Patino por entre os obstáculos, sempre prestando atenção no meu puck, como é chamado o disco que usamos durante as partidas de hockey.

Inúmeros pucks estão espalhados pelo gelo. Assim como eu, alguns dos meus colegas de time estão concentrados no próprio puck. Outros estão treinando tiro ao gol, usando o primeiro disco que encontram pela frente.

Apesar de ser um esporte coletivo, a habilidade individual de cada jogador conta muito, por isso estamos sempre treinando sozinhos também. Independente de quão bom o jogador seja, treinar é fundamental. 

Assim que terminamos a prática individual, os pucks são retirados do meio do gelo para que possamos jogar. 

Parte dos meus colegas vai para o banco enquanto a outra parte se prepara para jogar. Eu sou um dos que fica no gelo para disputar o primeiro período.

— Preparado para perder, Stepanova? – meu amigo, Connor, que também é defensor do time da universidade, diz ao passar por mim, batendo seu taco na minha perna.

— Vai sonhando, cara.

— Nós vamos acabar com vocês.

Eu solto uma risada.

— Tá bom, Connor. Até parece.

— Aguarde, Jake.

Ele patina para o outro lado do rinque, ficando em posição. Eu ajeito meu capacete na cabeça e espero o treinador soltar o puck, dando início ao jogo.

Depois do treino, eu sigo com os caras do time até o refeitório da universidade. Nós precisamos repor as energias antes de voltarmos para a academia.

Num dia sem jogos, minha rotina usual é essa. Aulas pela manhã, treino e academia à tarde, noite livre para estudar ou resolver qualquer compromisso que eu tenha. Agradeço aos meus pais por terem me ensinado organização e planejamento desde cedo, caso contrário tenho certeza que não daria conta de fazer tudo.

O céu já está escuro quando eu chego em casa, o que não é nenhuma novidade, considerando que o sol se põe cedo em fevereiro.

Brinco um pouco com meus cachorros e o único gato que tenho antes de subir para tomar banho. Deixo a água quente bater na minha pele, relaxando meus músculos e levando o suor do treino embora.

Visto meu pijama e desço para a cozinha preparar meu jantar, que é basicamente um arroz de ontem, frango e vegetais. 

Enquanto mastigo um pedaço do meu frango, sinto meu celular vibrar em cima da mesa. É minha mãe.

Mãe: Oi! 

Mãe: Como estão as coisas por aí? Td bem?

Mãe: Eu e seu pai estamos voltando para a Arena.

Mãe: Qualquer coisa me mande msg, ok? Bjs, amo você.

Como treinadores de patinação artística, meus pais estão com seus atletas no Campeonato dos Quatro Continentes. Este ano, o 4CC, como é conhecido o campeonato, está sendo realizado na capital da Coreia do Sul.

Eu não faço a menor ideia de que horas são por lá, mas imagino que seja hora do almoço. Respondo a mensagem, avisando que está tudo bem e desejando boa sorte aos seus atletas.

Termino de jantar e volto para o quarto, ligando meu computador. Preciso ler o texto que o professor passou hoje cedo e tentar adiantar um trabalho chato para não me estressar depois. 

Minha vontade é de jogar o computador no chão enquanto faço o trabalho. Parece que nada fica bom do jeito que deveria, inferno. Desisto de tentar escrever o parágrafo no qual estou há horas e abro outra guia da internet.

“Seul horário” digito no Google, que me informa que são 14:42h.

Se lá já passou das duas da tarde, então os programas livres femininos já começaram. Procuro a transmissão online do evento e clico. O vídeo está exibindo uma atleta do Japão recebendo suas notas. Pela sua cara, imagino que ela não foi tão bem quanto gostaria.

Acho que a japonesa foi a última de seu grupo, pois logo após sua imagem no Kiss and Cry, eles exibem o ranking de todas as patinadoras que já competiram.

O evento fica filmando o rinque vazio durante o intervalo. Não estou afim de assistir essa cena monótona, então aproveito para ir comer alguma coisa e escovar os dentes. Quando volto, eles já estão mostrando as próximas atletas a competirem se aquecendo no gelo.

A câmera está focada em uma atleta da China que está treinando alguns saltos. Eles sempre filmam as patinadoras na ordem em que vão se apresentar, por isso, após a chinesa, mostram uma sul-coreana, duas norte-americanas e por fim uma canadense que eu reconheceria em qualquer lugar.

