A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes


Capítulo 5
O Rei goblin


Notas iniciais do capítulo

A verdadeira face de Jarod Crestani se revela para Helen McVeigh e uma notícia vai deixar a moça ainda mais abalada. Apresentada a uma realidade diferente, sua vida estava prestes a mudar drasticamente.



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Na vigésima quinta noite, enquanto terminava de limpar as prateleiras sob o balcão, percebeu uma estranha luminosidade se formar diante da porta. Ela ergue-se e observou aquilo confusa e assustada. A luz não vinha de fora, através do vidro, mas se formava ali, no pequeno corredor entre as mesas.

            A mulher ergueu o braço diante dos olhos ao ver uma estranha fenda se formar em pleno ar. Ela recua, sem saber pra onde correr dali, mas seu corpo trava quando ela percebe que alguma coisa atravessava a fissura. Então ela cobre a boca, evitando um grito, quando reconhece Jarod saindo daquela estranha luz. Ele a observa e ela sai detrás do balcão devagar, incerta do que via, mas certa de que a visão do estrangeiro era algo que ela ansiava após todos aqueles dias aflitos.

            Para sua surpresa e terror, a forma humana de Jarod sofre uma metamorfose e torna-se uma criatura que ela só reconhecia em histórias antigas, lendas assustadoras contadas para crianças dormirem. O ser vestia uma capa negra, parecendo ser feita de retalhos, penas e raízes secas. Ao redor dele, três esferas de cristal flutuavam sem parar e o rosto dele não possuía expressão alguma, como se fosse uma máscara.

            Helen recuou e caiu sentada no piso frio e liso. A criatura caminhou até ela e abriu a boca. Sua voz soou como chuva entre as folhagens, grave como o trovão e perigosamente hipnótica:

—Helen McVeigh... Eu vim buscar o que me pertence.

            A jovem se arrasta, tentando se afastar dele, mas ele avança:

—Eu sou Jareth, o Rei goblin... Senhor do Labirinto mágico e de tudo que há nele, acima ou abaixo do chão. Você virá comigo de bom grado.

            Helen consegue se erguer e corre de volta para o balcão e dali, tenciona fugir e se trancar na despensa do bar, porém seus passos não avançam e ela percebe que estava presa no chão. Atrás dela, o ser caminha sem pressa, como se desfrutasse do medo e assombro que despertava nela. Sua mão tocou-lhe a cintura e pousou em sua barriga, os lábios dele estavam próximo à sua orelha esquerda:

—É inútil tentar fugir de mim. Você guarda algo que é meu e virá comigo agora.

            Helen sente suas forças abandonarem seu corpo. Aquela visão estava além de sua sanidade e ela desmaiou, sendo amparada pelo Rei goblin, que seguiu com ela nos braços de volta para a fenda brilhante. Então o bar ficou mergulhado em silêncio e escuridão, sendo um mistério para as pessoas que lá trabalhavam, o sumiço de Helen deixando para trás documentos e dinheiro.

            O mesmo detetive que cuidava do caso de desaparecimento de Jarod Crestani assumiu o caso de Helen. Nada no apartamento, nada em hospitais ou delegacias. Nada diferente nos pontos de movimentação criminosa da região. Ninguém viu ou ouviu nada. De acordo com as gravações das câmeras de vigilância da galeria, Helen nunca deixou seu trabalho na noite do desaparecimento. A única coisa que chamou a atenção no policial durante a análise dos vídeos gravados foi uma estranha luminosidade se formar do lado de dentro do bar, mesmo assim num ângulo pouco interessante para tirar conclusões. Poderia ser o farol de algum carro no vidro da porta. Outro mistério sem explicação.

            Helen acordou num imenso salão, deitada num tapete grosseiro e encardido. Ela olhou ao redor e viu numerosas figuras mergulhadas nas sombras do lugar, olhando-a em silêncio. Quando voltou o rosto para frente, viu seu sequestrador sentado num trono, olhando para ela longamente e sorrindo no canto esquerdo da boca. Ela tenta se levantar, mas as pernas não lhe obedecem, então o ouve dizer:

—Bem vinda ao meu reino... O Reino dos duendes! A partir de hoje é minha hóspede até que entregue o que é meu.

            Ela passa as mãos no rosto e fala:

—Como... Eu vi você... No meu sonho! E Jarod! Oh, meu Deus! O que foi que fez com ele? Eu...

            Jareth sorri e se levanta, indo até ela:

—Jarod Crestani serviu ao meu propósito. Você foi escolhida para dar um presente ao meu reino, um herdeiro para o Rei Goblin... Uma criança para me suceder quando chegar o tempo.

