Internato Limoeiro escrita por sam561


Capítulo 19
Capítulo XVIII - Fortes emoções


Notas iniciais do capítulo

Eu simplesmente adorei escrever esse capítulo!

Boa leitura ♥



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A chuva do feriado havia se arrastado até a segunda-feira. O clima chuvoso deixava os alunos um tanto sonolentos durante as aulas, mas isso não impedia os professores de continuarem falando de maneira mecânica. Quando o horário de almoço finalmente chegou, Denise bateu à porta do diretor junto de dois outros membros do jornal, que tinham uma pilha de jornais em mãos.

 

Assim que entraram, Carlito os encarou de cenho franzido.

 

“O que significa isso?” perguntou.

 

“Seguinte, Diretor, sentimos falta do jornal circulando por aqui e animando todo mundo. Mas sabe quem mais sente falta de nossa alegria diária? Essas pessoas aqui.” Denise disse entregando uma folha sulfite com algumas assinaturas.

 

Carlito leu os nomes atentamente e passou as costas da mão na testa: aqueles eram os nomes dos maiores colaboradores do colégio. O diretor encarou a moça, que tinha um sorriso ladino, e suspirou.

 

“Tudo bem, Denise, o jornal pode voltar a circular. Mas já sabem...” falou e ela assentiu.

 

“Sim, eu sei: Magali fica fora do jornal. Obrigada, Diretor. Aqui, fica com um exemplar pra você.” a ruiva falou e entregou um dos jornais a ele que apenas pegou sem vontade alguma de folhear.

 

                                               *

Em questão de minutos, o jornal começou a ser distribuído. Como todos os membros do jornal já sabiam que o diretor iria ceder, as matérias já estavam prontas há um tempo, porém, daquela vez, Denise havia escolhido quais seriam publicadas ou não.

 

Em uma mesa estavam Mônica e Magali almoçando tranquilamente quando o jornal chegou, diferente de antes, as duas logo quiseram ler. Talvez por conta de ambas já terem aparecido nele.

 

“Olha isso: Estamos de volta, meus amores! Para quem quer saber o porquê de nosso sumiço, foi apenas por conta de desentendimentos com a tão grandiosa direção. Mas chega de papo e vamos ao que interessa! Que a direção tem uma preferência escancarada a certas atividades no lugar de outras, todos sabemos, mas, assim como nossa querida Isadora foi forte pelo grupo de teatro, o irmão de nosso querido Nimbus e aquela minha colega de quarto que queria interagir lutam pelo finado grupo de música. Coragem eles têm, assumo. Caso vocês queiram fazer parte disso, podem procurar esses dois, agora como encontrá-los, eu já não sei.” Magali leu com um sorriso.

 

“Nossa, a Denise claramente não sabe dar mérito a quem não é popular. Irmão do Nimbus e a colega de quarto dela? Como eu vou saber quem são?” Mônica questionou.

 

“Ué, Mônica, a colega de quarto dela é a Ramona, ela meio que disse isso no jornal no começo do ano. E o irmão do Nimbus é o Do Contra, Maurício da nossa sala.” Magali respondeu e a outra tombou com a cabeça.

 

“Eu não faço ideia de quem seja.” comentou e a amiga riu.

 

“Ele é meio caladão. Mas o foco da notícia é outro, miga! O grupo de música voltar é incrível! Eu quero participar!” exclamou e Mônica sorriu.

 

“Então precisa falar com eles.” ela disse e a veterana olhou em volta.

 

“Vish... mas onde eu encontro eles?” questionou e a amiga riu.

 

“Podemos procurar!” falou e as duas levantaram com suas bandejas.

 

                                      *

Em um corredor vazio, Ramona estava junto de Milena e Sofia falando sobre o levante, como o jornal havia deixado tudo mais explícito, a ruiva ficou levemente amedrontada.

 

“Não se preocupe, Ramona. O diretor não surta por qualquer coisa.” Sofia disse.

 

“Com o aquele grupo, Sofia. Eu acho que fui apoiando o levante sem imaginar que daria certo, agora que ‘tá dando... eu ‘tô com medo do que o diretor pode fazer!” ela confessou passando as mãos nos cabelos.

 

“Olha, não precisa ter medo. Muita gente parece estar gostando da ideia, inclusive os que os pais dão suporte financeiro pro IL, e o diretor abaixa as orelhinhas pra eles.” Milena falou.

 

A ruiva suspirou e logo avistou Do Contra.

 

“Oi, meninas!” ele cumprimentou com um aceno e um detalhe chamou a atenção de Sofia, mas ela não comentou.

 

“Oi, Do Contra. Viu o jornal?” Ramona perguntou.

 

“Vi! O levante está na boca de todo mundo agora.” ele disse animado.

