O que dizem de nós. escrita por Jupiter vas Normandy


Capítulo 2
Rishteran


Notas iniciais do capítulo

Esse capítulo tem um diálogo que deveria ter aparecido na drabble mas foi descartado por motivos óbvios hehe Boa leitura!
(O banner tem um erro, é rishteran, não rishtaren. Altero assim que der.)
Música Horang Suwolga piano cover: https://www.youtube.com/watch?v=jtBScPUzwgA



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O sol no ponto mais alto não era gentil com os viajantes naquela região, portanto, Arcaent e Elyn aproveitavam uma pausa. Afastaram-se das estradas, não apenas por precaução, mas também pelo conforto das sombras das árvores na floresta. Quem diria que um dia Arcaent apreciaria de bom grado um descanso na floresta.

Aproveitaram para começar os estudos do dia, pois só planejavam retornar à estrada quatro horas depois. Por insistência de Arcaent, começavam sempre com uma meditação. Dizia ele que ajudava a concentrar a energia para os feitiços. Os livros diziam o mesmo, mas Elyn duvidava, pois, em vez de se concentrar, o silêncio a distraía. Então, quando se tornou capaz de mexer com os primeiros traços de magia ostensiva, Arcaent adaptou o exercício para forçá-la a se concentrar. Ambos sentavam-se um à frente do outro, com as mãos em concha diante do corpo, onde uma pequena chama brilhava levemente. Nenhum dos dois tinha inclinação à magia elemental de fogo, mas aquela chama quase não exigia esforço, apenas concentração. O objetivo do exercício era mantê-la acesa.

— Parece que hoje é você quem está distraído. – Os lábios de Elyn curvaram-se em um sorriso.

Ainda de olhos fechados, ela percebera de alguma forma que a chama nas mãos de Arcaent havia se dissipado. Inclusive, percebera antes dele, cuja atenção vagava distante.

— Só estou pensativo.

— Que estranho… O que está invadindo seus pensamentos?

Arcaent a observou. Ela permanecia de olhos fechados, e franzia levemente a sobrancelha ao falar, quando precisava se concentrar um pouco mais para manter a chama acesa. Mesmo assim, ser capaz de conversar e ainda se manter centrada era um grande avanço. Mostrava até certo adiantamento. Arcaent levara um mês e meio para desenvolver essa capacidade anos antes, quando começava seus estudos. Elyn conseguira em menos tempo.

Elyn estava genuinamente determinada a dominar o que pudesse. Em qualquer pausa, nos raros momentos em que precisavam se distanciar por algum motivo, ao retornar, Arcaent a encontrava imersa na leitura dos volumes que conseguiram salvar ao fugir. Principalmente o livro que ela escolhera, ou que a havia escolhido, chamando-a pelas correntes da magia que agem sobre todas as coisas e todos os seres, e que, embora a maior parte fosse avançada demais para alguém que acabara de entrar naquele mundo de feitiços, Elyn folheava repetidamente, como se pudesse absorver tudo sobre feitiços de cura apenas por olhar. Arcaent esperava que ela não precisasse mais usar os conhecimentos daquele livro, mas entendia a mudança de postura dela, de repente tão interessada.

É diferente agora. Ela sabe que é preciso.” Pois, se antes a magia era uma marca ominosa em sua vida, que inconscientemente recusava-se a aprender, agora era a melhor ferramenta que teria à disposição. Ela não era mais uma princesa, e eles não estavam mais na segurança de um castelo ou uma torre. Se algo acontecesse, Elyn precisaria saber o que fazer.

Arcaent desviou o olhar dela para as árvores, lembrando-se do passeio que tiveram há apenas algumas semanas, mas que parecia tão distante após tudo o que aconteceu. O passeio que culminara naquele forte laço intangível que os unia.

— Você sabe que poderia ter sua vida de volta?

Ela abriu os olhos, e, dessa vez, a chama em suas mãos não resistiu. Franziu a testa, parecendo quase indignada ao ouvir a pergunta, mas Arcaent continuou antes que ela dissesse algo.

— Ninguém viu você matar o príncipe. Ninguém sabe que nós mentimos. Estamos fugindo, mas você não precisa. Se quiser voltar para a sua vida, você pode.

