Internato Limoeiro escrita por sam561


Capítulo 18
Capítulo XVII - Feriado


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura ♥



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Uma das avenidas centrais da cidade estava cheia de foliões animados e música alta naquela tarde de carnaval. Diferente das diversas cores que enfeitavam a rua, o céu estava cinzento e, às vezes, eram ouvidos alguns sons não muito fortes de trovões.

 

No meio da avenida, Cebola e Cascão caminhavam, o primeiro estava mais animado que o segundo.

 

“Olha as presepadas que você me coloca, cara! ‘Tá nubladão e eu aqui na rua.” Cascão comentou de braços cruzados.

 

“Nem vai chover, Cascão! Deixa de ser medroso!” o outro comentou enquanto colocava seus óculos de sol.

 

“Por que mesmo você quis tanto que eu viesse?” o de cabelos crespos perguntou.

 

“Simples, a gente logo vai voltar pro IL e você até hoje não pegou ninguém desde que parou de ficar com a Gabriela.” o amigo respondeu e Cascão riu.

 

“Como tem tanta certeza disso?” o outro perguntou.

 

“Porque você é boca aberta, teria me dito.” Cebola falou simples e o outro riu.

 

“Eu quase nunca te vejo! Você fica ocupado bolando trote e fugindo dos treinos.” Cascão revelou.

 

“Que mentira! Faz um tempão que não faço trote! E eu não fujo dos treinos, eu só priorizo outras atividades. Que culpa eu tenho que seus treinos são muito cansativos?” Cebola explicou e o outro riu.

 

“Me engana que eu gosto.” Cascão falou e o outro deu de ombros.

 

“Enfim, você precisa seguir em frente. Ela não quer mais olhar na sua cara? Beleza.” o de cabelos lisos disse e Cascão riu.

 

“Beleza? Por culpa do jornal, o clima fica  estranho entre nós dois. Não é tranquilo.” o amigo lembrou e Cebola riu.

 

“E por que naquele dia do trabalho você não parecia estranho com a filha do diretor? Ela também 'tava nesse rolo.” perguntou.

 

“Chama ela pelo nome, Cebola! Que agonia! E com a Magali é diferente, não ficou um clima estranho.” Cascão falou e o outro olhou malicioso.

 

“Pelo visto, o jornal não mentiu.” comentou.

 

“Mentiu, porque a própria Magali me disse que ‘tava feliz por eu não estar iludindo ninguém.” o outro disse.

 

“Tá... e em algum momento ela te disse que não tinha interesse?” Cebola falou e Cascão se calou, nunca havia pensado nisso.

 

“Pensa comigo, cara: a mina é bonita e se dá super bem com você. O que te impede de chegar nela?” completou e Cascão olhou para cima.

 

“Olha, Cebola, o céu ‘tá ficando mais cinza! Se eu tomar chuva, eu te dou um soco!” mudou de assunto e o amigo revirou os olhos enquanto voltava a caminhar.

 

                                               *

Não tão longe deles, Magali e Mônica estavam com outras garotas desconhecidas enquanto a de cabelos curtos dava alguns goles em uma bebida alcoólica.

 

“Mô, não devia beber.” Magali comentou.

 

“Relaxa, Magá, não tem tanto álcool assim e vou ficar só nesse! Vai, miga, se solta! Dança!” Mônica falou enquanto começava a balançar o corpo.

 

Magali não estava muito a fim de dançar, só havia aceitado ir com Mônica porque uma briga dos pais por causa do internato, algo comum, estava a irritando. A amiga começou a puxar a outra para dentro da multidão quando trombou com um rapaz, que fez sua bebida cair em seu pé.

 

“Ah, mano! Minha batida!” Mônica choramingou.

 

“Desculpe!” o rapaz se desculpou e ela olhou no mesmo segundo. Era Cebola.

 

“Olha só quem ‘tá aqui... E ai? conseguiu terminar o trabalho?” Mônica perguntou risonha.

 

Cebola revirou os olhos.

 

“Vocês três são muito engraçadinhos.” comentou e ela riu.

 

“Ué, você que foi lerdo. Mas derrubou minha batida, vai ter que me pagar outra.” a moça falou e o outro cruzou os braços.

