A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes


Capítulo 19
O Coração do Labirinto


Notas iniciais do capítulo

Helen enfrenta o último desafio do Labirinto para salvar tudo o que ama.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/797624/chapter/19

 

 

Helen troca suas roupas humanas por um vestido de seu antigo baú. Ele era de um tecido mais grosso e verde musgo, com mangas compridas. Apanhou a adaga de ferro presenteada pelo anão e calçou sandálias de couro e cipó.

Breda e Bone chegaram e viram Helen no aposento e correram para abraçá-la. A curandeira falou, preocupada:

—O rei não está nada bem, senhora...

—Eu falei com ele. Agora preciso descobrir como salvá-lo...

Bone ainda está abraçada à cintura de Helen:

—Não vá lá embaixo, senhora. Perigoso demais... Um perigo diferente agora...

—Diferente? Como assim, Bone?

—Os duendes disseram que agora é a vontade do rei que está lá, uma vontade estranha. Que não quer intrusos, entende?

Helen notou a preocupação real na voz da pequena serva, mas tratou de tirar aquilo da mente e seguir com o plano.

Pouco depois, ela está na entrada secreta do Labirinto, acompanhada de Hoogle, Maria, Albert e Breda. Maddy e Bone permaneceram no castelo tomando conta de Oren, deixando Helen mais calma. Tudo o que ela precisava era descobrir como recuperar o coração do Rei goblin e devolvê-lo.

Hoogle retirou a placa de pedra que dava acesso à passagem para o subterrâneo e falou:

—Tem certeza disso?

—Sim. Vai dar tudo certo. Até breve!

Albert desce primeiro e em seguida ajuda a jovem a entrar. Maria acena para ambos e Breda segura o ombro dela em apoio:

—Senhora Maria?

—Sim, Breda?

—Porque Helen tem que fazer isso? Seria mais fácil um goblin ou um troll...

—Esse resgate não tem nada a ver com força ou astúcia... Tem a ver com perdão, entrega e amor...

Breda cobre a boca e balança a cabeça em entendimento. Só restava esperar.

Nisso, Jareth se materializa ao lado delas e Maria se assusta:

—Filho?

—Então está de acordo com essa empreitada insana, mãe? Achei que estivesse do meu lado. Todos decidiram trair seu rei? Desobedecer minha ordem expressa?

—Nós o amamos, Jareth! Não há traição aqui!

Ele encara as duas com raiva:

—Eu decido isso... No momento, tenho uma invasora para impedir.

E salta pela passagem, fazendo a mãe exclamar em desespero:

—Não! Jareth! Pare!

Mas ele não retrocede, desaparecendo na escuridão da entrada.

Helen e Albert seguiram pelo caminho entre as rochas até o local onde Jareth foi encontrado. A passagem estava minando água e quando os dois entraram, deram com água até o tornozelo.

O falso conde olhou ao redor:

—Não estava tão molhado quando deixamos o lugar... Algo mudou aqui.

Helen olhou as paredes e falou:

—Esses cristais... Parecem afiados...

Albert andou um pouco e tocou na ponta de um deles. O corte no dedo foi imediato e ele recuou:

—Acho que vamos precisar repensar o resgate...

Helen olhou para o fundo da caverna. O nicho na parede continha uma forma pequena que flutuava, cercada de formações cristalinas que brotavam das paredes ao redor e do teto. O solo estava semi-inundado e Helen caminhou até o meio da caverna:

—Não posso retroceder agora. Eu...

Então a voz de Jareth ecoa atrás deles:

—Eu a proíbo de seguir. Estou desapontado com essa insurreição articulada por minha mãe e o simulacro de meu pai humano.

Albert se volta:

—Mestre! Não é o que está pensando. Nós...

—Cale-se!

O Rei goblin gesticula na direção de Albert e esse é engolido por um portal. Helen corre para ajudá-lo, mas é tarde. Ela para de andar e encara o rei:

—O que fez com ele?

—Mandei-o para a masmorra do castelo e farei isso com cada traidor do meu reino.

—Está insano! Todos amam você e querem seu bem! Como pode ser cruel com eles?

—Todos me amam? Verdade? E você?

Helen percebe o olhar de Jareth mirar o objeto no fundo da caverna. Ele parece ter a lembrança de algo e ela fala:

—Eu sei porque fez isso... Está tentando se punir por ter sentido alguma coisa por Sarah... Por ter acreditado que isso era o sinal de fraqueza e humilhação. E agora por sentir isso por Oren...

Jareth sente o corpo fraquejar:

—Oren?

—Seu filho... Nosso filho! Querendo ou não ele pertence a nós dois, independente da forma como veio.