Elyn permaneceu em silêncio, encarando-o com um olhar intenso e indecifrável, e, por um instante, Arcaent temeu que ela dissesse sim. Queria perguntar sobre isso há um tempo, mas não pensou que os poucos segundos ao aguardo da resposta poderiam ser tão intimidantes.

Por fim, ela suspirou baixo, exasperada.

— Odiei cada palavra que você falou.

Arcaent disfarçou o imenso alívio que a resposta irritadiça o causou, mas não escondeu o sorriso calmo. Deu de ombros, defendendo-se.

— Só estou dizendo que você tem opção.

— A opção de… voltar para o lugar de onde fugi? Para minha família que provavelmente insistiria na mesma ideia estúpida de casamento que me fez fugir para a torre de um feiticeiro misterioso? Minha família, que continuaria me ignorando como se eu fosse um espectro incômodo? E sem você? – Ela abriu um sorriso desconfiado. – Não me quer mais por perto, Arcen? Porque tem formas mais convincentes de me fazer ir embora.

Arcaent revirou os olhos.

— Você é terrível.

— Obrigada. Mas, falando sério, por que pensou nisso agora? Você achou mesmo que eu escolheria voltar?

Ele não sabia de onde viera aquele receio. Amava a companhia de Elyn, mas havia tanto para ela como Princesa de Ryioniss que jamais alcançaria como uma feiticeira andarilha. Era um prazer egoísta saber que ela preferiria seguir com ele.

— Na verdade, não achei. Mas queria que considerasse a opção.

— Acho que ainda não me conhece muito bem se pensa que voltar para Ryioniss seria uma opção. – Abandonando a seriedade, abrandou a postura e abriu um sorriso calmo. – Mas isso é fácil de resolver. Teremos todo o tempo do mundo para nos conhecermos.

— Fico muito feliz em saber.

Arcaent nunca disse coisa mais sincera. Ao mesmo tempo, apesar de estarem juntos há menos de três meses, ambos sentiam que se conheciam muito bem. Claro, os detalhes eram nebulosos. Elyn nada sabia do passado de Arcaent, e ele pouco sabia do dela. Mesmo assim, aquele laço os unia. Era como reencontrar uma antiga amizade que pensavam ter esquecido, mas, somente ao se reencontrarem, percebiam o quanto sentiam a falta um do outro.

Rishteran.

Elyn, que ainda não conhecia bem a antiga língua dos feitiços, não compreendeu. Mas a palavra soou agradável como um abraço consolador ao fim de um dia difícil.

— O que significa? Tem a ver com… estrelas?

— Tudo perde a graça quando se traduz – riu baixo. – É mais ou menos “destino”.

Elyn torceu o lábio como ele sabia que faria. Porque Arcaent a conhecia, mesmo que não soubesse as trivialidades. Elyn não gostava de nada determinado para ela, fossem casamentos arranjados por sua família ou mesmo as forças do destino agindo sobre todos.

— Não, Arcen! Não dê créditos ao “destino” por nós dois.

— Não acha que o destino nos colocou no caminho um do outro?

— É claro que não. – Que destino era aquele, em que Arcaent batia a porta na cara dela e ela precisava escalar uma torre pelo lado de fora para conseguir falar com ele? O destino podia ter se esforçado um pouco mais em vez de ter deixado tudo nas mãos dela. Literalmente. – Construímos o que somos agora. Todas as decisões que tomamos, desde quando decidi deixar o castelo até quando você aceitou me abrigar, nos trouxeram aqui. Nós nos escolhemos naquele dia e continuamos nos escolhendo todos os dias até hoje, e isso é muito mais forte do que um destino posto para nós. Não diminua o que temos reduzindo isso ao destino.

Embora não fosse a mesma crença que a dele, Arcaent achava uma bela visão. Elyn conseguia fazer a ausência de destino parecer ainda mais digna e mágica do que ter todos os deuses os guiando. Percebera isso há muito tempo, pelo desdém sutil que ela mostrava a qualquer menção às artes da vidência. Elyn não admitia a ideia de destino, gostava de ser a única responsável por sua vida. Ao contrário de Arcaent, que tinha algum conforto em saber que havia algo mais no futuro do que o que ele construía sozinho.

