Konoha Before The Time — Arco 1: Instinto escrita por ThaylonP, Luizcmf


Capítulo 12
CAPÍTULO 12 — A Água Que Não Para de Cair




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A chuva arrebentou pelo céu, acompanhando a equipe durante todo o trajeto por dentro das florestas do País do Fogo. Vez ou outra, um trovão estourava acima das cabeças deles, logo após um relâmpago ter iluminado tudo.

Os ninjas corriam sem parar. Mesmo à noite, resolveram seguir, acreditando que não havia nem vontade de descansar para nenhum deles. Cada um dos integrantes do Time 09 carregava algo dentro de si, e queria gritá-lo para fora. Entretanto, tinham uma missão a cumprir, e ela sobrepujava qualquer desejo individual.

Quando a madrugada já era cheia de uma dezena de lobos uivando para uma lua que mal aparecia no céu, eles finalmente encontraram um vilarejo despontando no norte do País. Aquela distância deveria ter custado dois dias e meio, mas a pressa do Time 09 havia ultrapassado essa marca. Pareciam todos dispostos a correr, fugir do lugar de onde houvera a morte.

Ao chegarem no vilarejo, procuraram qualquer estalagem que estivesse aberta. Chamaram por uma que portava uma meia-luz e uma moça gentil abriu as portas para eles, usando as bandanas como justificativa para a aceitação. Os ninjas foram guiados para quartos separados, num luxo que não estavam esperando e que segundo a mulher que os atendeu, era gratuito. Os shinobis e a kunoichi acomodaram-se em seus quartos, sem uma palavra trocada até então.

Misashi fechou a porta, deu meia volta no quarto e disparou a bandana no chão. As pernas gritavam por descanso, mas ele se recusava a obedecê-las. Não bastavam as mortes, a falta de respeito do funeral, agora eram engrandecidos por serem shinobis da Aldeia Oculta da Folha. Tudo por causa de um pedaço de metal preso a cabeça. Tudo para um garoto com uma folha na testa.

Misashi sentou-se na cama de uma vez, pondo as mãos dentro das mechas. É isso que é ser um ninja, disse, sem se perguntar. Por quanto tempo vou ter que... quantas vidas serei responsável por tirar?

Misashi arrancou a mochila de suas costas e pôs sobre o colo. Abriu o zíper, olhou para os pergaminhos, agora sem o Tratado entre eles, e apertou a boca. Escolheu um deles, um que estampava orgulhosamente um símbolo do País do Fogo e abriu. Descrevia o jutsu da Pilha Ardente com precisão, incluindo cada etapa, efeitos e o que era necessário para cada a seção. Ao lado dos desenhos e escritos, uma série de notas de um jovem Misashi.

Pai, pai, pai... olha!

— O quê, filho? O que é? — o homem estava na varanda de sua casa. Havia neve no telhado e ao redor de Misashi.

A mãe estava ao fundo, observando tudo com uma certa apreensão. O pai aproximou-se da beirada para ver o garoto mostrar o que tinha preparado.

— Presta atenção — o garoto parou em frente a um amontoado de neve que ele mesmo havia feito. Ajeitou as proteções de frio, encarou o seu alvo e se preparou: — Cobra, Rato, Cobra, Tigre! — o menino fez as posições e encheu o peito de ar. — Katon: Haisekisho (Liberação de Fogo: Pilha Ardente de Cinzas)

O pequeno disparou uma centelha de fumaça que aproximou-se aos poucos da montanha de neve.

— Aqui, aqui — pediu Misashi.

Click!

De repente, uma faísca parecia ter sido clicada na língua do garoto, e isso fez com que a fumaça escura se inflamasse até gerar uma explosão. O fogo embarcou o local, derreteu um pouco da neve até apagar e se tornar apenas uma fumaça branca do contato do fogo com o gelo. Enquanto a área ainda chiava da explosão recente, Misashi olhou para ver o pai, mas ele já estava conversando com sua mãe.

A mulher pediu que os dois entrassem, mas o marido recusou. Foi então que ela começou a gritar que era melhor que os dois entrassem, porque não era bom ter aquela conversa na frente de Misashi. O pai conferiu o garoto, acenou com a cabeça e foi para dentro.

Misashi lembrava-se de ter brincando um pouco na neve e começado a espirrar, quando viu o pai saindo da casa com uma dupla de malas. Ele desceu as escadas da varanda da casa mas a mãe não veio junto. Nisso, aproximou-se de Misashi, baixou para lhe fazer um cafuné e disse:

— Ei, garoto — abriu um sorriso. — Quero te ver bem forte, hein!

Então, levantou, deu as costas e Misashi nunca mais o viu. Lembrava-se das últimas palavras do pai, do desejo em vê-lo outra vez e nos problemas que teve com a mãe depois que ela o colocou para fora. Ainda assim, mesmo sem lembrar de muito, o garoto carregava os pergaminhos consigo.

Um ninja... deixou-se pensar.

No quarto da frente, Asami despencava sobre a cama cobrindo a boca. Não havia chorado mais em momento algum depois que voltaram a estrada, mas agora estava sozinha tendo somente companhia de suas lembranças daquele dia que forçaram as lágrimas para fora dos olhos da garota. O peso no peito a sufocava, dificultando sua respiração, como se a culpa estive apertando seu pescoço, a estrangulando.