 

“Não devia ser o contrário? Você que me deve dois favores!” ele disse.

 

“Desde quando pagar coisa pros outros é favor?” a morena questionou.

 

“Por que ela te deve dois favores?” a voz repentina de Cascão assustou Magali, ele surgiu atrás de si.

 

“Que susto!” falou com a mão no peito e ele sorriu.

 

“Cascão! Você ‘tá com ele?” Mônica perguntou.

 

“Sim, ele tem medinho de vir sozinho.” Cascão zombou e ela riu.

 

“Tadinho.” Mônica também zombou e Cebola revirou os olhos.

 

“Você ‘tá morrendo de medo da chuva e eu que sou o medroso?” o de cabelos lisos rebateu.

 

“Isso não responde minha pergunta. Por que ela te deve duas?” Cascão retomou a pergunta.

 

“Porque ele ajudou ela a sair do dormitório masculino e por causa do reforço.” Magali respondeu.

 

“Prefiro não saber sobre você estar no dormitório masculino, mas sobre o reforço... você ‘tá ligada que monitor não cobra nada em troca pra ajudar ninguém, né? Cebola, tu ‘tá enganando a Mônica?” Cascão perguntou sério.

 

“Não, Cabeção! Eu acabo perdendo um pouco do meu horário no xadrez pra ajudar ela em especial, então ela me deve um favor por isso.” ele disse.

 

Cascão riu e olhou para Magali, que riu também.

 

“Péssimo negócio, Mônica.” ele disse e ela deu de ombros.

 

“E ai? Vai pagar alguma coisa pra mim? Nem que seja uma água de coco. Eu ‘tô com sede.” Cebola disse e ela bufou.

 

“Tá. Pelo menos um favor a menos.” a morena disse e os dois saíram.

 

Magali demorou alguns segundos para perceber que a amiga a deixou ali sozinha com Cascão, não sabia se havia sido intencional ou não, só que ficou sem saber o que fazer.

 

“Ah... e ai, Cascão? Você realmente veio com o Cebola? Então vocês são amigos?” ela perguntou alisando o próprio braço.

 

“Sim, o Cebola não é esse cuzão que todo mundo pensa.” ele respondeu e ela riu.

 

“Ah, não?” a moça perguntou irônica e ele riu.

 

“Tá, não é cuzão o tempo todo. Quando ele quer, ele é um cara legal. Na biblioteca, por exemplo, ele ‘tava sendo legal. ‘Tá bom que a gente foi expulso de lá, mas isso é detalhe.” o rapaz disse e ela assentiu.

 

“Então a Mônica está certa em falar que ele é duas caras?” ela perguntou e Cascão tombou com a cabeça para os lados.

 

“Eu não diria duas caras, eu diria um cara que age de um jeito diferente dependendo de quem ‘tá com ele.” falou e a morena riu.

 

“Isso não é ser duas caras, Cascão?” ela perguntou cruzando os braços.

 

“Não, eu acho que todo mundo é um pouco assim, dependendo de quem ‘tá com ele, age diferente. Tipo você! Você fala de um jeito comigo e de um jeito com o Cebola.” ele disse e ela riu.

 

“Simples, eu gosto muito mais de você do que dele. Você é bem mais legal que ele e nunca te vi tratando ninguém mal. Você é um cara e tanto, Cascão.” a moça disse o olhando nos olhos e ele sorriu para ela um tanto envergonhado.

 

Magali ainda o olhava com um certo fascínio, mas logo se deu conta que havia elogiado até demais.

 

“É o que todo mundo deve pensar, né? Há-há! Eu... eu ‘tô morrendo de fome! Vou atrás de alguma barraquinha de comida e... caçar a Mônica!” ela disse saindo rapidamente dali com as bochechas coradas.

 

Cascão ficou ali parado pensando nas palavras dela que, mesmo que já tivesse ouvido de outras pessoas, sentiu que foram ditas de um jeito diferente. Tanto que logo lembrou do que Cebola lhe disse mais cedo.

 

“O que acabou de acontecer aqui?” questionou ainda perdido em seus pensamentos, porém, antes que fosse atrás de Magali ou de Cebola, um som alto de trovão soou e ele olhou para cima, logo começaria a chover.

