Janeiro chega rápido demais. 

Eu não sou do tipo que gosta de colocar metas no ano que acabou de começar, mas este ano fiz uma lista de coisas que gostaria de fazer durante o ano. A maior parte dos meus objetivos são simples, mas também tem algumas coisas que demandam muito esforço e dedicação da minha parte, como ficar no pódio das Nacionais de novo. 

Algo em meu coração me diz que este ano será ótimo. Eu espero de verdade que eu esteja certa.

É meu primeiro dia de volta ao rinque após o feriado de fim de ano. Acordei de bom humor e animada para o dia de hoje.

Chego no Stepanova Ice Center bem antes do horário em que normalmente venho, pois quero um tempo maior para me aquecer e ficar sozinha no gelo. 

O dia ainda está longe de amanhecer quando tiro meus protetores de lâminas e deslizo para dentro do rinque, fechando a porta atrás de mim. Assim que meus patins tocam o gelo, eu me sinto completa. É como se toda minha vida fizesse mais sentido quando eu estou aqui.

Respiro fundo, sentindo o ar gelado e familiar invadir meus pulmões, e começo a patinar. Vou de um lado para o outro, faço giros e treino meus saltos. Meus Triple Axels estão saindo do jeito que deveriam, me deixando ainda mais de bom humor.

Eu ainda não caí, nenhuma vez, em nenhum salto. Me sinto mais confiante e decido fazer um salto quádruplo. Eu nunca usei os Quad, como os chamamos, em meus programas porque não sou boa neles, raramente tento executá-los. Hoje é um desses dias em que estou animada e decido saltar fazendo quatro rotações. 

Começo a patinar de costas pelo rinque, virando de frente e trocando de perna em seguida, para me impulsionar para cima. Junto meus braços à frente do corpo e cruzo as pernas, dando quatro giros num tempo que nem deveria ser possível de o corpo humano realizar. 

Sinto o impacto na minha perna quando a lâmina do meu patins atinge o gelo. Em milésimos de segundo, me vejo encarando o gelo cada vez mais próximo em câmera lenta e tenho certeza de que vou cair. Não caio. Sorrio quando percebo que saí do salto sem problemas. A sensação de realizar corretamente algo que é considerado difícil é maravilhosa.

Continuo patinando animada e treinando tudo o que tenho direito. Aos poucos os patinadores vão chegando e ocupando seus lugares no rinque.

— Chegou cedo hoje, Emma – Maggie diz quando entra no gelo, patinando até mim.

— Acordei empolgada. Quis vir treinar um pouco sozinha antes do pessoal chegar.

— Você estava fazendo um bom trabalho. Te vi lá do escritório.

— Obrigada.

— Bom, se quiser dar uma pausa enquanto Esther não chega, fique à vontade. Sei que você já se aqueceu bastante.

Eu assinto. Patino para a borda do rinque e pego minha garrafa, me hidratando devidamente enquanto espero minha coreógrafa chegar.

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Nas semanas a seguir, eu dou meu máximo no gelo. Treino muito para deixar tudo perfeito para as Nacionais, que se inicia na semana seguinte. Ano passado eu conquistei um bronze e, sendo sincera comigo mesma, esse ano me sinto bem melhor. Tenho dois programas mais elaborados e que contam mais pontos se forem bem executados. Meus treinadores acham que eu tenho grandes chances de conquistar o ouro, mesmo competindo com grandes atletas de elite. Ganhar o título de campeã nacional não só dará muito prestígio à minha carreira, como também servirá de porta de entrada para o Campeonato Mundial de Patinação Artística. 

Neste ano, o Campeonato Nacional será na capital do país, o que significa que estarei bem longe de casa. Sendo do nível Sênior, eu só participo nos últimos dias do evento. Os programas curtos sempre são os primeiros a serem apresentados, sendo o dia seguinte reservado aos programas longos. Há também a  Exibição de Gala dos patinadores, que encerra o evento. 

Apesar de o meu primeiro dia de competição ser no dia 23 de janeiro, precisamos chegar antes ao local do campeonato. Eu e alguns competidores do Centro, incluindo Julie e Peter, viajamos todos juntos para Ottawa. Minha família só vai depois, por isso divido o quarto do hotel com Julie.

Os dias anteriores à competição são todos destinados para treinarmos, tanto no rinque quanto nas amplas salas de aquecimento. Eu passo todas as horas que posso ensaiando repetidas vezes os meus programas dessa temporada. 

