Sob suas asas escrita por annaoneannatwo, Kacchako Project


Capítulo 7
Fumaça




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A sensação é assustadora na forma como a priva de qualquer capacidade de reação, é algo como ser abduzida, se Ochako sequer soubesse como é isso. Ela sente seu corpo pesado de uma maneira que nunca sentiu antes, nem mesmo quando passava mal pelo uso além da conta de sua individualidade, o calor chega a doer, a fumaça de cor chumbo escuro invade sua garganta e olhos, como uma cortina pesada se fechando sobre ela...

Com certeza não era como a garota imaginava que o dia se desenrolaria. Depois de acompanhar o Hawks em uma entrevista para uma revista de variedades e observar como é importante que eles sempre tentem passar a impressão de que são pessoas comuns com gostos e interesses comuns. O herói alado falou de seus filmes favoritos, músicas que ouve durante o banho e outras trivialidades que só servem para lembrar à população de que heróis têm uma vida normal para além de resgates, lutas e aparições públicas. 

Criar uma imagem mais humana a fim de evitar que os atuais representantes do que é ser um herói exemplar sejam vistos como inacessíveis demais, figuras gloriosas e musculosas no topo de um pedestal que só aparecem para salvar o dia e somem. O All Might deixou seu impacto como Símbolo da Paz, e sempre teve a confiança incondicional da população enquanto estava na ativa, mas em geral, era essa a impressão que ele passava: alguém que não era real de tão incrível. Era impossível imaginar o grande número 1 fazendo coisas básicas do dia a dia, mesmo depois que sua verdadeira aparência fora revelada. Essa imagem de que heróis são perfeitos e inatingíveis também não ajudou seu sucessor Endeavor quando ele se tornou o número 1: heróis fazem coisas de pessoas comuns, molham-se na chuva, precisam pedir informação caso não consigam achar um lugar aonde têm que ir, e principalmente, heróis também erram. O peso das revelações sobre a verdadeira história da família Todoroki recaiu todo sobre o manipulador das chamas e deixou uma impressão muito forte na opinião pública, claro que ninguém espera que o herói pilar da sociedade cometa o que cometeu com sua família, mas muitas pessoas agiram como se o Endeavor nunca tivesse sido humano, para começo de conversa. 

Claro que ela não fala isso pra ninguém, quanto mais se for questionada publicamente sobre isso. Ochako dirá que essa questão está sendo resolvida na justiça, e cabe somente às autoridades competentes e partes envolvidas lidarem com os pormenores. Mas, conhecendo relativamente bem uma das partes envolvidas —  o Todoroki, no caso —  e vendo como o colega até tem ressentimento do pai, mas não o odeia, parece até se incomodar quando isso é sugerido ou quando o nome de Todoroki Enji é citado de maneira não muito amistosa, seu amigo não quer pensar no passado e na dor causada, preferindo olhar pra frente e trabalhar no que pode fazer de diferente. Se uma das pessoas mais afetadas por isso tudo pensa dessa forma, por que ela pensaria diferente?

Mas não é assim tão simples expor isso dessa forma, então Ochako fica quieta e apenas observa o esforço dos heróis em mostrarem que sim, são falhos, mas estão sempre dando seu melhor para não serem. O Hawks não poderia ser o melhor exemplo disso, ele também se viu no olho do furacão naquela situação, seu verdadeiro nome foi exposto, sua família, seus erros foram filmados e transmitidos em rede nacional. Mas ele segue aqui, talvez porque, diferente do Endeavor, tenha tido mais tranquilidade e confiança para assumir seus erros e correr atrás de consertá-los. Ou vai ver o Hawks só teve algo mais próximo de uma chance de ser perdoado, o que não aconteceu com o ex número 1.

Então ela acompanhou à entrevista, vendo seu mentor esbanjar charme e carisma. Ela teria ficado muito mais impressionada com a desenvoltura dele se uma parte sua não ficasse reprisando a conversa com o Bakugou no corredor do hotel ontem… o garoto é bastante cético em relação ao herói número 2… Ochako já havia percebido que ele não dá muita abertura para seu mentor, parece ouvi-lo mais por dever do que por genuíno interesse, mas não imaginava que era esse nível de desconfiança! O Bakugou basicamente sugeriu que ela tomasse cuidado, pois não dá pra saber de qual lado o herói profissional está. Pesado…

Ochako discorda, pode não ser a pessoa mais perspicaz do mundo, mas costuma ter um senso de julgamento razoável, e não há nada no Hawks que a faça ficar de orelha em pé. Ela não disse nada disso ao Bakugou pois não queria começar mais uma briga com ele, não depois de eles aparentemente terem se entendido… um pouco… em parte. 