 

“É, e isso ‘tá preocupando a Ramona.” Sofia disse tentando desviar o olhar de um ponto específico no rapaz.

 

“E se der merda pra gente, Do Contra?” ela questionou.

 

O rapaz colocou a mão em seu ombro.

 

“Relaxa, vai ficar tudo bem. Temos mais apoio do que você imagina! E, pra te acalmar, eu falei com o Jeremias, ele vai pedir umas dicas à Isadora, que fez o levante pelo grupo de teatro, e pra própria Denise de como lidar com uma possível perseguição.” ele disse e a última palavra fez a ruiva engolir em seco.

 

“Você ‘tá tentando acalmar ela e fala de perseguição?” Milena comentou e o moreno crispou os lábios.

 

“Tá, não pensa nisso agora. Mas vai ficar tudo bem, você não ‘tá sozinha!” Do Contra disse sorrindo para a amiga que devolveu o sorriso tentando se acalmar.

 

O moreno se virou para falar com Milena quando percebeu que Sofia encarava sua mão.

 

“Algum problema, Sofia?” perguntou e ela logo mudou o olhar.

 

“Não, nenhum!” falou e a cacheada enfim reparou nas unhas do rapaz.

 

“Ah, legal! Você pintou a unha!” ela disse e ele assentiu.

 

“Tava sem acetona, né?” Ramona comentou ao ver as laterais borradas e o amigo riu.

 

Sofia, vendo que eles falavam com naturalidade, decidiu comentar.

 

“Você não tem medo que te chamem de gay? Ainda mais aqui no IL que... você sabe, as coisas são complicadas.” ela disse e os três a encararam.

 

“Eu não sou gay, mas como não acho que pintar minhas unhas vai mudar minha orientação sexual, eu não dou a mínima pro que vão dizer. E mesmo se eu fosse, o que eles têm com isso?” ele falou com a voz calma e serena que fez Sofia sorrir, gostava de ouvir palavras que visavam o bem.

 

“Mudando um pouco o assunto, acham que devíamos ficar em algum lugar onde vão nos achar?” Ramona perguntou.

 

“Naaah... a própria Denise falou que é difícil de nos achar, deixa eles se aventurarem um pouco.” o rapaz respondeu e as demais assentiram.

 

                                      *

De volta ao refeitório, Denise estava com seus amigos populares, no caso Cebola e uma avoada Penha. A ruiva bebia seu suco de uva tranquilamente quando Narcisa apareceu.

 

“Denise, por que minha matéria não foi publicada?!” a dona dos cabelos rosas questionou furiosa.

 

“Narcisa, querida, eu não podia publicar uma coisa daquelas. ‘Tá bom que você não mentiu que o Toni é um babaca e Jeremias foi injustiçado, mas eu não posso comprometer a imagem de um dos meus.” a outra respondeu despreocupada.

 

“O que Sofia pensa sobre isso? Sobre você passar pano pro cara que fez bullying com ela?” questionou e a ruiva a encarou.

 

“Não te interessa. Agora... por que não está ajudando na distribuição?” respondeu e a outra riu.

 

“Palhaçada...” comentou e já ia deixar a mesa quando Toni apareceu.

 

Narcisa, no mesmo instante, foi até ele.

 

“Aquela ali não teve coragem de colocar pra todo mundo, mas eu tenho! Você é um babaca, inseguro e muito, muito cínico! Jeremias foi injustiçado por sua culpa!” gritou apontando o dedo para ele, que apenas olhava entediado.

 

“Minha culpa? Por acaso fui eu que escrevi a matéria?” respondeu em um tom despreocupado, que fez a moça surtar.

 

Sem mais nem menos, Narcisa deu um tapa forte no rosto de Toni, que se assustou com o gesto. Porém, para a surpresa da outra, não foi ninguém do grupo que o defendeu e sim uma das tietes do loiro.

 

“Quem você pensa que é pra bater no Toni?” uma delas disse a empurrando com força.

 

“Aposto que é porque ele não quis ficar com você! Deixa de ser patética, garota!” outra exclamou e Narcisa as encarou furiosa e saiu de lá sob xingamentos.

 

Penha observou tudo em silêncio, e, pela primeira vez, se perguntou o motivo de elas terem defendido as ações de Toni e ficado contra a pessoa que o criticou com razão.

 

“Denise, o que a Sofia falou sobre essa matérria que não foi publicada?” Penha perguntou.

 

“Não foi publicada, Penha, como a Sofia vai saber? E outra, ela sabe que aqui no grupo nós nos ajudamos.” a outra respondeu e a morena crispou os lábios.

 

Denise nunca ficava muito tempo na mesa, então logo saiu; já Cebola, estava calado naquele dia, até demais.