Claro que nós também temos a nossa hora de lazer. É legal rever os patinadores das outras províncias; nós nos divertimos bastante quando não estamos treinando.

No dia 23 de janeiro, sou a primeira do último grupo a apresentar o programa curto. Minha maquiagem está pronta e meu cabelo preso em tantos grampos e com tanto laquê que está duro feito uma pedra (haja shampoo para remover tudo isso depois). Não posso nem reclamar, pois o objetivo é exatamente esse – ninguém quer ter o cabelo caindo enquanto se apresenta.

Eu estou de fones de ouvido na sala que o Campeonato disponibiliza para os patinadores. Repasso o que preciso na frente do espelho e me alongo, preparando meu corpo. Estou pulando corda em frente ao espelho quando meu treinador, Alexei, vem me chamar.

— Está quase na hora, Emma. Vamos.

Eu tiro o celular do bolso do casaco e desligo a música. Enrolo minha corda na mão e o acompanho pelos corredores do local. Paro no vestiário para guardar minhas coisas e calçar meus patins. Ajeito minha meia, protegendo bem meu tornozelo e enfio os pés nas botas brancas dos meus patins. Aperto bem os cadarços, verificando se estão bem firmes antes de passar a fita por cima deles e prender com a meia-calça.

Quando saio, vou me sentar perto do rinque, onde devemos esperar pela nossa vez. Conforme as outras garotas vão se apresentando, eu me levanto para dar mais uma alongada no corpo.

— Precisa de alguma coisa? – Maggie me pergunta, enquanto eu bato nas minhas coxas para avisar aos músculos que eles precisam trabalhar duro daqui a pouco.

— Não, tudo certo.

O grupo anterior de patinadoras termina de competir e eu e as outras garotas somos avisadas que podemos entrar no gelo para aquecer. Por ser a primeira, quando o tempo de gelo termina, eu sou a única que permaneço dentro do rinque. Paro na borda onde meus treinadores estão e entrego a eles o meu casaco. 

— Você trabalhou duro para chegar aqui, Emma. Você está ótima e eu sei que, se patinar hoje do mesmo modo que está patinando no Centro, conseguirá uma nota excelente – Maggie me diz, apertando meu ombro gentilmente.

Ela e Alexei falam mais algumas palavras de incentivo e repassam alguns detalhes técnicos que eu preciso prestar atenção. Eu balanço a cabeça conforme os escuto, mostrando que entendi. 

— Boa sorte – é a última coisa que meus treinadores me dizem antes de eu voltar a patinar pelo rinque. 

Enquanto dou voltas pelo gelo, vejo minha família rindo e conversando. Eles não me veem encarando, por isso continuo a patinar, dessa vez olhando para o gelo. É bom competir sabendo que minha família está aqui, me apoiando e torcendo por mim, independentemente do meu desempenho.

Cumprimento os juízes assim que passo por eles; tomara que sejam justos com a minha pontuação. 

Dou uma última verificada no meu figurino enquanto espero meu nome ser anunciado. Para o programa curto, uso um vestido verde esmeralda. Ele é discreto, com um decote na frente e nas costas e alguns brilhos colados por ele. Apesar de não ser o mais luxuoso dos figurinos, eu gosto dele. Em breves palavras: é um figurino inspirado no vestido que Mia usa na cena do Observatório, em La La Land (já que é exatamente daí que tirei a música do meu programa – um dos meus filmes favoritos).

Finalmente ouço meu nome ser anunciado e patino para o centro do gelo, sorrindo, sob aplausos do público presente. Respiro fundo e me coloco na posição de início do programa, esperando minha música começar. Por dois minutos e quarenta segundos eu serei o centro das atenções aqui, o que me causa um certo frio na barriga até hoje, mesmo depois de anos.

O som do piano invade o rinque e eu começo a patinar, minha mente completamente focada em completar cada etapa do programa. As pessoas aplaudem quando finalizo meu primeiro salto corretamente. 

Termino um giro e me preparo para um Triple Lutz, seguido de dois Double Toe. Tenho certeza de que poderia ter feito melhor, mas não me preocupo com isso agora. Patino seguindo minha coreografia e me preparo para mais um giro antes do fim da música. Quando o piano emite a última nota, eu finalizo minha apresentação, ouvindo os aplausos vindo das pessoas nas arquibancadas. Agradeço a todos e patino para a saída, contente com meu resultado.

— Emma! – Maggie diz, me entregando meus protetores de patins e me puxando para um abraço – Parabéns.

— Foi bom?

— Foi ótimo – Alexei fala, esticando meu casaco para que eu passe os braços pelas mangas.