 

“Ok, ficar na chuva já é demais! ‘Tô vazando! Agora... cadê a Magali?” falou para si mesmo enquanto ia para algum lugar menos cheio para mandar uma mensagem a Cebola dizendo que iria embora em breve.

 

                                               *

A chuva não demorou para chegar e estava forte. Em um quiosque, Denise estava junto de Carmem e Sofia, a ruiva havia acabado de postar um story com elas dizendo que a chuva havia estragado a folia e via outras publicações enquanto as outras duas conversavam.

 

“E sair do grupo não ‘tá sendo difícil pra você?” Carmem perguntou à Sofia.

 

“Eu achei que seria mais, principalmente porque todo dia escuto que fui burra em sair. Mas estar lá não me fazia bem, Carmem. Fora que por que eu andava com o Toni, Cebola e até mesmo a Penha? Os dois só sabiam me insultar enquanto a Penha não fazia nada! O ditado antes só do mal acompanhado nunca fez tanto sentido em toda a minha vida!” Sofia respondeu.

 

“Mas você não sente falta? É muito diferente a maneira que te tratam quando você é popular, fora que ficar sozinha no IL deve ser péssimo.” a loira perguntou.

 

A outra deu de ombros.

 

“Não sei se sinto falta, não é como se eu fosse bem tratada. E eu não ‘tô sozinha! Tenho me aproximado mais das minhas colegas de dormitório e do Jeremias, que é um ótimo amigo.” ela disse.

 

Denise ouvia toda a conversa com pensamentos automáticos que nunca pensou que teria, questionava-se se a popularidade que tinha valia tanto assim, já que sua melhor amiga parecia muito mais feliz atualmente. E também pensava em Jeremias, o rapaz que havia sido muito importante nessa mudança de Sofia, e tinha que assumir que ele não era uma pessoa ruim.

 

“Denise! ‘Tá aí, miga?” a voz de Carmem a despertou de seus pensamentos.

 

“Hã? Disse alguma coisa?” perguntou balançando a cabeça.

 

“Eu te perguntei se você quer participar do levante.” Sofia repetiu.

 

“Levante? Que levante?” a ruiva perguntou.

 

“Ela não ‘tava ouvindo mesmo. Ramona e Do Contra querem trazer de volta o grupo de música e estão começando a divulgar uma espécie de levante para que isso seja possível. Você quer participar?” ela perguntou e Denise sorriu.

 

“Os dois são bem estranhos, mas até que são corajosos. Tem mais alguém nessa causa?” ela perguntou.

 

“Sei que Gabriela e Milena também ‘tão.” Sofia respondeu.

 

“As duas são capitãs dos times, né? Acho que isso vai ajudar demais na divulgação.” Carmem comentou.

 

“Só elas?” Denise perguntou.

 

“Tem eu e o Jeremias também. Na verdade, pelo que Ramona disse, foi o Jeremias que deu a ideia pro Do Contra.” Sofia disse.

 

Denise pareceu incrédula.

 

“Espera aí, ele deu a ideia e nunca me disse sobre esse levante?!” ela questionou e as outras duas trocaram um sorriso malicioso.

 

“Percebe que ela emputeceu mais pelo Jeremias não ter dito nada do que por você, Sofia?” a loira comentou e a outra sorriu abertamente.

 

A ruiva revirou os olhos.

 

“Nada a ver, vocês duas! O Jeremias e eu mexemos com coisas do teatro! Música seria ótimo pra peça e ele não me disse nada! Mas tudo bem! Vou mandar isso de levante pro povo do jornal.” ela disse desbloqueando seu celular.

 

As outras duas deram de ombros.

 

“Algum dia ela ainda vai sair dessa defensiva.” Sofia comentou e Carmem assentiu.

 

                                            *

Um pouco longe dali, encharcados, Mônica e Cebola se sentaram em um quiosque com duas águas de coco, pagas por Mônica. A morena observava o rapaz mandando um áudio para Cascão enquanto bebia sua bebida.

 

“Tu é muito medroso, Cascão! Espero que tome chuva!” ele enviou.

 

“O Cascão foi embora?” ela perguntou.

