A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes
Notas iniciais do capítulo
Helen enfrenta o último desafio do Labirinto para salvar tudo o que ama.
Helen troca suas roupas humanas por um vestido de seu antigo baú. Ele era de um tecido mais grosso e verde musgo, com mangas compridas. Apanhou a adaga de ferro presenteada pelo anão e calçou sandálias de couro e cipó.
Breda e Bone chegaram e viram Helen no aposento e correram para abraçá-la. A curandeira falou, preocupada:
—O rei não está nada bem, senhora...
—Eu falei com ele. Agora preciso descobrir como salvá-lo...
Bone ainda está abraçada à cintura de Helen:
—Não vá lá embaixo, senhora. Perigoso demais... Um perigo diferente agora...
—Diferente? Como assim, Bone?
—Os duendes disseram que agora é a vontade do rei que está lá, uma vontade estranha. Que não quer intrusos, entende?
Helen notou a preocupação real na voz da pequena serva, mas tratou de tirar aquilo da mente e seguir com o plano.
Pouco depois, ela está na entrada secreta do Labirinto, acompanhada de Hoogle, Maria, Albert e Breda. Maddy e Bone permaneceram no castelo tomando conta de Oren, deixando Helen mais calma. Tudo o que ela precisava era descobrir como recuperar o coração do Rei goblin e devolvê-lo.
Hoogle retirou a placa de pedra que dava acesso à passagem para o subterrâneo e falou:
—Tem certeza disso?
—Sim. Vai dar tudo certo. Até breve!
Albert desce primeiro e em seguida ajuda a jovem a entrar. Maria acena para ambos e Breda segura o ombro dela em apoio:
—Senhora Maria?
—Sim, Breda?
—Porque Helen tem que fazer isso? Seria mais fácil um goblin ou um troll...
—Esse resgate não tem nada a ver com força ou astúcia... Tem a ver com perdão, entrega e amor...
Breda cobre a boca e balança a cabeça em entendimento. Só restava esperar.
Nisso, Jareth se materializa ao lado delas e Maria se assusta:
—Filho?
—Então está de acordo com essa empreitada insana, mãe? Achei que estivesse do meu lado. Todos decidiram trair seu rei? Desobedecer minha ordem expressa?
—Nós o amamos, Jareth! Não há traição aqui!
Ele encara as duas com raiva:
—Eu decido isso... No momento, tenho uma invasora para impedir.
E salta pela passagem, fazendo a mãe exclamar em desespero:
—Não! Jareth! Pare!
Mas ele não retrocede, desaparecendo na escuridão da entrada.
Helen e Albert seguiram pelo caminho entre as rochas até o local onde Jareth foi encontrado. A passagem estava minando água e quando os dois entraram, deram com água até o tornozelo.
O falso conde olhou ao redor:
—Não estava tão molhado quando deixamos o lugar... Algo mudou aqui.
Helen olhou as paredes e falou:
—Esses cristais... Parecem afiados...
Albert andou um pouco e tocou na ponta de um deles. O corte no dedo foi imediato e ele recuou:
—Acho que vamos precisar repensar o resgate...
Helen olhou para o fundo da caverna. O nicho na parede continha uma forma pequena que flutuava, cercada de formações cristalinas que brotavam das paredes ao redor e do teto. O solo estava semi-inundado e Helen caminhou até o meio da caverna:
—Não posso retroceder agora. Eu...
Então a voz de Jareth ecoa atrás deles:
—Eu a proíbo de seguir. Estou desapontado com essa insurreição articulada por minha mãe e o simulacro de meu pai humano.
Albert se volta:
—Mestre! Não é o que está pensando. Nós...
—Cale-se!
O Rei goblin gesticula na direção de Albert e esse é engolido por um portal. Helen corre para ajudá-lo, mas é tarde. Ela para de andar e encara o rei:
—O que fez com ele?
—Mandei-o para a masmorra do castelo e farei isso com cada traidor do meu reino.
—Está insano! Todos amam você e querem seu bem! Como pode ser cruel com eles?
—Todos me amam? Verdade? E você?
Helen percebe o olhar de Jareth mirar o objeto no fundo da caverna. Ele parece ter a lembrança de algo e ela fala:
—Eu sei porque fez isso... Está tentando se punir por ter sentido alguma coisa por Sarah... Por ter acreditado que isso era o sinal de fraqueza e humilhação. E agora por sentir isso por Oren...
Jareth sente o corpo fraquejar:
—Oren?
—Seu filho... Nosso filho! Querendo ou não ele pertence a nós dois, independente da forma como veio.
