O Patinador Sideral escrita por Joe Graci


Capítulo 2
A equação primordial da vida


Notas iniciais do capítulo

Olá! O Patinador Sideral começa sua jornada de descobertas, explorando um objeto de seus sonhos da infância: o sistema solar. Porém, decide ir além das fronteiras, para investigar o que nenhum habitante terrestre jamais viu de perto.

Imagem do capítulo: https://drive.google.com/file/d/1Q4qgnGPUNQxzzZRFkxRPWSsUY0ymK_eQ/view

Trilha sonora: https://www.youtube.com/watch?v=icgGyR3iusU&t=29s&ab_channel=SGMusic

Tempo estimado para leitura: 33 minutos.



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Após estar livre dos efeitos gravitacionais e outros incômodos da Terra, o autodenominado Patinador Sideral resolveu iniciar sua exploração do Cosmos pelo sistema solar. Considerou o conforto de estar numa vizinhança parcialmente conhecida e ter uma boa oportunidade de colocar à prova suas habilidades, em um ambiente mais ou menos controlado.

Assim decidiu que iria fazer um tour pelo sistema planetário; um intento que a tecnologia humana mais avançada levaria pelo menos uma década para executar. O distinto ser calculou rapidamente que poderia finalizar o cruzeiro espacial em menos de 24 horas, viajando a pouco mais de 50% da velocidade da luz na sua forma primária pontual.

 Não quis se arriscar de pronto em uma viagem com velocidade muito próxima à da luz, pois ainda estava incerto quanto aos efeitos relativísticos que experimentaria, além da dilatação do tempo.

”Estou convencido do meu desejo de viajar pelo espaço de uma maneira que nenhum ser vivo conhecido é capaz. Porém não quero deixar de existir neste meu estado e preciso ter alguma cautela, para não correr mais riscos do que o necessário. Começarei viajando à metade da velocidade máxima possível como um teste e, dependendo do resultado, irei aumentando ou diminuindo o ritmo gradativamente.”; refletiu frígido.

Apenas para efeitos práticos, considerando que Vênus, o planeta mais próximo da Terra, estava anormalmente distante do plano orbital terrestre, optou por uma primeira escala em Mercúrio. Dali partiu o Patinador Sideral para começar sua exploração, passando primeiro pelos planetas rochosos, em busca de respostas a sua curiosidade e quiçá de outras formas de vida escondidas ao abrigo do Sol.

(***)

Na sua rapidez friamente calculada, percorreu a astronômica distância aproximada de 100 milhões de quilômetros até MERCÚRIO em pouco mais de 10 minutos. Ao se aproximar, reduziu sua velocidade a níveis que acompanhavam a órbita de Mercúrio, considerada veloz para os padrões normais.

Não é sem razão que esse pequeno planeta leva o nome do mensageiro dos deuses greco-romanos. Levando somente 88 dias para dar uma volta na imponente estrela, que deixava o planeta ofuscado pela grandeza de seus raios, o movimento mercuriano era acompanhado com dificuldade pelo estranho explorador, no seu formato de segmento reto.

O Patinador começara a sofrer pela primeira vez na sua nova condição, devido aos efeitos da radiação solar muito intensa; estava sucumbindo ao infravermelho, ultravioleta e outras ondas do espectro eletromagnético. Precisava pousar logo no planeta, no seu lado escuro; precisava fazer o que nenhuma sonda enviada por humanos jamais fez...

Sem perder de vista seu propósito traçado, com um esforço hercúleo, eis que ele conseguiu realizar a descida desejada. Fê-la numa das vastas crateras da superfície do planetinha, certamente alvejada sem piedade por vários meteoros, em razão da finíssima atmosfera de Mercúrio. Ficou lá por alguns minutos, a encontrar vestígios de sódio, potássio e cálcio, mas nada que se aproximasse nem um pouco do que poderia chamar de vida.