A conversa no corredor ontem foi inesperada na forma como aconteceu sem nenhum dos dois se estranhando muito que Ochako a revisitou em sua memória antes de dormir. O Bakugou foi… gentil em tentar animá-la quando ela começou a apontar suas inseguranças e pareceu um pouco mais disposto a cooperar com ela nesse estágio e em tudo que eles têm que fazer juntos. Era só pra devolver a toalha dele, e ela saiu de lá com uma sensação relativamente boa, mesmo que vê-lo sem camisa tenha sido bem embaraçoso.

Mesmo naquele momento, enquanto acompanhavam o Hawks e o assistiam em sua entrevista, seu colega parecia menos inclinado a começar uma briga sem propósito com qualquer um. E mesmo que não tenha recebido um pedido de desculpas com todas as letras, ela tende a achar que essa mudança de postura é ele levando em consideração o que ela disse, pelo menos um pouco. E por mais que tenha suas reservas em relação ao mentor deles e a trabalhar com ela, ele irá se esforçar para ser profissional e respeitoso. Já era um avanço.

Encerrada essa parte, eles almoçaram em um restaurante o qual o Hawks não parava de elogiar e, com a barriga cheia, o mentor abandonou sua faceta despreocupada e tranquila, assumindo um lado mais sério e profissional enquanto explicava o que eles fariam em seguida.

—  Nós achamos umas informações interessantes sobre manipuladores de pequenos metais, tem uma pessoa aqui em Saitama que levantou algumas suspeitas, então vamos investigar. —  ele explicou, ajustando a alça da bolsa em que carregava as penas despregadas de suas costas —  Considerem isso parte do nosso exercício sobre manter uma imagem amigável e acessível, heróis estão sempre passando aquele ar imponente, isso pode intimidar os civis às vezes e afetar nosso trabalho quando estamos à paisana, então lembrem-se: vocês são como qualquer outra pessoa comum, uma licença de herói não muda nada.

Ochako acenou com a cabeça e apertou o passo no chão pedregoso conforme eles avançavam pelo terreno em que entraram. Tudo que eles fizeram foi seguir parte da linha do trem, em um trajeto abandonado e que já não funcionava mais, levando-os a um pequeno conjunto habitacional à beira do rio. O Hawks instruiu-os previamente sobre irem à paisana para não chamar muita atenção, é bem verdade que somente ele e aquelas asas vermelhas já atrairiam toda a atenção, mas estando junto do herói, ambos também deveriam se esforçar para passar despercebidos. “Se alguém perguntar, o Dynamight-kun é meu sobrinho, a Uravity é namorada dele, e estamos aqui fazendo trilha.” foi o que ele disse. Nem ela e nem o Bakugou ficaram super animados com os papéis que receberam, mas concordaram sem questionar e o seguiram enquanto ouviam o que precisavam saber sobre o suspeito.

Um rapaz que manipula pequenos objetos de metal, segundo o registro de individualidades, o máximo de peso que ele consegue mexer é cerca de 300 miligramas. O tal rapaz mora nas imediações da estação, por isso seria um suspeito óbvio, e além disso, segundo os dados levantados com a polícia, tem passagens por se envolver em protestos contra heróis no passado. A maioria desses protestos era pacífica, mas… alguns não eram, e relatos de carros desgovernados do nada ligam podem ligar o rapaz ao caso.

Então lá foram eles, chegando ao conjunto habitacional, que mais parecia um vilarejo. Cerca de uma dúzia de casas simples, o chão pedregoso foi dando lugar a terra, meio úmida por conta do clima meio chuvoso mais cedo. Olhando em volta, não dava para perceber nada de estranho, era um lugarzinho simples que em muito lhe lembrava a casa da avó materna em Mie. 

— Esse povo tá todo morto? —  o Bakugou resmungou, também fazendo sua própria inspeção da área.

—  É horário comercial, as pessoas podem estar trabalhando. —  ela respondeu, notando um carro que parecia ser um modelo mais antigo, com os vidros quebrados e jogado próximo a uma das casas.

