A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes


Capítulo 18
A caverna de cristais


Notas iniciais do capítulo

Helen voltou ao seu mundo e começou sua aventura de ser mãe. Auxiliada pela amiga Manuela, a jovem mãe não imagina que os habitantes do Labirinto precisam dela mais do que poderiam crer.
Jareth é o Rei dos goblin e duendes, é a força maior do reino mágico e sua vontade é o que move aquele mundo. Sem equilíbrio, esse mundo pode ruir e para isso, algo importante deve ser sacrificado.
Helen poderá salvar seus amigos e recuperar o que foi perdido?



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Helen saiu do hospital com o filho nos braços, uma pasta cheia de documentos e foi direto ao banco da cidade. Levava na carteira uma porção de moedas e algumas pedras preciosas e negociou a troca por dinheiro. De acordo com o câmbio do dia, o valor assustou o gerente quando o avaliador informou que o ouro era 24 quilates. Helen contou que havia herdado de um avô e gostaria de converter em dinheiro para a faculdade do filho. Depositou parte do valor numa conta poupança e voltou pra casa. No trajeto, encomendou o que precisava para o conforto do bebê.

Sentada no sofá da sala, ela olhava a criança adormecida em seu colo e suspirou:

—Oren McVeigh... Bem vindo ao meu mundo.

Naquela mesma tarde, chegaram a poltrona, o berço, roupas e produtos de higiene infantil. Helen era oficialmente uma mãe de primeira viagem.

Maria seguiu com Albert, Hoogle e os trolls noturnos, que faziam serviço de guarda para Jareth, pelos túneis embaixo do Labirinto. A mulher olhava tudo com assombro:

—Eu não sabia que era assim! É... Surpreendente!

Hoogle balança a cabeça:

—É assustador, isso sim!

Albert olha para os lados e coloca o dedo indicador sobre os lábios. No silêncio, os sons do local parecem amplificados e escutam um murmúrio distante e o gemido de dor.

Maria toca o peito, angustiada:

—De onde vem isso? Oh, céus! É Jareth?

Albert caminha rapidamente e percebe uma fenda maior na parede lateral. Uma luminescência azulada é percebida e ele chama:

—Mestre Jareth?

Maria e Hoogle se aproximam rápido e ela chama:

—Querido! Ficamos preocupados com seu sumiço! Por favor! Venha conosco...

Mas não há resposta e Maria teme o pior. Ela entra na fenda e se depara com uma imensa caverna coberta de cristais azuis e brilhantes. Havia água minando pelo chão e deitado nele, Jareth jazia imóvel.

Sua mãe correu até ele e abraçou-o:

—Jareth!

Ele abriu os olhos e falou:

—Estou bem...

Ela examinou o rosto do filho e percebeu que a camisa dele estava rasgada até o umbigo. Uma estranha cicatriz fez a mulher cobrir a boca:

—Oh! Você está ferido! Eu vou...

Ele segura a mão dela, impedindo-a de tocar na cicatriz:

—Já disse que estou bem, mãe... Isso não é nada.

—Mas você foi atacado! Quem...

—Fui eu quem fez isso... Não se preocupe.

Albert e Hoogle se aproximam, enquanto Maria ajuda o filho a se erguer. O falso conde olha ao redor e fixa a atenção num ponto distante, no fundo da caverna. Maria percebe e olha na mesma direção. Alguma coisa flutuava num nicho da parede e Hoogle falou:

—Mestre Jareth? Você veio buscar aquilo?

Então, para surpresa de todos, a voz antes vacilante do Rei goblin soou dura e terrível:

— “Aquilo” não diz respeito a nenhum de vocês... De agora em diante, será punido quem descer ao subterrâneo do Labirinto sem a minha ordem.

Hoogle se inclina e sai dali. Albert se aproxima, mas Jareth recusa sua ajuda e se afasta da mãe:

—Estou bem. Podemos ir embora.

O conde segura a mão da mulher e a conduz para fora da caverna. O rei volta seu olhar para o ponto distante e fecha os olhos. Sai dali e se junta aos outros numa subida silenciosa para o castelo.

Helen acordou abruptamente na quinta noite desde que deixara o reino de Jareth. Seus sonhos frequentes incluíam o filho, os corredores do Labirinto e Jareth. Nesse sonho, ele o viu no salão do trono, de costas para ela, observando o horizonte. Ela chamou por ele e ele virou a cabeça de leve, sorrindo:

—Achei que não te veria de novo...

