A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes


Capítulo 14
Um Rei inquieto


Notas iniciais do capítulo

Envenenado pelo temor e pela raiva, Jareth toma uma atitude inesperada, trazendo sofrimento a todos ao seu redor,mas principalmente a Helen. Maria tenta intervir, mas terá poder para ajudar o filho a tomar a decisão certa?



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Numa tarde, Jareth insistiu em saber como Helen havia chegado ao Labirinto naquela noite terrível e por fim ela mencionou a criatura cujo corpo Jareth havia destruído. Furioso, o Rei exclamou que deveria ter destruído o monstro no mesmo dia, mas Helen pediu que ele esquecesse aquilo tudo. O ser rastejante sabia do poder e fúria do Rei, então certamente nunca mais o veriam, mas a afronta daquele ato permaneceu no coração de Jareth, envenenando-o. Ele não podia perdoar algo que quase matou seu herdeiro e a mãe.

A gravidez de Helen avançava. Ela contava sete meses e o ventre estava um pouco maior que antes. Jareth encostava a cabeça na lateral de sua barriga nua, quando estavam no quarto e falava algumas palavras mágicas. Uma leve ondulação se apresentava e ele sentia o movimento junto ao rosto. Fechava os olhos e sorria. Helen acariciava os cabelos do amante e sorria:

— O que disse pra ele?

—Os segredos do Labirinto. As passagens secretas, os incríveis perigos que...

Helen se ergue a meio corpo:

—Se acha que vou permitir nosso bebê se aventurando naquele lugar terrível, pode tirar seu cavalo da chuva!

Jareth a encara, erguendo uma sobrancelha:

—Porque eu colocaria meu cavalo na chuva? E porque eu teria um cavalo?

Helen o encara surpresa e depois ri a valer, deixando o ser místico confuso. Ele se debruça sobre ela e fala:

—Eu... Fico contente de saber que está feliz aqui.

Ela ergue os braços, enlaçando o pescoço dele. O peito nu do Rei contra sua pele quente:

—Estar ao seu lado é o que me faz feliz... Eu quero isso. Espero que tudo o que estamos vivendo seja duradouro e...

—Do que está com medo, Helen? Está tudo perfeito!

Ela beija o rosto anguloso do Rei e apoia a testa na face dele:

—Eu não sei o que pensar...

Ele se inclina para ela. Seus olhos buscando o olhar da jovem mulher, tentando transmitir segurança e o quanto se importava com seu bem estar. Helen sorriu e beijou o rosto dele para em seguida se inclinar e fechar os olhos para dormir. Quando ela começou a ressonar, Jareth cobriu-a com uma colcha, vestiu-se e saiu dali rumo ao salão do trono.

Parados junto à porta, dois trolls noturnos esperavam em silêncio. Jareth olhou-os e acenou com a cabeça. Eles se aproximaram e o Rei goblin suspirou:

—Me contem uma boa notícia...

Um dos seres baixou o olhar e falou com sua voz rouca:

—Nada, mestre... A criatura se esconde bem... Ela mistura seu cheiro ao do Labirinto, não dá pra encontrar. Parece... Magia.

Jareth olha para a janela e pensa:

—Sim... Magia... Minha magia. Eu destruí o corpo dele. Agora o maldito usa isso ao seu favor. De alguma forma ele está ligado ao meu poder e isso me impede de encontrá-lo eu mesmo.

—Se ele está destruído e com medo do senhor... Melhor deixar como...

O Rei se levanta e fala entredentes:

—Ele ousou tocar no meu herdeiro e na mulher que está sob minha proteção. Eu ainda não terminei com ele...

O brilho mortal nos olhos de Jareth assusta os trolls. Eles se inclinam e esperam novas ordens, mas o Rei gesticula para que fossem embora:

—Saiam. Vou pensar noutra forma de pegar esse miserável.

Eles partem deixando Jareth sozinho. Então a voz de Hoogle chega até ele:

—Mestre Jareth? Não está levando isso longe demais? Acha que a senhora ficará contente em saber que não desistiu dessa empreitada e...

—Ela não tem que saber de nada, Hoogle. E se eu souber que alguém aqui falou com ela, será punido exemplarmente...

Assustado, o anão inclinou-se:

—Como desejar, senhor!

E sai dali preocupado com duas coisas. Jareth não errou seu nome desta vez e Helen ainda não conseguira alcançar o coração do Rei goblin totalmente.

Naquela semana, Maria promoveu um baile de máscaras e queima de fogos de artifício. Todos no castelo e imediações estavam convidados a participar, mas Jareth não gostou da ideia. Para que não houvesse problema, ela sugeriu a maior clareira da floresta que circundava o reino para receber a festa. Helen pediu ao rei que aceitasse a proposta, pois nunca tinha participado de um baile à fantasia.

