Olá, Bebê escrita por Nate Keehl


Capítulo 3
Capítulo 3




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Quando perguntaram a L como ele gostaria de fazer o parto, seu primeiro reflexo foi responder um simples e desesperado: sim. Sim, façam agora mesmo! E, se desconfiassem do motivo pelo qual ele parecia estar insinuando insatisfação em carregar tal milagre, ele responderia dizendo que estava apenas ansioso para ter seu filho aqui do lado de fora, em seus braços. Claro, todos menos Light cairiam nessa, até porque eles estavam treinando segurar crianças desde o segundo mês de gravidez, e até agora o único a não causar fatalidades fora Light — o que L achou uma piada mordaz.

— Na verdade, estamos nos referindo ao método de retirada do bebê — explicou o médico, educadamente.

— Há alguma outra opção que não envolva um bisturi e muita anestesia? — perguntou L, desconfiado.

O médico sorriu. 

— Se você se sentir corajoso, sim. 

L fez uma careta assim que a possibilidade cruzou sua cabeça. 

— Bom, então descarte-a. 

Light adicionou:

— Espera, precisamos considerar que… 

Mas L levantou um dedo no ar, cortando-o com o gesto.

— Agradeço sua preocupação, Light. Mas, apesar do filho ser nosso, no momento ele está dentro de mim, e você não pode convencê-lo a me fazer mudar de ideia. Então está decidido. Agora, podemos ir para o hospital?

L delegou a Watari a tarefa de se encarregar das mudanças que seriam necessárias na mansão, mas nem Watari poderia tomar conta das mudanças que seriam necessárias em L para a chegada de um filho. 

Ele percebeu isso quando separou a primeira muda de roupa que as enfermeiras vestiriam no bebê e, enquanto tentava, desajeitadamente, dobrar o minúsculo body bege que Sayu e Misa escolheram, percebeu também que nunca precisou lavar, passar ou sequer escolher as próprias roupas durante a vida; e agora queria desesperadamente aprender a fazer isso por outra pessoa, uma pessoa pequena que ele ainda nem conhecia pessoalmente. Será que seria assim dali para frente? L perderia o gosto por analisar cadáveres e ficaria viciado em ninar uma criança e trocar fraldas?

— L, está cedo demais. O que você vai ficar fazendo lá esse tempo todo? — perguntou Light. 

Ir para o hospital mais cedo não significava exatamente ter o bebê mais cedo, L sabia disso, mas pelo menos ele poderia evitar a plateia que sabia estar a caminho. Na verdade, L planejava entrar pela porta dos fundos e só sair daquele hospital pela frontal com a criança em sua posse. 

— Não sei, eu poderia segurar o espelho para você retocar sua maquiagem, Light-kun.

Era injusto, Light parecia preparado para um desfile, os sapatos brilhantes, o cabelo sedoso e a pele cheirando a água fresca — porque ele não queria incomodar o bebê com perfume, embora não se importasse em incomodar o resto do mundo.

Mas L… L fechava os olhos quando passava na frente de qualquer vidro levemente refletivo e, desde o sexto mês, perdeu completamente a capacidade de puxar as duas pernas de encontro ao corpo. Quer dizer, ele até conseguia, com algum esforço, mas depois que Light o pegou no flagra, o fez prometer em nome da volta de Kira que nunca mais tentaria. 

Então agora L se sentia tão burro e inchado que a ideia de vestir meias e se esconder no hospital com antecedência não era das piores.

Light suspirou resignado, se virando para o médico:

— Acho que podemos encontrar alguma atividade para ele pelas próximas… trinta horas.

~*~*~

Nos últimos dias de gravidez, Mello não desgrudou os olhos de Near, em todos os sentidos —  apreciando, cuidando e se preocupando, sem nunca deixar nada na cara, claro —, mas ele também não os desgrudou do pequeno calendário magnético na geladeira; riscos em preto para Mello saber quando ligar perguntando da carga de armas de fogo que atravessaria o oceano Atlântico, e riscos em vermelho para consultas de pré-natal, exames de rotina e compras de “negócios de bebê”, seja lá o que fossem.

Eles foram informados de que, conforme os dias se aproximassem da data marcada para o nascimento da menina, Near deveria sentir algum tipo de mudança (nem que fosse apenas ansiedade) e também deveria começar a pensar em suas opções. Mas, até agora, nada disso aconteceu; Near age como se não estivesse a poucos dias de dar à luz. 