Helen se recorda de responder:

—Estou... Com uma impressão estranha. Tem quase uma semana que estou em casa com meu filho e...

Jareth se vira. Um sorriso enigmático nos lábios pálidos e para o terror de Helen, havia um buraco escuro e profundo no peito dele.

Ela recua e ele continua sorrindo:

—Como pode ver... As coisas estão sob controle depois que você foi embora.

Sentada em sua cama e acordada, ela volta seu olhar para o berço, onde Oren dormia tranquilamente. Helen vai até ele e afaga seus cabelos:

—Há algo errado com seu pai, meu bebê... Eu posso sentir...

Maria andava de um lado a outro do quarto e Albert tentava abraçá-la. Nervosa, ela falava mais para si do que para o companheiro:

—Ele mudou. Não parece a mesma pessoa desde que deixou Helen partir! Minha nossa! Se ele herdou alguma coisa de mim, foi a teimosia!

Albert parou na frente dela, barrando seu caminho. Ela ergueu o olhar e ele falou:

—Precisamos conversar...

—Eu preciso entender o que aconteceu com Jareth...

—Sobre isso mesmo.

Maria apoia a testa no peito do falso conde e fecha os olhos:

—Desculpe... Estou agindo irracionalmente...

—Está preocupada como toda mãe ficaria... E com certa razão.

—Eu tenho razão?

Albert toma a mão dela e a conduz até a récamier azul, fazendo a mulher sentar-se gentilmente:

—Ouça-me, querida... No dia que encontramos Jareth na caverna, eu vi algo que não conseguia conceber...

—Como assim?

—O Rei goblin está tentando erradicar sua humanidade completamente.

Maria encarou Albert e riu:

—Do que está falando? Isso é absurdo! Ele...

Albert segura as mãos da mulher:

—Era o coração dele... Flutuando naquele nicho no fundo da caverna. A cicatriz no peito dele...

Maria cobre o rosto com as mãos e começa a chorar. Amparada pelo companheiro, ela permanece ali por algum tempo até que não há mais lágrimas. Ela volta seu olhar para o amante e diz:

—Me diga o que posso fazer... Estou perdida... Como vou salvar meu filho de si mesmo?

Albert beija o topo da cabeça dela e afaga seus ombros:

—Vou pensar em algo... Acalme-se agora...

Manoela examinava Oren com carinho. O bebê mexia no estetoscópio dela, mas não sorria ou resmungava como fazia sempre. Helen observava a enfermeira vestir a camiseta no filho e falou:

—Então?

—Nada. Não há febre, catarro, qualquer tipo de infecção... Meu afilhado está em ótimas condições de saúde!

—Então o que está fazendo-o ficar tão apático? Ele começou a recusar alimento e fica muito tempo acordado à noite. Ele não chora... Só fica olhando o nada.

—Querida... Talvez seja momento de levar nosso lindinho num neurologista...

Helen fecha os olhos e suspira:

—Eu não posso crer que seja algo grave!

Manoela ergue Oren nos braços e brinca:

—Esses pequenitos são uma caixinha de surpresas!

Então Oren olha na direção da mãe e ela percebe que seu olhar estava fixo no colar que usava todo o tempo. Ela tocou a joia e Oren ergueu os bracinhos em sua direção. Helen aproximou-se e tomou o filho nos braços.

Para sua surpresa, a criança segurou o pingente e fechou os olhos, caindo num sono quase imediato.

Manoela encarou Helen e falou:

—Esse colar... Foi o pai dele quem te deu?

Helen concorda e aperta o filho nos braços. Aquele sonho da noite anterior tinha mais significado do que ela gostaria de admitir.

Maria observava o filho. Jareth recebia a visita de dois líderes de povoados distantes que estavam disputando um curso d’água. Cada um apresentava seu argumento, dizendo que a fonte lhe pertencia e a animosidade havia se instalado entre os dois. O rosto de Jareth era neutro e visivelmente enfastiado. Aquela contenda não acabaria tão cedo e o egoísmo dos líderes não resolveria a questão.

