Konoha Before The Time — Arco 1: Instinto escrita por ThaylonP, Luizcmf


Capítulo 13
CAPPÍTULO 13 — O Pássaro, A Labareda e o Relâmpago




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O professor desceu da pedra e caminhou lentamente na direção dos alunos. Pôs um papel na mão de cada um e depois tomou uma distância para explicar. Os três encaravam-no com certa apreensão. Por que isso agora?, pensou Kusaku.

— Estes são papéis especiais. Conseguem perceber a essência de chackra que é colocada nele — explicou. — Assim, saberemos que Natureza Elemental vocês tem afinidade — ele encarou os respingos da cachoeira ao lado. — Daí podemos partir para que vocês aprendam algo dos seus respectivos elementos.

Após uma pausa com os alunos encarando os papéis, Yasuhiko pontuou.

— Acredito que será mais fácil pra você, Misashi-kun.

Misashi olhou o papel com desdém. Não se importava em descobrir o óbvio uma segunda vez. "Só ninjas poderosos podem manipular múltiplos elementos de uma vez", o pai dissera. "Talvez você seja um deles, filho".

Não me interessa que eu seja, pai. Só vai servir pra ferir mais gente.

Asami passou os olhos por cada um dos papéis dos companheiros esperando que todos se revelassem, por fim focou só no seu.

— É só conduzir o chakra, certo?

— Sim, então o papel revelará a natureza de cada um.

— Como? — Kusaku perguntou.

Houve uma certa surpresa no grupo pela pergunta ter vindo dele.

— O papel vai reagir de acordo — o sensei respondeu. — Se o elemento for fogo, o papel se tornará cinzas. Se for água, ficará molhado. Se for terra, vai se esfarelar. Se for vento o papel vai ser cortado no meio e se for Relâmpago, o papel vai amassar.

— Entendi.

Asami respirou fundo e segurou o papel com as duas mãos. Encarou o ponto central do papel focando seu chakra na ferramenta.

Queimar, molhar, esfarelar, cortar ou amassar...

Kusaku fez o mesmo movimento, impulsionando seu chackra para dentro do papel. Demorou pouco até que o papel encolhesse, amassado.

Não...

— Relâmpago — comunicou o professor.

Kusaku sentiu a cabeça latejar. Relâmpago é uma natureza elemental essencialmente assassina... eu... n...

Os pensamentos foram interrompidos quando o papel no lado da menina foi cortado em dois.

— Elemento Vento, Asami-chan.

Na outra ponta, Misashi não ergueu nenhum papel, mas disse:

— O meu queimou, é Fogo — devolveu a mão para os bolsos.

Os dois alunos estranharam a pressa do garoto, mas entenderam que o rapaz só tinha afinidade com uma natureza elemental. Asami retornou ao seu papel.

— Vento?

Ela engoliu em seco perdendo a ansiedade para a apreensão. O que antes era desejado agora se tornou um lembrete.

É o mesmo elemento de Matsumi...

Apesar da atenção chamada à frente, a menina conseguiu primeiro encarar Misashi, que agora também fitava seu papel cortado. Desta vez, ela preferiu não esconder o que estava sentindo, indo de forma certeira na verdade.

— É... é o mesmo elemento da refugiada que enfrentei... o mesmo elemento de Matsumi.

Misashi baixou a cabeça. O professor considerou, pondo uma mão sobre o queixo. Ao lado de Asami, Kusaku estremeceu.

— Vento e Relâmpago — Yasuhiko começou, ignorando o que fora dito, aproximando-se dos dois alunos.

Asami amassou os dois pedaços papéis como se tivesse detestado o experimento. Yasuhiko parecia não querer saber.

— Agora — o professor caminhou até uma árvore e arrancou uma folha. Aproximou-se de Asami e entregou em sua mão. — Essa é sua nova melhor amiga.

Depois, foi até o segundo aluno que aprenderia sobre sua natureza elemental.

— E você — Yasuhiko pegou um galho no chão e entregou para o garoto. — Este é o seu.