Cedendo ao desejo das mulheres, ele continuou com sua busca silenciosa pelo ser rastejante, vasculhando sozinho cada canto do imenso e intrincado Labirinto, mas cada vez mais ansioso e zangado por não encontrar rastro da criatura. Em sua mente, ele acreditou que o monstro estava à espreita, pronto para fazer mal aos seus entes queridos, aproveitando-se de uma camuflagem mágica criada após seu ataque. Amaldiçoou o dia que poderia ter dado cabo do bicho sem deixar vestígios. Agora aquela sombra o incomodava e ele odiava se sentir assim.

O baile aconteceu numa noite quente de lua cheia e brilhante. Todos os convidados estavam trajando suas melhores vestes, inclusive os servos duendes, anões e goblins do castelo. As fadas voavam sobre os convivas, puxando-lhes os cabelos e as máscaras, soltando risinhos agudos em diversão. Perto de Helen, elas voavam ao redor da moça, ora brincando com as fitas do vestido, ora dando beijinhos rápidos no rosto dela, que ria.

Maria trouxe uma taça de ponche de frutas para Helen e esta recusou:

—Oh, não! Obrigada! Quero evitar álcool por causa do bebê!

Maria estendeu a taça:

—Pedi para fazerem ponche sem álcool... Imagine toda essa gente bêbada? Do reino não restaria um prédio de pé!

Ambas riram e Helen olhou ao redor:

—Eu não vi Jareth! Quero dançar um pouco com ele!

Maria olha Albert à distância. O rosto do falso conde denota preocupação e a mulher toca a mão de Helen:

—Volto logo, querida! Não saia daqui!

—Está bem.

Nisso Bone se aproxima e segura a mão de Helen:

—Vamos dançar?

—Ora! Vamos!

Divertida, Helen abandona a bebida e vai ao centro da festa dançar com sua serva. Elas rodopiam devagar ao som da banda de anões que tocava com animação. Maria se aproxima do companheiro e pergunta:

—Você o viu?

—Maddy disse que ele entrou no labirinto pela segunda vez. Algo o atormenta.

—Não quero crer que ele ainda alimenta ódio pelo bicho que quase matou Helen.

—Acho que seu filho está experimentando algo que nunca conheceu antes, minha querida...

Maria olha em direção ao castelo e Albert murmura:

—Jareth está com medo...

A mulher cobre a boca:

—Preciso falar com ele!

—Espere a festa acabar. Logo poderemos conversar com calma sobre isso.

—Está bem. Venha. Não vamos deixar Helen sozinha...

Jareth retorna à clareira após vasculhar a parte sul do Labirinto. Viu Helen no centro do baile, rodopiando com Bone e o rosto levemente corado com o folguedo. Ele se aproxima e fala com a serva:

—Posso roubá-la por um momento?

Bone cobre a boca e sai sorrindo, enquanto Jareth envolve a cintura de Helen e segura sua mão, beijando-lhe o dorso com carinho. A moça analisa o rosto dele e diz:

—Está apreensivo...

—É normal um rei estar sempre apreensivo. Que tal o baile?

—Gostaria que ficasse mais tempo conosco... Toda vez que some, eu penso que pode estar acontecendo alguma coisa e...

Ele beija o rosto dela e diz:

—Tire essas preocupações da mente. Concentre-se em ficar bem e descansar o máximo que puder. Eu cuido de tudo...

Ela apoia o rosto no peito dele e envolve sua cintura com os braços. Jareth a conduz numa dança lenta e cadenciada que embala a jovem. Ela boceja e ele sorri:

—Hora de nos recolhermos. Já está com sono!

—Só mais um pouquinho...

Ele ri do tom preguiçoso na voz dela, a ergue nos braços e se vira para os participantes da festa:

—Por favor, continuem sem nós! A senhora está com sono e vamos nos recolher agora. Amanhã ela os verá no desjejum.

Os convivas erguem suas taças e canecos e Jareth se inclina. Volta-se para Bone e diz:

—Não precisa vir comigo. Se eu precisar, chamo você.

Ela balança a cabecinha e continua no baile, dançando com seus amigos. Jareth se materializa no quarto de Helen e a deposita na cama, tirando seus sapatos e o pesado vestido, deixando-a apenas com a camisola por baixo. Ela resmunga alguma coisa e ele sorri, despindo-se em seguida e deitando-se ao lado da mulher.

Os braços dela procuram a cintura dele e o rosto dela se apoia entre o ombro e o pescoço do Rei goblin, aquecendo-o com sua respiração. Ela murmura para ele:

—Por muito tempo... Eu senti falta do seu cheiro, desse calor... Obrigada.