— A — soltou, de repente, deitado no sofá e rodeado de travesseiros. Ele sentiu alguma coisa; algo que, apesar de não ser doloroso, tem se tornado mais e mais frequente.

— A? — Mello se sobressaltou, apertando o controle remoto que usava para pular de canal.

— A...manhã poderíamos começar a procurar imobiliárias íntegras no bairro mais decente possível de Los Angeles. 

Mello ignorou a crítica, até porque Near estava parcialmente correto: teriam de equilibrar informalidade comunitária com segurança priorizada, para não levantar suspeitas. E isso dificilmente se fazia com “imobiliárias íntegras''.

— É uma boa ideia. Então aproveita e avisa nossa filha que o parto tá cancelado. Ela que encontre outro espaço na sua agenda cheia. 

Near permaneceu calado. Mello se sentou. 

— Escuta, você não pode fugir desse assunto pra sempre. Não quer falar comigo? Beleza. Mas não querer falar com os médicos? Sabe, se o problema é verbal, você pode simplesmente preencher o papel que te deram e dizer o que prefere.

Near ainda não olhava para Mello, mas não estava mais concentrado nos origamis.

— O problema… não é esse. 

Mello esperou. Near continuou, depois de um tempo:

— Eu só não gosto de saber que vou ter que ir para um lugar diferente e que deveria estar me preparando para esse momento. — Ele olhou em volta, para os pedacinhos de papel que se infiltraram nos cantos do estofado e para o saco de bombons sobre o braço de sofá, que eles aprenderam a dividir depois do jantar, assistindo programas de engenharia até tarde da noite e depois pegando no sono juntos, de alguma forma. — Que vai chegar a hora de ir para um hospital gelado e sair daqui.

Mello levantou e se sentou perto dele, batendo os recortes coloridos das dobras da coberta de peso favorita de Near. Sorriu.

— Do seu lixão particular?

Near baixou a cabeça.

— Do seu lado. 

A tv continuou falando sobre sistemas de drenagem de lagos enquanto Mello pensava.

— Se eu soubesse que bastava te apertar um pouquinho eu teria gravado essa conversa pra mostrar pra sua médica. 

Near se sentiu constrangido por ter achado que Mello não levaria a sério suas preocupações bobas, sendo que, até hoje, Mello sempre levou cada uma delas. Mas ele apenas pegou o origami em formato de sapatinho de bebê e o colocou na palma da mão, então disse:

— Que tal assim, a gente liga pra ela juntos e você me diz isso tudo de novo? — Mello afagou uma mecha de seu cabelo, sorrindo. — Até a última parte.

~*~*~

Misa e Sayu conversavam baixo, mas animadamente, sobre serem as tias que vão salvar a pobre criança; Soichiro passava os olhos por um jornal sem entender o que lia; Sachiko observava Light com carinho e, de vez em quando, seus olhos marejavam enquanto sorria para si mesma; a força tarefa esperava pacientemente, soltando algumas piadas ocasionais sobre como é complicado ser pai; Near lançava olhares experimentais para Mello; Mello, do lado oposto da sala, ignorava todos, depois olhava de volta quando ninguém estava vendo; Watari e Naomi conversavam distraidamente em pé; Matt estava atrasado; Takada lamentou não poder vir. Light, por sua vez, sentava graciosamente no banco da sala de espera enquanto fingia não estar cedendo ao desespero da paternidade. 

Ele não queria incomodar a moça do outro lado da mesa de atendimento com perguntas (que foram respondidas previamente) sobre eles, então, toda vez que sua mente fazia seus pés o levarem até lá com “já posso vê-los?” na ponta da língua, ele desviava em direção ao banheiro e jogava água na cara enquanto repetia, baixinho, para o espelho: você foi o kira, você consegue ser pai.

Mas, no caminho de volta, ele já havia esquecido de seu passado, e tudo que conseguia pensar era em como estava a saúde de seu futuro. Dos seus dois futuros. 

— Vocês são tudo para mim — Light disse, horas atrás, depois beijou a testa de L, que fechou os olhos com o toque. — Tudo que eu sempre quis de verdade, que eu precisava na minha vida e não sabia que um dia poderia desejar. 

L, já deitado na maca, olhou para a própria barriga com divertimento. 

