A Criança do Labirinto escrita por Daniela Lopes
Notas iniciais do capítulo
Helen se dá conta que o Rei goblin está atraído por ela e decide dar uma chance a ele, mas um inimigo inesperado pode colocar a vida dela e de seu bebê em risco.
Helen estava diante do espelho. A tarde já esmorecia lá fora, cedendo lugar ao anoitecer. Ela analisava seu corpo e a barriga discreta:
—Muito bem, bebê! Será que você vai nascer do tamanho de um duende e vai caber na palma da minha mão como o pequeno polegar?
Ela riu da comparação e tocou o ventre. Fechou os olhos e suspirou:
—Quem sabe... A gente consiga arrumar essa bagunça, não é? Mas lembre-se de uma coisa. Eu amo você, meu menino. Não importa o que aconteça depois que nascer...
Distraída, Helen não escuta um som chiado que chegava pela janela, muito menos o baque seco quando uma forma escura e deformada saltou para dentro do quarto. Nem Bone ou Breda estavam ali no momento e Helen permaneceu distraída, alisando a barriga e murmurando palavras de carinho para o bebê dentro dela. Súbito ela sentiu o cheiro acre e desagradável, então uma gosma pegajosa atingiu seus braços, prendendo-a pelos cotovelos e puxando-os para trás, impedindo a moça de qualquer movimento.
Outro tentáculo repugnante cobriu-lhe a boca imediatamente, impedindo a mulher de gritar e uma voz arrastada e esganiçada soou junto ao seu ouvido:
—Nós de volta, mulher... O rei cruel achou que nós perdido, fraco, incapaz... Mas trazemos a vingança, sim, vingança! Ele vai pagar ele vai de todo o sofrimento que nós sofre agora... Ele implorar por você e nós mostrar a ele que ainda estamos na caça...
Sem poder gritar, sem chance de se mover, Helen sente-se arrastada até a janela. O ser rastejante se expande e agarra nas pedras da parede do castelo, pelo lado de fora do quarto de Helen e ela vê a altura em que estava dependurada. Fecha os olhos e sente que estava desmaiando. Ninguém se dera conta do que estava acontecendo e pouco tempo mais tarde, o corpo da jovem era engolido pela escuridão do Labirinto.
Breda entrou no quarto e não viu Helen. Olhou para Bone que entrou em seguida e falou:
—Ora! Você viu a senhora?
Bone coçou a cabeça, cheirou o ar e falou:
—Um pouco mais cedo, o mestre esteve aqui com a senhora... Eles estavam com as bocas coladas e...
Breda riu:
—Você viu isso?
—Numa gretinha da porta bem pequenininha! Eu juro que não vi demais e...
A curandeira bate palmas:
—Então Helen deve estar com o mestre agora! Ah! A senhora Maria vai ficar tão feliz com essa notícia! Amanhã falamos com ela! Venha! Vamos nos recolher!
O amanhecer trouxe muito sol sobre o reino e Maria vai à janela, sorrindo:
—Que dia brilhante! O humor de Jareth parece melhor hoje. Vou convidar Helen para o desjejum e trago meu filho para cear conosco! Será perfeito!
Albert se vestia em silêncio, abotoando a blusa de seda branca e prendendo os punhos com abotoaduras prateadas. Maria percebeu seu companheiro soturno e aproximou-se:
—Querido?
Ele volta seu olhar para ela e Maria toca-lhe a face:
—Nunca o vi tão pensativo...
Ele sorri, mas ela sente desapontamento naquele ato. Albert toca-lhe os cabelos e o queixo com carinho:
—Minha adorada... Quando está junto comigo... O que espera de mim? De verdade?
Ela franze o semblante:
—O que...
—O mestre me perguntou uma vez o que eu sentia por você e respondi amor... Mas eu sou... Apenas a imagem do seu ideal de amor. Uma lembrança que se move do verdadeiro Albert Tyton que deixou você e seu filho para fugir...
