem desesperador, talvez isso tenha influenciado.

— Harian parece fazer isso tão fácil — resmungou Alexia. — Tudo bem, talvez possamos encontrar algo de interessante por aqui. — Olhou para cima com uma expressão incomodada. — Aliás, por que aqui chove tanto, mas onde eu estava antes o céu estava limpo?

— Como é? — Anna ficou confusa.

— Vem. — Alexia simplesmente andou para dentro da floresta. Sem escolhas, Anna a seguiu.

Quando se embrenharam entre as árvores de folhas vermelhas, de repente ficou claro o que ela queria dizer. Enquanto estava na estrada, a água não parava de cair nem por um segundo, tanto que agora estavam ensopadas, porém quanto mais a fundo iam na floresta, mais seco o ar ficava.

— Harian me deixou aqui antes de sumir porque disse que ouviu alguém gritar — explicou Alexia.

— Oh! — Anna se lembrou de algo quando olhou ao redor. — Nós passamos por esse lugar antes, mas Harian deve ter calculado errado e por isso fomos parar na estrada, ao invés de ir direto para onde você estava, por isso ela pensou que era o local errado.

Caminharam pela floresta em silêncio, perceberam que quanto mais fundo iam, uma névoa branca se densava cada vez mais, apenas as folhas de um vermelho vivo se destacavam no cenário.

Anna apertou os olhos, tentando enxergar melhor para encontrar algo útil no caminho ao mesmo tempo em que tomava cuidado para não tropeçar em nada no chão. Era uma tarefa difícil, principalmente quando a dor nas suas mãos, que ainda estavam em carne viva, a distraía.

De repente, Alexia se lembrou de algo, puxou a arma da cintura e, mexendo em algo na lateral dela que Anna não conseguiu ver, ligou a luz que vinha de uma fonte discreta do objeto, mas que ainda assim conseguia iluminar muito bem. Assim, mesmo que não pudessem dispersar a névoa, poderiam enxergar um pouco melhor.

— Parece ser uma arma muito avançada — observou Anna. — Onde conseguiu uma dessas?

— Eu trabalho como policial — respondeu. — Faz tanto tempo que não preciso usar uma arma que me esqueci que elas vêm acompanhadas de uma lanterna. — Riu lembrando de quando ainda reclamava do tédio que era atender ocorrências comuns. Agora quase sentia falta disso.

— No meu mundo existem várias armas desse tipo, com mais de uma função, mas nenhuma nesse modelo. Por isso fiquei curiosa.

— Você não deveria ser tão interessada em armas. — Alexia franziu a testa. — Você é uma estudante, certo? Não deve passar do Ensino Médio, então deve ser nova ainda. Você deveria focar em coisas mais importantes.

Era a primeira vez que Anna ouvia algo assim de qualquer pessoa, então ficou tão surpresa que não sabia se deveria se sentir bem com isso ou não. Nunca haviam a tratado como apenas uma estudante normal.

— Meu pai criou uma empresa que fornece armamentos ao governo. Então eu escuto bastante sobre isso — explicou Anna por fim, ganhando a atenção curiosa de Alexia. — A empresa de meu pai foi a responsável por inovar nesse ramo, assim acabando com uma guerra que iria destruir nosso país. Vencemos a guerra e meu pai enriqueceu o suficiente para sustentar as próximas gerações da família.

— Puxa… — Alexia ficou sem palavras. — E o que aconteceu com, você sabe, o inimigo?

— O outro país? — Anna fez uma careta. — Ninguém gosta de falar disso.

— Ah…

— E só para você saber, eu não estou no Ensino Médio, já passei dele no ano passado, apenas estou frequentando os estudos complementares — ela falou.

— Nossa, me desculpe se isso te ofendeu. Mil perdões. — Alexia revirou os olhos, a ironia bem óbvia em sua voz.

Enquanto conversavam, Anna se distraiu e tropeçou em algo no chão, quase caindo se não tivesse segurado em uma árvore. Soltou um som de dor quando sentiu o contato da casca contra a sua mão machucada.

— O que aconteceu? — Apenas agora Alexia notava o sangue que escorria lentamente. — Como você se machucou?

— Acho que eu fui pega numa maldição — respondeu sem explicar mais. — Não importa, eu vou ficar bem.