Não pude cumprir a promessa que fiz a ela…

Em meio seu desespero, a garota procurava respostas de como havia chegado até aquela situação. A situação de ser responsável pela morte de alguém. E a primeira coisa que lhe veio a mente foi quando decidiu que queria ser uma ninja.

— Então vocês acabaram de chegar do país das fontes Termais? Que interessante!

Falava uma mulher de cabelos loiros no balcão. O local era recheado de flores, e portanto, esbanjava inúmeros perfumes. Na frente da vendedora, uma outra mulher trajava um quimono de cores fortes, mostrando um panfleto. Mais ao fundo, uma criança brincava com algumas borboletas.

— Exatamente! E estamos trazendo um pouco da nossa arte conosco. Dançar é algo libertador para a alma e ajuda na longevidade! O Estúdio Ryuusei pode lhe proporcionar! Eu, Madame Ryuusei Taiyo…

A mulher foi interrompida pelo barulho de algo se quebrando e como instinto, direcionou o olhar a criança ao fundo da floricultura. A garotinha que antes brincava com as borboletas estava distraída, tentando ajeitar a bagunça que havia feito quando o grito áspero da mulher, cortou toda a loja.

— ASAMI, VENHA JÁ AQUI!

Em poucos segundos, a garotinha estava ao lado da mulher que a chamara, segurada pelo ombro do quimono.

— Mil perdões! Essa garota não sabe se comportar fora de casa! Quanto lhe devo!?

A mãe falava sem esperar a resposta da atendente, que tentava amenizar a situação. Fazendo várias referências, a Sra. Ryuusei deixou alguns ryos sobre a bancada e saiu apressada do local, arrastando a filha pelas vestes. Durante a caminhada silenciosa, a menina tentou se defender.

— Desculpe, Okaasama, foi sem…

— Não quero saber, Asami! Eu lhe avisei para se comportar enquanto fazemos propaganda para o Estúdio! Você quer passar fome!? Quer que sua família também passe?

A mãe perguntava tudo retoricamente enquanto andava batendo os pés. Depois da bronca, as duas precisaram seguir pelo centro comercial da Aldeia da Folha, com Asami tentando auxiliar a mãe a conseguir mais notoriedade para os negócios da família. Com o entardecer pintando as construções de laranja, a Sra. Ryuusei decidiu que era hora de voltar para casa, estava satisfeita com suas negociações.

— Acredito que aquelas duas da loja de roupas se interessaram, uma delas precisa mesmo perder peso…

A mulher comentou, organizando os poucos panfletos que restaram. Durante o caminho, Asami sorria aliviada por não ter mais estragado nenhuma divulgação e, consequentemente, não ser responsável pela família passar fome. Enquanto admirava o céu mudar de cor, mãe e filha atravessavam o bairro nobre da Aldeia da Folha, e nessa caminhada, a pequena Asami se perdeu num coro de gritos que vinha de uma das casas. A mãe mal reparou, pois falava seus preparativos para si:

— Melhor eu envernizar o salão novamente…

Como um estalo, a mulher sentiu um calafrio na espinha ao perceber que havia algo faltando do seu lado.

— Asami?

Tayo olhou em volta, procurando pela filha, mas não havia nem sombra dela. Com o coração acelerado, a dona do estúdio refez seus passos até encontrá-la. Para seu alívio, encontrou-a de frente a um grande portão de madeira.

— ASAMI!? O QUÊ ESTÁ FAZENDO!? QUER ME MATAR DO CORAÇÃO!?

A mulher começou a reclamar, com o mesmo tom escandaloso de quando estavam na floricultura, mas a garota não se moveu como da última vez. Algo prendia mais sua atenção, mais do que qualquer grito que a mulher podia dar.

— Asami?

Chamou mais uma vez, mas a filha não lhe deu atenção. Confusa, Taiyo aproximou-se por trás para ver o que tanto prendia os olhos de sua filha, e a imagem lhe deu uma comichão. Asami assistia a um combate acirrado entre dois homens com olhos leitosos e sem pupila. A criança estava vidrada, acompanhando os movimentos de cada um sem ao menos piscar. Via o quão elegante era a batalha, como os golpes pareciam ensaiados, como ar parecia chiar ante àqueles ataques. Involuntariamente, seu corpo começou a se mover, dando tapas lentos no ar, como se tentasse reproduzir o que via. Quando o combate terminou, Asami lamentou e quis pedir mais, mas foi interrompida quando um punho fechado acertou o topo de sua cabeça.

— Ai!

A garota olhou para a direção do ataque para ver a mãe com uma expressão furiosa. Seus ombros caíram de medo, e os gritos vieram em seguida, assustando-a ainda mais.

— VOCÊ ENLOUQUECEU!? COMO PÔDE FAZER ISSO!?

Inicialmente, Asami achou que a mãe brigava pela falta de respeito em espiar a casa de outra pessoa, mas a medida que os dedos da mãe afundavam em seu braço enquanto ela a arrastava, o motivo da bronca começava a mudar.