Maria segura o rosto do falso conde e o olha nos olhos, profundamente:
—Por quase trezentos anos, eu tive sua companhia ao meu lado, me apoiando, oferecendo seus braços quando eu estive triste ou desesperada, me ajudando a lidar com a nova natureza de meu filho... Apesar de você se parecer com o Conde Tyton, você não possui nada dele... Você é melhor.
Albert segura as mãos da mulher e sorri, fechando os olhos. Ela tem os dela cheios de lágrimas:
—Aceitar você foi mais fácil por causa da aparência do meu ex-marido... Eu precisava de alguém ao meu lado para suportar viver nesse mundo e ver meu filho crescer para se tornar o Rei desse lugar, mas tudo o que vivemos juntos... Eu não posso te comparar ao Conde Tyton... Você fez por mim o que ele jamais faria. Então eu te amo, amo o que você tem dentro do seu coração e não importa do que é feito.
Albert se inclina e, gentilmente, beija a mulher. Ela envolve os braços ao redor do pescoço dele, estreitando o contato entre eles. Cheio de desejo, o falso conde a ergue nos braços e carrega Maria para a cama. Sobre ela, acariciando seu rosto, ele murmura:
—Minha adorada... Eu sou a criatura mais feliz que poderia ter sido criada nesse reino e...
Ela sorri, fechando os olhos:
—E você é meu...
Ele sorri e volta a beijá-la. O café da manhã foi completamente esquecido.
Jareth segue animado pelo corredor rumo ao quarto de Helen. Levava uma flor exótica e cantarolava, piscando para um ou outro goblin que cruzava seu caminho. Ele bateu na porta e abriu, trazendo um pouco de claridade para o quarto mergulhado na penumbra. A passos suaves, ele aproximou-se da cama, mas tropeçou em alguma coisa amontoada no chão e falou:
—Que raios...
Bone sentou-se e bocejou, esfregando os olhos:
—Hum? Mestre?
—Onde está sua senhora?
Jareth olhava para a cama vazia e para a serva duende. Bone saltou para a cama e mergulhou debaixo das cobertas, saindo do outro lado:
—Oh!
Impaciente, ele segurou-a pelo colarinho da túnica encardida:
—Estou sem paciência. Onde Helen está?
Confusa, Bone olhou para os pés:
—Hum... Ah... Ela... Não ficou com o mestre?
Breda saía do quarto contíguo ao de Helen e viu Jareth:
—Mestre Jareth! Bom dia! Eh... A senhora Helen ainda não se levantou? Vou preparar o...
Jareth encara Breda:
—O que leva vocês duas a crerem que Helen passou a noite em meus aposentos e...
Então os olhos de Jareth se tornam em fogo. Ele olha de uma para outra e fala:
—Ela... Fugiu de novo. E vocês estão tentando me enganar! Eu avisei que puniria quem...
Bone cobre a boca e Breda exclama:
—Não é possível, meu senhor! Ela estava tranquila! Não tinha motivos para deixar o castelo e...
O Rei goblin grita, enfurecido. Sai dali a passos lagos, batendo os pés no chão pedregoso, rumo ao salão do trono. No horizonte, nuvens negras começaram a se formar e seguir para o reino. Hoggle vê o Rei passando pelo corredor e percebe a raiva crescente nele. Corre atrás dele, na esperança de descobrir o que o aborrecia.
Uma vez no salão, Jareth deu ordem para que todos os servos fizessem uma busca completa em cada canto do castelo e dos arredores. As passagens secretas do Labirinto deveriam ser vigiadas e os seres que lá viviam deveriam prestar conta do que viam ou ouviam pelos corredores.
Maria foi avisada por Maddy do ocorrido e rumou para o salão do trono. Encontrou o filho completamente fora se si e falou:
—Querido... O que...
—Agora não, Maria...
—Onde está Helen?