— Ouviu isso, filho? Vamos cobrar do seu pai mais tarde. — Então ergueu a cabeça. — Para o resto da vida dele.

Light revirou os olhos.

— Um pouco tarde para tentar me assustar com compromisso. Ou seria isso uma ameaça?

L deu de ombros.

— Estou só me certificando. — Depois olhou por cima do ombro de Light. — Agora, quanto antes nos der licença, antes vai poder dizer isso a ele pessoalmente.

— Light Yagami? — alguém o chamou de seus devaneios, com uma voz de leitura. A enfermeira olhou em volta quando ninguém da sala se acusou, então tentou de uma forma diferente: — O pai… do bebê?

Todos se entreolharam, envergonhados em levantar a mão — mesmo que por um segundo — para avisar que o pai estava logo ali do lado, viajando na maionese enquanto olhava para os ladrilhos do chão.

Foi apenas quando Soichiro e Sachiko ficaram de pé, emocionados e aliviados, que Light percebeu que todo mundo o encarava. 

— O que? — Levantou devagar, se aproximando dos próprios pais.

A enfermeira sorriu com doçura. 

— Você é o papai sortudo? Seu filho e seu marido estão te esperando.

Mas ele não conseguiu responder nada, não conseguiu pensar na coisa certa a ser dita, na coisa que esperavam que ele dissesse; tudo que percorreu sua mente não podia ser expressado em palavras.

De repente, Soichiro tocou seu ombro, fitando o filho com ternura e orgulho. 

— É ele sim. 

Light olhou em volta, aflito.

— Pai, eu… não sei se eu consigo ser… pai — tentou, baixinho; qualquer frase mais complexa que isso sairia em forma de balbucia; qualquer conquista anterior evaporou na tentativa de se comparar a esta. 

Soichiro aumentou o aperto e lhe deu um sorriso. 

— Tudo que vocês dois fazem juntos é extraordinário. Você e o L serão ótimos pais. — Olhou para a esposa e para Watari, depois para todos os outros, parados no fundo com expectativa. — E nós estaremos aqui para ajudar. 

~*~*~

A primeira coisa que Mello fez naquela manhã foi rezar. Ele pediu aos santos que o concedessem um único dia onde seus nervos não estivessem à flor da pele, um único dia onde ele pudesse ser para Near a pessoa que Near tem sido para ele: seu porto seguro. Mello queria se certificar de que a primeira visão que sua filha teria dele seria do homem que ele esperava ser para ela um dia, e não do que ele era agora. 

Sim, Mello também sabia que nunca seria o pináculo da calma que Near aparentava ser no momento — dormindo tranquilamente na cama com bonequinhos esquecidos na ponta dos dedos porque ele pegou no sono brincando, o ventilador ligado no máximo e a barriga apoiada no buraco de seu travesseiro especial para gestantes com estampas de dinossauros.

Então Mello acordou às 5:30 da manhã e, como não conseguiu voltar a dormir, começou a organizar tudo. Com movimentos suaves e passos leves, ele preparou uma xícara grande de chá de camomila com muito açúcar e separou as coisas que achava que Near ia querer. Colocou os astros fluorescentes para absorver a luz do sol, trocou as capas das espumas de memória, lavou os brinquedos mastigáveis, carregou as baterias das lâmpadas de lava e arredou os móveis para alcançar outros brinquedos sensoriais e visuais que Near tinha esquecido e substituído porque não estavam mais à vista. 

Às 6:42, enquanto cortava a quarta barra de chocolate para comer ao longo do dia, seu celular tocou. Aquele som específico designado para aquele número específico dispensou a necessidade de olhar o identificador de chamada. 

Aquela era uma ligação do trabalho. 

Mello agarrou a bancada de mármore com uma mão e apertou o cabo da faca de carne que estava usando para picar o chocolate com outra, enquanto olhava para a tela do aparelho. Código de área 415. Mello jamais teria atendido se fosse de qualquer outro lugar além de São Francisco. 

— Olha, se você tá me ligando é porque tá vivo. E o que foi que eu disse antes de ir embora, ein, porra?! Que eu só ia atender se fosse o Judi dizendo que te achou num porta-malas.

O homem respondeu. Mello olhou em volta para ouvir se Near não havia acordado, então diminuiu o tom de voz. 