Ela se aproxima:
—Não nos odeie, Jareth... Não se afaste dos que te querem bem. Uma pessoa pode se tornar forte quando tem algo valioso para proteger... Quando tem algo valioso a perder.
O Rei goblin se apoia na parede e Helen fala:
—Fique aqui...
—Helen, não vá lá...
Ela ignora o rei e caminha para o fundo da caverna. As formações de cristal que antes ocupavam apenas a superfície das paredes, parecem reagir à presença da mulher e se movem, criando pontas que avançam na direção dela. Sem perceber isso, Helen segue cada vez mais fundo, até que uma lâmina de cristal atinge a barra de seu vestido, rasgando-a e assustando a moça.
Jareth ergue o olhar e vê Helen confusa e assustada. Ele olha os cristais ao redor e fica estático. Sabia que era algo ruim o que estava acontecendo, mas estava incapacitado de sentir por ela.
Helen afastou-se um pouco mais, agora atenta às formações e quando deu um passo à esquerda para se afastar de uma rocha dentro da água, cortou a mão na parede. Ela olhou o corte profundo e fechou os olhos:
—Só mais alguns passos.
Os cristais começaram a crescer e se espalhar, descendo rumo ao solo. Suas helictites moviam-se rapidamente, tentando alcançar a mulher e Helen correu, mas foi barrada por um amontoado de cristais que se formaram logo à frente. Ela voltou-se para Jareth e ele encarou-a:
—Não avance, mais...
Ela fecha o semblante:
—Não vai conseguir me impedir!
Então Helen se apoia na pilha de cristais e alcança o caminho à frente, mas essa ação promove cortes nas pernas e braços da jovem. O sangue já manchava suas vestes e a água, deixando um rastro atrás dela.
Uma lâmina de cristal surgiu ao lado de Helen, saindo da água e passando rente ao corpo dela. Com o susto, Helen ficou mais perto da parede à direita e cortou ombro e cintura nas saliências afiadas. Ela caiu para frente, ajoelhando-se:
—Só mais um pouco!
A água ao redor dela tornava-se rubra aos poucos e chegava até o ponto onde Jareth estava parado. Ele olhava a cena toda com uma estranha pressão no peito:
—Ela não pode fazer isso... Porque se sacrifica desse jeito?
Helen estava a poucos metros do nicho. As roupas estavam rasgadas e ensanguentadas, mas ela avançava obstinadamente. Ela podia ver o coração pulsando, flutuando no buraco cavado da parede. Ela ergueu a mão na direção dele:
—Estou conseguindo! Eu posso...
Então uma dezena de lâminas afiadas cresceu do solo ao redor dela e Helen ficou imóvel. Qualquer movimento poderia ser fatal para ela. Teria o corpo dilacerado e ela permaneceu ali, respirando rapidamente, acreditando que era o fim da jornada.
Jareth ergueu-se, consciente que a mulher chegara ao seu limite. A visão de seu sacrifício causou uma estranha agitação em seu espírito e o Rei goblin ergueu a mão, murmurando algum encantamento. Os cristais ao redor de Helen se desmancharam e ela caiu sentada no chão inundado. Sentiu seu corpo ser erguido do solo por uma força invisível e ser carregada até onde Jareth estava.
Com olhar duro e apreensão no rosto pálido, Jareth recebe o corpo de Helen nos braços. Ele olha o rosto ferido dela e diz:
—Está tão infeliz que arriscou sua morte aqui?
Ela abre os olhos e segura as vestes dele com força:
—J-jareth... Não! O seu coração... Ele está...
Jareth suspira:
—Num lugar de onde nunca deverá sair...
Então o rei caminha para fora dali com a mulher nos braços:
—Esses cortes em você foram muito profundos... Precisa de cuidados especiais e...
Helen apoia o rosto no peito do rei e fala com voz suave:
—Rei goblin... Jareth... Eu te amo.
Atrás deles, o coração no fundo da caverna começa a brilhar e pulsar com mais rapidez, fazendo um som cadenciado. Jareth estaca ao ouvir aquilo e sente uma pressão no peito. De repente, aquela peça viva dispara pela caverna, como um cometa atravessando o céu e atinge o corpo do rei, arremessando-o para frente, libertando Helen de seus braços, que cai no chão cheio de água.
O ar ao redor de Jareth parece incandescer e ele brilha. O efeito para Helen é o de alguém em chamas e ela tenta se levantar, mas a dor dos ferimentos a impede. Quando o efeito luminoso se atenua, resta um Rei goblin modificado. Suas vestes estão claras e a joia em seu pescoço, antes dourada, agora estava prateada.