Misashi olhou os três e virou as costas, caminhado floresta adentro. Não aguentaria ver aquilo. Antes que o sensei pudesse perguntar onde o garoto ia, ele respondeu:

— Vou ficar por aí, volto quando terminarem.

E entrou na floresta sem direção.

A kunoichi encarou a folha com o lábio torcido, procurando a resposta para aquele novo exercício.

— E o que exatamente eu devo fazer com isso?

A atividade parecia sem sentido, principalmente depois de tudo. Mas, Asami percebeu que poderia ser uma distração, e agora, precisava de uma. O problema é que o exercício carregava o rosto de Matsumi, estampando sua culpa bem diante de seus olhos.

— Eu não sou um especialista em ensino dessas naturezas — o professor começou —, mas o que eu sei vai ajudar bastante no processo — ele preparou a garganta para continuar. — As duas lidam com o fluxo. O vento fala sobre a fluidez de como as coisas podem ser levadas de um lugar a outro. Com a força de uma brisa ou arrastadas com o poder de um furacão. Enquanto isso, o relâmpago nada mais é do que uma manifestação natural dos polos magnéticos, e de como a energia flui de um ponto ao outro. No fim, precisam aprender quase a mesma coisa. Precisam controlar esse fluxo.

Ele apontou para o graveto e a folha com ambas as mãos.

— Esses materiais vão ajudar vocês a entenderem o princípio de cada fluxo, e como são diferentes entre si. Kusaku — apontou o professor. — Você precisa dominar a estática. É através dela que se gera o atrito para que um raio surja. Então, a ideia aqui é que você concentre seu chackra em sua mão e transmita para o galho sem parti-lo. A corrente deve ir e vir sem problemas, buscando os pontos certos.

O garoto encarou sua tarefa com o cenho franzido. É bem mais difícil do que ele faz parecer.

— Já você, Asami, precisa conduzir esse fluxo para ser leve com o vento. Então, a folha precisa receber essa carga sem ser destroçada no processo. Sua tarefa é simples. Deite no chão, ponha a folha em sua testa e concentre seu chackra. Faça-o ir do seu pé até a cabeça com a quantidade certa de força para fazer a folha flutuar.

A garota segurou a folha pela ponta e a girou olhando dos lados.

Não deve ser tão difícil.

Ela foi até a sombra de uma árvore, deitou no chão e depositou a folha sobre a própria testa, unindo as mãos sobre a barriga, uma sobre a outra. Fechou os olhos e arriscou uma tentativa. Respirou fundo, concentrando o chakra da mesma forma que havia feito com o papel elemental. Kusaku olhou-a tentar, impressionado com a velocidade em que ela se dispôs a fazer a atividade. De repente, a folha foi catapultada para cima, desintegrando no processo

Chackra demais?, Kusaku surpreendeu-se. Depois, pensou sobre sua própria atividade. Eu podia fingir. Dizer que tentei o bastante e assim continuaremos a missão. Só isso.

Asami olhou a reação da folha com olhos arregalados. Enquanto isso, o professor voltava para sua pedra, entendendo que aquilo demoraria um bocado.

— Vou tentar de novo — a garota disse.

Kusaku olhou-a com um lamento.

Sei porque ela está fazendo isso. Ela não quer lembrar do que aconteceu, e está tentando se distrair. Mas esse treino só vai fazê-la lembrar ainda mais...

A garota levantou, recolheu algumas folhas já soltas que estavam no pé da árvore e deitou novamente, posicionando a segunda folha sobre o ponto em sua testa.

— Vamos lá... um pouco menos concentrado...

Kusaku deixou-a continuar tentando e agarrou seu graveto. Não preciso ser igual a eles, e não quero ser. Ele lembrou-se do papel amassado. Mas tudo me diz que eu sou.

A folha estourou na cabeça de Asami, mas não flutuou. Ela sentia o chackra bem formado, por que não conseguia fazer uma tarefa tão simples?

Yasuhiko olhou tudo com atenção, pegando em cada ponto que os alunos falhavam. Em seguida, olhou para cima, à procura de alguma coisa no céu claro.