 

“Cebola, tudo bem?” Penha perguntou ao ex que a olhou surpreso, essa era uma pergunta bastante rara no grupo.

 

“Tudo... por que não estaria?” falou.

 

“Sei lá, você ‘tá quieto hoje. Talvez tenha acontecido alguma coisa forra do IL.” a morena respondeu.

 

Toni e Cebola se entreolharam.

 

“Penha, só ‘tá a gente aqui, não precisa dar uma de ex atenciosa. Eu só ‘tô com sono mesmo, vou jogar uma água no rosto.” o moreno respondeu saindo em seguida e Toni riu.

 

Penha encarou o loiro, que, como sempre, flertava com alguém. Aproveitando que estavam apenas os dois, a moça decidiu fazer algo que há tanto tempo evitou.

 

“Toni, sabe... acho que você deverria deixar o Xavier em paz.” ela falou e o rapaz olhou confuso.

 

“Que isso do nada? O que você tem a ver com quem eu provoco? Eu nunca me meti nos seus negócios com a Mônica, e olha que eu quero pegar ela.” ele questionou e Penha tremeu a boca, não tinha uma resposta exata.

 

“Ah... é que... o menino pode se revoltar! Não se esqueça que um dos amiguinhos dele mexe com monitorria, é muito próximo de professor.” ela disse e o loiro estreitou os olhos.

 

“Sabe, Penha... quando eu disse pro Cebola que você devia estar traindo ele com o Nikolas, era só uma suposição. Mas cada vez mais parece que você realmente tem alguma coisa com esse nerd.” ele disse e a outra arregalou os olhos.

 

“Então foi você que foi colocar merda na cabeça dele!” exclamou mudando o foco.

 

“Penha, o namoro de vocês era só pela popularidade. E você ‘tava chifrando o cara com um nerd aleatório. Se alguém descobre, a honra dele vai lá pra casa do...” falava até ela o interromper.

 

“Eu não traí o Cebola! Mas por que te incomoda tanto? É apaixonado por mim ou pelo Cebola, por acaso?” perguntou e o loiro fez uma expressão de nojo.

 

“Claro que não! O Cebola é o que tenho mais próximo de um amigo aqui no IL e, diferente de você, eu me importo de verdade com amigos.” respondeu e ela cruzou os braços.

 

“E eu não?” a moça perguntou e o loiro levantou.

 

“Não sei, pergunta pra Sofia.” ele falou e a moça se calou.

 

Toni saiu e Penha ficou pensativa, se até Toni, que sempre viu como o mais sem caráter do grupo, tinha um pingo de consideração por amizades, em que nível ela havia chegado? Seu pensamento continuava até ver Ana Paula passando e ir até ela.

 

“Professorra!” chamou e ela a olhou.

 

“Sim, Penha?” falou e a morena colocou uma mecha de cabelo atrás da orelha.

 

“Eu pensei um pouco e... eu não vou mais fazer monitorria com o Nikolas aos sábados.” ela disse e a mais velha arregalou os olhos um tanto zangada.

 

“Me explique isso direito, Penha!” exclamou e a outra suspirou.

 

                                               *

Já era quase fim do almoço quando Magali e Mônica encontraram Do Contra e Ramona em uma das escadarias, para a surpresa das duas, Cebola falava com eles.

 

“Toda hora a gente se esbarra, percebeu?” Mônica comentou com um riso e ele também riu.

 

“Péssimos encontros da vida, Novata. Te vejo no reforço.” Cebola respondeu e logo saiu de lá.

 

Os outros dois olharam para as duas morenas.

 

“Esse que é o Maurício/Do Contra, Mônica.” Magali falou apontando com as duas mãos para o rapaz.

 

“Estava me procurando?” ele perguntou encarando a novata que nunca falara com ele.

 

“Eu não, a Magali. Mas é que eu não sabia quem você era.” Mônica respondeu e ele assentiu e mudou seu olhar para a veterana.

 

“Eu fiquei sabendo da volta do grupo de música e achei bem interessante.” Magali falou.

 

“É uma espécie de levante, pelo visto o diretor mala não é muito fã de artes.” Ramona comentou e Do Contra riu.

 

“Você sabe que o diretor é o pai dela, né?” comentou e a ruiva sentiu o rosto esquentar e encarou a morena com um olhar de desculpas que fez Magali rir.

 

“Relaxa, já ouvi coisas piores. Enfim... eu adoraria participar.” ela disse e os dois organizadores se entreolharam.

 

“Pela cara deles... você foi rejeitada, miga.” Mônica comentou.

 

“Não, não é isso... é que estamos indo contra seu pai. Eu não julgo isso, mas não é uma coisa simples.” Do Contra explicou.

 

“Pode te trazer problemas.” Ramona completou.