            Helen toca o ventre e se recorda dos enjoos e do cansaço sem fim. Os olhos dela estão muito abertos, encarando a criatura frente a ela. Tudo o que ele falava parecia trazê-la cada vez mais para dentro de um sonho bizarro, mas os sons, o cheiro e aquelas presenças ao redor dela diziam que era real. Ela falou com voz fraca:

—Por quê?

            Jareth sorri:

—Porque eu desejei assim.

—Não! Isso é só um pesadelo! Não pode ser! Eu não posso estar num...

            Então as mãos de Jareth pousam nos ombros da mulher e ela sente aquele toque real demais. Mais uma vez ela desmaia e o Rei goblin suspira:

—Vai ser um longo dia... Levem ela para os meus aposentos.

            Um grupo de goblins e duendes barulhentos se reúne ao redor da moça e ergue o tapete, formando uma maca improvisada que leva Helen até a ala do castelo onde estavam os quartos. Duendes femininos foram incumbidos de trocar as roupas da mulher e atendê-la em suas necessidades básicas. Desde a partida de Sarah do Labirinto que aqueles seres não tinham contato com um ser humano. A decisão de seu rei e mestre de trazer outra para o castelo encheu os seres de perguntas, mas o que eles perceberam nela era diferente.

            Helen estava cercada de uma energia desconhecida. Era forte e pulsante e isso deixava cada duende agitado e curioso. Após dois dias dormindo, ela despertou numa grande cama de dossel, forrada com tecidos finos e leves, decorados com pequenas flores secas, costuradas com delicadeza na trama. Sentou-se devagar e olhou ao redor, ainda assustada. Suas roupas tinham sumido, estava vestida com algo semelhante a uma camisola. A única coisa que ainda tinha consigo era o estranho colar presenteado por Jarod Crestani ou o homem que ela conheceu por tal nome.

            Pequenas criaturas se escondiam atrás das pilastras do quarto ou dos móveis. Elas cochichavam e davam pequenas risadas, tensas e curiosas sobre a estranha hóspede. Helen ergueu a mão e chamou-as:

—Venham aqui.

            Tímidas, as criaturinhas seguem devagar até a cama. Helen se inclina na direção delas:

—Olá... Eu preciso saber o que está acontecendo. Que lugar é esse e porque estou aqui?

            As duendezinhas se entreolham e riem. Elas sobem rapidamente na cama e avançam contra Helen, que recua, para depois ser imobilizada por elas, que começaram a pentear seus cabelos e trocar-lhe a roupa. Ao fim do processo, Helen está deitada, arfando e confusa. Uma das criaturas se aproxima com um par de sapatos:

—Aqui. Calçar seus pés. Mestre mandou cuidar.

            Helen sai da cama e coloca os pés onde a duende apontou. Ela olha a criaturinha e pergunta:

—Que lugar é esse?

—O Palácio do Rei goblin...

—E quem... É ele?

—O senhor de tudo... O mestre!

            Helen suspira. Aquela conversa precisava avançar:

—Minhas roupas? Onde estão?

—No fogo. O mestre não quer nada do seu mundo aqui. Agora venha... Precisa se preparar. Segue comigo.

            Helen caminhou pelos corredores até o que parecia uma enorme casa de banho. Lá dentro ela viu outras criaturas se movimentando rapidamente de um lado a outro, limpando, costurando e pintando. Haviam baús enfileirados com toda a sorte de vestidos e adornos, além de sapatos combinando. A jovem foi levada até perto deles e ouviu a criaturinha falar:

—Escolha o mais bonito. Agrada o mestre.

            Helen olhou ao redor e viu um vestido ainda não adornado. Apanhou-o e falou:

— Quero este.

—Não! Feio! Feio!

            As outras criaturinhas começaram a exclamar que o vestido era feio e Helen gritou:

—Chega! É esse que eu quero!

            Todas se calaram, olhando umas para as outras. A duende que acompanhava Helen baixou o olhar e murmurou:

—O mestre vai ficar bravo... Vai ficar furioso e vai mandar nós pro labirinto fedido!

            Helen percebeu a feição consternada delas e ajoelhou-se diante da pequenina:

—Não se preocupem... Eu vou falar que é minha culpa. Fui eu quem escolheu e não deixei vocês me vestirem, está bem assim?

            As criaturas se entreolharam e mostraram seus dentinhos tortos e amarelados no que Helen supôs estarem sorrindo pra ela. Despiu-se e colocou o estranho vestido que tinha a cor do chão e das paredes do lugar. Satisfeita, saiu dali rumo ao corredor, quando dois goblins apareceram e tomaram suas mãos, aflitos:

—Vem! Vem! O Rei está chamando! Rápido!