— Deveria lavar isso. Desinfetar, sei lá, pode infeccionar.

— Bom, você não está vendo nenhum kit de primeiros socorros ao redor, está? — Anna revirou os olhos.

— Espere aí — pediu Alexia que começou a mexer em uma pequena bolsa acoplada ao cinto. De lá ela tirou um cubo azul, que com três toques se expandiu e virou uma caixa com remédios e bandagens dentro.

Aquilo calou a boca de Anna.

— Vem. — Alexia sentou no chão, puxando Anna junto para que pudesse analisar melhor os ferimentos. — No treinamento policial eles ensinam sobre primeiros socorro, por isso temos que sempre estar preparados.

Ela pegou uma garrafa de água que estava no fundo da caixa e jogou sobre as mãos dela para limpar um pouco da sujeira, em seguida aplicou uma pomada antibiótica, ao que Anna fez uma careta de dor com o contato, mas não reclamou. Quando terminou enfaixou as duas mãos corretamente, com muita paciência.

No fundo Anna se sentia mal por isso, afinal Alexia estava sendo legal a ajudando, enquanto que ela apenas havia se comportado como uma criança mal-educada.

— Hum. Obrigada — disse apenas.

— De nada.

Alexia estancou no lugar subitamente, quando ouviu um barulho de folhas se mexendo. Ela levantou um braço para parar Anna que, distraída, não percebeu o que estava acontecendo.

— Quê? — perguntou perdida.

A outra fez um sinal de silêncio, andando lentamente na direção do som. O barulho se fez presente mais uma vez e, então, algo pulou por cima delas na direção das árvores. Não conseguiram distinguir a silhueta, apenas um borrão preto que sumiu em meio ao vermelho.

— O que foi isso?! — Anna estava alarmada, olhando ao redor com medo de que houvessem mais daquelas coisas por ali.

— Deve ser algum animal — respondeu Alexia. — É melhor tomarmos cuidado, não sabemos o que podemos encontrar nesse lugar.

Anna assentiu em concordância, mantendo-se grudada em Alexia durante o caminho inteiro. Se ficasse sozinha mais uma vez em outro local desconhecido, não sabia o que faria.

Apenas pararam novamente quando se depararam com uma descida do terreno para um campo aberto onde parecia haver uma vila. A névoa ali era um pouco mais escassa, então conseguiam enxergar melhor à frente.

— Acho que deveríamos ir lá — disse Alexia.

Para ser sincera, Anna ainda estava um pouco traumatizada com a cidade fantasma, então ela hesitou.

— Espere, não sabemos o que tem lá — falou.

— Só vamos saber se descobrirmos. — Alexia já estava há alguns metros de distância, descendo o baixo morro que o chão formava. — Se você quiser ficar aí sozinha com animais possivelmente perigosos, por mim tudo bem.

Anna revirou os olhos, por fim seguiu a garota.

A vila possuía casas simples e bem feitas, nada surpreendente, mas parecia ser um bom lugar para morar. Porém estava vazia, não havia uma única alma viva andando pelo lugar.

— Parece a casa da minha vó — comentou Alexia olhando para uma das residências. — Ela também morava na floresta, que nem essas pessoas. Queria saber o que aconteceu com aquela velha.

Anna a olhou de lado com uma sobrancelha levantada.

— Provavelmente o mesmo que essas pessoas também. Sumiu.

Ao menos as portas dessas casas não estavam seladas, na verdade não estavam nem trancadas, com apenas um empurrão leve Alexia foi capaz de abrir uma delas e entrar.

A palavra certa para descrever o lugar era aconchegante, havia uma lareira em uma parede, um sofá cinzento de frente para ela, com uma mesinha de centro onde estava repousado uma caneca de café, alguns livros e um vaso de planta. Do outro lado havia uma enorme estante cheia de livros e uma escada que levava para o andar de cima.

Comparando com o que viu antes, Anna se sentia aliviada demais por estar em um lugar que não lhe causasse arrepios, mas ainda se sentia receosa de ir mais a fundo na casa. O contrário de Alexia, que já estava mexendo em tudo.

Ela subiu até o segundo andar, enquanto Anna não se atreveu a segui-la, preferindo ficar embaixo mesmo. Estava um pouco traumatizada com casas de dois andares.