 

Magali sorriu.

 

“Não se preocupem comigo. Eu canto um pouquinho e sei tocar teclado, então...” ela dizia sem saber como completar e o rapaz sorriu.

 

“Temos uma cantora e tecladista.” ele falou e ela sorriu de volta.

 

Do Contra olhou para Mônica.

 

“E você? Também pretende fazer parte?” perguntou e a moça negou.

 

“Vocês têm meu apoio, mas já estou no grupo de teatro, seria muita coisa pra mim.” a moça respondeu e, no mesmo instante, o sinal tocou.

 

Os dois organizadores levantaram.

 

“Magali, se quiser falar com a gente e não achar, pode falar com a Gabriela, Milena, Jeremias ou Sofia, eles ‘tão nos ajudando bastante.” Do Contra falou e logo saiu com Ramona.

 

Mônica sorriu para a amiga.

 

“Até que é bonitinho esse Do Contra, mas o que será que ele falava com o Cebola?” ela perguntou.

 

“Você ‘tá obcecada pelo Cebola, Mônica.” a amiga observou.

 

“Não, é que... eu sou curiosa!” exclamou e a outra assentiu com um riso.

 

                                      *

O horário das monitorias não demorou a chegar, em uma sala de aula, Nikolas desenhava na lousa um plano cartesiano a fim de explicar melhor sobre uma dúvida de um aluno do primeiro ano, o rapaz escondia bem seu nervosismo diante de Mônica, que não tirava os olhos dele, ela não lembrava de nada sobre esse assunto.

 

“Aqui ‘tá o x e aqui o y, agora a gente...” ele falava quando ouviu leves batidas na porta.

 

“Deve ser a Ana Paula, continua! O tempo ‘tá passando e eu tenho prova disso daqui uns dias, cara!” o garoto disse e o monitor riu.

 

“Calma! Pode entrar!” falou voltando ao caderno que tinha uma explicação de Ana Paula.

 

Assim que a porta se abriu, todos, sem exceção, não esconderam a surpresa ao ver Penha ali com um sorriso tímido e sua mochila nas costas.

 

“Oi! Eu... eu ‘tô muito atrasada?” ela perguntou e todos olharam para Nikolas, que também estava surpreso.

 

“Ér... não! Entra, Penha, pode se sentar aqui na frente com a gente. Estamos vendo sobre o plano cartesiano, qualquer dúvida, pode perguntar.” ele falou ainda surpreso e ela se aproximou dos demais.

 

Mônica encarou Penha enquanto outras pessoas cochichavam. A popular apenas jogou os cabelos para o lado e se sentou ignorando os demais. Nikolas, vendo que os cochichos seriam um problema, decidiu falar.

 

“Gente, vou pedir que mantenham o foco na monitoria, e não em quem ‘tá nela. Não quero que alguém saia daqui desconfortável, e sim entendendo matemática. Agora, Luca! Presta atenção que aqui vive sua maior dificuldade.” falou apontando para um dos garotos ali presentes.

 

“Nikolas, vai com calma!” falou e os demais riram.

 

A monitoria pareceu passar mais rápida. Quando acabou, Penha foi a primeira a sair. Mônica arrumava suas coisas quando Nikolas, nervoso, pediu que ela esperasse.

 

“Eu sei que você tem outra monitoria, então vou ser bem rápido.” falou e ela assentiu.

 

O moreno respirou fundo.

 

“Mônica, desde que eu te vi pela primeira vez, eu senti algo diferente, eu te achei linda, corajosa e... sei lá, incrível! Fazia um tempo que eu não sentia nada por ninguém, mas você veio e... mudou tudo. Então eu queria saber se você gostaria de... de sair comigo em algum fim de semana.” Nikolas confessou com o coração batendo mais rápido.

 

Mônica olhou perplexa. Havia esquecido da conversa que ouvira quando entrou no dormitório dele, mas, ao ouvi-lo se declarando, tudo fez sentido em sua cabeça. Diante disso, engoliu em seco e forçou um sorriso.

 

“Nikolas... você é um cara muito legal, mas eu... eu não sinto o mesmo. Você é um monitor incrível! Faz eu entender matemática, mas... é só isso. Sinto muito!”  ela disse tentando parecer o mais fofa possível.

 

O rapaz assentiu com um sorriso falso.

 

“Tudo bem, obrigado por... por ouvir. E... desculpe por tomar seu tempo.” falou e Mônica não disse nada, apenas saiu rapidamente trombando com alguém, que sequer viu, e seguiu seu caminho.

 

Nikolas se sentou na cadeira e respirou fundo enquanto passava as mãos em seus dreads e olhava para o teto. Havia sido, novamente, rejeitado.

