Sábado

Ontem, quando levei Emma para a festa comigo, queria que ela se divertisse conosco, com pessoas da sua idade. Ela nunca foi do tipo que gosta de festas, mas também nunca tinha ido numa festa universitária de verdade. Confesso que, no fundo, tinha a esperança de que ela encontrasse Jake por lá. Para a minha total surpresa, quando cheguei em casa e abri a porta, dei de cara com os dois. Juntos. Se beijando.

Eu e minha irmã sempre fomos muito próximas. Nós contamos quase tudo uma para a outra e ouvimos a opinião alheia, mesmo que não sigamos os conselhos. Apesar de ser cabeça dura e não gostar de dividir seus problemas com ninguém, uma hora ou outra Emma acaba desabafando comigo. Por isso, eu espero.

Estou no computador, revendo um projeto da faculdade, quando minha irmã entra no meu quarto e se joga na cama.

— Eu não sei o que eu fiz, Lily – ela admite, abafando um gritinho com um travesseiro logo em seguida – Acho que estraguei tudo.  

— Me conta o que aconteceu.

Eu desligo a tela do computador e a observo se ajeitar na cama, me encarando. Ela começa a contar sua história desde ontem, quando deixou a festa com Jake e foi comer.

— E daí quando eu fui perguntar o porquê ele saiu da festa para ir embora comigo, eu tive certeza de que tinha estragado a noite dele – ela continua.

— Por que você achou isso, bobona? – pergunto.

— Porque sim! E sabe o que ele me disse depois disso?

— O que?

— Que ele gostava da nossa amizade, da minha companhia... Eu deletei da minha memória o que respondi, só sei que deve ter sido humilhante e que minha cara, provavelmente, ficou um pimentão depois disso. Que vergonha, Lily!

Eu rio ao imaginar a cena. Jake deve ter dito essas coisas e deixado Emma nervosa. E quando ela fica nervosa, se atrapalha para falar. É uma sorte que ela não fique assim quando dá entrevistas, caso contrário, seria uma tragédia.

Emma me fuzila com os olhos. Certo, eu não deveria ter rido.

— Desculpa – falo, recuperando a compostura – Jake falou alguma coisa depois disso?

— Não. Graças a Deus a atendente apareceu na nossa mesa, trazendo a sobremesa de aniversário dele.

— Eu ainda não acredito que ele sequer reparou que você foi atrás disso. Homens são tão lerdos.

— Pois é – ela concorda – Enfim, depois de comer, ele me trouxe de volta para casa.

A volta para casa. Tenho certeza de que agora a história começa a ficar realmente interessante.

— Por favor, não me esconda nada – eu peço, me ajeitando na cadeira a fim de ficar mais confortável para ouvir seu relato.

Minha irmã respira fundo, se preparando para continuar.

— Você sabe que eu precisava entregar o presente dele, né? Por isso ele desceu comigo.

— O presente foi aquele beijão ou a pantufa? Porque eu aposto mais na primeira opção – provoco.

Ela me ignora.

— Tudo estava indo bem até ele dizer que já ia embora. Eu não sei o que deu em mim, Lily, eu não sou assim! No mês passado, no meu aniversário, ele me deu um abraço tímido e desajeitado. Dessa vez eu o abracei de verdade. Juro que meu coração estava quase saindo pela boca quando fiz isso.

— Você ficou nervosa por causa de um abraço?

— Não pelo abraço em si, mas por tudo. Foi tão estranho, Lily.

— Por que estranho? – questiono.

— Porque eu não parecia eu! Quando ele me abraçou de volta foi tão bom e reconfortante que eu não queria mais sair dali. Eu poderia ficar ali por um bom tempo, como se fosse um parasita.

— Ai, Emma. Você arruinou todo o momento fofo se chamando de parasita.

— A questão é: eu não queria sair daquele abraço. Eu sabia que a partir do momento em que eu o soltasse, ele iria embora para casa e depois viajaria para a Rússia. Ele vai ficar o mês todo fora, Lily. Logo agora que eu já me acostumei com a sua presença irritante. Tem noção do quanto isso não se parece comigo?!

Observo Emma ficar tensa conforme fala. Ela está realmente perdida em relação a tudo, sem saber lidar com os próprios sentimentos. Para mim, a situação é tão óbvia que acho graça de como ela está reagindo. Eu já me senti assim antes, sei bem quais são os próximos capítulos dessa história. Emma só está tentando negar um fato, tentando arranjar algo que faça sentido em sua cabeça para explicar, erroneamente, tudo o que sente.

— Vocês podem continuar conversando pelo celular, igual já fazem – sugiro.

— Eu sei... Eu não estou sendo racional e eu sempre fui racional. Meu Deus, Lily, eu o beijei logo em seguida, tem noção disso? Não sei onde estava com a cabeça.

Eu franzo as sobrancelhas, confusa.

— Peraí, foi você quem o beijou?!

Ela assente, confirmando.

— Emma! Estou tão orgulhosa de você! Sempre achei que o primeiro passo viria do Jake.

— Foi tudo muito rápido – minha irmã diz – Eu agi por impulso e Jake não estava esperando por aquilo.

— Mas e aquele beijo que eu interrompi?

— Isso foi alguns segundos depois. Eu comecei a gaguejar, me desculpando por aquilo, quando Jake me beijou.

Emma fica vermelha, com vergonha.

— Foi bom? – pergunto, curiosa.

— Foi – ela confirma algum tempo depois, ficando ainda mais vermelha e se limitando a olhar apenas o lençol da cama – Ai Lily, não sei nem o que pensar. Eu gostei, mas também não sei... foi diferente.

— Diferente?

— É. Não acho que já tenha sido beijada assim, nem mesmo quando ainda estava com Paul.