Diante disso, pressentiu que era hora de partir rumo a outro destino, mas naquele momento sentiu uma forte intuição para se mover nas dimensões superiores de uma maneira totalmente nova. Assim o fez e, surpreendentemente, percebeu-se em uma forma quase elíptica que aludia, ao mesmo tempo, uma espécie de prancha e um monólito das estórias fictícias a que assistira em sua antiga vida. No entanto, como não tinha espessura perceptível, poderia ser considerado bidimensional.

“Agora posso sentir minha nova forma como a expressão exterior dos meus sonhos.”; pensou, cogitando diversas possibilidades.

Todavia, passara da hora de partir rumo ao planeta irmão da Terra, o qual teria supostas evidências de vida, obtidas pela ciência humana. Precisava investigar isso, enquanto o Olho que Tudo Vê apenas vigiava o decurso desses eventos de sua posição sublime e intocável.

Já plenamente consciente de suas três formas possíveis até aquele instante, o Patinador Sideral converteu-se novamente em ponto para percorrer velozmente os cerca de 50 milhões de quilômetros que o separavam do planeta VÊNUS. Na sua alta velocidade, saiu facilmente da parca gravidade de Mercúrio e, com alguma dificuldade, venceu também a gravidade solar, para balizar o próximo destino.

Em menos de 5 minutos, ao chegar relativamente perto de Vênus, homônimo da deusa greco-romana do amor e da beleza, avistou uma atmosfera densa, que em nada fazia jus à maravilhosa designação do planeta. O ar estava repleto de nuvens espessas e ácidas, algo que o ser metamorfo percebera de imediato, ao assumir seu formato segmental.

Aproximando-se da superfície calejada, massacrada por um efeito estufa intenso e mortal, responsável por tornar este mundo mais quente que o planeta anterior, sentiu efeitos similares aos de quando estava muito mais próximo do Sol. Mesmo não sendo mais tão frágil como um ser humano, o Patinador padecia de uma dor fisiológica impressionante, mas resistia bravamente para continuar sua sondagem.

A situação piorou no momento em que decidiu virar o monólito para demarcar a superfície venusiana de maneira única e inconfundível. Diante da ausência total de qualquer sombra, sentia-se literalmente cozinhando nos quase 500 ºC, além de penar com os impactos da forte pressão atmosférica. Vivia um verdadeiro inferno nos céus...

“Não posso sucumbir aqui antes de vasculhar as prováveis substâncias que evidenciam a presença de micro-organismos vivos quimiossintetizantes!”; racionalizou, um tanto quanto preocupado com o sinistro cenário.

Naquele instante, focalizou sua visão de alcance múltiplo em várias direções da paisagem tétrica. Com isso constatou em definitivo que não havia vestígio algum de precursores da vida no planeta arruinado pelo fenômeno natural devastador.

Assim sendo, após minutos de muita dor e agonia, regressou novamente à forma de ponto, com destino ao famigerado planeta vermelho, o último dos planetas rochosos a visitar.

Dessa vez, percorreu quase três vezes a distância da viagem anterior, usando o tempo para pensar em sua experiência negativa no tenebroso gêmeo da Terra e, além disso, no que poderia encontrar nas preciosas e visadas terras marcianas.

“Sempre me perguntei por que a humanidade quer tanto instalar colônias em Marte. O vizinho mais próximo é realmente desolador, mas o que haveria de tão mais especial no planeta vermelho?”; debochou internamente.       

Após cerca de 15 minutos de reflexões sobre a possível habitabilidade do cobiçado planeta MARTE, pousou pela primeira vez sem grandes dificuldades em solo alienígena.

Entretanto, a situação branda logo começou a mudar quando, no seu aspecto de conquistador monolítico, fora atingido de repente por uma forte e fria tempestade de areia marciana. Tal fato o rememorou do porquê de o planeta avermelhado possuir o nome do deus greco-romano da guerra. O corpo celeste como que lutava contra o invasor inesperado.