—Durma...

Ela obedece e o rei sente o corpo de Helen relaxar, afrouxando o abraço. Ele recorda de suas buscas infrutíferas pelo Labirinto e suspira. O temor que sentia era algo novo e angustiante. Era preciso sanar aquele problema antes que o inimigo tivesse oportunidade de atacar de novo.

Na semana que se seguiu, Jareth encontrava-se cada vez mais sombrio e frequentava cada vez menos o quarto de Helen. Ele permanecia vigiando o Labirinto da janela do salão do trono e quando Maria pedia uma audiência com ele, sempre respondia a Maddy que estava ocupado e falaria com a mãe depois. Inquietos com o comportamento de seu mestre, os duendes, goblins e anões evitavam fazer sua natural algazarra pelos corredores do castelo e Helen percebeu essa mudança.

Preocupada, ela conversou com Breda e Maria sobre seus temores:

—Jareth não vem... Me fazer companhia como antes. Sempre está pensativo ou soturno e seu humor não está dos melhores. Ele... Não me conta o que está acontecendo!

Maria toca a mão da jovem:

—Dê tempo ao tempo, querida. Com o nascimento do bebê ele vai relaxar e...

Breda suspira e baixa o olhar:

—O mestre me pediu uma coisa... Ainda não tive coragem de falar sobre isso, então...

Helen mira o rosto da curandeira com apreensão. A criatura olha para as duas mulheres humanas e fala:

—Ele me pediu para manter Helen em seu aposento até o nascimento do pequeno mestre. Ele ordenou que dois trolls permaneçam de guarda dia e noite... E ele não me disse isso de um modo gentil.

Helen cobre a boca e sente um aperto no peito. Maria toca o ombro dela:

—Vou falar com ele e...

—Não! Eu vou falar com ele agora! Se ele está preocupado com meu bem estar, pelo menos tem que me falar o que o está aborrecendo tanto!

A jovem mulher se levanta da mesa e sai dali rumo ao salão do trono. Os trolls a veem seguir pelo corredor e cercam sua passagem:

—Senhora.

—Eu vou falar com o Rei goblin agora. Não tentem me impedir.

O olhar duro e a voz autoritária de Helen faz com que as gigantescas criaturas saiam de seu caminho. Ela caminha a passos largos, os punhos fechados e a garganta ardente. Ela atravessa o umbral e vê Jareth junto à janela, as esferas de cristal flutuando e rodopiando ao redor dele. Um dos braços envolvendo o próprio tronco e o outro apoiado no antebraço, a mão cobrindo os olhos.

Helen para e espera que ele perceba sua presença:

—Helen. Eu dei ordens para que...

—Você ordenou que eu ficasse enclausurada em meu próprio aposento... Isolada de todos, inclusive de você. Por favor... Me diga o que está acontecendo! Não posso aceitar isso sem...

Então Jareth se vira para a mulher. Seu rosto está duro e inexpressivo, mas seus olhos demonstram a fúria que consumia seu coração. Ele caminha até o trono e se senta nele. O modo como se moveu e permaneceu sentado indicou a ela que, naquele momento, não era Jareth, seu amante, quem falava, mas o Rei dos goblins, Senhor do Labirinto.

Ele inclinou-se um pouco na direção dela. Sua voz parecia estranha aos ouvidos da moça:

—Eu devia ter mantido você lá desde o começo. Com certeza não estaria me aborrecendo com algo tão banal quanto isso.

—Isso... O quê?

—A criatura que te atacou ainda está nos labirintos. Ela se esquiva e foge de mim, se escondendo nas sombras de um modo que não posso descobrir... Ainda. Ela só quer uma coisa... Você e o meu herdeiro... Quer se vingar do que eu fiz com seu corpo asqueroso. E se eu não tivesse dado ouvidos a você, nada disso teria acontecido...

Helen se aproxima um pouco mais do trono:

—O que eu...

Ele sorri, mas seus lábios se abrem num esgar que assusta a jovem mulher:

—Você me pediu que não aniquilasse a coisa... E quando eu a deixei viva, ela veio atrás de você e quase te matou no Labirinto. Inaceitável! Pela segunda vez ela me afrontou e não posso deixar que se repita! Vou destruir cada pedaço dela até que nem reste pó. E se você é o alvo dela, nada mais justo que fique fora de seu alcance.

Helen se enfurece:

—Pare! Se a criatura quisesse me matar, teria feito logo que me levou ao labirinto! Ela me teve em seu poder toda a noite e só fiquei em perigo quando a tempestade veio e...