            Ela deu um safanão e soltou-se deles:

—Não vou! Ficarei no meu quarto! Eu não pedi pra ser raptada para este lugar! Estou aqui a contragosto e não faço questão de vê-lo ou falar com ele... A menos que me mande de volta ao meu mundo!

            Dizendo isso, ela seguiu de volta para o aposento onde acordou e seguiu até uma porta que dava para uma varanda ampla. De lá pode ver toda a extensão daquele estranho reino, avaliando onde estava. No horizonte, montanhas cobertas por uma vegetação escura e abundante, formações rochosas bizarras e ao redor do palácio, um árido e tenebroso labirinto feito de pedras desigualmente cortadas. De lá ela podia ouvir estranhos barulhos e sombras se movendo entres os corredores.

            Passos a trouxeram de volta à realidade e a voz do Rei goblin soou no cômodo:

—Podia ter escolhido um vestido mais suntuoso... Minhas servas não te mostraram os outros modelos?

            Helen não se virou. Não queria olhar nos olhos dele e ver que havia sido enganada:

—Elas tentaram mudar minha escolha, mas não sou uma convidada ou hóspede... Sou uma prisioneira, então não há sentido escolher nada.

—Hum...

            O silêncio é incômodo e Helen sente o peito oprimido. Queria gritar e pedir que o Rei goblin a liberasse daquela situação, mas seu coração não suportava a dor de descobrir que o homem por quem se apaixonou era uma terrível mentira. Ela enxugou uma lágrima furtiva e disse:

—Eu... Eu amei Jarod Crestani. Eu... Fiz planos para...

            Ela não continua. Ele se aproxima:

—Eu sou Jarod Crestani...

            Ela ergue o olhar para o horizonte:

—Eu amei aquele estrangeiro assim que o conheci...

—Eu sou um estrangeiro em seu mundo...

            Ela se volta para ele. Seu rosto está vermelho e os olhos cheios de lágrimas:

—Eu amava um homem... Mas você... Eu não sei o que você é ou porque fez isso comigo! Porque me enganou dessa forma e...

            Jareth ergue os ombros:

—Os fins justificam os meios. Então imagina porque usei um artifício tal para chegar aonde cheguei...

—Você é um monstro! Monstro!

            Ele sorri e diz:

—Talvez eu seja! Mas você ainda tem algo que eu quero, algo que é meu por direito e só partirá daqui quando me entregar. Até lá, estará sob meu poder e vontade.

            Ele sai dali rapidamente, não dando mais tempo para Helen se manifestar contra tudo aquilo. Ela segue até a cama e se deita, chorando em silêncio. Toca a barriga e respira fundo, tentando controlar os soluços que sacodem seu corpo. Era verdade que ela estava grávida e o filho era de uma criatura que só conhecia das histórias antigas. Como era possível? Como aquilo foi acontecer com ela?

            Helen dormiu, exausta de emoção. Encolhida na cama, não percebeu criaturas aladas entrarem pela janela do amplo quarto. Os seres sobrevoavam a cama, analisando a mulher adormecida e murmuravam entre si sobre a presença dela ali. As duendes servas entraram rapidamente e começaram a enxotar as outras com gritinhos agudos e panos sendo agitados no ar:

—Fora! Fora! O mestre não quer que ela seja incomodada! Xô! Xô!

            Os seres alados voaram na direção das servas, puxando-lhes os cabelos, as roupas, os lenços das mãos. Elas voavam em círculos enquanto falavam:

—Ela é diferente da outra! O que houve com a outra? Porque o mestre trouxe esta para cá? Ela é diferente! Tem um cheiro bom! Cheiro de coisa nova! Como o bebê que veio antes! Cheiro bom!

            A serva principal parou de agitar o lenço e suspirou, cansada:

—O mestre trouxe ela porque carrega um pequeno mestre dentro dela... Bem pequenininho! Um mindinho de pequeno! Então ele quer que a gente cuide. Não aborrecer ela... Não deixar ela fugir.

            As criaturas aladas se entreolham e exclamam, surpresas com tantas informações. Elas desceram até a cama e se aproximaram de Helen, ainda adormecida. Ficaram ali, murmurando sobre o pequeno mestre, enquanto as duendes preparavam o banho da hóspede.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Revisando o texto, descobri que os servos do castelo são a coisa mais legal da história. Me apaixonei por cada um deles!
Bem, Helen ainda vai ter muito o que descobrir agora que vai morar no castelo do Rei goblin.
Me contem se chegaram a ver o filme ou ler os quadrinhos.
Até mais!



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