• • •

Misashi continuou caminhando até chegar num morro que guiava para cima de um amontoado de terra. Ele escalou por ali e chegou no topo de uma coluna rochosa. De lá, viu a cachoeira criando uma piscina natural logo acima da cabeça dos seus companheiros de equipe. Continuavam treinando incessantemente, enquanto ele havia desistido assim que viu o resultado de seu papel. Finalmente arrancou a mão do bolso revelando o papel esfarelado, fazendo-o se perder no ar.

Queria ir mais à frente, e estava disposto a isso, portanto, saltou até alcançar a próxima região de cachoeira.

• • •

Está na hora, pensou Yasuhiko, um tempo depois que os treinos haviam começado. Tive que pensar bem nesse descanso. Arrancou um pincel e um pergaminho da bolsa.

Já em sua terceira tentativa, Asami procurou se concentrar até sentir o chakra subir até os pés, porém, antes mesmo que o fluxo atingisse a folha, uma brisa cortou o ambiente e levou o objeto de treino para longe. Asami abriu os braços desanimada e então encarou a copa da árvore que lhe dava abrigo do sol, percebendo os pequenos fachos de luz surgirem graças o movimento da copa.

Ser como a brisa... ou...

No exato momento a cena de Matsumi projetando Fuuton contra ela lhe veio a mente, mas quando o peito começou a se apertar, Asami balançou a cabeça negativamente e catou mais uma das folhas no chão sobrepondo a testa novamente.

Vamos Asami... foca no treinamento...

— O que está registrando, sensei? — Kusaku cortou o pensamento da garota, dirigindo-se ao professor em cima da pedra.

Yasuhiko seguiu anotando até concluir a linha que estava traçando.

— É nosso relatório, preciso enviar sobre o que vimos para que o Hokage tome providências — disse, traçando uma segunda linha. — Não se preocupem. Usem o dia de hoje pra aprender como o elemento de vocês funciona.

Asami ouviu a explicação erguendo um pouco do dorso para ver o professor. Ainda assim, não prestara muita atenção. Kusaku sentou no cascalho próximo do lago, encarando o seu instrumento de treino enquanto a garota continuou cercada das folhas que arrancara da árvore. Era um exercício muito simples, mas por algum motivo, era difícil de executar.

O motivo das minhas feições abatidas...

O professor observou os dois em silêncio. Fazia o último traço no pergaminho olhando para cima, à procura de um elemento que esteve sempre presente naquela missão.

Bom, vamos ver o que vai acontecer, pensou o sensei.

Arrancou um outro pergaminho de dentro do colete, um que parecia bastante com o primeiro. Então, subiu na rocha e pôs os dedos na boca e assoviou alto. De repente, do meio da floresta, uma ave bateu as asas e se levantou no ar, só para descer na direção de Yasuhiko, desacelerando a medida que se aproximava. De perto, empoleirado no braço do professor, o gavião parecia ainda maior.

— Muito bem... muito bem... — o sensei fez uma carícia nas penas do bicho.

Yasuhiko fez um nó na pata do bicho e colocou o pergaminho nessa amarração. Fez um impulso com o braço e o bicho foi levantado no ar, e depois de duas batidas fortes de asas, fez um voo tranquilo, dando uma volta por cima das árvores antes de partir.

Foi o que eu pensei...

• • •

Misashi saltou por cima das árvores para poder ganhar visão do que via. Focava em alcançar a grande árvore que representava a Aldeia da Cachoeira. Ele não sabia bem o porquê. Então, no último salto, já se aproximando do lugar, pousou na estradinha que levava para dentro da cidade. Não havia muros, nem guaritas.

Não tem fronteiras...

Adentrando a área, ele pôde impressionar-se com a grandiosidade da árvore que definia a Aldeia. Caminhava tranquilamente sem a bandana, sem problemas por causa disso.

Misashi foi pelas casinhas simpáticas da Aldeia, andando sem rumo, mas de alguma forma procurando alguma coisa. Ouviu as conversas das moradias ao redor, e o papo variava desde a alimentação baseada em peixes à falta de vazão do esgoto da cidade.