— Eu não crio bárbaras, eu crio damas e com você não será diferente, Asami. Nunca na sua vida você fará parte de algo como aquilo! Enquanto eu viver, você jamais será uma ninja!

— Mas Okaasama…

A garota mal sabia se esse era seu objetivo, mas não ter a possibilidade foi avassalador. Tentou questionar mais uma vez, mas foi interrompida quando a palma da mãe voou em direção a sua bochecha. Assustada, não conseguiu nem ao menos chorar, porém encarava a mãe com medo viria em seguida. Um silêncio pairou por um momento, e logo foi quebrado pela mulher.

— Não me questione… não neste assunto… nem em assunto nenhum, vamos!

A garota engoliu em seco e como não tinha outra escolha, acompanhou a mãe a passos lentos. Tudo fora muito rápido e ao mesmo tempo muito confuso para a mente infantil, mas ela conseguira descobrir duas coisas. A primeira era que aquilo havia movido Asami como nada já havia movido, nem mesmo a dança. A segunda, era que se fosse mais a fundo naquilo, a mãe nunca poderia saber.

No presente, Asami abriu os olhos inchados de tanto chorar e encarou o teto do quarto.
É assim que é ser uma ninja?

Ela pensou, mas não teorizou a resposta. Sua cabeça zunia e todo seu corpo estava pesado. A garota virou para o lado na cama e fechou os olhos, torcendo para que no dia seguinte, a resposta viesse acompanhada do alívio para sua culpa.

Kusaku adentrou o quarto depressa, sem erguer a cabeça para não ver o professor entrando no último cômodo do corredor. Antes de se deitar na cama e entregar-se a exaustão, o garoto sentou-se no chão, arrancou as roupas e checou as feridas. Estavam quase totalmente curadas, o ninjutsu médico dos Keido era especializado em manter soldados em batalha depois de grandes investidas. Entretanto, mesmo sabendo da capacidade do clã, a visão não o deixava feliz. Aquele jutsu era uma obrigação, o mínimo exigido pela família.

O garoto repôs a camisa, abandonando a proteção que costumava usar no peito para analisar sua bolsa e equipamentos. Lá estavam kunais, bandagens, suturas, linhas, medicamentos, pílulas de comida, serras pequenas, pílulas de descanso, antídotos variados. Kusaku via aquilo tudo como o básico, nada que fosse específico demais poderia ajudar com problemas mais gerais. Como um ritual, o garoto pôs cada coisa em seu devido lugar, deixando tudo preparado para uma partida rápida no dia seguinte. Quando foi verificar os bolsos laterais da mochila, teve que parar a arrumação. Encontrou o tsuru que sua mãe havia feito, o símbolo que deveria lhe dar boa sorte. O garoto olhou para aquilo e não conteve as lágrimas. Desceram pesadas até pingar na cama.

Nunca me deu sorte, né?

A pergunta ecoou em sua mente até alcançar uma memória. A mente mergulhou nela de uma vez, e lá, Kusaku segurava o mesmo origami, mas dessa vez, muito menor e cercado de familiares e amigos de família.

— Bom dia, Katatsu Keido-sama — cumprimentou um dos tios de Kusaku. Um outro disse o mesmo, e foram seguindo assim, cumprimento atrás de cumprimento até alcançar a varanda.

Aos poucos, Kusaku viu o pessoal acumulando na varanda, todos os homens vivos de sua parte da família, sem contar a presença de membros do clã Nara, cochichando e trocando piadinhas, ansiando pelo evento principal.

Kusaku sabia que teria que mostrar suas habilidades, e não conseguia conter a queimação no estômago. Todos estariam vendo, e todos, principalmente seu pai, esperavam que o estudante de academia performasse uma técnica perfeita de um ninjutsu médico. E ele estava pronto. Sabia o que fazer, como fazer, já havia estudado tudo pelo menos dezessete vezes.

E ainda assim, apertava o tsuru, em busca de alguma sorte.

O pai chamou a atenção de todos, e assim que fez-se silêncio, começou:

— É com muito prazer que recebo todos os senhores aqui. Fico grato que tenham encontrado tempo para vir — fez uma pausa, procurou por Kusaku abaixo de si e o puxou para perto. O menino guardou o origami no bolso de trás. — Este é meu primogênito e único filho. Escolhemos ter apenas um pois a linhagem passará para frente com o melhor que eu e minha esposa temos — Kusaku sentiu a cabeça ser apertada por uma prensa. Para aliviar a pressão, resolveu olhar para trás. Acabou perdendo parte do discurso do pai, porém, ao se virar para a área gramada logo em frente a varanda, viu um dos servos ser acompanhado por um cuidador. Valeu a pena ter perdido o discurso, o menino adorava brincar com os cervos. — Pois bem — o pai apertou-o no ombro. — Ele fará a provação agora, e esperem pelo melhor.

O homem virou, fazendo o filho virar junto. Agora os dois, e provavelmente toda a confraria que o escutava discursar, estavam virados para o único cervo no campo verde. Havia um cercado que cobria toda a área, além de uma árvore de cerejeira despontando como o único relevo crescido do ambiente.