O que parecia ser uma tempestade passageira virou rapidamente um mini ciclone que, pela primeira vez, tirou do solo o ser supostamente invencível. Naquele momento, para não ser derrotado pela fúria de Marte, teve a ideia brilhante de tentar absorver a energia proveniente do vendaval.

Incrivelmente o ser inabalável conseguiu mais uma vez executar o que imaginou, sugando grande parte da energia mecânica dos ventos para dentro da parte de si que permanecia fora do universo observável. Com isso, passou a projetar até onde iria tal habilidade.

“Se eu puder absorver a energia dos fenômenos naturais planetários e encontrar maneiras de usá-la efetivamente, talvez eu me transforme de fato num ser indestrutível e capaz de suportar qualquer condição extrema.”; pensou orgulhoso de si mesmo.

Diante dessa postura arrogante do Patinador Sideral, o Olho que Tudo Vê só lamentara, mas continuou oculto em sua grandeza suprema. Quanto ao ser em constante evolução, seguia pomposamente sua exploração minuciosa e multicêntrica da paisagem marciana, em busca de elementos concretos que pudessem confirmar, sem sombra de dúvida, a existência de vida marciana em alguma época.  

Para sua decepção, nada encontrou, em meio aos desfiladeiros e canyons das terras marcianas, que mais remetiam a morte. Por mais que tivesse percebido sinais da presença de água no passado do planeta popstar, chegou à conclusão de que esse fato isolado não seria suficiente para sustentar de maneira consistente a hipótese de vida em Marte, dado que as características da pouco densa atmosfera marciana em nada remetiam àquelas que conduziram à origem da vida na Terra. 

Ruminava mentalmente os fatos científicos, ao mesmo tempo em que contemplava com certo pavor a estranha aparência dos dois satélites naturais de Marte. Com efeito, Phobos (MEDO) e Deimos (TERROR) não poderiam ser nomes mais apropriados aos corpos celestes mais feios que visualizara.

“Esses satélites parecem rostos humanos nos quais tacaram fogo e depois apagaram à base de pauladas.”; refletiu o ser, jocosamente, na tentativa falha de expressar humor.

Contudo, procurou reunir energias para avançar na busca, em direção aos planetas gasosos do sistema solar, à espera de encontrar neles melhor sorte.

(***)

O Patinador Sideral orientou-se para JÚPITER, imponente governante dos deuses no sistema planetário solar. Até aquele ponto da jornada, gastara pouco mais de 1 hora terrestre entre viagens interplanetárias e investigações in loco.

Naquele momento, porém, devido à má sorte com o alinhamento interplanetário nos planos de órbita, teria que percorrer uma distância aproximada de 900 milhões de quilômetros para atingir o gigante gasoso. Em sua velocidade sistemática e aparentemente segura, praticada desde o início do trajeto, não teve problemas em permanecer como ser pontual durante quase 1 hora e meia de viagem ininterrupta. Inclusive perpassou com tranquilidade o humanamente temível cinturão de asteroides, que separa os planetas do sistema solar em dois grupos.

O ser com cartão postal de vários mundos se deu conta há tempos de que seu corpo renovado não experimentava mais nenhum tipo de cansaço. Ademais, ao que tudo indicara, poderia continuar sobrevivendo por meio da absorção de energia dos diversos fenômenos cósmicos. A propósito, estava rumando a um planeta cujos eventos são tão cataclísmicos quanto seu tamanho e variam desde tempestades de raios até enormes furacões de duração secular.

“Estou curioso sobre o que encontrarei em Júpiter e também nos seus satélites mais famosos...”; o ser mal concluíra seu pensamento e sentiu-se acelerando mais do que o previsto a princípio.

Tratava-se de efeitos do extenso campo magnético de Júpiter, combinado à sua forte gravidade; não estava esperando por isso. Culpou a si mesmo pela desatenção, mas conseguiu contornar o percalço, depois de dar algumas voltas espiraladas na direção da atmosfera do maior planeta do sistema solar.