 

“Ele disse que ‘tava indo, mas que tinha que fazer uma coisa antes.” respondeu e a moça assentiu.

 

“Ele sabe onde ‘tá a Magali? Eu ‘tô sem celular.” perguntou e o rapaz pegou novamente o celular.

 

“Mônica ‘tá perguntando se você sabe da Magali.” o rapaz enviou outro áudio.

 

“Eu ‘tô com ela procurando vocês, não achou que eu ia deixar a menina sozinha, achou? Mas e ai? Onde ‘cês tão?” Cascão respondeu.

 

“Não tem nome, é só um quiosque meio antigo. Mas ‘tô surpreso com você! Tomando chuva pra ajudar mulher? Gado demais.” Cebola mandou com a voz risonha e recebeu como resposta um emoji que mostrava o dedo médio.

 

Mônica sorria com a interação de Cascão com Cebola, observar o rapaz a fez lembrar da pergunta de Magali sobre haver ou não um interesse por Cebola. Antes que pensasse em uma resposta nova, ou manter a mesma, Cebola a encarou.

 

“O quê?” perguntou.

 

“Nada, só ‘tô surpresa com sua amizade com Cascão. Pensei que você só era amigo do Toni e cia.” falou e ele riu ao pensar em sua “amizade” com seu próprio grupo.

 

“O Cascão é foda.” ele respondeu simples.

 

A moça assentiu ao ver que não conseguiria algo mais que aquilo, ele nunca falava de suas amizades.

 

“Sabe, Cebola, acho que te devo desculpas.” a moça disse e o rapaz franziu o cenho.

 

“Você ‘tá bêbada?” perguntou.

 

“Não! Eu só tomei uns golinhos.” ela disse.

 

“Então ‘tá pedindo desculpas pelo quê?” ele perguntou.

 

“Eu tenho pegado muito no seu pé sobre aquele assunto de você ser duas caras. Eu não sou uma pessoa invasiva, e se você age assim... você deve ter um motivo, que não é da minha conta.” a morena respondeu e o rapaz estreitou os olhos.

 

“Tá... qual é a pegadinha?” perguntou.

 

“Nenhuma, ué! Eu só ‘tô sendo sincera. Você não é um cara chato, Cebola, quem presta atenção e tem a chance de te ver fora do IL ou longe dos seus amigos consegue ver isso.” ela falou e ele a encarou por alguns segundos.

 

Algo em Mônica intrigava Cebola, não sabia se era o jeito forte e decidido dela; se era sua aparência física; ou se era sua enorme coragem de ser quem realmente era sem se importar com nada nem ninguém. Sua única certeza era que ela o deixava confuso, ao mesmo tempo que se sentia extremamente intrigado, sentia-se confortável como nunca havia sentido com ninguém antes.

 

O rapaz suspirou decidido e a moça o encarou.

 

“Na verdade, Mônica...” começou até ouvir a voz de Cascão.

 

“Até que enfim achei vocês! Vieram pro fim do mundo!” ele reclamou todo molhado.

 

Magali também estava encharcada, a chuva estava forte. Porém, diferente de Cascão, percebeu que algo iria acontecer se os dois não tivessem chegado.

 

“Ér... a gente interrompeu alguma coisa?” ela perguntou.

 

Cebola pareceu se distanciar novamente.

 

“Não, atrapalhariam o quê? Acho que vou embora também.” falou se levantando.

 

“Nessa chuva?” Cascão perguntou.

 

“Se quiser pode ficar, rapazinho de açúcar.” Cebola falou e Cascão bufou.

 

“Você me arrasta até aqui e ainda me zoa?” reclamou e o outro levantou.

 

“Eu pago o uper, relaxa. Mas daqui não dá pra chamar. Falou, meninas.” Cebola disse saindo em seguida com Cascão, que sorriu e acenou para as duas.

 

Magali se sentou onde Cebola estava e encarou a amiga, que terminava seu coco.

 

“A gente interrompeu alguma coisa, né?” ela disse e a outra deu de ombros.

 

“Sinceramente, Magá, eu não sei. O Cebola é um cara muito difícil de entender.” ela disse e a amiga assentiu.