 

Na porta, Penha havia ouvido a conversa toda e tinha uma feição de dor, havia ficado apenas para esclarecer alguma dúvida com ele, mas agora uma estranha vontade de falar ao rapaz que tudo ficaria bem a acometeu, porém a coragem não veio. A morena simplesmente deu meia volta e foi para seus estudos avançados.

 

                                                                                   *

As horas passavam de maneira rápida, as monitorias de Cebola foram, para ele, bastante improdutivas já que estava pensativo demais e os outros alunos não estavam muito diferentes, visto que nem mesmo Mônica parecia concentrada, sequer fez seus vários questionamentos acerca de sua vida pessoal.

 

O que tanto o distraía era o constante pensamento no carnaval. Se naquela hora Cascão não tivesse aparecido abruptamente, Cebola teria sanado todas as dúvidas de Mônica. E o fato de ela simplesmente conseguir roubar sua atenção daquele jeito o preocupava.

 

“Eu nem conheço essa garota! Por que raios eu não tiro ela da cabeça?” questionou em voz alta.

 

“Xeque-mate!” a voz de Xaveco soou e ele arregalou os olhos voltando para a realidade. Estava em uma sala de aula jogando xadrez com o loiro.

 

“Revanche!” exclamou e o novato bufou se levantando.

 

“Pra quê? Você ‘tá mais avoado que nunca!” ele respondeu pegando suas coisas e deixando a sala.

 

Cebola passou as mãos nos cabelos e respirou fundo.

 

“O que ando fazendo da minha vida? Primeiro perco minha posição pro Xavier e agora tem essa Mônica que não sai da minha cabeça... Como pode alguém ser tão impactante como ela? Eu ‘tô fodido...” comentou consigo mesmo e levantou para fechar a sala, não tinha mais ninguém.

 

A fim de esquecer isso, o moreno decidiu ir até a quadra, onde sabia que o time treinava. Ainda não havia chegado lá quando ouviu duas vozes femininas e já ia ignorar quando o assunto lhe interessou.

 

“Me fala, Magali, você gosta ou não gosta do Cascão? Eu não vou ficar brava nem nada, eu só quero saber pra não ficar um clima ruim entre nós.” a voz de Gabriela soava tranquila.

 

Magali hesitou.

 

“Gosto, ele é uma pessoa incrível.” respondeu.

 

“Você sabe que não é nesse sentido que eu ‘tô falando!” a outra falou.

 

A morena suspirou alto.

 

“Sim, eu sinto muito! Eu... ele sempre foi tão gente fina comigo que eu... ‘cê sabe...” falou e a outra riu enquanto Cebola cobria a boca com a mão como se tivesse ouvido a fofoca do ano.

 

Gabriela riu sem parecer ter vontade.

 

“Bom, minha intuição estava certa. E eu ‘tô de boa, ele não gosta de mim, mas pode ser que goste de você.” ela disse.

 

“Ah, eu duvido. Pelo tanto de menina que dá mole pra ele...” Magali comentou e a outra riu.

 

“Eu achava o mesmo até ficar com ele. Só vou pedir uma coisa, pelo menos por enquanto, prefiro que no dormitório não toque muito no assunto Cascão. Ainda estou superando.” Gabriela falou.

 

“Claro! Obrigada por entender.” Magali disse.

 

“A gente não escolhe esse tipo de coisa. Agora vamos pra quadra, você precisa treinar esse saque!” as duas disseram e saíram em seguida.

 

Cebola sorria largamente, iria contar a Cascão, mas não faria isso ali, sabia que o amigo na quadra era mais sério.

 

“Cascão nasceu com a bunda virada pra lua, só pode.” comentou com um riso e foi para a quadra.

 

                                               *

Ainda chovia forte. Como Jeremias ainda não havia saído do banco de reserva, decidiu usar seu tempo livre de segunda para estudar mais e ajudar Denise nos roteiros. Já eram quase cinco e meia e ambos estavam na biblioteca sem se falar, isso até Isadora aparecer.

 

“Ora, ora, ora... eu pensei ter pedido que se comunicassem durante a confecção do roteiro.” a loira disse cruzando os braços.

 

“Sua amiga não quer falar comigo. Só porque eu não falei nada do levante.” Jeremias revelou.

 

“Claro! Música e teatro combinam demais para não ser mencionado, né, Isadora?” Denise perguntou e a outra riu.

 

“Sim, combina. Inclusive, vocês tocam alguma coisa?” perguntou e Denise negou.

 

“Eu toco violão e guitarra.” Jeremias respondeu e Isadora sentiu os olhos brilharem.

 

“Pronto! Trilha sonora fica por conta do grupo de música! Trouxe umas partes do roteiro pra vocês darem uma olhada. Ensaiem juntos, por favor! Ah, e Denise, tinha gente do jornal te procurando, mas eu falei que você ‘tava aqui com o Jerê e eles deixaram quieto.” falou e logo deixou o local.