Os olhos de Jareth se estreitam e Helen cobre a boca. Aquelas palavras iam de encontro a tudo que acontecia motivado pelas emoções do Rei. Ele virou o rosto e segurou uma esfera que flutuou até sua mão:

—Então serei mais prático. Vou dividir o interesse do meu inimigo... Quando a criança nascer, você volta para o mundo dos homens e meu herdeiro será protegido num local seguro longe daqui.

Helen toca o ventre e seus olhos se abrem muito. A voz soa falha e embargada:

—Então... Oh. Certo... Quando tudo isso terminar, eu poderei voltar para cá, para junto do nosso bebê e...

O Rei suspira:

—Minha busca pode durar um tempo considerável... Será que o tempo passado no seu mundo será condescendente? A manterá como está agora?

Helen sente algo se quebrar dentro dela. Entendeu que o Rei não a traria de volta para habitar ali com seu filho. Os temores que a afligiam no começo não eram infundados:

—Seu plano era ficar livre de mim, Rei goblin... Nunca foi diferente disso! O que aconteceu entre nós nos últimos meses foi uma... Recaída! Uma fuga de sua dor por...

Ele ri. Seu rosto mergulhado nas sombras do salão. Uma aura densa e terrível emanando dele:

—Parece que está inconformada que Sarah possa ser a primeira em meu reino... Apesar de ela rejeitar a oferta de viver ao meu lado.

Os punhos fechados de Helen relaxam e os braços tensos caem ao longo do corpo. A energia que despendia para reacender os sentimentos que tinha por Jareth dissipou-se como fumaça ao vento. Os trolls surgiram na entrada do salão e, sem resistência, Helen saiu dali com eles. Ao redor do Rei goblin, as três esferas de cristal rodopiaram rápida e violentamente até que uma delas se espatifou contra a parede mais próxima e Jareth inclinou-se para trás, de olhos fechados.

Helen foi recebida por Breda, Maria e Bone. A jovem seguiu até a cama e deitou-se. Maria aproximou-se e fez uma carícia em seus cabelos:

—Querida! O que...

O corpo de Helen não se moveu e ela não abriu os olhos. Breda trouxe água, mas a moça recusou-se a beber:

—Quero dormir um pouco...

Apenas Bone ficou no quarto, silenciosa, esperando alguma ordem de sua senhora, enquanto Maria seguiu dali a passos firmes para falar com seu filho. Jareth estava sentado e imóvel como uma estátua, assustando a mulher:

—O que falou para Helen que a transtornou daquela forma?

—Não estou com vontade de falar a respeito, Maria... Se me dá...

Ela subiu até o trono e segurou o rosto dele:

—Onde está meu filho agora? O que eu vejo é a essência daquele monstro que sequestrou você e não se importava com ninguém além de si mesmo!

—O que estou fazendo é para o bem do meu herdeiro! Estou protegendo o...

—E Helen?

—Ela voltará à sua antiga vida. Ficará segura longe do Labirinto.

Maria toca o peito:

—Oh, meu filho! Como acha que ela ficará depois?

—Ela sempre me disse que se sentia uma prisioneira aqui. Estará livre em breve!

—Ela o ama!

O olhar de Jareth fixa o de sua mãe:

—Ela ama o estrangeiro, Jarod Crestani...

A mulher segura o rosto entre as mãos e balança a cabeça, incrédula. Seu filho tinha quase trezentos anos de idade, mas seu coração era como o de uma criança. Sentimentos como raiva, amor, desejo, medo, orgulho e rancor se misturavam nele de forma perigosa. Sua dualidade não era capaz de equilibrar forças para domar o que ele sentia. Tudo era intenso e doloroso. Demasiado e confuso.

Maria recua e se afasta, seguindo para a ala leste do castelo, buscando o abraço de Albert e algum conselho que salvasse aquela situação. Albert esperou que ela chorasse para depois entender o que estava acontecendo. Naquela noite não houve tempestade, mas também não havia estrelas ou lua no céu mergulhado em escuridão. Os habitantes do reino sentiram medo.

Continua...

 


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Notas finais do capítulo

Jareth foi uma criança corrompida pela magia. Seria o equivalente a um changeling inverso, no caso um ser mágico que toma lugar de um ser humano na terra, Jareth é um humano vivendo no mundo das fadas e gnomos. Ele viveu quase 300 anos e cresceu com dupla natureza. Acostumado a ser reverenciado e obedecido, foi desafiado por Sarah Williams e agora vive um conflito com Helen McVeigh. Sem experiência alguma fora de sua condição mágica, ele alterna entre um rei ditador e um homem apaixonado. Qual dos dois vai prevalecer?



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