Pelo fato de ter composição gasosa, não seria possível pousar em Júpiter, mas o explorador do Cosmos queria adentrar o grande astro o mais profundamente possível. Enquanto avançava na sua forma de monólito, concluíra que não suportaria a pressão externa por muito tempo, modificando-se ao formato segmental, para vasculhar o ambiente hostil.

Como não encontrara qualquer traço de matéria orgânica, mirou com grande desejo o olho do maior furacão joviano. Quisera entrar nele para sentir seus efeitos e, principalmente, absorver parte de sua energia, a qual era naturalmente reduzida com o passar do tempo, devido a fenômenos da lenta dinâmica interna do planeta.

Novamente, o Patinador não hesitou. Invadiu o furacão com a voracidade de um conquistador de mundos e, apesar dos intensos impactos que sofrera com as colisões no interior da tempestade, conseguiu sugar grande parcela de sua matriz energética, advinda do interior planetário. Com isso, praticamente fechou o olho de Júpiter.

Depois aproveitou parte da energia disponível para fazer perfurações nas famosas luas galileanas do planeta rei. Passou por Europa, Ganimedes, Io e Calisto; outra vez sem sucesso no intento de buscar vida fora da Terra. Mesmo assim, não perdia a disposição.

“Irei a Saturno muito mais energizado do que antes!”; vibrou. 

Então voltou à aparência básica de ponto para partir rumo ao Senhor dos Anéis no sistema solar, que carrega o nome do deus do tempo greco-romano. Devido ao quase alinhamento entre os dois maiores planetas gasosos, percorreu a distância de 750 milhões de quilômetros em pouco mais de 1 hora, bastante confiante em seu potencial explorador.

De longe via, da sua peculiar maneira omnidirecional, os anéis saturninos formados de rochas e gelo, apresentando por isso uma percepção única dos objetos. Naquele estado de êxtase, quando se aproximou do anel mais externo, o Patinador Sideral teve um impulso de movimento, dantes impensado, que lhe revelou em uma forma humanoide. Sua mente se abrira para reparar que o monólito quase elíptico nada mais era que sua prancha de patinar, cujas extremidades pontiagudas formavam o ponto viajante e cujas laterais revelavam o segmento de reta.

 O ser multidimensional manifestou-se enfim no universo observável com as três dimensões espaciais visíveis, revelando a si mesmo seu tão desejado aspecto.

 “Finalmente, sou o Patinador Sideral completo, como sempre quis!“; comemorou, ainda adaptando-se à recuperação da audição e do olfato, muito mais apurados que os de qualquer ser humano, os quais se juntaram aos já diferenciados sentidos da visão e do tato. Aparentemente não possuía paladar; nem precisava, uma vez que não se alimentava no sentido convencional.

 Durante o ato de flutuar em sua prancha, ouvira as ondas sonoras resultantes da interação entre os potentes campos magnéticos de Júpiter e Saturno, de um modo que não considerava possível. Refletia ainda acerca da teoria da dimensão como explicação plausível para sua nova forma humanoide, a qual poderia ser apenas uma de várias fronteiras tridimensionais possíveis da sua natureza transcendente. Contudo, tal elucubração mental fora cortada por um anseio muito mais poderoso.

  – Vou patinar nos anéis de SATURNO! – verbalizou pela primeira vez, em meio às raras moléculas no ar que o circundava, desde a experiência transformadora na Terra. – Mais uma vez, poderei realizar meu desejo. – disse, olvidando-se por alguns momentos de sua missão autoimposta.

   Ao longo do magnífico trajeto, tivera reminiscências do seu período de vida na Terra, com vários déjà vu audiovisuais bastante nítidos. A vista era fenomenal... O suprassumo do que se esperaria de uma exploração ao sistema solar. Porém, em meio à inebriante experiência, eis que a entidade sideral completa avistou a formação de uma típica tempestade saturnina, da qual intimamente precisava absorver energia.  

