O resto da festa se passa sem maiores incidentes. Poderiamos fazer uma festa de dias, mas como a situação é delicada, decidimos encerrar ao amanhecer. Quando o último convidado pisa para fora do terreno, o ar parece ondular por um momento, a magia se desfazendo diante de nossos olhos. Meu corpo fica fraco, o preço sendo pago.

— Eu não acredito que fizemos isso — comento, um pouco em choque. Cambaleio, sem forças, imediatamente sendo amparada por Niklaus, que está mais próximo a mim.

— As magias executadas foram fortes demais — Abaccus explica minha situação —  ela precisa de repouso.

— Nós arrasamos! — Dakota da soquinhos no ar, distraída com nossa vitória — todos pareciam meus fantoches aplaudindo! — ri.

Gianna, que está deitada no chão, levanta o braço em comemoração também.

— Você enfeitiçou eles para aplaudirem? – eu pergunto a Dakota, surpresa.

— Você achou que eles iriam aplaudir de boa vontade? — ela ri — claro que não!

É, faz sentido.

— Obrigado, Dakota. Mas agora vamos nos concentrar em descansar e depois nos reunir para dividir informações — Elijah diz, afrouxando sua gravata.

— Precisamos restaurar as forças dela — Abaccus diz diretamente ao híbrido ao meu lado — siga-me.

Niklaus me pega no colo e eu não protesto, sem forças até para reclamar.

— Me ajude a tirar as roupas dela — o bruxo diz — estão contaminadas.

Niklaus me olha como quem pede permissão e eu assinto. Eles são rápidos e impessoais, não ficam me olhando, apenas tiram o vestido e a roupa íntima.

Abaccus coloca tudo em uma bandeja e em um piscar de olhos o tecido está queimando. O moreno então volta sua atenção a mim, com um pouco de concentração, um vestido aparecendo em suas mãos. Com ajuda de Niklaus, ele coloca-o em mim. É simples, branco e com tecido fino.

— Vamos começar — avisa Abaccus.

— Você vai ficar bem — Niklaus tenta me consolar, o que eu acho doce da sua parte. Acho que ele pode contar nos dedos as vezes que disse algo para confortar alguém e ainda mais alguém que não é da sua família.

Consigo lhe dar um sorriso fraco, respirando fundo e fechando os olhos. Cristais são colocados ao meu redor e Niklaus se afasta enquanto Abaccus se aproxima, recitando um feitiço. Algum tempo depois, me sinto melhor, mas sei que esse tipo de recuperação demora um certo tempo, afinal, não tenho mais a parte física para se recuperar, é apenas a alma.

— Leve-a para o quarto, vou limpar tudo aqui — sou erguida com cuidado enquanto o bruxo espirra algo no ar. O híbrido até mesmo vai em passos humanos até meu quarto, não correndo riscos. Felizmente não encontramos ninguém pelo caminho, então entramos logo no aposento e sou colocada na cama.

— Chame Gianna, por favor, — peço a Niklaus — não quero ficar sozinha.

Ele parece se concentrar por um minuto, fazendo uma careta após escutar algo.

— Creio que isso não vai ser possível, porque nesse momento ela está tomando banho fingindo ser a Britney Spears. Acho que vai demorar um pouco — ele estremece — ela realmente tenta, não é? É...

— Eu sei — dou risada quando ele não consegue encontrar palavras — ela tem vários talentos, mas cantar não é um deles.

— Claramente — concorda, sorrindo.

Ficamos nos encarando por um tempo. Provavelmente ele está de bom humor por causa que o baile foi um sucesso ou algum outro motivo pessoal, eu não ligo. Só aprecio o momento.

— Obrigada por me ajudar — murmuro, quebrando o silêncio — não vou te segurar aqui. Pode ir descansar.

— Eu posso descansar aqui — diz, mas acrescenta: — se você não se importar.

Eu realmente não sei o que deu nele, mas eu gosto.

— Fique a vontade — chego mais para o lado, enquanto ele se levanta.

Sem pressa, o híbrido tira o palitó, a gravata, o colete, abre dois botões da camisa... Não consigo evitar que meu coração acelere, chamando a atenção dele, que sorri malicioso.

— Tudo bem, querida? — engulo em seco ao ouvir sua voz. Maldito sotaque perfeito!

— Só agitada. Foi... Uma longa noite — desvio o olhar para frente, focando na parede a frente, cheia de quadros antigos. Meu plano é substituir eles, mas nunca o faço, sempre deixo para outro dia, ou o próximo...

Ele se senta na cama novamente, tirando os sapatos e deitando-se ao meu lado. Ficamos os dois olhando para o teto por um tempo, até que pela minha visão panorâmica começo a prestar atenção nele. Niklaus é belo como uma obra de arte, o que faz eu imaginar como seria pintar um retrato dele. Seus olhos seriam a parte mais difícil, com certeza. Eu teria que misturar...

— Acorde, Bela Adormecida. Está na hora de nos encontrarmos com os outros — olho confusa para Niklaus ao meu lado — você caiu no sono. Temos que descer.

Assinto, voltando a razão lentamente. Me sento, enquanto o híbrido pega suas peças de roupa e sai do quarto.