O garoto deixou aquela parte da cidade para ir conhecer mais. Foi atraído para mais distante, onde um grupo pequeno gritava palavras de protesto contra um enorme templo que portava símbolos da Aldeia.

Misashi se aproximou para ouvir melhor. Os gritos variavam entre pedidos para a queda daquela instituição e para o fim de todos os ninjas; as mesmas palavras que o outro vilarejo gritava.

Haviam algumas pessoas próximas que não gritavam, apenas observavam a confusão. Misashi se aproximou delas, engatilhando uma pergunta:

— Ah, licença — anunciou, fazendo uma reverência. — Dá pra me falar pelo que eles estão protestando?

Um dos aldeões, vestido de uma camisa reta e calça justa respondeu:

— Esses loucos! — começou. — Tão protestando para acabar com os ninjas daqui... onde já se viu? São eles que trazem a maior parte do dinheiro da vila. Eu estaria deitado numa pedra se não fossem eles.

Misashi foi do aldeão ao templo, perdendo alguns segundos para fitar os dois. Ouviu mais gritos, falavam da violência dos ninjas.

— Eu não sou daqui, senhor — Misashi começou se justificando. — Mas essas... essas mortes que os ninjas acabam causando. Será que não são algo a pensar?

— Os ninjas daqui são monges que só são chamados de ninja — explicou. — Não matam ninguém, e nem podem. Depois que um dos ninjas que saiu daqui tentou assassinar um Hokage, as coisas mudaram.

Um Hokage... então, costumava ser desse jeito.

— E... — Misashi estava curioso. — Como podem estar pedindo isso se sabem que as coisas funcionam assim?

— Então, por isso que digo que são loucos! — o aldeão se exaltou. — Ficam com essas maluquices que ouvem dos outros...

— Outros? — Misashi quis saber.

— É, qualquer doido que chega eles já ouvem, lidam como verdade. Isso é maluquice pra mim.

— Então chegou alguém mesmo?

— Chegou — confirmou o sujeito. — Com uma capa grande, um capuz, gritava uma história que parece ter tocado esses idiotas. Agora estão gritando as mesmas coisas que ele — o homem fez uma pausa. — Diziam ser representantes da Reforma... revolução! Onde já se viu?

Reforma?

• • •

Passado uma hora até a ave sair de vista, e enquanto Asami destroçava uma outra vigésima folha, ele desceu apressado da pedra em que estava e foi até a margem do rio. Kusaku, que estava próximo, afastou-se.

— O que está acontecendo? — o garoto quis saber.

O professor se abaixou, apressado.

— O tipo gavião que nossa Aldeia usa são os gaviões-de-telha — ele explicou, puxando um outro pequeno pergaminho de um dos bolsos, e esticando no chão. — É uma espécie naturalmente arisca, e por isso há discussões se ele deve continuar sendo treinado, porque costumam atacar bastante, tanto os adestradores quanto as pessoas que necessitam dele em missão.

O professor mordeu o dedo para verter sangue, começando uma série de posições de mãos.

— A questão — ele fez um traço no pergaminho com o dedo. — é que apesar dos problemas de comportamento, são muito bons em obedecer ordens depois de adestrados, por isso ainda não foram abandonados pelos aviários da Folha.

— E o quê isso quer dizer, sensei? Está dizendo que aquele não era um gavião-de-telha?

O professor não respondeu de imediato, apenas bateu a mão sobre o pergaminho, fazendo as inscrições se estenderem e alcançarem as pedras em volta.

— Kuchiyose no Jutsu! (Técnica de Invocação)

Asami tomou um susto com o jutsu repentino. Aproximou-se da fumaça branca que brotou dos kanjis que haviam marcado o chão. Do meio da fumaça, surgiu um cachorro pequeno de pelo caramelo e postura severa. Vestia um uniforme azul que chegava até as patas, além de um símbolo grande da Folha estampado logo em cima.

— Do quê precisa, Mestre? — o cão perguntou.

Kusaku encarou tudo com desconfiança, porém, assim que o professor arrancou o outro pergaminho semelhante ao que enviara pela ave e deu na boca do cachorro, compreendeu o que estava acontecendo.