Quando Alexia voltou, disse que só encontrou quartos e um banheiro, além de uma sacada com uma vista bonita.

— Os pertences de quem morava aqui ainda estão na casa, o que significa que não saíram por conta própria. Considerando que esse café na mesa está gelado, eles devem ter sumido faz tempo — concluiu.

— Genial, você precisou de um treinamento policial para descobrir algo tão óbvio? — Anna comentou com sarcasmo.

Alexia lançou-lhe um olhar de aborrecimento.

— Sabe, você é uma pessoa muito chata, mas é difícil te odiar quando você tem o meu rosto — disse.

— Poxa, quanto amor próprio. — Anna virou-se para sair da casa.

Quando estava longe, ouviu Alexia a chamar, correndo até ela:

— Espere!

— O quê?! — Anna voltou-se bruscamente para a outra. — Eu sei que você pensa que estou agindo de forma insuportável, mas eu acabei de passar por uma experiência horrível e não paro de encontrar pessoas exatamente iguais a mim que estão saindo de qualquer buraco, além de ter uma voz sombria que me segue e parece que quer me matar, então, por favor, me deixe ser insuportável em paz!

Alexia passou a mão na nuca de forma embaraçada.

— Eu só ia perguntar se está com fome. Eu achei comida na casa.

Anna suspirou, encarando a garota na sua frente que com certeza não tinha culpa de nada para receber esse discurso explosivo tão de repente.

— Certo — disse apenas, decidindo acompanhar a outra de volta para onde estavam.

Os armários estavam cheios de comidas que pareciam saborosas, especialmente quando quem as olhava estava há quase um dia inteiro sem comer nada.

Anna comeu como se o mundo fosse acabar em pouco tempo - o que realmente estava acontecendo. Não havia percebido que estava com tanta fome até sentir o cheiro da comida.

— Então… — começou Alexia. — Tem mesmo uma voz te seguindo?

— Eu achava que era apenas uma voz. — Lambeu os dedos sujos de farelo em meio à frase. — Mas Harian me explicou que na verdade eram as bruxas e que elas estão vindo atrás de mim. — Parou para refletir. — Na verdade, acho que estão vindo atrás de todas nós.

— Nós? Você quer dizer… — Alexia apontou para as duas e depois fez um gesto amplo com as mãos — …nós?

— É, nós, eu, você, Harian e qualquer outra garota que seja igual a nós.

— Ah. Então, nós.

— Pare de me confundir! — Anna ralhou. — Eu não consigo explicar melhor o que somos, mas você consegue me entender.

— Segundo aquele homem doido que eu encontrei, nós somos versões uma da outra que vieram de universos diferentes — explicou Alexia, se lembrando do acontecido na delegacia. A outra garota nem quis questionar de quem ela estava falando. — Basicamente, eu sou um você que veio de um mundo diferente, e você é um eu que veio de outro mundo. Assim como Harian é um nós que veio de um terceiro mundo.

— Por favor, pare de falar “nós” — resmungou Anna, dando uma mordida em um bolinho em seguida, quando ela percebeu algo. — Espere, a teoria sobre universos alternativos não diz que um universo deriva de um caminho alternativo criado por outro? Isso não significa que um deles deve ser o original?

Aquilo deu um nó bonito na cabeça de Alexia, mas ela entendeu o que ela queria dizer.

— Bom, acho que sim, mas isso implicaria que uma de nós seria a original… — seu tom de voz foi diminuindo o ritmo enquanto falava.

— …e as outras seriam apenas cópias — completou Anna.

O silêncio se instalou no lugar.

Aquilo com certeza assombraria Anna, pois se fosse mesmo verdade, não tornaria tudo o que ela viveu e fez em apenas algo sem sentido? Implicaria que ela era falsa, uma simples imitação de outra pessoa. E o mundo dela? As pessoas que passaram pela sua vida? O que eles eram, afinal?

— Não deveríamos pensar nisso — disse Alexia, cortando seus devaneios. — Vamos apenas terminar de comer e dar o fora daqui.

— Mas para onde? — Anna permanecia encarando a mesa à sua frente, apesar de estar conversando normalmente com a garota, sua mente ainda vagava por lugares perigosos.