O cuidador deixou a clareira e adentrou a área dos espectadores. Katatsu tomou a frente e apertou o portão para deixar Kusaku passar.

— Muito bem, garoto, a provação é simples — ele apertou o cenho. — Este é seu alvo. Deve feri-lo até que esteja no ponto de uma ressuscitação.

O quê?

— A família quer ver sua técnica de ressuscitação.

O garoto estremeceu. Sentiu o coração dar voltas dentro do peito enquanto a respiração cadenciava cada pulsação.

— M-m-m-mas pai… — o homem estava prestes a abrir o portão e teve que parar. Em volta dos dois as conversas calorosas explodiam. — E-e-eeu…

— Mas o quê, Kusaku? — o pai grunhiu, desagrado de não ter sido obedecido imediatamente.

— Eu não posso usar um boneco de trei…

— Isso é um boneco de treino! — o pai devolveu. — É a única forma de vermos a técnica em ação. Se você acertar, o cervo viverá outros dias.

Sem dar mais vazão à conversa, o pai entregou-lhe uma faca ninja com a ponta recurvada.

— Agora vá — comandou Katatsu, abrindo a portinhola, e deixando o filho passar.

Kusaku deu um passo a frente, e foi nesse momento que o cervo o percebeu. Empurrado pelo pai, o garoto teve que dar outro, e assim já estava na área junto do bicho, com o céu martelando sua cabeça. O animal era conhecido, Kusaku já havia brincado com ele algumas vezes, portanto, a aproximação dos dois foi imediata. O cervo se aprochegou, fungando, alcançando a cabeça do garoto e verificando os cheiros. Depois, ficou de frente para o menino, olhando-o nos olhos com as órbitas escuras.

— Agora! — o pai gritou ao fundo enquanto os outros espectadores seguiam calados. — Pegue-o, agora!

Kusaku olhou para o cervo e depois para a kunai. Ela tremia em sua mão pequenina, e ele mal tinha forças para erguê-la para um golpe.

— Vá!

Ele ouviu mais um grito, mas ele foi ignorado pela postura do menino. Ele deixava os braços caírem ao lado do corpo, desistindo do ataque.

— Não consigo! — o menino gritou, largando a kunai no chão. — Não quero fazer isso!

Então, ele se ajoelhou na grama na frente do cervo, e este esticou a cabeça para lambê-lo na testa. Kusaku não compreendia o que acontecia atrás de si, afinal havia um silêncio mórbido recheando o ambiente. Entretanto, enquanto ele ainda recebia o carinho, viu uma sombra crescendo nas suas costas, e a acompanhou até ela abaixar, resgatar a kunai no chão e empunhá-la.

— Você me desobedeceu — a voz do pai foi severa.

Kusaku baixou a cabeça em vergonha, mas não foi poupado do que veio a seguir. O pai brandiu a arma e afundou no pescoço do cervo, lançando uma porção de sangue no chão, respingando no corpo do filho. O cervo se debateu, e Katatsu segurou-o para que ele não fugisse. O garoto ergueu a cabeça devagar, assustado, e o pai o olhava furioso, segurando o bicho debaixo do braço e ele se debatendo atrás com o pescoço encharcado de sangue.

Essa visão era muito clara, por isso Kusaku sempre lembrava-se dela.

Yasuhiko foi o último a dormir. Preferiu ficar observando a noite passar, vendo a madrugada quieta chiando barulhos de silêncio. Na cabeça, uma porção de temores.

Quando o sol da manhã atingiu as janelas de cada aposento, os garotos despertaram. Yasuhiko bateu em cada porta para chamá-los para partir, dizendo:

— Estamos perto do País da Cachoeira — disse. — Se apressem.

Asami escancarou a porta de seu dormitório com a expressão mais abatida do que o dia anterior. Sua noite havia sido resumida em mais horas de choro e arrependimentos do que em sono.

Misashi saiu logo em seguida. Caminhando cambaleante como um morto-vivo, acompanhado de uma mochila esgarçada e um semblante duro. Ele não usava sua bandana.
Yasuhiko foi até o quarto de Kusaku para chamá-lo de novo mas o garoto saiu antes, batendo o ombro no professor de uma forma que pareceu de propósito.

— A gente come no caminho — Yasuhiko pontuou, tomando a frente para seguir a caminhada.

A moça que os atendera no dia anterior não estava ali e agora uma moça idosa trabalhava como recepcionista. Ao ver o grupo dirigindo-se a saída, disse:

— Então vocês são os ninjas que minha sobrinha falou… — a mulher saiu de trás do balcão, agarrou o punho de Misashi e de Yasuhiko. — Vocês precisam comer os meus bolinhos! Insisto que fiquem aqui ao menos para isso…

Yasuhiko fez um movimento com a mão para negar.

— É muita gentileza, mas não pod…

— Nuu, prepare os chás! — a moça gritou, arrastando-os para o refeitório.

Yasuhiko foi levado e os outros tiveram de acompanhar. A senhora continuou dizendo o quanto era importante o café da manhã e deu mais milhares de motivos para eles comerem.

A área do refeitório era maior do que a recepção, o chão de madeira, teto baixo, almofadas no chão cercando mesas de centro. Ela posicionou o grupo numa dessas mesas e todos tiveram que ajoelhar para comer.