Ele... será que esse é o relatório original?

— Você... acha que fomos comprometidos?

— Acho — Yasuhiko confirmou. — Já estava desconfiado desde o começo. Primeiro, a ave se atrasa, coisa que não costuma acontecer, pois esses gaviões são extremamente pontuais. Depois, ela segue de muito perto, voa muito baixo. Agora, ela além de não me atacar quando a acaricio, ainda recebe a ordem sem ressalvas, sem nem precisar alimentá-la. Eu precisei cultivar minha teoria, então fiz o que pude. Observei-a na chuva, e vi que ela parou de nos acompanhar. Já podia ter contato a aldeia, mas estava esperando um evento relevante para fazer a desculpa de escrever um relatório. Os refugiados foram esse evento.

Asami ouviu tudo com cautela, sentindo a garganta engolir ao citar os refugiados. Em seguida, perguntou:

— Mas e o pergaminho que você enviou pela ave?

— Não tem nada, é só uma descrição do que a ave também viu. E quem quer que for que estiver controlando a ave já deve saber do que está escrito ali — explicou, abaixando-se para acariciar a cabeça do cachorro. — Muito bem, Bouka, sua tarefa é simples. Leve isso a Sala do Hokage e não pare por nada no caminho, está certo? — ele pôs o pergaminho na boca do bicho.

— Está certo — o cachorro respondeu, entre os dentes.

Em seguida, disparou com a missão em sua boca. Apesar de sua estatura, sua velocidade era impressionante, e isso dava alguma esperança de que ele chegaria em pouco menos de um dia.

— Mas Yasuhiko-sensei... — começou Asami. — Se a missão foi comprometida porque o gavião não é um dos treinados pela aldeia... o que acontece com o pergaminho? Quero dizer, ele é mesmo o Tratado?

Yasuhiko olhou da garota para o lugar onde haviam deixado as mochilas. Perguntava-se a mesma coisa.

• • •

Misashi aceitou o chá que o aldeão ofereceu logo depois das perguntas na frente do templo. Por sorte, a casa do sujeito era na frente do lugar, e da mesa em que o rapaz estava sentada, dava para visualizar o lugar e os manifestantes logo na frente. O homem trouxe o pote e houve um momento onde os dois se encararam com as bebidas na mão.

— Então — Misashi levantou, querendo chegar aos assuntos que lhe interessavam. — Você acha que os ninjas são a melhor opção mesmo?

— Acho garoto — o sujeito bebeu um gole bom da bebida. Seu cabelo ralo e sua barbicha ficaram evidentes no movimento. — Já até te disse que não estaria sentado aqui se não fosse eles.

— Como assim?

— Um ninja salvou minha vida — o sujeito disse. — Minha esposa e eu estávamos passando por um momento difícil, não tinha emprego algum, a gente estava beirando a falência. Mas um ninja que eu conhecia me disse que podia emprestar um dinheiro que eu não tinha como pagar. Eu peguei porque tava precisando muito e advinha... nunca me cobrou.

Misashi estranhou a história, bebericou com um certo aperto na garganta.

— Tá... isso é algo que um ninja fez. Não ajuda muito a dizer se os ninjas são bons ou não...

— Por quê?

— Por que o quê? — Misashi ficou confuso.

— Por que não ajuda a saber? Ninjas são gente que nem eu e você. E nós só sabemos que tipo de gente é boa ou não pelas coisas que elas fazem conosco ou para nós. Estou certo?

— Tá, mas isso é uma ação pra uma pessoa. Os ninjas são uma força militar, uma força que é usada para ataques massivos, que são enviados em missões que envolvem países inteiros.

— Você não gosta dos ninjas?

Misashi fez uma pausa. A bandana dentro da bolsa começou a pesar.

— Não — foi ríspido.

— Por uma coisa que fizeram com você, não é?

O garoto ponderou sobre a pergunta, e preparou um discurso para discordar do sujeito.

— Não só comigo, eu nem fui tão afetado quanto outras pessoas. Vi gente passando fome, tendo que roubar pra comer por causa das guerras que os ninjas causaram. Gente que morreu sem precisar morrer — rebateu.