— Acho que deveríamos nos focar em procurar Harian, já que ela parece ser a única pessoa que entende essa situação. — Fez uma pausa, para murmurar em seguida: — Difícil é saber onde ela está.

— Você está pensando nisso? — Anna de repente se virou para ela. — Estou preocupada se sequer vamos conseguir sair daqui.

— Certo, certo, não deve ser tão difícil usar uma abertura. — Alexia apoiou o cotovelo na mesa e a cabeça em cima da mão. — Será que tem algo a mais que precisamos fazer para nos transportar? Talvez um lugar específico?

— Talvez devessemos apenas esperar — disse Anna se encostando na cadeira. — Esse lugar também não é tão ruim.

— Eu não contaria com isso. As aparências enganam, Anna, até mesmo uma vila bonita como essa pode esconder um segredo sombrio — disse Alexia, de repente adotando um ar sábio que não combinava nada com ela.

Anna franziu as sobrancelhas.

— Para de falar como se fosse minha veterana, isso é estranho.

— Você pode não estar no Ensino Médio, mas como disse que completou ele no ano passado, você com certeza não deve passar dos 20 anos — começou Alexia. — O que significa que, sim, eu sou mais velha que você. Então você deveria me respeitar mais a partir de agora, ok?

— Como chegamos nesse assunto mesmo? — Anna se levantou, decidindo ignorar as provocações bobas de Alexia, que apenas riu.

Alexia saiu para achar alguma mochila que estivesse sobrando por aí, naquela casa não tinha nada de útil para carregarem suprimentos, então ela teve que procurar nas outras. Enquanto isso, Anna ficou para procurar alimentos não perecíveis que poderiam carregar.

Ela os organizou em cima da mesa da cozinha mesmo, enfileirando-os de acordo com cada tipo. Pensou que seria bom também levarem água, depois falaria com Alexia para procurarem garrafas.

Imersa na sua tarefa, Anna foi surpreendida quando uma tontura forte a atingiu. Parecia que o chão sob seus pés estava se movendo e as paredes contorcendo. Seu primeiro pensamento foi que a terra estava tremendo, mas olhando para os objetos que continuavam estáticos sobre a mesa, percebeu que na verdade era sua própria mente lhe pregando peças.

Fechou os olhos com força, tentando se acalmar. Respirou fundo e calmamente, uma, duas vezes, até achar que estava bem novamente.

Porém, quando voltou a abrir os olhos, alguém a vigiava pela janela.

Não era uma bruxa, tinha certeza disso, sabia os reconhecer bem, ao invés disso aquela figura possuía um rosto sem pele, apenas feito de carne podre. No lugar dos olhos, haviam dois buracos profundos, como se alguém os tivesse arrancado.

Anna não ficou para ver mais, com o susto ela saiu correndo para fora da casa sem pensar direito. Sem olhar para onde ia, acabou sendo parada no meio do caminho por Alexia, que a olhou assustada.

— O que aconteceu? — perguntou.

— Ele… Ele… Está atrás de mim… — Anna estava com dificuldade para respirar e ainda sentindo-se tonta. — Está… Está vindo me pegar… Ele…

— Quem?! — Alexia ficou alarmada. — São as sombras? As bruxas estão atrás de nós?

A garota apenas balançou a cabeça negativamente, sem conseguir responder.

Alexia olhou ao redor, procurando qualquer movimento suspeito, mas a vila apenas parecia normal como desde que chegaram ali. Até mesmo puxou a arma, deixando-a preparada para o caso de serem atacadas repentinamente.

— Eu vou checar a casa, está bem? — disse para a garota. — Você quer esperar aqui?

Anna negou rapidamente, só o pensamento de ficar sozinha novamente a aterrorizava.

Ela acompanhou Alexia, que seguia na frente, até a casa onde viu a criatura. Ela olhou por todo lado, dentro e fora da residência, porém não encontrou nada que representasse perigo.

Por fim, se virou para Anna, que já estava mais calma, e disse com uma sobrancelha erguida:

— Você tem certeza de que viu algo?

— Estava naquela janela. — Apontou com a mão tremendo.

Alexia deu mais uma olhada, chegando à mesma conclusão de antes.

— Seja lá o que for, já deve ter ido embora. — Deu de ombros. — Vamos organizar as coisas e sair.