— Já trago alguma coisa, tá? — a mulher anunciou com um sorriso abertíssimo.

Yasuhiko aceitou a contragosto, ficando de um dos lados da mesa enquanto os Genins ficavam no outro. Mal conseguiam se encarar, talvez pelas culpas que cada um carregava.

Asami estava com os cotovelos sobre a mesa, apoiando o rosto nas mãos, com a expressão de que não queria muita conversa, mas o clima pesado não provinha dela. Ela havia notado que o ninja médico não estava só depressivo, mas parecia ter alguma pendência com o sensei.

— Pelo visto vou ter que falar do elefante na sala… o quê houve ontem?

A garota encarou cada um que estava a mesa, quase os obrigando a respondê-la, parando por último no mais velho.

— Yasuhiko-sensei?

Yasuhiko arriscou um riso de canto de boca, olhando a menina em seguida.

— Logo você querendo falar sobre as coisas que ficaram mal entendidas, Asami-chan?

Misashi encarou a resposta com uma torção na boca, mas aguardou que a garota respondesse por si própria.

As sobrancelhas da kunoichi se uniram mais demonstrando a desaprovação da fala do sensei. Ela respirou fundo e cruzou os braços, mantendo a educação que ainda restava.

— Alguém tem que falar algo, sensei. Não podemos ignorar tudo o que passamos… eu não posso — ela perdeu a pose ranzinza no final de sua fala.

Ele a estudou de cima a baixo. Eu entendo, garota.

— Vocês enfrentaram aqueles três, cada um enfrentou um, imagino — o professor avançou, empurrando o corpo para mais próximo da mesa. — E os três morreram — a voz pesou fria.

Misashi baixou as sobrancelhas.

— Neda, Ecchiro e Matsumi — disparou o garoto. — Eles têm nomes.

— E que bom que você lembra deles, Misashi-kun — o professor ajustou a fala, apesar de continuar impessoal e ríspido. — E o quê mais? O quê descobriram?

Os dois mais afetados pela situação não conseguiram responder, ocupados com a irritação que o sensei trazia. Kusaku, por sua vez, participou da conversa como o professor, sendo bem prático para falar das vidas que foram perdidas.

— Eles foram mais afetados pelo abuso das pílulas de comida do que pelos nossos ataques. O homem que batalhava comigo teve um acidente vascular diante dos meus olhos — o menino engoliu em seco, mantendo a postura. — E não sei o que houve com os outros.

Kusaku olhou para os companheiros de time.

— Matsumi… não parava de vomitar sangue…

Asami comentou em voz baixa acompanhando o colega.

— Ela se forçou além do chakra que possuía…

— Com as pílulas de comida — Kusaku completou indo encarar o professor. — Não sabemos como conseguiram, mas aquilo, com certeza, estava sendo usado de forma inadimplente. Essa garota, por exemplo — o garoto fez uma pausa. — Lembro de quando os cercamos e o senhor estava com a kunai na altura do pescoço dela, pude ver as costelas dela por debaixo da camisa. E estavam aparentes, como alguém que não comia há algum tempo. Isso significa que as pílulas que ingeriram estavam consumindo as últimas energias que os corpos deles carregavam.

— Eram só seis cervos, não era nem possível comer nada no meio daquele monte de gente — Misashi justificou com o cenho baixo. — Ela devia estar se doando para que os outros comessem.

— Certo — Kusaku devolveu, frio.

Antes de continuar a falar, Misashi trincou os dentes. Esse desgraçado fala que se importa e fez toda aquela gritaria ontem só para falar desse jeito agora?

— As pílulas potencializaram o chackra deles a ponto de conseguirem fazer jutsus de natureza elemental — Kusaku continuou a explicação.

— Natureza Elemental? — o professor perguntou-se, surpreso com a informação.

— Sim, mas era o ápice do uso de seus corpos, não puderam ir muito além disso. Lembro dos selos de mão serem pífios, lentos. Eles não eram treinados em Academia, aprenderam os jutsus de outra maneira — Kusaku teorizou. — Junto com as pílulas, é possível afirmar que tiveram contato com algum ninja. Enfim, podem ter morrido tanto de overdose quanto de um uso excessivo de chackra.

Misashi olhou-o engolindo em seco. Ecchiro morreu pelas minhas mãos. Tenho certeza disso. O professor concordou com a cabeça.

— Matsumi usava o elemento Vento (Fuuton) — Asami comentou de canto de boca. — Achei que era uma transformação da Natureza rara…

O professor observou os comentários dos alunos e ergueu o peito para finalmente dizer algo sobre tudo aquilo. Primeiro, pegou a deixa de Asami.

— É raro na Aldeia da Folha, temos pouquíssimos usuários. Um deles é Hiruzen Sarutobi, o Terceiro Hokage. Mas em outros lugares do mundo ninja é mais comum, como o país do Vento, por exemplo.

Asami recebeu a informação com certa surpresa. O Terceiro?