Respiro fundo, me alongando e trocando de roupa o mais rápido que posso. Desço ao mesmo tempo que Gianna, que me abraça de lado.

— Como está, doce Elle?

Desço a escada segurando no corrimão, lembrando-me da noite passado. Parece que tudo foi um sonho agora.

— Exausta, mas vou melhorar — respondo — e você?

— Viva — a olho incrédula — o quê? Nada melhor do que alguma ação para nos fazer sentir vivos... Mesmo que nós não estejamos assim há muito tempo.

Encaro o brilho em seus olhos e percebo que ela está falando sério. Tento olhar pelo seu lado: estar aqui do Outro Lado, existindo em um dia atrás do outro, sem propósito, sem expectativas ou fracassos. Na morte, nada é definitivo, então nada é realmente valorizado.

Até que os Mikaelson cheguem, claro. Aparentemente, eles podem abalar a estrutura de cada parte do universo se quiserem.

Todos já estão na sala. Hayley em uma poltrona, os irmãos originais em um sofá juntos, Dakota no chão e Abaccus serve chá na mesa de centro. Me separo de Gianna, pegando uma xícara para mim e me sentando em um dos sofás. Me sento com as pernas para cima, logo Abaccus as levanta e se senta, colocando minhas pernas em cima das suas.

— OK, relatório da missão, colegas — Gianna sorri, parecendo animada, agora sentada em uma das poltronas. Suspiro, dando um gole em meu chá.

— Os vampiros detestam os Mikaelson, mesmo que isso seja tremendamente irônico — Abaccus conta, bebendo seu chá também — mas, aparentemente, é unânime.

— Bruxos também — Dakota concorda — apesar de toda aquela história que devemos ser imparciais, blá blá blá.

— Alguns lobisomens não hesitariam em caçar vocês dois pela eternidade aqui — Hayley diz olhando para os originais — eles são bem rancorosos com o que Marcel fez. E, você sabe, ele é conhecido por ser um Mikaelson também, então...

— Não temos aliados? — Elijah questiona.

— Todos os aliados possíveis agora estão nessa sala — Abaccus responde.

Cinco pessoas não é muito promissor contra uma cidade inteira.

— E seus pais? — Dakota questiona para os irmãos. Todos olhamos confusos para ela.

— O que tem eles? — é clara a tensão de Niklaus.

— Acha que podem ser aliados? — Gianna pergunta, completando o raciocínio da outra.

— Como podem ser úteis se estão presos? — questiono, não gostando do rumo dessa conversa.

— E se soltarmos eles? — sugere Dakota ingenuamente. Seria preciso um fugitivo de Alcatraz e um forte ancião sobrenatural para passar pelo prisão que criaram.

— Nossos pais nunca serão nossos aliados — Niklaus garante.

— Nem se você pedir com jeitinho? — sugere Dakota para o híbrido.

— Da última vez que eu pedi com jeitinho, eu tinha dez anos. E isso não me impediu de levar uma surra — responde, seco.

— Sem pais, então... — Dakota murmura, um pouco sem graça.

— Ou com pais — Abaccus parece ter tido uma ideia.

— É sério, eles não vão se aliar a nós — Hayley diz — Eu já vi eles em ação, são como a peste em pessoa.

— Eles não precisam se aliar a nós — Abaccus retruca — só precisam dar as informações que precisamos. Como por exemplo, onde está o grimório de Esther.

— O grimório de Esther é lendário — comento, a possibilidade me agradando muito — poderíamos fazer excelente uso dele aqui.

— O que exatamente faríamos com ele? Enfeitiçariamos todos? — Gianna zomba.

— Qual é o único jeito de ganhar o respeito de alguém por aqui? — Abaccus questiona.

— Poder — respondo prontamente.

— E quem retém o poder? — continua o bruxo.

— Governantes — responde Klaus, parecendo se lembrar de algo.

— Lá vamos nós novamente — suspira Hayley, parecendo cansada do assunto Rei Klaus.

— Se conseguirmos deixar alguns do nosso lado, podemos ter se não a proteção, mas a ajuda deles caso a maioria se volte contra nós — explica Abaccus.

— E como vamos fazer isso? Simplesmente nos aproximar dos líderes de cada facção? — Dakota pergunta.

— Basicamente. 

— Eles não precisamos de nós. Para que iriam nos querer por perto? – a essa altura está claro que todos nós nos incluímos onde deveria ser apenas Elijah e Niklaus, talvez Hayley.

— Se criarmos uma guerra em que nós não somos um dos lados, mas sim auxiliares, podem ver alguma serventia em nossa ajuda — Abaccus deixa sua xícara vazia de lado, sua face serena para quem está propondo criar uma guerra entre espécies apenas para conquistar simpatia — é claro que precisamos de algo mais estruturado, mas é um começo.

— Não poderíamos viver tranquilamente sem ninguém nos perturbar e não perturbarmos ninguém? — Elijah olha para o lado, seus muitos anos claros em sua expressão.

— Eu receio que não, irmão — Niklaus suspira e percebo que sua tristeza é genuína — estamos fadados a luta eterna.

— Se ao menos pudéssemos sair de New Orleans, talvez... — Hayley não completa seu comentário, porque é inútil.

A não ser que...