Emma patina pelas bordas do rinque, ainda vestindo o casaco do Canadá sobre seu figurino, e se prepara para saltar – um Triple Flip seguido de um Double Toe. Ela cai ao final do segundo salto, mas se levanta na mesma hora. Sua feição está séria e seus olhos têm um brilho competitivo.

O tempo de aquecimento delas no gelo termina e a primeira patinadora, a chinesa, se prepara para competir. Ela vai relativamente bem, apesar de ter caído após seu Triple Lutz. A sul-coreana que se apresenta depois vai melhor, recebendo uma pontuação mais alta do que sua adversária. A terceira e a quarta competidora são dos Estados Unidos, sendo que a última delas eu conheço pelo nome, pois ela já conquistou vários títulos importantes. Quando ela termina de se apresentar e vai para o Kiss and Cry receber sua nota, sei que vai ter uma pontuação elevada – o que realmente acontece, deixando-a em primeiro lugar no seu grupo.

Quando voltam a filmar o rinque, Emma já está dando algumas voltas pelo gelo, se preparando para competir.

— Agora, participando pela segunda vez no Campeonato dos Quatro Continentes, Emma Wright, representando o Canadá – o locutor diz, enquanto ela patina para o centro do rinque – Ontem, no programa curto, ela conseguiu a pontuação excelente de 72,81 pontos! Se essa jovem moça de apenas 18 anos quiser conquistar o primeiro lugar, precisa fazer 119,64 pontos no programa livre. Por enquanto, Kim Nagasu segue na liderança.

Emma se posiciona no gelo, pronta para começar e o comentarista repete:

— Representando o Canadá, Emma Wright!

Quando ela começa a patinar, não presto mais atenção nos comentários do locutor. Reparo em sua coreografia, execução dos elementos e nos pontos recebidos em cada um deles, que aparecem no canto esquerdo da minha tela.

A maior parte da pontuação que ela recebe aparece em verde, o que significa que ela foi bem, basicamente. Porém, após uma sequência de Triple Lutz + Double Toe + Double Toe, o valor fica em vermelho e vejo que foram descontados 0,38 pontos.

Pelo o que escutei da minha mãe ao longo dessa temporada, a parte mais crítica do seu programa é o Triple Axel, um salto que é pouco executado na modalidade feminina devido a sua complexidade. 

Quando Emma realiza esse salto e vejo que a pontuação foi positiva, sem descontar nada, eu comemoro.

— Isso, Wright! – exclamo. É meu dever como canadense e como filho da sua treinadora ficar contente por ela ter realizado o salto corretamente. 

Depois de quatro minutos patinando sem parar, Emma encerra seu programa e a câmera foca em seu rosto enquanto ela patina de volta para a saída do rinque, onde minha mãe e sua coreógrafa estão a aguardando. Dá pra ver que Emma está respirando rápido, tentando recuperar o fôlego. Suas bochechas estão rosadas, combinando com o figurino vermelho que ela veste, e seus olhos parecem brilhar mais do que o normal. Acho que ela está feliz – não tem motivo para não estar, ela acabou de patinar muito bem.

Emma recebe um abraço da sua treinadora e da sua coreógrafa e elas seguem juntas para o Kiss and Cry enquanto o evento transmite a reprise dos momentos do programa livre de Emma.

Quando filmam o Kiss and Cry, Emma já vestiu seu casaco por cima do figurino e está sentada segurando sua garrafa d’água, exibindo um sorriso para a câmera.

As três mulheres conversam alguma coisa e posso ver no rosto de minha mãe o quanto ela está orgulhosa. Os pontos do programa livre finalmente aparecem na tela: 149,99. Com a soma do programa curto, ela marca 222,8 pontos, o que a faz ocupar o primeiro lugar do seu grupo, com quase 19 pontos a mais do que a estadunidense.

Eu não termino de ver o campeonato porque sei que ainda vai demorar horas para acabar e eu já estou cansado, precisando dormir. Mando uma mensagem para minha mãe, dando os parabéns pelo programa e desligo o computador.

No dia seguinte, vejo que minha mãe me respondeu enquanto eu dormia. Ela mandou uma foto sua ao lado de Emma, segurando sua medalha de bronze. Pelo visto, em primeiro lugar do 4CC ficou a japonesa Kim Nagasu, seguido da sul-coreana Mi-Suk Yun. 

Terceiro lugar numa competição internacional é uma ótima classificação, tanto para o país, quanto para a carreira de Emma na patinação. Fico feliz por ela ter conquistado a medalha.