De imediato, modificou-se para a forma primária de segmento reto e foi de encontro aos intensos raios na atmosfera de Saturno, a fim de alimentar-se deles. Tendo a concepção do seu corpo tridimensional, pôde potencialmente sentir o efeito resultante da absorção daquelas descargas elétricas, muito mais ferozes que as terrestres, dentro do espaço ultra dimensional.

Após essa nova recarga energética, parou na imponente lua saturnina Titã, em busca de indícios da presença de vida extremófila, principalmente nos seus lagos constituídos de hidrocarbonetos simples. Entretanto, mais uma vez, a procura não gerou o resultado esperado; nenhuma marca de qualquer organismo vivo...

Naquela vez, o Patinador Sideral preparou-se para percorrer a longa distância de aproximadamente 2 bilhões de quilômetros que o separava de URANO. Fez a longa trajetória em cerca de 3 horas, ao fim da qual contemplou os belos satélites urânicos, dentre os quais Miranda e Ariel, que circundam o planeta homônimo do deus representante do céu na mitologia greco-romana.

Apesar dessa beleza exuberante, incluindo mais de uma dezena de anéis visíveis, a paisagem gélida da atmosfera de Urano apresentava temperaturas abaixo de 200 ºC negativos, além de nuvens fedorentas de sulfeto de hidrogênio e gás metano. O pesquisador do espaço pôde perceber esses detalhes claramente, na sua mais recente aparência humanoide, embora ela o fizesse sofrer bem mais com a sensação de frio extremo.

 Após rápida investigação da atmosfera inadequada do planeta azul-céu, combinada aos movimentos planetários anômalos, descartou a hipótese de haver qualquer tipo de vida em Urano e já se voltou para seu próximo destino.

Novamente pela falta do alinhamento planetário ideal, teria que viajar por mais um enorme trajeto com cerca de 3 bilhões de quilômetros até NETUNO. Por já estar adaptado às grandes viagens, resolveu realizar o trajeto um pouco mais ligeiro do que o habitual, finalizando-o em 4 horas, sem problemas.

Próximo da atmosfera do último planeta gasoso, que carrega o nome do deus greco-romano das águas, o Patinador Sideral avistou alguns de seus satélites naturais, com destaque para Tritão e Nereida, nos quais fez questão de patinar no seu aspecto humanoide.

Finda a brincadeira, a pesquisa por vida no planeta esbarrou no enfrentamento dos ventos supersônicos na atmosfera de Netuno, cuja escapatória fora novamente a absorção de parte da energia das ensurdecedoras massas de ar. Era apenas seu jeito sutil de retribuir um tratamento nada hospitaleiro.

Diante das notáveis condicionantes impróprias, esse mundo teve o mesmo diagnóstico do predecessor. Mais um fracasso da vida, em razão das baixíssimas temperaturas e dos movimentos anormais do planeta, que não permitiriam um equilíbrio razoável entre dias e estações do ano.

Depois até cogitou ir a Plutão, mas se recordou do rebaixamento a planeta-anão e desistiu da ideia, revelando um preconceito de origem humana. Ademais, estava farto do insucesso no sistema dominado pelo Sol e pretendia mirar para onde nenhum ser humano pôde verificar até então, nem por intermédio de sondas: um exoplaneta.   

(***)

Lembrou-se da descoberta humana recente de PROXIMA B. Como sua denominação sugere, trata-se do exoplaneta potencialmente habitável mais achegado à Terra que a humanidade detectara com a combinação entre super telescópios e técnicas de espectroscopia. Esse corpo errante orbita a estrela anã vermelha Proxima Centauri, vizinha astronômica do Sol, a cerca de 4 anos-luz, ou seja, quase 40 trilhões de quilômetros.

O Patinador Sideral sabia que, mesmo para ele, seria um longo percurso até o próximo sistema planetário. Contudo, estava decidido que usaria suas habilidades incomuns para ir atrás do que ninguém mais, no ponto de vista dele, teria condições de aferir.