— Eu também já vi gente sofrer por causa da guerra, menino. É uma coisa horrível mesmo, mas as guerras não são inteiramente culpa dos ninjas — apontou o sujeito. — Tem muita coisa em jogo, cada nação com seu interesse. Os ninjas são só enviados para fazer o serviço. E às vezes esse serviço é terrível.

Às vezes o serviço mancha suas mãos de sangue, pensou Misashi.

— Mas pensa só, esse serviço pode acabar sendo ruim. Ou pode acabar sendo um empréstimo para um velho como eu. Eles não podem escolher muito, são só os escolhidos para as coisas. Além do mais, se você estivesse na pele deles, faria diferente?

Faria, o garoto pensou em responder, porém, entendeu o porque não podia dizer aquilo. Já estava na pele deles, e não estava fazendo diferente.

— Não sei se conseguiria — Misashi respondeu.

— Nem eu, não sei se conseguiria também — o dono da casa balbuciou. — Dá pra fazer diferente, e tem vários exemplos disso. Pode pegar o exemplo dos monges daqui, mas é demorado e bem difícil. Há alguns que querem retornar para a Academia tradicional, e há outros que estão muito bem com isso. Dá pra ser diferente, mesmo num meio de pessoas iguais, mas quem pede a mudança deve mudar primeiro.

Misashi observou a fala do sujeito, tomando o último gole do seu chá.

— Quer mais? — o sujeito perguntou.

— Por favor — Misashi respondeu.

• • •

De volta aos treinos, Asami compreendeu que não conseguia estender seu chackra da maneira que fora pedida. Agora havia muito a se preocupar.

Primeiro, ela compreendeu a estratégia do professor desde a base. Ele nos fez parar aqui porque queria testar a ideia do gavião. Não perderíamos tempo descansando numa missão como essa. Depois, ela começou a ponderar sobre o motivo do treino de Natureza Elemental. É quase noite e não conseguimos nada. Na verdade, não sei nem se Kusaku está tentando. Ele está tentando nos manter ocupados, por quê?

Apoiado numa árvore próxima de Asami, Kusaku anotava um milhão de coisas em seu caderno. As costas se encurvavam para baixo, os dedos apertavam o lápis com firmeza.

— Psi... Kusaku-kun...

Asami o chamou fazendo um gesto para que se aproximasse.

— O que você acha que está acontecendo?

— Hum? — ele ergueu a cabeça para a garota. Notou que ainda havia uma folha parada em sua testa. — Com o treinamento ou sobre o pergaminho?

— Os dois.

A garota pontuou, retirando a folha de sua testa e se sentando.

— Ah... sobre o treinamento — ele olhou para o horizonte que começava a alaranjar. — Acho útil para nossa carreira ninja, e bem funcional devido a versatilidade de cada jutsu, mas um pouco precipitado quanto a nossa experiência — respondeu.

Kusaku parecia nervoso, as pupilas balançavam dentro das órbitas. O estado deixava‐o ainda mais obtuso e técnico.

— E quanto ao pergaminho... espero que não seja uma intromissão de uma outra aldeia, porque isso pode significar um conflito bélico que está fora de nossas capacidades. E seria uma viagem inútil para nós — continuou o garoto.

Asami considerou cada palavra dita, mas tinha sua atenção dividida entre o que Kusaku falava e o que seu corpo demonstrava.

— Tá bom, Kusaku-kun. Só me responde uma coisa: você está bem?

O menino travou. O rosto baixou, as expressões murcharam. Ele não costumava receber essa pergunta com frequência. Mal conseguia responder sem tremer a boca, então apenas balbuciou algo ininteligível e baixou a cabeça.

— O que houve? Eu sei que aconteceu algo pra você estar assim...

A colega insistiu, tentando fazer com que Kusaku a olhasse nos olhos. Kusaku olhou, e ela viu medo. Mas isso mudou quando ele fitou o sujeito do outro lado do lago. A expressão virou pavor.

Então, Asami lembrou-se de que ele havia chegado junto com o professor na clareira.