— Na verdade, com tudo que comentaram, essa é a parte mais surpreendente — ele começou. — A Transformação da Natureza é um dos processos mais complexos de modelagem de chackra, exige muito treinamento — Yasuhiko fez uma pausa, deixando a voz parar um pouco. — Ou no caso deles, muita persistência. Se todos aqueles refugiados receberam essa possibilidade e só aqueles três conseguiram, isso mostra a dificuldade da técnica.

Yasuhiko olhou para o horizonte meio sem rumo, mas assim que os alunos pescaram na direção do olhar, viram que ele olhava para a velhinha que trazia um bloco de madeira com bolinhos e quatro copos de chá fumegando. A moça colocou-os na mesa e depois acrescentou uma flor de bétula do lado. Os ninjas só puderam agradecer a gentileza, mas todos sentiram-se culpados, como se não merecessem nada daquilo.

— Para que um ninja consiga reproduzir uma técnica de qualquer natureza elemental — continuou ele —, tirando o fato de que algumas são mais fáceis que outras, ele necessita de algumas coisas — Yasuhiko levantou um dedo para frente. — A primeira é reconhecer a natureza do seu chackra, saber qual das cinco se adequa ao seu tipo de chackra. Depois, sabendo isso, é necessário que — ele esticou a mão para frente — o usuário concentre chackra para a determinada técnica — a mão fumegou numa chama azul —, adicione a qualidade elemental — a mão começou a enrijecer junto do azul até se transformar numa cor barrosa que se solidificou em rocha em volta do punho do professor — e depois dispare sua técnica. Dito isso — ele disse, fazendo a mão de terra expandir-se e virar poeira sobre a mesa — imaginem quanto tempo eles tiveram para manifestar essas técnicas. Ou foram ensinados de perto, ou são uma espécie de gênios…

E agora estão mortos… Misashi encarou a explicação com um pesar.

Asami pôs os braços sobre a mesa ainda encarando o montinho de terra que o sensei havia produzido.

— Existe alguma possibilidade de nós, genins, conseguirmos produzir algum jutsu Elemental?

— Bom... me digam vocês — Yasuhiko cruzou os braços. — Quem começou o fogo daquela pira?

Kusaku admirou a demonstração do professor. Apesar de a curiosidade para saber a natureza do seu chackra, o garoto refreou o pensamento, pois sabia qual era a inclinação da família Keido naquele sentido.

Ninjas médicos dificilmente aplicam natureza elemental nos jutsus. Não preciso pensar sobre isso.

Sem ao menos pensar os olhos de Asami entregaram a resposta, no momento em que encarou Misashi de canto.

— Bom... Misashi-kun. Ele consegue produzir Katon (Fogo)…

As palavras saiam com certo receio, como se Asami não quisesse falar algo sem permissão, mas precisasse. Misashi seguiu de braços cruzados, sem olhar para a menina. Pigarreou antes de apertar ainda mais a postura com as mãos enfiadas nos braços.

— É — confirmou, apertando a mandíbula. — Fui eu que acendi a pira. Foi um jutsu do Elemento Fogo mesmo — a boca do garoto abriu e fechou, como se ele escondesse um assunto. — Por quê?

— Por nada — o professor rejeitou. — Mas isso responde a sua pergunta, Asami-chan. Se pensarmos bem, aqueles adversários estariam num nível Genin caso fossem classificados na nossa escala. E bom, eles conseguiram.

Mas de qualquer forma, aprenderam de um jeito clandestino... igual Misashi-kun…

A garota estudou o companheiro de time com um certo interesse, sentia o mesmo quando Kusaku demonstrava suas habilidades táticas e exercia algum plano.

— Certo…

— Espera, desde quantos anos você faz Ninjutsu Elemental? — perguntou Kusaku dotado de um olhar de espanto que encarava o companheiro de time.

Misashi ergueu uma sobrancelha, desafiado.

— Desde os meus oito anos — explicou, mas o outro manteve o olhar incrédulo até que ele completasse. — Recebi uma ajuda, mas aprendi muito cedo.

Yasuhiko apertou o olhar para aquela resposta.

Quem ensinou esse garoto?

— Estilo Elemental, seja qual for ele, não é fácil de ser executado. Meu adversário usava muito chackra para o jutsu que utilizava, e às vezes deixava parte de chackra puro vazar no lugar da técnica — ele parou sua explicação para concluir sua ideia. — As pessoas que nos emboscaram não tinham a menor ideia do que estavam fazendo. A técnica era fraca e tudo o que faziam era desperdiçar chackra e se exaurir. O fato de você ter 8 anos e poder fazer isso é... incrível... poucos conseguem e os que consegue tem um sangue muito forte. Seja lá quem forem seus pais te deram bons genes — comentou o garoto.

Misashi olhou-o com uma visão cerrada.

— É, deve ser.

— Isso é um padrão? — Asami quis saber. — Digo, os genes?

— O que define sua afinidade com o elemento é seu sangue. Você sempre terá um elemento primário, e às vezes um secundário — explicou Kusaku.

— Funciona como qualquer outra habilidade, um bom gene só te dá afinidade — Yasuhiko respondeu. — O resto é treino duro. Meus pais foram artesãos, por exemplo.

Os alunos se entreolharam, entendendo o que vinha a seguir, porém, Misashi que resolveu voltar ao assunto.