— E de onde você tirou que pode me ligar assim? Cê acha que sou teu terapeuta pra desabar sobre a missão? Tô nem aí se era importante, caralho. Respeita a hierarquia e vai reclamar com o teu chefe; se ele achar importante ele me avisa. 

Então desligou o celular e o derrubou na pia, esquecendo completamente do hábito recém adquirido de tentar ser silencioso, perdendo a compostura devido à crescente dor de cabeça instaurada pela conversa. 

Mello foi até o compartimento dos remédios e tirou de lá seis comprimidos de advil e rivotril, depois deu um gole na garrafa de uísque envolta em um saco de papel pardo.

 

Os profissionais necessários para o parto chegaram como Near instruiu: um de cada vez, em intervalos espaçados de forma aleatória, como se fossem visitas casuais se preparando para um jantar. Quando eles deram sinais de confusão, Mello esclareceu:

— Ele só não quer que vocês cheguem como se estivessem preparados para abrir um cérebro.

Na verdade, ninguém iria abrir nada de forma mecânica. Quando a médica expôs a possibilidade de eles terem a criança no conforto de sua casa, Near ficou imediatamente aliviado com a notícia — mesmo que isso significasse dar à luz a uma bebê de aproximadamente três quilos com o mínimo de interferência médica, incluindo cirúrgica. 

Mello tomou mais um relaxante muscular só de ouvir essa decisão. 

— Tem mesmo certeza disso? Você e o bebê são, tipo, praticamente do mesmo tamanho — Mello disse enquanto enchia a banheira com água, esperando o sinal de Near para escolher a temperatura mais agradável para ele. 

Near observou a água morna jorrar, levantando alguns brinquedos e os fazendo navegar em círculos; seis tipos de patinhos amarelos em tons e tamanhos diferentes, uma estrela do mar grudada na borda, uma tartaruga afundada, um barco levando outros quatro animais não-aquáticos e uma lancha guiada por um golfinho de boné. Near sabia que estava quase na hora, simplesmente sabia, de um jeito que uma consulta marcada para ir ao hospital jamais seria capaz de precisar. 

— Nós vamos conseguir — afirmou, tocando a barriga relativamente pequena para nove meses. — Teoricamente eu saberei o que fazer quando chegar a hora. É assim que os pais funcionam. Acho.

Mello se aproximou, abrindo o primeiro botão do pijama dele. 

— Dizem que dar a luz é pior do que levar um tiro, sabe. 

Near virou de costas e deixou que Mello deslizasse completamente o tecido pelos seus ombros, e, depois de alguns segundos, sentiu os dedos dele em suas costas, acariciando sua pele e descendo pelos seus braços. Mello encostou lábios no pescoço de Near e abraçou sua barriga. 

— Espero nunca poder comparar — Near sussurrou, ouvindo a respiração lenta de Mello com olhos fechados. 

Eles apreciavam os últimos momentos a sós, ao mesmo tempo que desejavam mais do que nunca conhecer sua primeira filha. Near se virou para ele e então sorriu com a vista. 

— Você sabe que não precisa tirar a roupa também, não sabe?

— Ei, por que você pode exibir sua barriguinha por aí e eu não posso exibir a minha? — Mello perguntou, olhando para baixo. Ele queria apenas deixá-lo mais confortável com a situação; mesmo que fosse necessário ficar totalmente pelado e abrir as pernas junto com Near na banheira. 

Near tocou as duas cicatrizes de bala no torso dele, uma no ombro e outra entre os músculos do abdômen. Havia uma terceira nas costas. E uma quarta que pegou de raspão na coxa. Além, claro, da cicatriz da queimadura completamente exposta. 

— Vamos torcer para ninguém fazer perguntas aqui também — Near disse e, assim que terminou, Mello o beijou. 

— Mello? — murmurou, franzindo o cenho e se afastando apenas o suficiente para falar, mas ainda para sentir os lábios dele nos seus. 

— Quê?

— Acho que agora não é uma boa hora. 

Mello segurou o queixo de Near, tentando aprofundar o beijo. 

— A equipe só vem quando você avisar. 

Near deu um último selinho antes de dar um passo para trás, os olhos fixos em lugar nenhum, completamente concentrados nas contrações. 

— Então definitivamente não é uma boa hora. 


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Notas finais do capítulo

se ter filhos significa ser tratado do jeito q o near foi tratado nesse cap, eu posso até considerar kkkkk :')



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