 

Denise deu de ombros e observou Jeremias se sentar perto dela.

 

“Ouviu a chefe, vai ter que falar comigo!” falou com um sorriso, que ela não evitou retribuir.

 

“Tudo bem. Preferia que fosse sua avó aqui, ela parece ser bem mais legal que você.” ela disse e ele riu.

 

“Ela é mesmo, mas colocou na cabeça que você é minha namorada, não sei o motivo.”  o rapaz revelou e a ruiva riu.

 

“É porque sou linda e maravilhosa!” ela disse e ele deu de ombros pegando um dos roteiros.

 

“Não vai ver o que seus colegas do jornal queriam?” perguntou e a ruiva negou.

 

“Muito difícil eu ir atrás de alguém, principalmente o pessoal do jornal. Eles sabem onde estou, eles que venham até mim.” Denise respondeu e ele riu.

 

“Humildade em pessoa.” zombou e ela riu enquanto se reclinava na cadeira com uma cópia do roteiro em mãos.

 

“Jeremias, entenda uma coisa sobre o jornal: mais da metade dali me odeia, então não vou facilitar pra eles.” a moça falou.

 

“E não te preocupa o que podem fazer?” ele perguntou e ela negou enquanto colocava o roteiro na mesa.

 

“Não, eles não me assustam. Mas ‘tá tarde já, vamos terminar isso amanhã.” ela disse e os dois arrumaram os papéis e suas coisas.

 

Denise tentou abrir a porta e teve uma surpresa: estava trancada.

 

“Ah, qual é? Trancaram a gente aqui? Esses funcionários não ‘tão se dando ao luxo nem de olhar antes de trancar?!” ela reclamou.

 

“Tem alguém aí fora?!” Jeremias perguntou alto.

 

“Tem gente aqui dentro!” a voz de Denise soou enquanto ela dava um soco na porta.

 

“Denise e Jeremias ‘tão na biblioteca! Pelo som a pegação ‘tá intensa!” uma pessoa do lado de fora falou e logo riu.

 

Os dois se entreolharam de olhos arregalados e logo perceberam que a pessoa corria enquanto gritava a mentira.

 

“Aff, vou ter que ir de novo falar com o Carlito por culpa de gente do jornal...” ela comentou e olhou para Jeremias, que parecia desesperado enquanto andava de um lado para o outro.

 

“Eu ‘tô fodido! Fodido! Fodido!” o rapaz falava e a moça cruzou os braços.

 

“Tudo isso é medo de ficar algum tempo a mais comigo? Calma, neném.” perguntou e ele a olhou sério.

 

“Denise, você pode até se safar de tudo, mas eu não! Eu já tive problemas por causa do seu jornal! Se a direção decide acreditar nesse boato de agora... quem se fode sou eu! Eu posso ser expulso, e meus pais vão ficar super decepcionados e.... AAAH...” falou apertando os olhos com as mãos ao fim.

 

A ruiva o observava negando com a cabeça, nunca imaginou que um rapaz como ele seria inseguro.

 

“Não desconta em mim! Eu também ‘tô presa aqui! Com alguém que me esconde as coisas ainda por cima.” ela disse e o rapaz bufou.

 

“Você ainda ‘tá nessa? Não foi uma coisa tão séria assim!” exclamou.

 

“Pra mim foi! Eu gosto de estar informada das coisas.” Denise rebateu.

 

“Bom, aí já é um problema seu.” ele disse dando uma batida forte na porta para que ouvissem.

 

Denise bufou, a ousadia de Jeremias sempre a deixava nervosa.

 

“Eu ‘tô falando numa boa com você, se quer ser ignorante, eu posso esquecer que prometi à Sofia que não iria escrever nada sobre você. Imagina só: o protetor dos fracos e oprimidos do IL é, na verdade, um grande inseguro! Eu posso fazer isso, Jeremias, aí você pode dar adeus ao time! Duvido muito que eles queiram mais uma aparição no jornal.” falava até ele bufar alto.

 

“Quer saber, Denise, eu não dou a mínima! Aparecer no jornal é o menor dos meus problemas. Agora se esse seu vazio só é preenchido com notícias que ferram com a vida de alguém, eu tenho muita pena de você!” exclamou sério e a ruiva se calou.

 

Os dois ficaram em silêncio por um tempo só ouvindo o som da chuva forte e das batidas de Jeremias na porta. Quando ele desistiu, sentou-se no chão encostando as costas na porta e a moça se juntou a ele.

 

“Por que você se preocupa tanto afinal? Pelo pouco que vi da sua vó, deu pra ver que ela não vai ficar puta.” ela decidiu falar com ele.