— Como acha que podem saber essas técnicas? Como tiveram contato com isso? — perguntou o garoto.

Yasuhiko pôs as mãos debaixo do queixo, num gesto que estremeceu o garoto com a armação de metal na cabeça.

— Bom, não sei — disse. — Pela proximidade, suspeito que possam ser ninjas dos arredores. Mas em questão de saber ao certo quem é, não faço ideia. Pode ser qualquer pessoa, de qualquer lugar, por qualquer motivo.

— Sabemos que eles vieram do país da Grama, ou ao menos passaram por lá... e provavelmente foi com esses mesmos ninjas que eles devem ter conseguido as ferramentas — Asami pontuou.

— E se for alguém do País do Fogo? — Misashi cuspiu. — É fácil acreditar que é alguém de fora, mas tem a mesma chance de ser alguém daqui.

Yasuhiko não esperou o grupo responder, apenas pôs sua opinião em jogo:

— É verdade. É por isso que digo que não temos muit…

Lá fora, um barulho de passos e uma gritaria de pessoas incendiaram a rua. O ruído era tanto que o professor precisou parar por um instante antes de continuar.

— ...muito para nos agarrar. Seria bom que enviássemos um relatório o quanto antes — o sujeito ponderou.

Outra vez, houve aquela posição com a mão no queixo, e novamente, Kusaku estremeceu com ela.

O que está havendo? Misashi ponderou ao vê-lo.

Asami voltou os olhos de uma janela próxima de onde a algazarra havia lhe chamado atenção, para o sensei.

— Isso são só deduções… não dá pra tirar conclusões em "achismo", mas alguém está ensinando pessoas… quase como se elas fossem cobaias…

A garota jogou o termo na mesa esperando se mais alguém havia pensado o mesmo que ela.

— Não sei se são cobaias — Kusaku rebateu. — Mas acredito que é algo a mais, com certeza. E seja lá como conseguiram aprender essas técnicas, não foi de forma legal, nem mesmo convencional. Mas o sensei mesmo disse — o garoto tremeu a voz por um momento. — Pode ser um grupo de moribundos que aprenderam algo com algum pergaminho achado no corpo de um ninja morto.

A mão de Misashi em cima da mesa tremia. Estava disposto a levantar-se para dar um soco na cara de Kusaku, mas parou quando ouviu mais dos sons abafados vindos de fora. Yasuhiko ficou atento, mas a única pessoa a se levantar para ver o que acontecia foi a senhora que os atendera. Saiu de dentro da porta da cozinha, arrastando os pés com chinelos até chegar à porta.

— Que arruaça é essa... — ela cochichou.

Desceu os degraus que separavam um cômodo do outro e quando abriu a porta, o som de fora veio como um estrondo, uma mistura de vozes, gritos e zumbidos. Do meio da falação, conseguiram ouvir:

— Abaixo a esses ninjas malditos!

— Morte a todos!

— Fora Aldeias Ocultas!

— O quê? — Asami ergueu o pescoço para olhar por cima dos companheiros, na direção da senhorinha na porta. É algum tipo de protesto?

— Não vai, Asami, pode ser perigoso! — Kusaku avisou, levantando da cadeira e pondo a mão no ombro da companheira.

Yasuhiko pôs-se de pé, se movendo na direção da porta. A mulher tentou expulsá-los, fazendo um movimento com a mão. Por sua vez, continuaram gritando e aumentaram o volume ao ver o sensei se aproximando.

— Saiam da nossa vila!

— Não queremos vocês aqui!

— Não precisamos de vocês aqui!

Misashi olhou a situação de onde estava, aguardando a ação do professor. A pessoa mais tensa no círculo, entretanto, era Kusaku, pressionando o ombro da companheira com tanta força que chegava a machucar. Não, não, não faça nada, por favor, não faça nada, por favor, não…

Ao sentir o desconforto, Asami se ergueu e retirou a mão do ninja médico do ombro da mesma.

— O que há com você? Está me machucando — resmungou, encarando Kusaku vendo seus olhos tremerem de nervoso. Por que ele está tão aflito?

Asami estudou o colega um pouco mais e conseguiu notar que ele não olhava para a porta, mas sim para o sensei.

Kusaku está assim desde antes…

Misashi levantou-se da mesa, tentando ver o resultado de tudo mas sempre fitando o professor e o ninja médico. Lá na porta, os gritos continuavam, e o sensei continuava parado, aguardando o término da situação. A senhorinha berrou de volta para os manifestantes e por fim, houve um argumento da parte de Yasuhiko:

— Podemos ir embora, pode ser?

A multidão vibrou.

— Pois bem — o professor fez uma pausa, expandiu o peito. — Time 09, vamos.

Misashi aproveitou que estava de pé e preparou-se para ir. Ajeitou a mochila nas costas, mas antes bebeu todo o chá de seu copo e comeu um bolinho inteiro sozinho. Não queria fazer desfeita para a senhora. Asami concordou, ainda massageando o ombro, bebeu o chá e guardou um dos bolinhos na bolsa.