Como o rei daquele lugar, caberia a Jareth decidir de quem era o direito da água e ele ergueu-se do trono, caminhando até a janela. Os líderes tribais silenciaram sua discussão e esperaram a palavra do rei:

—Então aquele curso de água é o motivo da desavença entre vocês. Pois eu digo melhor... Ele não pertence a nenhum dos dois, mas a mim. Então eu decido que a partir de agora ele deixará de existir. Sendo assim, a fonte do problema não existe mais, concordam?

Assustados, os líderes se curvam e se afastam devagar, saindo do palácio rapidamente e retornando aos seus povoados para descobrir que sua gente estava sem a fonte necessária de água. Perceberam que, se tivessem dividido o recurso, não teria sido tirado deles.

Maria aproximou-se e falou com o filho:

—Querido? Não acha que foi... Duro demais com eles? Poderia sugerir...

—Eles não queriam dividir... Eu não poderia beneficiar um deles em detrimento do outro. Nenhum me convenceu de sua real necessidade, então fui prático.

—Como vão sobreviver sem água?

—Há fontes mais distantes, então não faltará água se quiserem buscar.

A fala do rei é desprovida de emoção ou remorso e sua mãe saiu dali com o coração cheio de medo. Seu filho se tornaria como o terrível Rei coruja.

Ela foi até Albert e falou:

—Se tem algo em mente, por favor, faça logo.

O falso conde saiu dali e buscou um servo duende:

—Preciso de uma das esferas de seu mestre.

O servo saiu dali rumo ao salão do trono. No caminho, levou consigo mais dois goblins e entrou no aposento. Jareth estava sentado, absorto em pensamentos, quando o pequeno ser curvou-se diante dele:

—Mestre... Eu preciso de... Do... Eh...

—Fale logo e não me aborreça!

Então os goblins atrás do duende começaram a brigar, avançando um contra o outro e isso deixou Jareth furioso:

—Como ousam?

Ignorando seu mestre, os dois continuaram sua rusga e isso obrigou o rei a abandonar seu trono:

—Vou jogá-los no pântano do fedor eterno... Não! Melhor! Vou dá-los como comida à fera do labirinto! Vamos ver se farão essa arruaça novamente!

Enquanto Jareth apartava a briga, o duende aproximou-se do trono e apanhou uma esfera, colocando-a sob a roupa. Jareth caminhava para fora do salão segurando cada um dos goblins pelo colarinho da roupa encardida:

—Vão aprender a...

O duende se curva:

—Mestre! Por favor! Eu vou cuidar deles! Perdoa esse servo! Eu... Esqueci o que vim pedir! Cabeça fraca! Fraca!

Jareth coloca as criaturas briguentas no chão:

—Se eu ouvir vocês de novo, vou fritar os dois em óleo quente!

Se inclinando para o rei, o trio sai dali correndo como o vento. Numa curva do corredor, pararam para tomar fôlego e olharam-se, caindo numa risada nervosa e aliviada ao mesmo tempo. Albert apareceu e olhou-os:

—Como foi?

—Tudo certo! Eu roubei a esfera enquanto eles distraíram o mestre!

Albert olhou o estado dos dois goblins e riu:

—Imagino o nível da distração!

Eles riram e Albert recebeu a esfera, levando-a consigo até Maria. Lá, ela recebeu o objeto e exclamou:

—Oh! Como você...

—Não pergunte. Apenas me diga que sabe manusear essa coisa...

Maria toca a esfera e fecha os olhos:

—Eu tenho algum poder aqui... Desde que cheguei ao Labirinto e enfrentei o Rei coruja eu descobri que posso fazer algumas coisas... Como devo usar a esfera?

A mulher toca o objeto e se concentra. Albert fala:

­_Precisamos falar com Helen... Avisar o que está acontecendo com Jareth. Se ela o ama de verdade, virá ajudar.

Maria segura a esfera e busca a imagem de Helen em sua mente. Esforça-se para canalizar seu desejo de salvar o filho e sente o cristal em sua mão vibrar. A esfera começa a flutuar e Maria abre os olhos. Ela vê Helen e o bebê no quarto e fala:

—Helen!

No mundo humano, Helen ouve alguém chamar seu nome:

—Oh? Manuela? É você?

Então a jovem mãe vê o espelho do guarda roupa ter sua superfície alterada, ondulando como água e a imagem de Maria aparece nele:

—Querida! Precisa voltar ao reino... Algo terrível aconteceu!

Helen se levanta:

—Maria! Eu... Não posso! Jareth não me quer aí! Ele resolveu tudo quando permitiu que eu trouxesse meu filho e...