“Na minha posição, não cabe mais ater-me a sentimentos simples como surpresa, tristeza, raiva, medo, alegria ou desprezo. Não obstante, preciso preencher meu existir com algo, usando todo o meu potencial. Portanto, realizarei a missão de verificar Proxima b, a fim de cumprir meu propósito interior.”; pensou enquanto estimava as melhores circunstâncias para viajar, sem tanto impacto da relatividade. Concluiu após algumas análises que, se viajasse a aproximadamente 80% da velocidade da luz, alcançaria o sistema de Proxima Centauri em 5 anos.

Por acaso, o explorador acabou trazendo à tona também que, devido ao fator de correção relativística, sua viagem interestelar levaria mais de 8 anos na perspectiva de um observador parado na Terra. Em outras palavras, seus tours ultrarrápidos mais extensos culminariam num envelhecimento mais lento em relação ao dos habitantes da Terra, se é que sofria efeitos da senescência. Isso o inclinava ainda mais a se considerar superior aos seres terrestres.

Mesmo cogitando que seria deveras entediante passar 5 anos em um espaço interestelar praticamente vazio, não se deixou abalar e fez seu itinerário num estado contemplativo equiparado ao Nirvana. Esvaziou seus pensamentos, como uma maneira de mimetizar o comportamento do Cosmo ao seu redor, e praticamente não sentiu o deslocamento quinquenal até Proxima Centauri, a qual pôde avistar com afã, junto a outras duas estrelas companheiras maiores.

Como as últimas não lhe interessaram, pela ausência de planetas perto o suficiente para se situarem na sua zona habitável, balizou-se prontamente para Proxima Centauri, logo avistando o Planeta Terra-similar Proxima b, o qual, em razão de uma rotação quase imperceptível, mantinha a mesma face voltada para a pequena estrela.

Apresentara-se ali, diante do novo investigador das estrelas, o reduto mais forte da busca por aquilo que teoricamente fora predito na equação da vida galáctica.           

Logo ao adentrar a atmosfera do admirável exoplaneta, mutou-se para seu aspecto quase humano, pois de alguma maneira inexplicável, sentiu-se acolhido pela terra alien. Sentia uma temperatura baixa no ar, mas nada comparado aos gélidos climas com que se deparara na exploração do sistema solar a partir de Marte. Notara ainda diversas formações rochosas de diferentes cores, com predomínio do azul. Por fim, ficou pensativo ao constatar que não havia qualquer coisa relativamente próxima do que um habitante da Terra chamaria de água em estado líquido.

Apesar disso, o Patinador humanizado passara a ter fortes sensações psicofisiológicas advindas do novo mundo alienígena em que pisara altivamente. Era como se estivesse mergulhado num oceano edênico constituído de ar e rochas, algo que decerto jamais experimentaria em qualquer canto da Terra. Enfim, após analisar minuciosamente as estruturas componentes das moléculas na atmosfera, na superfície e abaixo desta, teve um estalo mental.

“Essas formações moleculares em nada se assemelham ao que se pode achar na Terra, mas de alguma forma estão vivas! Consigo sentir isso. Sua composição à base de silício e outros elementos químicos instáveis na Terra permite a resistência desses corpúsculos de vida ao intenso bombardeio de raios X, disparados pela estrela mais próxima.”; estava preso em seus devaneios, quando reparou uma tentativa de comunicação dos espécimes alienígenas, os quais o Patinador nem sequer conseguira ainda distinguir do ambiente.

Ouvindo os murmúrios aliens ininteligíveis, vindos de toda parte, finalmente compreendera o inimaginável: o planeta inteiro era uma grande colônia de vida! Com muita reflexão e interiorização, verificara que pelo menos 60% da atmosfera predominantemente metálica e 80% da superfície rochosa manifestava uma assinatura de vida. Contudo, essa estrutura repetida era distinta dos ordinários DNA e RNA terrestres.