O sensei estava sujo de sangue... sangue que não era dele...

— Kusaku-kun... o que foi que aconteceu quando você encontrou com o sensei? Tem a ver com as batalhas contra os refugiados, não tem?

A garota continuou, ainda falando em um tom sorrateiro para não despertar o interesse do sensei.

— Eu... e... eu... — Kusaku gaguejou. Asami viu a mesma face que havia desafiado Misashi na floresta. — Eu vi o que ele fez lá dentro... dentro daquele cubo de terra — o garoto olhou para ver se o professor observava.

O garoto começou a contar, e isso trouxe a imagem exata da cena em sua cabeça.

Na floresta, sua dor de cabeça havia acabado e as náuseas nem incomodavam mais. Então, ele se levantou de perto do corpo de Neda, lamentando mais uma vez não ter conseguido salvá-lo. Depois de uma reverência, deixou o lugar, contendo as lágrimas nos olhos. Sacou sua kunai e usou-a para perseguir o caminho, e a direção o levou para a direção do paredão de terra.

Kusaku chegou lá e tomou cuidado ao escalá-lo. Não sabia se podia derrubar uma parte, então foi pelas árvores. A aproximação foi silenciosa já que ele tentava pisar leve e não havia barulho algum vindo lá de dentro. O Genin escalou o paredão e chegou ao topo, percebendo o quão alto estava em relação a tudo.

Desceu pelas árvores e assim que achou uma brecha, saltou em direção ao chão querendo ver o que havia lá embaixo. Pulou, demorou para que a queda terminasse, mas quando acabou, ele pousou sobre um arbusto manchado de vermelho. Então, o garoto ergueu a cabeça. Foi aí que percebeu que tudo estava manchado de vermelho.

Havia sangue espalhado por toda parte. Escorrendo de galhos, vazando de corpos suspensos nos troncos, de carcaças de pessoas abatidas com cortes no dorso, derramado no chão, sobre as tendas, pingando de folhas. Era uma colossal mancha rubra que ocupava toda a área. O sangue, entretanto, convergia para uma figura apenas. Um homem, sentado num tronco caído, com a mão sobre o queixo, lavado de um sangue que não era seu.

Kusaku conteve a ânsia de vômito e caminhou na direção da figura. Havia uma certa preocupação em seus passos, algo que ele viria a entender que era inútil. Aproximou-se do professor, surpreendendo-se de que era ele mesmo. Nas mãos, ele portava uma kunai, também empapada de vermelho.

Yasuhiko ergueu a cabeça devagar, os olhos pareciam cansados.

— Kusaku-kun...

— Sensei — Kusaku engoliu em seco. Olhou para o lado e viu uma pessoa abraçada na outra, com um buraco atravessando ambas. — O quê... a-a-aconteceu aqui?

— Eu aconteci — rebateu o professor, sem orgulho. — Matei todos eles.

— Voc... você... — Kusaku evitou perguntar aquilo, indo perguntar outra coisa. — você... está ferido?

— Não — respondeu.

Os dois mantiveram-se calados por um momento, encarando o nada e farejando o cheiro metálico.

— Kusaku...

O garoto sentiu um arrepio.

— Sim, sensei.

— Pode me limpar? — perguntou com a voz lenta e demorada. — Não quero que os outros me vejam assim.

— Ah... — o garoto tentava entender porque ele não conseguia fazer aquilo. — Certo, sensei — respondeu o garoto, sem saber o quê mais responder.

Kusaku retirou uma flanela que carregava na bolsa e um pouco do seu cantil com água. Usou os dois para começar a limpar o sensei que continuava paralisado, vidrado, quase incapaz de se movimentar por conta própria. Quando Kusaku havia chegado no colete, limpando cada vinco entre os bolsos com as mãos trêmulas, o professor pediu:

— Não conte a eles.

E ali estava Kusaku, descumprindo a promessa que fizera. Ele sabia que era por um bem maior. Nunca conseguiria dormir levando aquilo nas costas.