Ele caminhou lentamente até a mulher caída e sorriu. Helen sentiu o calor daquele sorriso e um brilho diferente nos olhos dele. Ela se aninha ao corpo dele em silêncio e ambos desaparecem num portal. Fora dali, os habitantes do reino sentiram uma mudança no ar. O labirinto e o castelo sofreram um leve tremor e depois o silêncio.
Nos aposentos de Maria, ela esperava com Oren no colo. Então Albert se materializou ao seu lado, tão confuso quanto ela:
—Querido? O que aconteceu? Onde estão...
—Eu estava nas masmorras... O mestre me enviou para lá faz algum tempo...
Ela olhou para a porta:
—Então...
Albert sorriu e Maria abraçou o neto, beijando seu rosto suave, sorrindo.
Ao anoitecer, Bedra e Bone estavam ao lado de Helen, deitada em sua cama, com curativos e faixas pelo corpo. Oren estava em seu colo e brincava com sua escova de cabelo, enquanto ela acariciava suas costas e cantarolava baixinho. Todos ali sabiam que ela estava triste com a indiferença de Jareth. Desde que voltara do subterrâneo com o Rei goblin, não trocaram uma palavra sobre o que havia acontecido.
Breda viu Maria entrar no quarto e piscar para ela. A curandeira sorriu e saiu dali levando Bone consigo. A mulher aproximou-se da cama e tocou na cabeça de Helen:
—Como se sente, querida?
Helen sorri:
—Estou melhor. Bone e Bedra são as melhores enfermeiras desse mundo!
Maria sorri:
—Eu sou grata pelo que fez... Sua coragem é algo inspirador, Helen. Temos muita sorte de conhecer você. Você não imagina como mudou Jareth, como o fez amadurecer e evoluir.
Helen suspira:
—Eu queria muito que as coisas fossem mais simples... Mas desde que eu conheci Jareth, me sinto mais perdida do que antes.
—Você o salvou porque o ama.
—Ele é o Rei goblin... Eu não posso competir com isso...
Maria pega Oren no colo:
—Vou te deixar descansar um pouco. Mais tarde tomaremos uma ceia juntas...
—Está bem... Obrigada.
No momento que saía, Maria encontrou Jareth na porta. Ele sorriu para a mãe e beijou a testa do filho com carinho. A mulher sorriu e afastou-se, deixando a passagem livre para ele. Nesse momento Helen o viu e virou o rosto, visivelmente consternada.
Ele andou calmamente até ela. Ela podia sentir a aura mística ao redor dele tão forte quanto na época em que o conheceu, mas tinha alguma coisa diferente nisso. Jareth sentou-se ao lado dela na cama e falou:
—Breda me disse que vai se recuperar logo.
Helen concorda com a cabeça e continua com o rosto voltado para a janela do quarto. O rei continua:
—Eu... Quero agradecer por não ter perdido sua fé e insistido comigo. Você fez algo arriscado e de extrema coragem. Devo minha vida a você...
—Não me deve nada. Me salvou do Labirinto, então estamos quites.
Ele sorri:
—Se está tentando me fazer ir embora, sinto dizer não vou.
Helen cobre o rosto com as mãos e Jareth se inclina sobre ela, segurando-a pelos ombros:
—Olhe pra mim... Não fuja... Eu preciso que olhe pra mim.
Helen descobre o rosto e encara o rei. Ele analisa as feições dela e fala:
—Eu não quero mais lutar contra isso, Helen... No dia que conheci você, eu estava ferido e furioso com tudo. Eu me odiei por me sentir fraco... Por ter minha vontade e razão dominadas por um desejo frustrado. Não entendia o que era aquilo... Então você me ofereceu sua ajuda, carinho e amor. Ao invés de recusar e fugir, eu aceitei isso e fiquei preso. Nunca estive preso a nada nessa existência... Mas você me mostrou que posso viver isso e ainda assim me sentir livre.
Ela enxuga o rosto e baixa o olhar, ouvindo aquelas palavras e sentindo o peito oprimido. Ele percebe que agradecer não era suficiente:
—Quero que seja minha rainha e viva ao meu lado nesse castelo... Você e nosso filho, para sempre. Não quero perder nem mais um segundo longe de vocês!
Jareth afaga o rosto dela, suas mãos transmitindo segurança e conforto. Ela fixa o olhar naquele rosto querido e sorri:
—Esqueceu as palavras mágicas...
Ele sorri:
—Por favor?
Ela abre a boca para protestar, mas ele a beija afetuosamente, apertando o corpo dela contra si.
Ele afasta-se um pouco e murmura:
—Eu amo você... Amo você.
E volta a beijar a mulher humana que, à partir daquela noite, tornou-se Rainha do Labirinto.
Continua...
Não quer ver anúncios?
Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!
Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!Notas finais do capítulo
À seguir o fim!