Emma volta a pegar o travesseiro e esconde o rosto atrás dele. Minha vontade é de guardá-la num potinho. Talvez agora ela perceba o que está acontecendo e se dê conta de que gosta do filho de sua treinadora, o cara com quem ela implica há anos. Se eu não tivesse crescido próximo aos Stepanova, talvez ficasse com um pé atrás em relação a Jake; entretanto, sei que ele é uma boa pessoa. Minha irmã merece ser feliz e ter alguém que goste de verdade dela e a apoie em sua carreira – e eu sei que Jake é assim. Espero que eles se entendam logo.

— Desculpe por ter interrompido o beijo de vocês – eu digo – Se eu soubesse, teria enrolado para entrar.

— Tudo bem – Emma responde – Foi melhor assim.

Ela larga o travesseiro e me encara.

— Eu não sei o que fazer, Lily. Nós não deveríamos ter nos beijado, agora vai ficar tudo esquisito entre nós. E se isso arruinar nossa amizade? Eu estraguei tudo.

— Deixe de ser boba. Se ele te beijou de volta, foi porque também quis.

— Mas como nós vamos continuar sendo amigos se toda vez que eu o ver, vou lembrar desse beijo?

— Talvez seja estranho nos primeiros dias, depois passa. E se quer saber o que eu acho, essa amizade ainda vai virar outra coisa.

Emma desvia o olhar, sem dizer nada. Ela sabe a minha opinião e provavelmente já tem ideia do que eu vou dizer.

— Eu te conheço, Emma. Sei que você sente alguma coisa a mais por Jake e está tudo bem! E a melhor parte é que ele também gosta de você. Tem noção do quanto isso é raro?

Minha irmã solta um suspiro.

— Agora cabe a vocês decidirem se querem seguir em frente como se nada tivesse acontecido ou se vão tentar fazer isso funcionar – eu finalizo.

Domingo

Emma bufa e se senta ao meu lado no sofá, onde assisto episódios de Brooklyn 99 na companhia de Axel, após o almoço. Ela passou a maior parte do dia anterior no quarto, provavelmente tentando decifrar os próprios sentimentos. Hoje, por outro lado, ela passou o dia todo irritada, com a cara fechada. Estou morrendo de curiosidade para saber o que a deixou assim, mas também tenho amor à vida o suficiente para ficar de boca fechada.

— Quer ir correr? – ela pergunta, sem rodeios.

— Agora?

— É.

Eu não estou nem um pouco afim de correr, porém decido fazer esse sacrifício por ela; é meu dever como irmã. Sei que ela está precisando desestressar e só consegue fazer isso colocando o corpo em movimento.

Minutos depois estamos em um dos parques da cidade, correndo pelas trilhas próximas ao rio. Quando terminamos, ela parece um pouco mais relaxada. Nós sentamos na grama enquanto eu tento recuperar o fôlego. Bebo enormes goles de água enquanto minha irmã deita no chão, encarando as nuvens acima dela.

— Quer me contar o que aconteceu? – tento perguntar.

Emma respira fundo. Por um segundo, tenho certeza de que ela não dirá nada, porém, ela fala:

— Jake aconteceu.

— O que ele fez?

Fecho minha garrafinha e observo o rio a minha frente, enquanto espero a resposta da minha irmã.

— Ele sumiu, Lily.

— Como assim “ele sumiu”?

Emma balança a cabeça, esfregando a própria testa antes de continuar.

— Eu devia ter imaginado que isso aconteceria, não deveria? Meu Deus, como eu fui burra!

Olho para minha irmã, sem entender o que ela quer dizer.

— Ele está me ignorando. Sequer visualizou a mensagem que eu mandei ontem e olha que não era nada relacionado à nós dois. Foi só alguma bobagem aleatória, igual sempre fazemos. Sei que ele estava ocupado ontem, mas mesmo assim... e hoje ele também não deu nenhum sinal de vida. Nada, Lily. Nada.

Emma vira o rosto, encontrando meu olhar.

— Em poucas horas ele estará indo passar o mês fora e está fazendo questão de me evitar. Deve ser um alívio estar indo para Rússia, assim não terá o risco de me encontrar no Centro.

— Tenho certeza de que há alguma explicação lógica para isso – eu falo.

— Sabe qual é a explicação lógica? Ele ficou comigo e sumiu, eu não sirvo mais para nada. Não é isso que ele sempre faz? – ela pergunta, dizendo cada palavra com muita raiva.

— Talvez, mas isso não parece ser o tipo de coisa que ele faria.

— Você vai ficar do lado dele? – ela exclama.

— Não. O que quero dizer é que isso está muito estranho, Emma. Jake pode ser do tipo que fica com alguém apenas uma vez na vida, sem o menor compromisso, mas entre vocês é diferente. Eu sei disso.

— Não, não é.

Eu balanço a cabeça, negando. Mesmo que fosse o caso e Jake só estivesse sendo galinha, eu duvido muito que ele sumiria depois de um único beijo.

— Emma, qualquer um consegue perceber o quanto ele gosta e se preocupa com você. Se não me engano, ele mesmo disse isso. Jake não se esforçaria durante todos esses meses para ser seu amigo se a única coisa que ele quisesse fosse ficar com você uma única vez e sumir logo em seguida. Quer dizer, pense bem em todas as atitudes dele. Não me parece que foi de propósito.

— Eu não sei que merda aconteceu e sinceramente, não me importo mais.

Mentirosa. Ela se importa sim, muito.

— Se ele quiser sumir e estragar nossa amizade, por mim tudo bem.

— Não acho que...

— Está tudo certo, Lily – Emma me interrompe – Vamos esquecer esse assunto.

Minha irmã dá por encerrado a nossa conversa sobre Jake. Não falamos mais dele durante o resto do dia.