 

                                               *

Toni estava na sala assistindo a um antigo jogo de futebol com o pai e o avô, os dois pareciam mais chatos que o habitual naquela tarde. O jovem olhava para as gotas de chuva na janela quando a campainha tocou.

 

"Cândida! Vai lá ver quem é!" o avô gritou.

 

"Ela 'tá de folga hoje, pai." o pai de Toni falou sem se mover.

 

"Folga…folga… hunf! Vai lá então, Marco Antônio! Se for pra mim, diga que não estou." o mais velho disse e o adolescente levantou e foi até lá.

 

Toni foi abrir sem ânimo nenhum, dificilmente alguém aparecia lá. Todavia, a feição tediosa do rapaz se transformou em uma alegre assim que abriu o portão e deu de cara com o sorriso mais radiante que conhecia.

 

"Marco Antônio, meu filho!" a voz feminina soou antes de o rapaz abraçar a mulher sem se importar de estar na chuva ou não.

 

"Mãe! Que bom te ver! Vamos entrar, essa chuva 'tá forte!" exclamou animado e ela riu.

 

Assim que os dois chegaram na sala, os olhares do avô e do pai de Toni foram direto na mulher loira que os olhava séria antes de olhar ao redor, a casa estava bagunçada.

 

"Isso é jeito de recepcionar o menino que fica a semana toda fora? Nessa bagunça?" ela questionou.

 

"Não sei se você sabe, mas não temos empregada aos feriados, Márcia." o pai do rapaz disse.

 

"E vocês não têm mãos?" a loira perguntou.

 

"É serviço de mulher." o ex sogro dela falou com um riso.

 

"Tinha esquecido o quão porcos vocês são. Hoje Toni vai passar o dia comigo." ela disse abraçando o adolescente já maior que ela.

 

"Não vê que estamos assistindo futebol? Quero que meu neto aprenda essas novas técnicas." o avô disse.

 

"Então você que assista outro dia que eu sei que esse jogo é de um DVD, conheço o dono. Vamos, Toni." ela disse e ele foi pegar seu celular.

 

Toni quase nunca via a mãe, ela morava em outro estado desde o divórcio e trabalhava muito. A mulher queria que o filho fosse com ela, mas como chegaram ao consenso de deixar o adolescente escolher, Toni, enfeitiçado pela ideia de ter uma casa só de homens, sem os sermões de sua mãe, escolheu ficar com o pai. Atualmente tinha seus arrependimentos, mas era orgulhoso demais para assumir.

 

Os dois foram para a casa da avó materna de Toni.

 

"E ai? Como andam as coisas no internato e na casa dos bodes velhos?" a mãe perguntou e ele riu.

 

"Tranquilas. E lá em casa… a mesma chatice de sempre." respondeu.

 

"Tem sido um bom garoto, Marco Antônio?" ela perguntou séria.

 

O loiro desviou o olhar.

 

"Claro, eu sou um bom garoto!" falou.

 

"E eu não te conheço? Ainda anda fazendo suas artes com os colegas?!" perguntou e ele bufou.

 

"Mãe, eu não posso demonstrar fraqueza lá no IL." defendeu-se.

 

"Não interessa, Marco Antônio, ser um bom rapaz não é ser fraco, meu filho! Eu sei que o bullying na infância te marcou, mas…" falava até ele interromper. Essa conversa sobre fraqueza era um de seus pontos fracos.

 

"Vamos falar de outra coisa? Daqui a pouco eu volto pra lá e não quero pensar nisso agora." o rapaz falou e ela assentiu, não queria deixar um clima ruim entre eles.

 

“Ok, e como andam as coisas com você? Quero saber tudo!” ela perguntou e ele começou a contar suas pequenas glórias bastante animado.

 

Toni estava alegre por estar com a mãe, era um dos poucos momentos em que seu habitual sorriso zombeteiro, ou malicioso, cedia espaço para um sincero e muito amoroso. Era, inclusive, um dos mais bonitos que tinha e pouquíssimos tinham o prazer de vê-lo.