— É, é vamos. — No meio da agitação, ela até mesmo se esqueceu da sua ideia de encontrar água, resolveu deixar para lá, tudo o que queria era ficar bem longe dali.

— Você… tem certeza de que está bem? — Alexia perguntou incerta.

— Claro, vamos. — Anna estava pronta para sair, quando um som arrepiou todo seu corpo. Parecia vir de algum lugar distante, era como um tambor batendo ritmicamente, aumentando a frequência a cada batida. — Ouviu isso?

— O quê?

— Isso… — “Será que estou ficando louca?”, pensou.

Uma cena piscou diante de seus olhos, foi tão rápido que só teve tempo de ver que era uma sala e havia um homem de jaleco na sua frente. Anna cambaleou, confusa.

— Eu acho que você não está nada bem, é melhor ficarmos aqui mais um pouco — disse Alexia, segurando a garota, com medo de que ela caísse.

— Não, não, nós… — A cena voltava a piscar na visão de Anna, deixando-a tonta com os flashes, assim como o barulho de tambor aumentava o ritmo. Uma sensação subiu pelo seu corpo inteiro, algo que lhe lembrava da vez em que andou em uma montanha-russa muito alta, e quando o carrinho desceu a toda velocidade ela sentiu como se a qualquer momento sua alma fosse ser arrancada do corpo com o movimento. Mas aquela sensação, que a fazia se sentir enjoada, era muito mais forte nesse instante.

Sem pensar, Anna agarrou a mão de Alexia, tentando se segurar em algo. Ela sentiu algo puxar seu corpo e, quando tudo se acalmou, percebeu que não estava mais na casa.

Não, aquele lugar era muito maior.

— Que… porra? — murmurou Alexia em choque. Ela nem havia visto como tudo aconteceu, apenas naturalmente transitou de um lugar para o outro quando Anna a puxou.

Estavam no topo de um prédio, com uma vista para uma cidade tão extensa que não conseguiam ver o limite dela no horizonte. As luzes que variavam do rosa para o vermelho eram o que iluminavam as ruas, enquanto que o céu possuía uma cor alaranjada, formando um cenário que enchia os olhos.

Haviam inúmeros prédios ao redor, vários com telões que exibiam todo tipo de coisa diferente, mas nenhuma casa à vista. Podiam ouvir abaixo o barulho das pessoas andando, indicando que o lugar era muito movimentado.

Pela claridade podiam assumir que estava de dia, mas não tinham certeza já que não viam o sol, na verdade apostavam que as luzes da própria cidade facilmente seriam responsáveis pela iluminação.

— Acho que fui eu quem fez isso — disse Anna em choque, se referindo a elas terem sido transportadas de repente.

Alexia se aproximou da grade de proteção do terraço, dando uma olhada para baixo. Ela viu os carros que pareciam muito mais modernos do que os que haviam no seu mundo, além da multidão de pessoas parecendo formiguinhas lá embaixo.

— Deve ter uns 300 metros — disse usando um cálculo rápido que Anna achou duvidoso. — Por que tínhamos que parar logo aqui em cima?

— Eu não sei. — Sentou-se sobre os próprios calcanhares, cansada demais. As bandagens em volta de suas mãos estavam cheias de sangue, indicando que precisavam ser trocadas, e ela ainda estava enjoada pelo que aconteceu há pouco.

— Bom, acho que isso quer dizer que você realmente consegue usar as passagens — disse Alexia, que logo franziu a testa. — Espera, isso significa que eu sou a única que não consigo.

— Não fique tão chateada. — Anna revirou os olhos. — Na verdade, desconfio que não tenha sido exatamente eu. Acho que algo me puxou para cá.

— Tipo o quê?

— Não sei, mas eu ouvi um barulho e acho que tive uma visão… — Olhou ao redor. — Talvez tenha sido desse lugar.

— Um barulho, é? — Alexia colocou todos os seus neurônios para funcionar naquela questão. — Será que foi o mesmo que aconteceu com Harian? Ela te ouviu gritar e seguiu a sua voz até te encontrar, talvez você tenha ouvido uma de nós e nos levou até essa pessoa.

— Mas não era uma voz, era… outra coisa. Não parecia humano. — Anna franzia as sobrancelhas, com uma expressão concentrada.