Um trovão retumba no horizonte e o céu sobre o castelo já estava escuro. Maria tocou a mão do filho, mas esse a encarou e sorriu, assustando a mulher:
—Todos nesse castelo tentaram me empurrar na direção de Helen... Eu me convenci que poderia ter... Uma chance com ela. E agora? Onde ela está? Quem a ajudou a deixar o castelo? A fugir... De mim?
A dor na voz de Jareth faz o peito de Maria doer:
—Vamos esperar, meu querido! Tem que haver uma explicação para o sumiço dela! Ela não...
Um raio acende o céu e a chuva começa a cair sobre o reino. O volume dos pingos é cada vez maior e em alguns pontos do Labirinto, focos de alagamento se formavam, enquanto as águas se moviam cada vez mais altas e velozes. Num desses pontos, Helen despertou, sentindo o corpo encharcado pela chuva fria.
Ela ergueu-se e olhou ao redor. Não se recordava de como foi parar ali, mas lembrou-se da criatura que a sequestrou na noite anterior. Helen caminhou confusa e viu que estava perdida. Foi quando ouviu um rugido e sentiu as paredes do corredor estremecerem. Ela lembrou-se do monstro e desesperou-se:
—De novo, não! Por favor!
Mas para seu alento e em seguida desespero, o rugido era provocado por uma enxurrada que ganhava volume e avançava pelas curvas do Labirinto, arrastando o que estivesse no caminho, fazendo Helen correr, tentando não ser atingida.
Com água até a canela, ela avança com menos velocidade, segurando-se nas paredes para evitar cair e ser levada na correnteza. Assustada, ela escutou o som de algo raspando os muros e se quebrando. Quando virou o rosto, viu um galho de árvore velho, retorcido que se debatia pelo trajeto e vinha na direção da jovem mulher. Ela gritou e correu o máximo que pode, mas uma das ramificações do galho maior agarrou a barra da camisola de Helen, fazendo a moça rodopiar e cair na enxurrada.
Após conseguir se soltar do galho, a outra ponta girou e atingiu a moça no ombro esquerdo, desequilibrando-a outra vez. Helen engoliu água, terra e teve os olhos atingidos por pequenos detritos, atrapalhando sua visão. Arrastada mais alguns metros, ela escutou um som gorgolejante e virou a cabeça. Para seu desespero, uma parte do grande muro do corredor estava fendida e por ele, a água passava com violência, sendo engolida por um buraco assustador.
Helen reergueu-se e caminhou na direção contrária ao aguaceiro, mas caiu, fraca pelo esforço e machucados. Ela ofegava, quando se lembrou do colar. Tocou o pingente e sentiu algo atingir suas pernas. Com um grito, caiu de barriga para baixo, na água escura e barrenta e sentiu que seu corpo era puxado para a fenda. Uma de suas pernas foi sugada e ela sentiu a terrível pressão subir até seu quadril. A sensação era de que um monstro tentava sugar a carne de seus ossos e o volume de água continuava subindo, atingindo seu rosto, braços e peito.
Helen erguia o rosto para cima, tentando não se afogar:
—Eu não posso ser puxada pra esse lugar! Oh, céus! Eu não consigo mais me segurar! Meu bebê...
A onda de água atingiu seu rosto e ela prendeu a respiração. A pressão em suas costas era demais e ela sentiu que a consciência a abandonava. Então, sem saber se era sonho ou realidade, ouviu uma voz retumbante ordenar:
—ÁGUAS! MOVAM-SE!
A enxurrada mudou a direção e moveu-se para o alto, como se arrastasse muro acima, abrindo espaço no corredor e diminuindo a pressão na fenda que sugava toda a água ao redor. Helen jazia presa pela perna e parte do quadril, como se o muro a estivesse mastigando. A cabeça dela pendia para frente, os cabelos enlameados grudavam em sua face e caíam para frente, ocultando o rosto dela.
O Rei goblin aproximou-se, trêmulo. Seu rosto estava lívido e os olhos brilhavam, selvagens. Ele tocou o ombro dela, a voz saiu quase um sussurro:
—Helen...?