 

Jeremias suspirou.

 

“O problema não são meus avós, são meus pais. Eles me criaram pra ser uma pessoa forte, justa e que faz o bem o tempo todo. Se eu for expulso... eles vão ficar completamente decepcionados, e eu... eu não quero decepcioná-los.” confessou e a ruiva assentiu.

 

“Seus avós também pensam assim?” ela perguntou.

 

“Não, eles vivem brigando com meus pais por causa disso. Dizem que eu não devo ficar entrando em lutas que não são minhas. E eu fico confuso, não quero decepcionar nenhum dos dois.” o moreno desabafou.

 

“Você se preocupa demais com o que vão pensar de você, Jeremias. No fim das contas, quem vai sair decepcionado vai ser você.” comentou e ele a olhou.

 

“Você nunca pensa?” perguntou e ela deu de ombros.

 

“Depende da pessoa. Sofia, por exemplo, é uma das poucas pessoas que a opinião é importante pra mim.” ela disse.

 

“E mesmo assim continua com o jornal...” ele comentou e ela riu esticando a perna.

 

“Como eu te disse, gosto de estar informada. E isso ultrapassa algumas coisas.” explicou.

 

“Seus pais nunca te disseram que informação demais pode te deixar maluca?” Jeremias perguntou.

 

“Não, eu vim pro internato porque meu pai não sabia como lidar com a ausência de notícias.” revelou.

 

“E sua mãe?” perguntou sem se tocar que era um assunto delicado.

 

Denise riu, era a primeira vez que falava sobre sua vida de fora do internato para alguém que não fosse Sofia ou Carmem, e aquilo era libertador.

 

“Minha mãe deve estar atrás do melhor cigarro do mundo. Pra ela ter ido comprar há quinze anos e nunca ter voltado...” respondeu sem precisar completar.

 

“Desculpe, não queria entrar em um assunto delicado...” o rapaz falou sem graça.

 

“Tudo bem, você me passa confiança, talvez por isso Sofia goste tanto de você.” falou sentindo um nó na garganta que logo se desfez ao passo que a ruiva começou a chorar, não era algo que gostava de lembrar.

 

Jeremias não disse nada, apenas ficou ao lado dela em silêncio e colocou seu braço no ombro da moça, que se sentiu confortável. Ela não chorou por muito tempo, mas fora um alívio.

 

“Chega de chorar! Não quero ficar pensando no que não completa em nada na minha vida.” ela disse passando o braço no rosto vermelho fazendo com que ele tirasse seu braço de lá.

 

“Acho que eu devia te dizer alguma coisa inspiradora, mas eu não sei o que dizer.” o rapaz disse após um momento de silêncio.

 

Aquilo fez Denise rir verdadeiramente.

 

“Só não fala nada pra ninguém, tenho muito hater que adoraria explanar sobre isso e eu só não quero.” ela disse passando as mãos no rosto e ele sorriu.

 

“Aí depende, vai escrever sobre mim?” ele disse em um tom que ela sabia que era de brincadeira.

 

“Não era você que não se importava?” ela perguntou.

 

“Não me importo, mas eu queria voltar a jogar, sabe?” comentou e ela cruzou as pernas.

 

“Essa notícia talvez chegaria aos ouvidos da Isadora, e não quero perder meu parceiro.” falou e o rapaz sorriu para ela.

 

Os dois ficaram novamente em silêncio até a barriga da moça se manifestar e ela puxar sua bolsa, de lá tirou uma embalagem de biscoitos de polvilho. Ao abrir, estendeu para ele.

 

“Pega aí, até chegarem e interromperem nossa suposta pegação tem tempo. Ah, e não se preocupe, esse boato não vai te ferrar, eu dou um jeito.” ofereceu e ele pegou um.

 

“Acho que nunca conversamos por tanto tempo... como você e Sofia se tornaram tão próximas? Vocês são bem opostas.” Jeremias perguntou.

 

“Opostas porque ela é gorda e eu não? Vou falar pra sua avó que ‘tá julgando os outros.” ela disse com um riso que o contagiou.

 

“Não, eu dizia em termos de personalidade. Ela claramente é contra muita coisa que você faz.” o rapaz explicou.

 

“Talvez seja justamente por isso. Ela me breca em muita coisa e eu faço ela se estressar um pouco.” a moça respondeu e ele riu.

 

Não demorou muito para que um funcionário abrisse a biblioteca, o profissional disse ter estranhado a chave extra estar fora do lugar e foi olhar. Com isso, Denise e Jeremias tiveram uma certeza: não haviam sido trancados lá por engano.