— Então por que você ouviu? — Alexia perguntou sem realmente esperar uma resposta, ao que a outra garota deu de ombros. — Bom, deve haver algum motivo para termos parado aqui. Talvez Harian possa estar nesse lugar, deveríamos procurar.

Anna assentiu em concordância, levantando do chão. Elas seguiram até a porta de saída daquele terraço, descendo um lance de escadas até chegar em um corredor longo com várias portas.

— Que lugar é esse? — perguntou olhando para os hologramas nas paredes, que pareciam ser placas de direção ou algo do tipo.

— Parece que é um prédio comercial — disse Alexia, passando os olhos sobre os números e nomes dos andares. — Vem, vamos pegar o elevador.

Para ser sincera, Anna estava com medo de tocar em qualquer coisa ao seu redor, tudo parecia moderno e avançado demais para ela, o contrário de Alexia, que chamou o elevador e entrou sem nenhum receio. Anna apenas a seguiu.

— São muitos botões — murmurou olhando para a tela que parecia ser de vidro acoplada ao lado da porta, marcando os números dos andares.

O elevador descia rápido demais, o que fez Anna ficar mais tensa ainda, até ele parar suavemente antes de chegar ao térreo, que era o destino. As portas se abriram e uma mulher, usando terninho e o que parecia ser um tablet na mão, entrou cumprimentando elas com apenas um aceno de cabeça.

Alexia e Anna não conseguiram evitar olhar com curiosidade para a mulher, ela possuía cabelos loiros escuros presos em um coque bonito e um óculos de grau, pareceria apenas alguém comum trabalhando no escritório, se não fosse pela coleira no seu pescoço.

E não era uma choker ou qualquer tipo de enfeite para o pescoço, era óbvio que era uma coleira mesmo, grossa, com um objeto quadrado e plano servindo como um fecho para a coleira e que parecia estar preso à pele da nuca.

— Com lic… — Anna deu uma cotovelada na barriga de Alexia antes que terminasse a frase, mas já era tarde demais, a mulher se virou para elas com um sorriso e disse:

— Sim?

Se Anna já estava assustada antes, ficou ainda mais com o sorriso que parecia forçado naquele rosto. Porém, vendo Alexia se adiantar para falar de novo, deixou seu pavor de lado e rapidamente disse:

— Não é nada, apenas queríamos saber se vai descer no mesmo andar que o nosso.

— Oh, obviamente que não, viu? — ela dizia com uma simpatia excessiva, apontando para os botões ao lado da porta. — Estou indo para o quinto andar, como dá para ver.

É, Anna realmente não viu aquilo, estava concentrada demais em ficar chocada. Apenas assentiu com um sorriso de desagrado em resposta.

Quando o elevador parou novamente e a mulher desceu para o seu andar, Alexia se virou para Anna com uma cara de questionamento.

— Por que fez isso? Nem sabia o que eu ia falar.

— Você ia perguntar sobre a coleira, eu sei. — Anna revirou os olhos. — Não sei se percebeu, mas estamos em outro universo, aqui as regras são totalmente diferentes, então é melhor começar a agir com naturalidade ou vamos arrumar problema.

Alexia fechou a expressão, mas ficou quieta e de braços cruzados no seu canto, quase parecendo uma criança birrenta. Mesmo que não tenha gostado de receber um puxão de orelha, sabia que ela tinha razão.

Quando finalmente chegaram ao térreo, saíram do elevador se deparando com um hall de entrada enorme, por onde várias pessoas passavam, todas vestindo roupa social típica de trabalho e a mesma coleira que a mulher no elevador usava.

— Que porra…? — Anna repetiu a frase de Alexia.

— Agora você também ficou curiosa, né? — sussurrou Alexia para apenas a garota escutar.

O lugar era mesmo de tirar o fôlego, no centro haviam cinco telões pendurados no alto, exibindo notícias e estatísticas que nenhuma das duas entendia, e logo abaixo estava o balcão de recepção formando um círculo, onde na realidade não havia ninguém atendendo, as pessoas apenas chegavam e diziam suas dúvidas ou pedidos de entrada aos computadores, que em menos de um segundo davam uma resposta.

Todos andavam com os olhos fixados nos seus aparelhos que se assemelhavam a tablets e celulares, outros apenas mexiam em algo no visor do relógio, de vez em quando se cumprimentavam com apenas um aceno de cabeça.