Kusaku sentiu um alívio ao escutar as palavras de seu sensei, mas não podia esconder o pânico, nem seu olhar, nem suas mãos trêmulas, pois segundos antes, havia visto Yasuhiko pôr a mão em seu porta kunais. Kusaku passou pelo lugar, cumprimentou a senhorinha e se apertou por entre os manifestantes até sair do outro lado com gritos de ordem. E ainda ali, mais distante da situação toda, pensava:

Ele… ia matar todos ali…

O grupo seguiu pela única estrada da cidade, deixando a turba de cidadãos para trás. Quando a estrada guiou para uma subida de montanha, o grupo acelerou. Yasuhiko na frente liderando o time, seguido de Misashi, Asami e por fim, Kusaku.

Asami seguiu a fila, encarando o chão. Conseguia ver as pegadas que seu companheiro de time, Kusaku, deixava. Olhando para ele, podia ver uma postura diferente. Ainda ali, distante de tudo, ele parecia apavorado. O que foi que você viu Kusaku-kun?

A viagem seguiu calada assim como a que levara até a vila anterior, porém, assim que conseguiram escalar a montanha e chegar no cume, embarcando numa outra estrada que descia em direção a um outro país, o professor conseguiu falar:

— Ali — apontou na direção do horizonte.

Havia uma grande árvore despontando num horizonte florestado, e antes dela, uma enorme cachoeira, revelando que o local da árvore era uma enorme elevação de terra por onde corria muita água. Na frente, várias outras cachoeiras menores, despencando em quedas ainda menores até ficarem diminutas. Um lugar lindo, quase intocado pelos conflitos que os garotos haviam visto anteriormente.

Mesmo ficando encantada de como a vila Oculta da Cachoeira era distante da sua, Asami não conseguiu sorrir. Ainda estava se recuperando dos eventos dos últimos dias, ou se iludindo de que estava melhorando.

— Vamos descer a encosta — pediu o professor.

Ele se aproximou da beirada e conferiu o que havia embaixo. A descida economizaria bastante caminho. Então, ele saltou, utilizando as pedras para amenizar a queda, pulando de um lado para o outro até atingir o chão.

Kusaku seguiu seu professor, acompanhado de seus colegas, pulando de pedra em pedra. A vista era linda mas não distraía-o da tensão que havia ao redor. O garoto tinha a segurança de saber que sobreviveria ao combate graças ao poder devastador de seu sensei, mas o custo disso era muito alto. Talvez pior do que enfrentar a morte.

Era difícil para ele. Um médico deveria salvar vidas, e não terminar com elas.

Os três aterrissaram numa terra úmida com árvores mais espaçadas e de troncos mais finos. Não viram o sensei assim que pousaram, mas depois, um pouco mais à frente, numa área com um lago cercado de pedras, lá estava ele, de pé sobre uma pedra com a cabeça virada para cima.

Quando os Genin saíram da área protegida pelas copas e alcançaram a mesma região ensolarada, sentiram algumas gotas caindo, como uma fina garoa.

— Bem-vindos ao País da Cachoeira — disse, sem animação alguma. Desceu da pedra e arrancou seus sapatos. Sentou-se num outro local, pôs os pés dentro da água. — Nossa última parada antes do País da Terra.

Os alunos estranharam, mas o professor continuou.

— Estamos no segundo dia de viagem e no meio do caminho. Vou permitir um dia de descanso, voltaremos a viajar no dia seguinte.

Misashi firmou a postura e cruzou os braços. Aquilo beirava a insanidade.

— Por que vamos parar ag…

Então, prestando atenção ao sensei, viu uma coisa. As pernas que levavam até debaixo d'água se mexiam demais. Era uma tremedeira.

Misashi fitou Kusaku.

Até mesmo ele precisa parar. O quê eles viram?

— Quer que eu veja suas pernas, sensei? — Kusaku perguntou.

O homem retesou os membros como se recuperasse o controle daquela seção do corpo. Ele abriu mais uma vez aquele sorriso largo, pela primeira vez em muito tempo. Contudo, o sorriso tinha aquele mesmo peso estranho de todas as vezes. Sarcástico, ácido, e agora, dolorido.

— Não precisa, Kusaku. Estou bem — respondeu, mantendo os lábios abertos.

Asami arregalou os olhos, mas foi até uma árvore próxima e pendurou a bolsa em um dos galhos. Então caminhou até uma das pedras e fez o mesmo que o sensei, olhando o companheiro médico oferecendo ajuda. Misashi tentou acomodar-se com o descanso, mas não ficou bem. Para completar, o professor seguiu:

— Certo — ele disse, pigarreando. — Podemos aproveitar essa parada para testar algumas coisas em nosso time — ele pôs a mão dentro do colete e arrancou um trio de papéis. — Se nossos inimigos têm esse tipo de habilidade, faz sentido que vocês também tenham. E quanto mais cedo começarmos, melhor.

O grupo se entreolhou, assustado com o que vinha pela frente. Kusaku não impediu uma tremedeira nas pernas, semelhante ao do sensei. Ao lado deles, aquela nesga de terreno que ficava logo abaixo da cachoeira permitiu ser respingada por uma borrifada da água que vinha de uma das inúmeras seções do País da Cachoeira.


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