Ela se aproxima:

—Não nos odeie, Jareth... Não se afaste dos que te querem bem. Uma pessoa pode se tornar forte quando tem algo valioso para proteger... Quando tem algo valioso a perder.

O Rei goblin se apoia na parede e Helen fala:

—Fique aqui...

—Helen, não vá lá...

Ela ignora o rei e caminha para o fundo da caverna. As formações de cristal que antes ocupavam apenas a superfície das paredes, parecem reagir à presença da mulher e se movem, criando pontas que avançam na direção dela. Sem perceber isso, Helen segue cada vez mais fundo, até que uma lâmina de cristal atinge a barra de seu vestido, rasgando-a e assustando a moça.

Jareth ergue o olhar e vê Helen confusa e assustada. Ele olha os cristais ao redor e fica estático. Sabia que era algo ruim o que estava acontecendo, mas estava incapacitado de sentir por ela.

Helen afastou-se um pouco mais, agora atenta às formações e quando deu um passo à esquerda para se afastar de uma rocha dentro da água, cortou a mão na parede. Ela olhou o corte profundo e fechou os olhos:

—Só mais alguns passos.

Os cristais começaram a crescer e se espalhar, descendo rumo ao solo. Suas helictites moviam-se rapidamente, tentando alcançar a mulher e Helen correu, mas foi barrada por um amontoado de cristais que se formaram logo à frente. Ela voltou-se para Jareth e ele encarou-a:

—Não avance, mais...

Ela fecha o semblante:

—Não vai conseguir me impedir!

Então Helen se apoia na pilha de cristais e alcança o caminho à frente, mas essa ação promove cortes nas pernas e braços da jovem. O sangue já manchava suas vestes e a água, deixando um rastro atrás dela.

Uma lâmina de cristal surgiu ao lado de Helen, saindo da água e passando rente ao corpo dela. Com o susto, Helen ficou mais perto da parede à direita e cortou ombro e cintura nas saliências afiadas. Ela caiu para frente, ajoelhando-se:

—Só mais um pouco!

A água ao redor dela tornava-se rubra aos poucos e chegava até o ponto onde Jareth estava parado. Ele olhava a cena toda com uma estranha pressão no peito:

—Ela não pode fazer isso... Porque se sacrifica desse jeito?

Helen estava a poucos metros do nicho. As roupas estavam rasgadas e ensanguentadas, mas ela avançava obstinadamente. Ela podia ver o coração pulsando, flutuando no buraco cavado da parede. Ela ergueu a mão na direção dele:

—Estou conseguindo! Eu posso...

Então uma dezena de lâminas afiadas cresceu do solo ao redor dela e Helen ficou imóvel. Qualquer movimento poderia ser fatal para ela. Teria o corpo dilacerado e ela permaneceu ali, respirando rapidamente, acreditando que era o fim da jornada.

Jareth ergueu-se, consciente que a mulher chegara ao seu limite. A visão de seu sacrifício causou uma estranha agitação em seu espírito e o Rei goblin ergueu a mão, murmurando algum encantamento. Os cristais ao redor de Helen se desmancharam e ela caiu sentada no chão inundado. Sentiu seu corpo ser erguido do solo por uma força invisível e ser carregada até onde Jareth estava.

Com olhar duro e apreensão no rosto pálido, Jareth recebe o corpo de Helen nos braços. Ele olha o rosto ferido dela e diz:

—Está tão infeliz que arriscou sua morte aqui?

Ela abre os olhos e segura as vestes dele com força:

—J-jareth... Não! O seu coração... Ele está...

Jareth suspira:

—Num lugar de onde nunca deverá sair...

Então o rei caminha para fora dali com a mulher nos braços:

—Esses cortes em você foram muito profundos... Precisa de cuidados especiais e...

Helen apoia o rosto no peito do rei e fala com voz suave:

—Rei goblin... Jareth... Eu te amo.

Atrás deles, o coração no fundo da caverna começa a brilhar e pulsar com mais rapidez, fazendo um som cadenciado.  Jareth estaca ao ouvir aquilo e sente uma pressão no peito. De repente, aquela peça viva dispara pela caverna, como um cometa atravessando o céu e atinge o corpo do rei, arremessando-o para frente, libertando Helen de seus braços, que cai no chão cheio de água.

O ar ao redor de Jareth parece incandescer e ele brilha. O efeito para Helen é o de alguém em chamas e ela tenta se levantar, mas a dor dos ferimentos a impede. Quando o efeito luminoso se atenua, resta um Rei goblin modificado. Suas vestes estão claras e a joia em seu pescoço, antes dourada, agora estava prateada.