 

                                            *

Longe dali, Penha estava deitada no sofá da sala enquanto via alguns stories e ouvia o programa chato que sua mãe assistia. Ao ver um story de Denise com Sofia e Carmem; outro de Cebola na avenida; e até mesmo um de Toni com os pés de frente para a chuva em uma varanda, bloqueou o celular e encarou o teto com o pensamento longe.

 

A mãe, vendo a filha com uma feição desanimada, decidiu perguntar.

 

"Tudo bem, Penha?" perguntou.

 

Penha a olhou e decidiu ser extremamente sincera.

 

"Ninguém, mãe. Hoje é o último dia de carnaval e ninguém me chamou pra ir em alguma festa, comer alguma coisa ou até mesmo trocar mensagens. Eu sou uma das pessoas mais popularres do internato, ando com pessoas que todos querrem ser amigos e… eu não tenho um amigo de verdade nem pra jogar uma conversa forra. É até engraçado, estou rodeada de pessoas e sozinha!" desabafou com um olhar desanimado.

 

A mãe olhou com ternura e se sentou ao seu lado.

 

"Não acha que é hora de mudar isso?" perguntou.

 

Penha suspirou enquanto se sentava.

 

“Não é necessárrio, meu pai ainda vai voltar e eu vou emborra pra França e nunca vão saber sobre... isso.” ela disse apontando ao redor ao fim e, daquela vez, a mãe a encarou por alguns segundos de um jeito analítico.

 

“Penha, seu pai é um político corrupto que te trouxe da França e foi embora nos deixando cheias de dívidas! Vou ser franca, ele não manda um tostão e nem notícias há bastante tempo. Se você ainda acredita que ele vai voltar, não sei se tenho boas notícias.” ela despejou várias informações e Penha a encarou boquiaberta demorando alguns segundos para processar tudo.

 

“Co-corrupto?” a moça perguntou.

 

“Aqueles rios de dinheiro não eram muito normais pelo cargo que ele ocupava... Nunca te disse porque não queria que você sofresse, mas vendo que você tem vergonha de viver de um jeito simples, mas honesto, me faz pensar que falhei.” ela disse e Penha abriu e fechou a boca.

 

A mãe levantou.

 

“Penha, talvez você ainda não entenda, mas mentir sobre quem é você não vai te levar a lugar nenhum. Eu sei que você tem bondade aí dentro e sei também o quanto essa mudança de classe social mexeu com você, mas não deixe que esse seu medo que descubram que a toda poderosa Penha é um ser humano como qualquer outro, que também pode ter quedas, problemas ou dificuldades, te transforme em uma pessoa ruim.” ela disse e a filha ainda a olhava.

 

“Se seus "amigos" não estão preparados para estarem com você independente de sua situação financeira, que pelo visto é o que mais te incomoda, eles não estão prontos para serem seus amigos de verdade. E você sabe disso!” ela disse e a filha abaixou a cabeça.

 

A mãe de Penha deixou a sala e a moça, novamente, encarou o teto. Ultimamente vinha recebendo conselhos que a tocavam fundo e, talvez, a fizessem pensar um pouco melhor.

 

                                              *

Enquanto isso, na casa de Nikolas, o rapaz jogava como não fazia há bastante tempo. Ao parar um pouco, viu que seus pais tomavam um café da tarde e decidiu se juntar a eles.

 

“Nikolas! Enfim saiu da toca! Nem a chuva te para!” a mãe brincou e ele riu.

 

“Tava com saudades!” falou e os pais riram.

 

“E ai, rapaz? Como ‘tão as monitorias... os amigos... as namoradinhas...?” o pai perguntou com um sorriso e o rapaz riu.

 

“Vejamos... as monitorias ‘tão ok, a professora Ana Paula vive dizendo que ‘tô salvando muito aluno já que ninguém quer mexer com monitoria de matemática. Os amigos são o Xaveco e o Tikara, dois patetas que tiram o tédio do IL. E as namoradinhas... não tem, até tem uma menina que eu gosto, mas...” ele dizia até hesitar ao fim. Nikolas, na maioria das vezes, tinha um diálogo bastante aberto com os pais.

 

“O quê? Por que não fala pra ela?” a mãe perguntou.

 

“Ah, ela é muito bonita e muito corajosa. E não sei o porquê, mas às vezes, quando falo com ela sobre alguma coisa que não é matemática, eu travo.” ele disse e os dois sorriram.