Fecho o zíper e sigo com eles até o Kiss and Cry, que é o local onde os patinadores recebem as notas dadas pelos juízes. Nós conversamos um pouco enquanto esperamos as notas surgirem na tela. Sempre tem uma câmera filmando nossa cara nesse momento, então sorrio e aceno para ela – especialmente porque sei que meus irmãos estão me assistindo pela TV. Quando as notas aparecem, vejo que consegui 61,66 pontos, o que é ótimo. Mesmo com erros e pontos descontados, fico feliz com meu desempenho.

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O dia seguinte é mais ou menos a mesma coisa. Eu estou no grupo 3, o que significa que preciso esperar as meninas dos dois grupos anteriores se apresentarem antes de mim. 

Julie e Peter se apresentaram esta manhã. Os dois conseguiram o bronze, o que me deixou muito feliz por eles. Eu não consegui ver a apresentação pessoalmente, mas vou assistir assim que chegar em casa. Julie está no hotel agora, mas conversa comigo por mensagens enquanto eu me alongo.

Quando o grupo 2 termina, nos chamaram para o rinque. Nós temos direito a alguns minutos no gelo para aquecer, antes de começar a competir. Dessa vez, eu sou a terceira a apresentar. Permaneço perto do rinque, analisando o programa das duas patinadoras que se apresentam antes de mim. A primeira foi bem, já a segunda teve três erros enormes – sei que ela vai ter muitos pontos descontados por isso.

Bebo uns goles de água enquanto presto atenção no que meus treinadores me dizem. Enquanto espero meu nome ser anunciado, aperto ainda mais os cadarços dos patins, respirando fundo.

— Emma Wright! – um dos comentadores me anuncia.

É agora. Preciso ir bem no programa livre se quiser garantir meu lugar no pódio.

Ergo os braços, cumprimentando as pessoas nas arquibancadas, enquanto patino até minha posição inicial. O comentarista continua falando coisas sobre mim.

— Emma ficou com o bronze nas Nacionais do ano passado. Esse ano ela continua sendo uma das favoritas e uma competidora de peso pelo ouro. Ontem, no programa curto, ela terminou em segundo lugar.

Eu estou preparada. Quando minha música se inicia, eu faço o trabalho que vim fazer. No total, eu faço 11 saltos durante o programa, iniciando com uma sequência de Triple Lutz + Triple Toe. Depois de um Salchow, começo a me preparar para meu salto mais importante – o Triple Axel. Patino de costas, me colocando em posição para saltar e viro, impulsionando minha perna para cima, com toda minha força e técnica. Antes que eu perceba, estou de volta no gelo exatamente do jeito que deveria estar. Deu certo! Escuto as pessoas aplaudindo quando pouso e não consigo evitar o sorriso aliviado que se forma em meu rosto.

Quando termino meu programa, me sinto radiante. Talvez eu tenha errado alguns detalhes, mas sinto que realizei minha apresentação do jeito que deveria. Agradeço a plateia e patino para saída do rinque, onde o sorriso no rosto dos meus técnicos me confirma que tive um bom desempenho.

Sento no Kiss and Cry apertando com ansiedade um pinguim fofo de pelúcia que jogaram para mim. Eu estou nervosa e a nota parece demorar horrores para aparecer na tela. Sinto a mão de Maggie apertando meu joelho e sei que ela também está ansiosa, afinal meu desempenho é reflexo do seu trabalho em mim. 

Quando o número 115, 91 surge na tela, eu mal consigo raciocinar. Maggie aperta ainda mais minha perna e sei que ela está pensando o mesmo que eu. Os pontos do programa longo são contabilizados com os de ontem e, dessa vez, a soma de pontos aparece para mim: 177,57. Ao lado, minha posição de 2º lugar no ranking sobe para 1º.

— Emma! – Alexei exclama, radiante – Incrível!

— Ah meu Deus! – é tudo o que consigo dizer.

Abraço meus treinadores e mal consigo acreditar que consegui uma pontuação tão boa. 

Sei que ainda faltam algumas meninas se apresentarem, mas com essa pontuação… o primeiro lugar já está logo ali, diante de mim.

Ao final do evento, eu poderia jurar que seria capaz de chorar de felicidade. Não tem sensação melhor do que ouvir meu nome ser anunciado na cerimônia de entrega das medalhas. E em primeiro lugar. Ouro! Meu primeiro título sênior como campeã nacional do meu país. 

Se isso for um sonho, eu não quero acordar.