—  Tomara que nosso amigo esteja em casa. —  o Hawks disse, dirigindo-se a uma das casas e batendo na porta suavemente, afastando-se um pouco quando a porta se abriu —  Oh, olá! Sukuryu-san?

—  Vocês são da polícia? —  uma voz masculina veio lá de dentro.

—  Olha pra gente, a gente tem cara de ser da polícia? —  o Bakugou interveio, Ochako teria achado imprudente não fosse o fato de que mostrar que era um adolescente realmente provava o ponto dele.

—  Hahaha, pois é, ninguém aqui tem cara de policial, né? —  o herói alado colocou as mãos nos bolsos —  Não somos tão truculentos quanto eles também, Sukuryu-san, a gente só tem umas perguntinhas. Meu conselho é respondê-las antes que a polícia venha.

A porta se abriu, revelando um rapaz de cabelos prateados e costas levemente encurvadas com olhos estreitos em desconfiança.

—  Eu já vi você na TV. —  ele apontou pra ela, e Ochako não soube o que responder. Eles não estavam mais fingindo não serem heróis, estavam? Mesmo se estivessem, o disfarce estaria estragado já que ele aparentemente a conhecia —  Vocês são heróis, vieram aqui me ameaçar?

—  Não é isso que heróis fazem. —  ela disse quietamente —  Sukuryu-san, estamos aqui para saber se você sabe algo relacionado ao acidente na estação próxima daqui há algumas semanas. 

—  “Estação próxima”? —  ele perguntou em tom de desdém —  A estação fica a quilômetros daqui, nada é perto daqui. Comércio, transporte, escolas, agências de heróis, nada chega nesse inferno esquecido.

—  E isso é desculpa pra atacar um trem? —  o Bakugou questionou.

—  Calma lá, calma lá, não vamos acusar ninguém de nada. —  e o Hawks pediu, erguendo as mãos um pouco —  Sukuryu-san, esse conjunto habitacional faz parte de Saitama mesmo, não é? Ou é de alguma outra cidade?

—  Por que você tá perguntando isso?

—  Só tô querendo saber quem são as autoridades responsáveis, se você se preocupa tanto com a infraestrutura e outras questões desse tipo, deveria saber também, as autoridades são quem você deve procurar pra levar essas reclamações. Tenho certeza que um cidadão preocupado sabe disso.

—  Tsk, e adianta reclamar? O que fazem é empurrar o problema com a barriga, e quando alguém faz alguma coisa pra chamar atenção, eles mandam heróis como se eles servissem pra algo que preste. Vocês são cachorrinhos do governo, não trabalham pra ajudar as pessoas coisa nenhuma e todo mundo já sabe disso.

—  E o quê, exatamente, você fez para chamar atenção, Sukuryu-san? —  o Hawks tirou as mãos do bolso —  Deixa eu perguntar, você deu uma passeadinha por Musutafu recentemente? Tipo umas duas semanas atrás? Não vale mentir, hein? A polícia pode pedir quebra de sigilo das suas compras e descobrir se você comprou passagem pra lá recentemente.

—  Eu não tenho porque mentir. —  ele deu de ombros —  Fui pra lá, sim. Os trens de Musutafu são um pouco mais rápidos, os trilhos são mais grossos. —  e sorriu maleficamente.

—  E você não pensou nem por um momento nas pessoas dentro dele? —  o Bakugou quem perguntou, fechando o punho —  O trem tava lotado.

—  Bom, pra chamar atenção, às vezes você precisa de mais. Se ninguém liga pro que acontece em um lugar afastado, com certeza vão ligar pra uma cidade cheia de heróis. 

—  Pois é, mas que azar você ter escolhido justamente o vagão em que tinha dois heróis em treinamento, hein? —  o Hawks apontou para eles dois —  E que coincidência também!

—  Tsk, vocês dois? —  ele os mediu de cima a baixo —  Vocês são só duas crianças, não entendem de merda nenhuma e já tão com a cabeça manipulada por essa sociedade de heróis.

—  Como é que é? —  o Bakugou se colocou em posição de ataque.

Ochako também queria questionar, mas algo estava chamando mais atenção naquele momento: um cheiro distante começando a ficar mais proeminente. Ela olhou ao redor em busca de fumaça, pois o cheiro com certeza era de algo queimando.