 

“Nossa... e como ela chama?” o pai perguntou.

 

“Mônica! Ela entrou este ano e faz monitoria comigo.” ele disse sorridente e os dois sorriram.

 

“Sabe, Nikolas, acho que você devia falar pra ela. Com aquela Carmem não deu certo, mas com essa Mônica pode ser que dê! Você é um rapaz maravilhoso, gentil, inteligente e muito simpático.” a mãe falou.

 

“Ah, sei lá, e se ela negar?” ele perguntou.

 

“Se você nunca tentar, nunca vai saber.  E outra, você é um rapaz forte!” o pai disse e Nik sorriu ficando um pouco mais confiante.

 

“Tá... eu... eu vou falar pra Mônica que eu gosto dela e chamar ela pra fazer alguma no próximo fim de semana ou fazer alguma coisa no IL mesmo.” ele disse e os pais sorriram animados.

 

                                               *

Não tão longe dali, Xaveco estava em seu quarto ouvindo músicas enquanto tinha a imagem de Nimbus em sua cabeça, além disso, a estranheza o dominava.

 

“Será que eu gosto dele? Não... eu não sou gay, eu não posso ser gay!” ele exclamou enquanto se virava.

 

“Eu devo estar pensando tanto no cara porque ele é... porque é um veterano que foi legal comigo! É isso!” falou sem acreditar em nenhuma palavra.

 

“Mas... Nik e Do Contra também são veteranos que foram legais comigo e eu nunca me senti estranho perto deles...” balbuciou enquanto ficava praticamente de ponta cabeça em sua cama.

 

O rapaz bufou se deitando direito quando viu alguém passar pelo corredor, pela longa cabeleira loira só podia ser uma pessoa.

 

“Xabéu! Vem cá!” chamou a irmã, que logo apareceu no batente.

 

“É tão estranho você aqui, Xaveco! Até assustei!” ela disse e ele riu.

 

“Eu quero te fazer uma pergunta.” o mais novo falou.

 

“Então faz.” a moça disse.

 

O cacheado encarou o chão.

 

“Ér... um amigo lá do IL acabou de falar comigo que ‘tá com uns problemas amorosos e não sei como ajudar ele.” começou e ela assentiu com um olhar desconfiado enquanto sorria.

 

“Aham... e qual o problema desse seu amigo?” ela perguntou.

 

“Ele se sente estranho perto de um cara muito legal. Na verdade, não é estranho a palavra... ele se sente estranhamente bem, tão bem que chega a ser estranho, sabe?” falou confuso e ela assentiu.

 

“Sei. Talvez seu amigo esteja apaixonado.” a moça disse e o irmão riu.

 

“Duvido! É que eles se conhecem há pouco tempo, quase não se falam e... os dois são homens!” exclamou e ela riu.

 

“Xavier, já passou pela cabeça desse seu amigo que ele pode sentir atração por homens? É mais normal do que você imagina.” a loira disse de braços cruzados.

 

O cacheado umedeceu os lábios.

 

“Não, ele disse que já, mas que... ‘cê sabe... ele não é! Ele só... deve estar meio confuso. Você acha que ele sente atração por homens?” perguntou com a voz recheada de hesitação e a irmã suspirou.

 

“Não sei. Talvez seu amigo devesse pensar com o coração e não com as ideias que colocam na cabeça dele. Xavequinho, seu amigo é o único que pode dizer se sente atração por homens ou não, eu não posso dizer nada.” ela começou e o mais novo suspirou.

 

“Mas você, como amigo dele, precisa entender que não é errado, mesmo que o mundo diga o contrário. E eu, se fosse irmã desse seu amigo, o apoiaria.” Xabéu concluiu e Xaveco sorriu sem olhar para ela, tinha a noção que ela pelo menos suspeitava que não havia amigo nenhum.

 

“Valeu, Xabéu. Eu vou falar pra ele.” disse e ela sorriu antes de deixar o quarto.

 

Xaveco foi até a janela e olhou para as nuvens cinzentas e lembrou de uma informação que leu em um trabalho de Xabéu que falava sobre nuvens, uma em especial tinha o poder de trazer uma forte tempestade, algo que também podia ser associado a acontecimentos bastante intensos, assim como seus pensamentos que estavam agitados e cheios de energia.