Um robô de limpeza passou pelas duas garotas embasbacadas.

— Ei, no meu mundo tem um igual — disse Alexia, em seguida fazendo uma careta. — Mas os nossos são muito mais bonitos.

Anna balançou a cabeça.

— Não importa, vamos apenas sair daqui antes que nos notem.

— E você acha que não já notaram? — indagou Alexia, percebendo os olhares de estranhamento sobre elas.

As duas chamavam muita atenção, principalmente quando uma delas vestia um uniforme escolar e a outra carregava uma arma na cintura.

— Ah, eu deveria ter me livrado desse uniforme quando tive a chance — comentou Anna, lembrando que podia ter feito isso na vila. — E esconda essa arma, você pode ser presa por porte ilegal ou coisa do tipo.

— Eu tenho distintivo, relaxa. — Anna estava prestes a retrucar que aquilo não adiantava de nada, quando Alexia continuou: — E as pessoas não parecem aterrorizadas por isso, na verdade acho que estão prestando atenção em outra coisa.

— O quê?

— Não sei se reparou, lindinha, mas nós temos exatamente a mesma aparência. — Fez um sinal indicando o próprio rosto e depois o de Anna. — As pessoas com certeza estranham isso.

— Você me chamou de…? — Anna a olhou estranho. — Nossa, você tem mesmo amor próprio.

— E — continuou — parece que temos algo de diferente dessas pessoas. — Apontou para o próprio pescoço.

— A coleira? Você acha que é um tipo de moda ou algo assim? — perguntou Anna, percebendo que não havia uma única pessoa que não usava aquilo.

— Eu não sei, mas se ficarmos sob os olhares deles por muito tempo, vamos nos meter em encrenca.

Haviam dois seguranças parados de cada lado da porta automática, então Anna e Alexia esperaram um grupo grande de pessoas sair do prédio para se infiltrarem no meio deles e passarem despercebidas.

Se do alto do prédio a vista da cidade já era impressionante, de perto as deixou boquiabertas.

— Eu sabia que os prédios eram altos, mas não achei que fossem tão altos — disse Anna olhando para cima, tentando enxergar o topo das construções que as cercavam como montanhas. — Como alguém consegue viver aqui sem se sentir claustrofóbico?

— Fala sério, de quem foi a ideia de merda de colocar essa luz em todas as ruas? — Alexia reclamou do rosa brilhante que parecia ser a maior fonte de luz da cidade, quase não se podendo ver outras cores. — E por que rosa? Isso não é lá muito funcional.

As calçadas eram largas o suficiente para que muitas pessoas transitassem por ela sem problemas, assim como as ruas, onde passavam carros que não faziam barulho e possuíam um design único que nem Anna e nem Alexia conheciam. As propagandas estavam em todos os lugares, em telas luminosas e chamativas que faziam seus olhos doerem.

Porém, o que chamou mais a atenção novamente, foram as coleiras que aquelas pessoas também usavam.

— Esse lugar está começando a me dar medo — murmurou Anna.

— Certo. Então vamos dar o fora daqui o mais rápido possível — disse Alexia olhando para os lados. — Para qual direção vamos?

— Na visão que eu tive parecia que eu estava em uma sala. — Anna forçou o cérebro com mais clareza. — Eu acho que… acho que aquele lugar possuía essa mesma luz rosa na parede. E também tinha um homem…

— Bom, acho que é um avanço. Lembra de mais algo? Talvez um nome, número?

Anna fechou os olhos, tentando visualizar novamente a cena. Era difícil quando na hora em que aconteceu ela estava sentindo-se tonta e distraída pelos barulhos altos, mas depois de muito esforço conseguiu se lembrar de algo:

— O jaleco… O homem usava um jaleco e estava escrito algo como “Dr. Goliman”. — Anna passou a mão no cabelo. — Isso é tudo o que eu consigo me lembrar.

— Ótimo. — Alexia assentiu. — Então nosso objetivo é encontrar esse doutor. — Olhou ao redor, para a multidão de pessoas e para os enormes arranha-céus, lembrando-se também da vista infinita da cidade que havia presenciado do topo daquele prédio. — É, acho que vamos ter um pouco de trabalho.


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