Ela moveu a cabeça e tossiu. Gosma e lama caíram no chão e ela gemeu. Ele aproximou-se mais e segurou o corpo dela contra o seu. Seus olhos seguiram para a fenda e esta rompeu-se, libertando o corpo da moça, para em seguida fechar como se nunca tivesse existido. Ele sustentou-a nos braços e tirou os cabelos do rosto da jovem mulher. Ele encostou a testa na dela e murmurou:
—Perdoe-me...
A mão fraca de Helen se eleva e toca o rosto dele, que fecha os olhos e se transporta com ela para o aposento da moça. Lá ele deposita Helen na cama e começa a tirar suas roupas molhadas e sujas. Breda chega logo em seguida com Bone, Maria e Maddy e elas exclamam assustadas. Sem olhar para elas, Jareth fala com tom de voz neutro:
—Bone, quero trapos limpos e água quente. Breda, quero unguentos e chás para ferimentos. Mãe... Quero que me ajude a limpar Helen de toda essa sujeira.
—Eu faço isso, querido, não se...
—Não. Eu quero apenas que me ajude a fazer isso.
Em silêncio, Maria se posiciona lado a lado com o filho e aos poucos, com água quente e panos limpos, eles tiram toda a sujeira grudada à pele da jovem mulher. Helen não se move ou emite som algum. As mãos trêmulas de Jareth tocavam nela com cuidado e receio, mas Maria agia com segurança, encorajando o filho. Breda trouxe os unguentos preciosos e nesse momento, o Rei goblin quis ficar sozinho com a moça ferida. Ele aplicava o medicamento e enfaixava com cuidado, até que nenhuma lesão estivesse à vista.
Despido de suas roupas sujas e molhadas, ele permaneceu ao lado dela, olhos fechados e semblante carregado. Ergueu uma mão e sondou o corpo dela, em busca de alguma ferida interna, grato por tudo estar bem. Sua mão tocou o ventre discreto dela e ele sondou a criança. A resposta que teve o fez chorar e erguer o rosto para mirar a face pálida de Helen.
Jareth murmurou:
—Eu... Achei que tinha fugido de mim outra vez e... Fiquei furioso. Aquela tempestade é culpa minha... Você estar assim é por minha causa. Eu...
Ele suspira:
—Nosso filho está bem. Ele me disse que está com medo da mãe dele nunca mais acordar e deixá-lo sozinho. Ele disse que eu sou um idiota por não estar ao seu lado e fazê-la feliz... Me pediu pra acordar você... Ele quer ouvir sua voz de novo.
Jareth fecha os olhos e afunda o rosto no travesseiro, abafando um gemido. Então a voz fraca de Helen chega até ele:
—F-faço minhas as palavras dele... Você é um idiota...
Jareth ergue o rosto e encara Helen. Ela o mira com olhos vermelhos e o Rei sorri:
—Oh, Cara mia...
E avança contra ela, buscando seus lábios, abraçando o corpo dela com cuidado e por um tempo aquele beijo era tudo do que precisavam.
Até a total recuperação de Helen, Jareth não saiu do lado dela. Ajudava com o banho, alimento e vestimenta. Trocava os curativos e em alguns dias, Helen já caminhava com ele até o jardim de Hoogle, que estava verdejante e florido.
Todos que olhavam, percebiam o quanto o Rei era carinhoso com a jovem mulher. Permaneciam abraçados a olhar o horizonte durante o por do sol. Nas noites repletas de estrela, o casal permanecia na torre, deitados a olhar o céu. Na intimidade do quarto de Helen ou de Jareth, expressavam seus sentimentos nos braços um do outro e assim foi por um longo período de tempo.
Continua...
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Helen e Jareth cederam aos seus sentimentos e parecem estar em paz com seu relacionamento conturbado. A criança cresce saudável e sua vinda enche a todos de expectativas, mas um sentimento desconhecido para o Rei começa a crescer em seu coração e mudar seus pensamentos. Helen precisará de forças para enfrentar o que vem a seguir.