 

                                      *

 Enquanto isso, no refeitório, Nikolas brincava com sua comida sem apetite nenhum, pensava na rejeição de mais cedo e sentia um misto de vergonha com decepção. Como se sua situação já não estivesse ruim o suficiente, Tikara e Xaveco apareceram bastante animados.

 

“E ai, Nik! Como foi?” o loiro perguntou.

 

“Que dia vocês vão dar uns rolês? Ela ficou derretida com sua lábia?” Tikara perguntou risonho.

 

O dono dos dreads suspirou e olhou entediado para os amigos.

 

“Dia 31 de fevereiro.” respondeu e os dois o olharam com pesar.

 

“Não me olhem assim! Eu já passei por isso uma vez, ‘tô de boa. Sabe o mais engraçado disso tudo? Eu não posso nem chamar de friendzone! Seria um tipo de monitorzone!” falou rindo ao fim e os dois se entreolharam sem achar graça nenhuma.

 

“Nikolas, não precisa fingir que não te afeta. Ser rejeitado é uma merda, mano.” Xaveco disse colocando a mão no ombro do amigo.

 

“A gente não vai te julgar.” Tikara disse.

 

Nikolas levantou.

 

“Valeu, mas eu ‘tô bem. Não se preocupem.” falou e logo saiu.

 

Os amigos até pensaram em segui-lo, mas era nítido que ele queria ficar sozinho.

 

                                      *

No dormitório 220B, Magali tomava banho enquanto Mônica e Gabriela conversavam sentadas na mesma cama. Penha estava deitada em sua cama lendo um livro.

 

“Espera aí, Mônica! Então ele se declarou pra você?! Que fofo!” a loira falou e a outra passou as mãos nos cabelos.

 

“Não, Gabi, não é fofo. Eu dei um fora colossal no Nikolas, meu monitor de matemática! Mas ainda acho que foi melhor do que alimentar falsas esperanças. Acha que ele vai ficar muito arrasado?” ela perguntou.

 

O assunto havia interessado Penha, que levantou os olhos do livro que lia.

 

“Ah, ele já passou por isso antes! De um jeito até pior, né? Deve estar blindado.” Gabriela comentou.

 

“Que isso, Mônica? ‘Tá rejeitando os poucos que te querrem? O menino deve ter ficado mais puto do que arrasado!” Penha comentou com a intenção de saber como o rapaz havia ficado, mas não deixaria isso nítido à Mônica.

 

A novata bufou.

 

“Tá ouvindo a conversa dos outros agora? E pra sua informação, ele não ficou puto. Diferente de você, ele e eu somos pessoas maduras!” ela rebateu.

 

Magali deixou o banheiro já vestida e as três deixaram o quarto rumo ao refeitório. Já Penha ficou ali encarando o teto.

 

“Nik não merrecia isso...” balbuciou negando com a cabeça.

 

                                      *

No dormitório 226A, Xaveco havia acabado de sair do banho quando levou um empurrão forte de Toni, que parecia zangado.

 

“Eu nem sabia que você era amiguinho da Penha, mas o que você anda falando pra ela? Xavier, eu tenho te deixado em paz, mas você ‘tá procurando! Não sou aqueles seus amiguinhos de merda, não!” ele falou de braços cruzados enquanto encarava.

 

O cacheado franziu o cenho irritado. Ao lembrar que Nikolas havia feito um acordo com Penha por causa dele e que Jeremias havia tido problemas com o jornal por causa de Toni, como o moreno falou para ele mais cedo, sentiu a raiva e um sentimento de impotência explodirem em seu peito a ponto de despertar sua coragem.

 

“Eu não tenho nada a ver com isso, Toni! Nunca passou pela sua cabeça que ela pode ter, sei lá, crescido e visto que essas suas brincadeirinhas e perseguições são inúteis? Pode me bater, pode me humilhar, mas no fundo é a sua consciência que pesa por provocar alguém que nunca te fez porra nenhuma!” exclamou e o de cabelos lisos arregalou os olhos.

 

“O quê?” questionou.

 

“Isso que ouviu! Eu não sei nada sobre seu passado e você nem tem pra que querer saber do meu, mas dá pra ver que você não passa de um amargurado com a vida que desconta em todo mundo essa sua raiva! Você pode encher o saco de quantas pessoas quiser, mas isso nunca vai fazer você se livrar dessa sua frustração!” exclamou e Toni encarou boquiaberto.

 

“Você... você não tem medo do perigo, garoto?” questionou ainda atônito.

 

“Tenho, mas sei que você não vai parar de pegar no meu pé. Então que saiba o que eu penso.” ele disse e Toni engoliu em seco e apenas deixou o quarto.

 

Xaveco respirou fundo sentindo as mãos tremerem e um estranho orgulho brotar em seu peito. Talvez tivesse deixado Toni mais irritado ainda, mas não dava a mínima para isso.


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