Ele caminhou lentamente até a mulher caída e sorriu. Helen sentiu o calor daquele sorriso e um brilho diferente nos olhos dele. Ela se aninha ao corpo dele em silêncio e ambos desaparecem num portal. Fora dali, os habitantes do reino sentiram uma mudança no ar. O labirinto e o castelo sofreram um leve tremor e depois o silêncio.

Nos aposentos de Maria, ela esperava com Oren no colo. Então Albert se materializou ao seu lado, tão confuso quanto ela:

—Querido? O que aconteceu? Onde estão...

—Eu estava nas masmorras... O mestre me enviou para lá faz algum tempo...

Ela olhou para a porta:

—Então...

Albert sorriu e Maria abraçou o neto, beijando seu rosto suave, sorrindo.

Ao anoitecer, Bedra e Bone estavam ao lado de Helen, deitada em sua cama, com curativos e faixas pelo corpo. Oren estava em seu colo e brincava com sua escova de cabelo, enquanto ela acariciava suas costas e cantarolava baixinho. Todos ali sabiam que ela estava triste com a indiferença de Jareth. Desde que voltara do subterrâneo com o Rei goblin, não trocaram uma palavra sobre o que havia acontecido.

Breda viu Maria entrar no quarto e piscar para ela. A curandeira sorriu e saiu dali levando Bone consigo. A mulher aproximou-se da cama e tocou na cabeça de Helen:

—Como se sente, querida?

Helen sorri:

—Estou melhor. Bone e Bedra são as melhores enfermeiras desse mundo!

Maria sorri:

—Eu sou grata pelo que fez... Sua coragem é algo inspirador, Helen. Temos muita sorte de conhecer você. Você não imagina como mudou Jareth, como o fez amadurecer e evoluir.

Helen suspira:

—Eu queria muito que as coisas fossem mais simples... Mas desde que eu conheci Jareth, me sinto mais perdida do que antes.

—Você o salvou porque o ama.

—Ele é o Rei goblin... Eu não posso competir com isso...

Maria pega Oren no colo:

—Vou te deixar descansar um pouco. Mais tarde tomaremos uma ceia juntas...

—Está bem... Obrigada.

No momento que saía, Maria encontrou Jareth na porta. Ele sorriu para a mãe e beijou a testa do filho com carinho. A mulher sorriu e afastou-se, deixando a passagem livre para ele. Nesse momento Helen o viu e virou o rosto, visivelmente consternada.

Ele andou calmamente até ela. Ela podia sentir a aura mística ao redor dele tão forte quanto na época em que o conheceu, mas tinha alguma coisa diferente nisso. Jareth sentou-se ao lado dela na cama e falou:

—Breda me disse que vai se recuperar logo.

Helen concorda com a cabeça e continua com o rosto voltado para a janela do quarto. O rei continua:

—Eu... Quero agradecer por não ter perdido sua fé e insistido comigo. Você fez algo arriscado e de extrema coragem. Devo minha vida a você...

—Não me deve nada. Me salvou do Labirinto, então estamos quites.

Ele sorri:

—Se está tentando me fazer ir embora, sinto dizer não vou.

Helen cobre o rosto com as mãos e Jareth se inclina sobre ela, segurando-a pelos ombros:

—Olhe pra mim... Não fuja... Eu preciso que olhe pra mim.

Helen descobre o rosto e encara o rei. Ele analisa as feições dela e fala:

—Eu não quero mais lutar contra isso, Helen... No dia que conheci você, eu estava ferido e furioso com tudo. Eu me odiei por me sentir fraco... Por ter minha vontade e razão dominadas por um desejo frustrado. Não entendia o que era aquilo... Então você me ofereceu sua ajuda, carinho e amor. Ao invés de recusar e fugir, eu aceitei isso e fiquei preso. Nunca estive preso a nada nessa existência... Mas você me mostrou que posso viver isso e ainda assim me sentir livre.

Ela enxuga o rosto e baixa o olhar, ouvindo aquelas palavras e sentindo o peito oprimido. Ele percebe que agradecer não era suficiente:

—Quero que seja minha rainha e viva ao meu lado nesse castelo... Você e nosso filho, para sempre. Não quero perder nem mais um segundo longe de vocês!

Jareth afaga o rosto dela, suas mãos transmitindo segurança e conforto. Ela fixa o olhar naquele rosto querido e sorri:

—Esqueceu as palavras mágicas...

Ele sorri:

—Por favor?

Ela abre a boca para protestar, mas ele a beija afetuosamente, apertando o corpo dela contra si.

 Ele afasta-se um pouco e murmura:

—Eu amo você... Amo você.

E volta a beijar a mulher humana que, à partir daquela noite, tornou-se Rainha do Labirinto.

Continua...


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

À seguir o fim!



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A Criança do Labirinto" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.