Asami olhava-o afetada, não tanto quanto Kusaku no momento da cena, mas acreditando nele piamente. Ela encarava o sensei de longe o estudando.

Do que mais esse homem é capaz?

Aquela dúvida a aterrorizava.

Kusaku refreou as mãos, vendo-as tremerem. Asami prestou atenção a qualquer mudança no garoto.

— Eu... eu... eu não sei, não sei se é uma inocência minha, mas — ele pressionou a mão para formar um punho — ele parece realmente sentir tudo isso. Ele ainda parece afetado, o modo que suas pernas tremiam... duvido que ele seja só um monstro de sangue frio — o garoto engoliu em seco, encarou o professor ao fundo. O jeito que descansava, deixando tudo que passara para trás como se não fosse nada. — Que droga Asami! — o garoto martelou a própria perna com o punho. — Nunca matamos alguém antes, nunca sequer tive que levantar a voz para alguém e agora entramos num mundo onde assassinato é como tomar chá!

A voz ficou gritada por um momento e o rapaz teve que segurar o timbre.

— Eu não deveria fazer isso — continuou. — Eu deveria salvar vidas e não atentar contra ela, Asami. Isso não está certo.

Kusaku refreou as mãos, vendo-as tremerem. Asami prestou atenção a qualquer mudança no garoto.

— Eu achava que... eramos todos, muito novos para o que estão nos pedindo pra fazer, mas nesse ponto não é mais questão de idade... — Asami olhou para o céu num sorriso amarelo — Neste assunto, Misashi-kun estava certo... isso é tudo reflexo do que as guerras trazem. E eu ainda confrontando-o com a ideia de "bem maior"... que era isso que era necessário para salvar uns aos outros, mas agora... duvido muito que haja alguém pra ser salvo se no final vamos terminar assim. Sacrificando nosso espírito... — Asami viu as folhas que havia recolhido serem levadas pela brisa e caírem no lago.

Uma das folhas, a que estava mais seca, começou a afundar.

— Esse tratado precisa ser verdade... — Ela murmurou mais para si do que para Kusaku.

A visão da menina guiou até o professor, que olhava diretamente para o céu. Quando a luz caiu de uma vez, revelando as estrelas brilhando sutis a princípio, ele abaixou-se sobre a pedra e uniu as mãos num selo de carneiro.

Vamos, Bouka, vamos...

Em sua cabeça, ele viu as imagens na visão preto e branca da cadela partindo, atravessando um conjunto de pedras. O pequeno chegou aos portões da Aldeia da Folha e seguiu em frente. Saltou por cima dos telhados, avançou por entre as vielas e finalmente, alcançou o gabinete do Hokage. Bouka foi parada por um assistente, mas ela insistiu que precisava entrar. Quando viram o símbolo e o pergaminho na boca, ela conseguiu entrar.

Do outro lado da porta, o Hokage escrevia numa série de papéis, mas teve sua atenção chamada pela cadela entrando na sala. Outro assistente recolheu o pergaminho e entregou para ele. O Quarto abriu, passou um olhar rápido e depois negou com a cabeça. Seus lábios revelaram uma confirmação: era uma nova ave que estavam testando, era normal que tivessem algumas diferenças.

Yasuhiko retornou de seu vínculo com Bouka e olhou de volta para os alunos.

Então é um teste... justo na missão com o Tratado?

O sensei então deixou os ombros caírem. Sabia que precisava obedecer e seguir as ordens, pois vinham de um superior. Ele bufou e desceu da pedra.

— Melhor descansarmos logo, assim teremos uma boa noite de sono para partir amanhã — Yasuhiko anunciou. — A ave é nova, por isso as diferenças que citei.

— Mas por que eles não avisaram?

A garota questionou se levantando do chão, batendo nas vestes.

— Não cabe a eles nos dizer nada, não nos devem explicação. Só cabe a nós concluir a missão — Yasuhiko foi ríspido. — Somos ninjas, obedecemos ordens, custe o que custar. Esse é nosso papel.

Os alunos tentaram concordar, mas nenhum deles conseguiu. Apenas entreolharam-se e buscaram outras respostas para o que viria em seguida.

 


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