Maria fecha os olhos:

—Ele não sabe lidar com seus próprios sentimentos, Helen... Ele... Retirou seu coração e o escondeu nos subterrâneos do Labirinto... Ele quer destruir sua humanidade porque não quer mais sentir...

Helen cobra a boca com as mãos. Olha o filho na cama:

—Maria... Eu não sei como...

—Por favor... Salve meu filho...

Helen analisa o rosto da mulher e respira fundo. Apanha o bebê na cama e diz:

—Como vou voltar?

Albert estica o braço e o mergulha na esfera como se fosse feita de gel. Helen vê a mão dele sair pelo espelho e diz:

—O que faço?

—Segure minha mão!

Ela obedece e o efeito é como se tivesse sido sugada por um redemoinho. Num segundo estava em seu quarto, no outro, no quarto de Maria, ainda segurando a mão do falso conde.

Maria corre até ela e a abraça junto com Oren. As lágrimas começam a cair e Helen toca o rosto da mulher:

—Me diga o que aconteceu...

Então elas conversam por algum tempo, enquanto Albert segura Oren no colo e caminha com ele perto da janela, mostrando a paisagem para o pequeno. A criança segurava o dedo indicador do falso conde e o observava longamente, sorrindo de vez em quando.

Helen escutou tudo e então Maria calou-se. A jovem mãe suspirou e disse:

—Eu... Não sei o que pensar. Eu não sei como Jareth se sente ao meu respeito... Num momento está carinhoso, no outro se afasta de mim como se eu fosse uma peste.

—Você precisa tomar uma decisão. O que aconteceu entre você e Jareth nos últimos meses de gravidez pode ser um indicador que...

Helen se levanta e fala:

—Vou ao salão do trono. Por favor, cuidem do Oren.

Ela sai dali e Albert se aproxima com o menino no colo:

—Ela vai falar com Jareth?

—Ela vai tentar...

—Acha que... Helen vai querer ficar?

Maria toca a barriga de Oren e faz um afago:

—Helen e Jareth são muito parecidos... Eu gostaria muito de pensar que um deles vai ceder para salvar esse amor que se negam a sentir.

Albert olha o bebê em seu colo:

—Eles têm uma prova disso bem aqui.

Helen entrou no salão do trono e Jareth olhou para ela sem demonstrar surpresa. Ela passou a mão pelos cabelos e falou:

—Então Maria tinha razão... Você está pior do que ela podia crer.

Ele desceu do trono:

—O que veio fazer aqui?

—Vim colocar um pouco de juízo na sua cabeça! Que história é essa de arrancar o coração e esconder no...

—Não acho que isso seja da sua conta e...

Helen avança e puxa a blusa dele, deixando exposta uma grande e saliente cicatriz na pele alva do Rei goblin:

—Olhe para isso! Olhe o que fez a si mesmo!

Ele segura o pulso dela com força:

—Afaste-se de mim! Fora do meu reino! Eu não te dou liberdade para...

Helen o abraça de uma vez, apertando o corpo contra o dele:

—Eu sonhei com você. Sonhei que estava sofrendo, ferido e tinha um buraco horrível em seu peito! Nosso bebê está estranho desde esse sonho e sei que é por sua causa! Tentar nos afastar não vai resolver nada, Jareth. Se recusar a sentir alguma coisa, vai definhar e morrer... Ou pior, vai se transformar num monstro como o que te roubou de Maria!

Jareth fica mudo. O corpo quente e suave de Helen torturava-o. Ele se ajoelha, mas ela não se separa dele:

—Eu vou te ajudar, Jareth... Eu quero salvar você.

—Não há o que fazer. Vá embora e me deixe em paz.

Helen se afasta dele e o beija na testa:

—Espere por mim.

Saindo dali, Helen deixa Jareth e vai até Hoogle:

—Preciso saber mais sobre o que seu mestre fez.

—Vai precisar de ajuda para chegar lá, senhora. Não vai ser fácil se a vontade do rei não permitir.

—É o que veremos.

Continua...


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Notas finais do capítulo

Mais uma vez a coragem de Helen é posta à prova, mas as criaturas do Labirinto estão do seu lado.
Resta apenas descobrir se um coração decidido poderá recuperar outro, cujo dono escolheu não sentir nada, nunca mais.
Próximo capítulo é o final da aventura.
Boa leitura a todos.



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