— Podemos ter um consenso. O destino cruzou nossos caminhos e nós escolhemos seguir juntos, que tal?

— Isso parece melhor – concordou, após um instante pensativo.

— Mesmo assim, não foi bem dessa maneira que eu pensei em rishteran. Como eu disse, tudo perde a graça quando se traduz. De forma literal seria algo como a escrita das estrelas.

Os olhos de Elyn brilharam em reconhecimento.

— Acho que eu li algo assim. Algo sobre serem a língua dos deuses.

— Provavelmente. A expressão é comum, mas a frase original foi perdida. Só temos adaptações e cada autor a escreveu de um jeito. O cerne é sempre o mesmo: os deuses falam pelas estrelas. Por isso que elas são a forma mais comum de vidência.

— Cuidado para não levar isso tão literalmente… Lembro que você estava estudando sobre isso quando nos conhecemos. – Elyn falou, relutante. Não acreditava ser possível prever o futuro e, se fosse, não gostaria de fazê-lo. Entrever o futuro é destruir o presente continuamente, e o presente, bom ou ruim, é o que se tem.

Arcaent anuiu.

— Sempre fui obcecado pelo futuro que as estrelas poderiam me mostrar, até que uma delas apareceu para mim, e o futuro deixou de me preocupar. O presente é uma liberdade inimaginável. Obrigado por isso, Rish.

Estrela.”

Elyn prendeu a respiração. Os lábios entreabertos não responderam nada, e ela desviou o olhar, sem esconder o leve rubor. “Estrela.” Quis dizer algo, mas, no fim, apenas abriu um sorriso tímido. Arcaent achava engraçado como ambos podiam cruzar de um extremo ao outro quando estavam juntos. Ele, tão quieto e fechado, não tinha dificuldade alguma em deixar escapar o que sentia por Elyn. E ela, tão brincalhona e mordaz, jamais zombou daqueles comentários apaixonados. Pelo contrário, ela parecia até constrangida. Era a pessoa mais confiante que Arcaent já conhecera, mas ficava sem palavras pela mínima demonstração de afeto.

Ele tocou com delicadeza a pele ruborizada das maçãs do rosto de Elyn, que o observava com seus olhos cor de mel e um meio sorriso que por si só já era uma provocação, e Arcaent percebeu que sentia falta daqueles lábios nos seus.

— Se estiver pensando em me beijar, não perca mais tempo.

— Você não disse que temos tempo?

Elyn franziu levemente a testa, estavam tão perto que mal precisavam levantar a voz, conversando entre sussurros. Os olhos castanhos focaram nos dele, escuros.

— E você quer passar todo esse tempo… só me olhando? – Com a pergunta inesperada, Arcaent não aguentou e riu. – É uma pergunta séria! Porque eu fico tranquila com isso também, mas preciso saber para alterar minhas expecta…

Arcaent adiantou-se, unindo seus lábios aos dela em um impulso. Afinal, ela mesma dissera para não perder tempo. O beijo a interrompeu, mas também pareceu silenciar o mundo em volta deles. Assim como da primeira vez, havia aquele silêncio íntimo, como se a proximidade os despertasse subitamente de um sonho. Como se o mundo além deles dois fosse vazio.

Naquela tarde, os livros foram esquecidos, e permitiram-se apreciar aquele mundo vazio e estranhamente agradável, apenas na companhia um do outro.


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Notas finais do capítulo

CONSIDERAÇÕES FINAIS :v (Desculpem pelas notas longas, gente, é que eu gosto de conversar kkkk)
— Sobre a palavra: Rishteran se fala como escreve mesmo. Mas quando Arcaent chama ela de Rish tem uma entonação diferente, como se fosse riìsh (mas no final nada disso importa, porque é uma palavra inventada e vocês podem ler como quiserem kkkk Só estou dizendo porque na drabble teve gente que gostou de saber como se fala "Arcaent").
— Curiosidade: Desarranjado era para ser uma daquelas histórias universo alternativo de almas gêmeas, especificamente aquela trope em que tudo o que sua alma gêmea pensa sobre você aparece na sua pele. Mas a Elyn recusou toda a história de destino e almas gêmeas...
Enfim, por hoje é só. Até semana que vem!