A base da vida dos seres de Proxima b era formada por outra estrutura, com maior eficiência autorreplicante e mutante, para se adaptar continuamente ao impacto da forte radiação incidente sobre o planeta. Diante dessas características, o mais novo descobridor chegara à conclusão de que essa informação não seria captada tão cedo na Terra. Além disso, orgulhosamente nomeou a nova molécula vital de TNA ou ácido toxirribonucleico, uma vez que constatara, no comparativo com suas memórias das assinaturas vitais terrestres, que a presença de tal substância seria letal naquele planeta. 

Como não tinha mais o genótipo humano, o Patinador Sideral não sucumbira a esses efeitos tóxicos. Contemplava a fantástica revelação, até que os pacíficos murmúrios da vida recém-descoberta tornaram-se ruídos intensos, semelhantes a gritos. O forasteiro logo foi ao ponto mais elevado que encontrou no planeta, numa tentativa de identificar a origem da manifestação sibilante, a qual lhe transmitia desespero.

Concentrando muita atenção nas fontes das ondas sonoras, constatou que as vozes nativas eram emitidas apenas por uma parte da vida no planeta, enquanto outra parcela praticamente igual permanecia silenciosa. Ao perscrutar as cadeias alimentares microscópicas do novo planeta, interpretou que havia duas formas de vida antagônicas e que uma delas estaria exterminando a outra muito rapidamente.

— É inconcebível que eu fique inerte diante desse genocídio! – exclamou enquanto reunia grande quantidade da energia absorvida durante o passeio pelo sistema solar. – Preciso tomar uma atitude imediata ou irei testemunhar uma chacina alien bem na minha frente! – vociferou indignado.

 Dessa forma, o ser que se julgava conhecedor do universo transformou sua energia em substâncias tóxicas aos supostos opressores, por meio de uma técnica alquímica que acabara de conjecturar, a fim de desferir um único golpe mortal. Sem pestanejar, dirigiu-se a uma órbita bem rente a Proxima b, mudando para sua forma segmental, com o intuito de elevar sua velocidade e incrementar a energização.

Finalmente, ao atingir a velocidade crítica do seu formato unidimensional, numa conversão ultra veloz para a forma quase elíptica, disparou uma poderosa rajada de energia contra a superfície do planeta. Em seguida, viu uma grande nuvem de poeira ser erguida pelas ondas radioativas. Literalmente esperou a poeira baixar, curioso para saber o resultado final da investida.

Observou enfim uma drástica redução apenas das assinaturas vitais consideradas malignas, ao mesmo tempo em que os gritos também cessaram. Aparentemente sua iniciativa tinha dado certo.

No entanto, a sensação de dever cumprido pouco durou, pois logo começou a perceber um fenômeno imprevisto. As cores do antes deslumbrante planeta foram desaparecendo, à medida que ele avançava em suas curtíssimas estações do ano, que duravam poucos dias. Era como se o envelhecimento de toda a estrutura vital tivesse sido acelerado em séculos, por causa da atitude impensada do suposto redentor.         

— Que maldição! Não pode ser. Eu queria salvá-los... Eu queria salvá-los... – balbuciava para si mesmo, enquanto revivia repetidamente a malograda intervenção heroica.

Pela primeira vez, desde o surgimento do Patinador Sideral, o Olho que Tudo Vê passou a demonstrar preocupação com o destino do Cosmos, embora ainda permanecesse apenas observando. Apesar disso, soava incômodo que um ser recém-nascido condenasse à extinção toda a vida de um planeta, com um único ato.    

Quanto ao causador do extermínio em Proxima b, ficou divagando se existiria alguma possibilidade de desfazer suas ações, visto que se sentira responsável pelo resultado indesejado.


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Notas finais do capítulo

O fim dessa aventura revela que o Patinador Sideral está longe do que se poderia chamar de herói. Ele está mais para explorador desgovernado, poderoso e autossuficiente até certo ponto, porém ainda com resquícios humanos. Agora, movido por um senso de responsabilidade, será que ele vai em busca de redenção?

Fica para a sequência. Até mais!



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