 

Cumulonimbus... Nimbus...” comentou consigo mesmo e esboçou um sorriso ao fim.

 

                                               *

Enquanto isso, na casa de Denise, o pai da moça estava preocupado com a ruiva, estava chovendo forte e ela ainda não havia retornado do carnaval. Tikara estava na sala assistindo série enquanto observava o padrasto andar de um lado para o outro.

 

“Denilson?” o moreno chamou e o mais velho o olhou.

 

“Tikara, estou te atrapalhando? Desculpe, é que Denise ainda não chegou e ‘tá chovendo muito!” ele falou e o adolescente assentiu.

 

“Olha... ela ‘tá com a Sofia, e a Sofia é bastante responsável. Então relaxa. Gosta de séries?” perguntou e o mais velho não pôde evitar de sorrir, pela primeira vez o enteado havia o chamado pra fazer alguma coisa com ele.

 

Tikara assistia tranquilamente quando seu celular vibrou, ele desbloqueou a tela e viu ser uma mensagem de seus amigos.

 

“Nik vai chegar na Mônica? Tikara, tu ‘tá ficando pra trás, hein?” a voz de Xaveco soou.

 

“Tô nada, eu vou chegar na Milena. Só preciso descobrir como!” ele disse e o mais velho o olhou.

 

Assim que o adolescente bloqueou a tela, após digitar algumas coisas, o padrasto limpou a garganta.

 

“Não queria me meter nos seus... esquemas, como vocês jovens dizem, mas acho que a melhor maneira de chegar em alguma garota é sendo sincero com ela. O tanto de homem mentindo por aí...” ele disse e Tikara o encarou.

 

Denilson engoliu em seco com receio de ter sido muito invasivo, mas, pra sua surpresa, o rapaz pareceu se interessar na conversa.

 

“É que é assim, ela sabe que eu quero ficar com ela, mas ela teve um lance com um cara, ficou magoada e agora o coração ‘tá fechado. E eu não sei bem o que fazer.” Tikara confessou.

 

“Nesse caso, que ela sabe que você gosta dela, recomendo que você mostre o interesse de um jeito sutil, pra mostrar que ainda ‘tá a fim, mas que respeita esse momento dela. Sem ir com muita sede ao pote, mas também sem agir como se não quisesse nada.” o mais velho aconselhou e o outro sorriu.

 

“Acho uma ótima ideia. Valeu!” agradeceu e o outro sorriu abertamente, por mais que parecesse pouca coisa, Tikara ter falado consigo de um jeito tranquilo mostrava que as coisas estavam mudando.

 

Não demorou para que Denise entrasse ensopada logo ligando seu wi-fi. O pai suspirou aliviado.

 

“Finalmente, minha filha! Já pensou em atender o celular?” ele exclamou e a moça o olhou enquanto tirava os sapatos.

 

“Tava chovendo muito, pai. Mas eu ‘tô bem.” falou enquanto pegava os sapatos com uma mão e aproximava o celular do rosto com a outra.

 

“Jeremias! ‘Tô sabendo sobre o levante e temos muito o que conversar, moço! Como assim você não disse nada?! O teatro e a música andam juntas, garoto!” ela enviava um áudio enquanto sumia no corredor.

 

O mais velho franziu o cenho e olhou para Tikara, que ria de algum acontecimento da série.

 

“Você sabe quem é esse tal de Jeremias? Nunca ouvi a Denise falando com alguém... ela geralmente manda mensagem de texto.” ele disse e Tikara riu ao olhar para ele.

 

“Se for quem eu ‘tô pensando que é, é um cara legal, mas eu não sei se eles se bicam tanto assim.” o adolescente respondeu e o outro suspirou aliviado, imaginar que sua única filha estava com algum namorado era desconfortável para si.

 

Já Tikara, apenas riu enquanto pensava no conselho que o padrasto lhe dera.

 

O feriado logo chegou ao fim, quando os jovens deram conta, já era hora de retornar ao internato e voltarem à correria habitual, mas algo os dizia que aquela semana seria diferente.


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