—  É isso mesmo. Vocês dão entrevistinha na TV sobre uma sociedade melhor e essas merdas, mas são tão hipócritas quanto os profissionais, porque na hora de ajudar onde realmente precisa, vocês nunca aparecem. —  o rapaz também se colocou em posição de ataque —  O que vocês não entendem é que mesmo coisas grandiosas só funcionam por causa de pequenos detalhes, lugares pequenos também têm trabalhadores e eleitores, também precisam de atenção do poder público, e casas e carros precisam de fiações bem pequenininhas para funcionarem. Uma mexidinha que você dá e… —  um estrondo pôde ser ouvido lá fora —  ...pode ir tudo pelos ares.

Ochako nem chegou a ouvir a ordem do Hawks, apenas correu para fora e viu o carro em chamas vindo na direção da casa em que estavam. Atrás dele, uma das casas também pegava fogo.

—  Eu vou ver se tem pessoas na casa. Para esse carro. —  ela informou ao Bakugou, nem precisando da confirmação dele. Ochako ativou a gravidade em si mesma para passar por cima do veículo em chamas e correr em direção à casa. 

Estava chuvoso mais cedo, e naquele momento ventava bastante, o que pode ter contribuído para que as chamas se espalhassem mais rápido, ela sondou o perímetro e gritou para ver se alguém respondia. Aparentemente não havia ninguém, o que era ótimo, ela só teria que apagar o incêndio antes que se embrenhasse pelas árvores e causasse um estrago maior… e então ela ouviu um gritinho.

Ochako não pensou duas vezes antes de cancelar o peso da porta da frente para torná-la mais fácil de quebrar, o que ela faz com o pé. A aspirante a heroína gritou mais uma vez e ouviu uma resposta vindo do cômodo ao fundo. Flutuando para evitar as chamas no chão, ela avançou pelo pequeno corredor e encontrou uma senhorinha encurralada por um móvel de madeira.

—  Não se preocupe, eu sou heroína em treinamento. —  Ochako disse e se aproximou, esgueirando-se pelas paredes. Ela esticou a mão e ficou aliviada pela senhora pegá-la sem hesitar. Talvez falar que está “em treinamento” poderia fazê-la não confiar, mas não foi esse o caso. A senhora aceitou o puxão de bom grado —  Tem mais alguém aqui dentro com a senhora?

—  Tem o Manju na cozinha —  ela disse com a voz trêmula e apontou para o outro cômodo.

—  É o seu neto? Filho?

—  É meu gato.

—  Tudo bem. —  Ochako respirou fundo, ignorando a leve náusea subindo em seu esôfago. Olhando ao redor, ela percebeu a janela e a abriu, instruindo à senhorinha que saísse por ali e ligasse para os bombeiros, se possível.

As labaredas aumentaram, e a garota praticamente rastejou pelo teto como uma lagartixa para chegar à cozinha, teria sido mais ridículo se ela tivesse começado a chamar o gato em meio às chamas, mas não foi necessário, o bichano estava em cima do armário, costas arqueadas e olhos arregalados. O maior desafio foi pegá-lo, Ochako levou alguns arranhões, um deles bem perto da boca que com certeza doeria muito mais tarde.

Só houve a chance de jogar o gato pela janela antes de um outro estrondo, dessa vez dentro da casa, as chamas aumentaram e um cheiro de gás começou a invadir-lhe as narinas junto com a fumaça.

E então tudo começou a ficar turvo e escuro. Ela deveria ter considerado a possibilidade do gás de cozinha explodir e resolvido isso como prioridade. Mas agora já era tarde para pensar no que fizera de errado, sua garganta estava quente e entupida, não importava o quanto tossisse, não passava.

Até que algo líquido escorre por sua garganta, o alívio é quase imediato, Ochako sente a consciência voltar aos poucos, engolindo a água que é posta em sua boca. Mas é só quando ela abre os olhos e vê um par de orbes vermelhas muito próximas que ela entende exatamente o que está acontecendo.

O Bakugou está dando água pra ela… com sua própria boca.


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Notas finais do capítulo

Oi oi! Chego com mais um capítulo praticamente parido jsdjksdjkjk
Ainda no desafio do Kacchako Project, eu só consegui colocar uma palavra, que foi "abduzida", será se consigo colocar todas as frases, palavras e objetos até o fim da fic (que tá relativamente próximo)? Veremos u.u
É isso, a gente se vê por aí!



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