Sacrifícios escrita por Shalashaska


Capítulo 12
Juntos


Notas iniciais do capítulo

Obrigada pelos comentários no capítulo anterior ♥ Sou muito grata pela participação de vocês!
Boa leitura ♥



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17/10/2023

Complexo dos Vingadores, NY

18:19

Era igual a um jogo de futebol americano.

Nebula se convencia disto enquanto corria em direção à van, passando a Manopla do Infinito para Gamora quando algum obstáculo maior surgia, sendo algum problema com o terreno, explosão ou então algum inimigo inesperado. O objetivo era chegar até o Túnel Quântico e marcar a vitória, e então…

Fim de jogo.

Nebula e Gamora teriam então vencido todos aqueles anos de abuso sofridos pelo pai.

A ironia da situação esquentava seus circuitos internos. Nebula muitas vezes não sabia dizer quem ela era de verdade ou o que era resultado da manipulação de Thanos; assim como não sabia se ela era um robô, uma andróide — como sempre se referiam à ela na Terra, talvez por falta de palavra melhor — ou outra coisa, algo que foi deixando aos poucos de existir à medida que partes de seu corpo eram substituídas por peças.

Ele sempre foi pior com ela. 

Toda a famosa calma inabalável do Titã se apagava diante da filha azul, desde o primeiro dia. Quando ele colocava as duas filhas para lutar entre si... As punições eram severas para quem perdesse.

E quem sempre perdia era Nebula. Thanos sabia disso e existia certo prazer em ouvir seus gritos, embora ela se recusasse a implorar.

Ela se sentia inútil, embora ainda se esforçasse pela própria sobrevivência. E se um dia ele decidisse que daria um basta? Que Gamora era suficiente? Ela era mais ágil, mais precisa e menos volátil. A filha perfeita para o pior monstro do universo, mas… Uma péssima irmã para uma jovem Nebula, que gradativamente se desconhecia ao olhar-se no espelho.

O que sobrou dela?

Um coração parcialmente mecânico e ódio correndo entre seus sistemas internos.

Por fora de seu comportamento errático e violento, em busca de aprovação do pai, Nebula só queria que aquilo tudo parasse. Só queria uma irmã, pois sabia que muito da performance sanguinária de Gamora era falso, e queria sumir para longe, onde ele jamais as encontrasse. Uma tarefa difícil para quem tinha que fugir da maior armada de todas as galáxias conhecidas, mas ao menos ela ainda era capaz de se iludir ocasionalmente.

Até que ela realmente fez as pazes com a irmã. Encontrou uma família disfuncional com os Guardiões. Depois do estalo de 2018, feito somente porque Thanos havia sacrificado a filha favorita para pegar a Jóia da Alma, Nebula passou dias jogando futebol americano de mesa com bolinhas de papel com Tony Stark. Visitou-o quando ele teve uma filha e ainda a via com frequência.

Ao longo desses anos recentes de sua existência, Nebula sentia que estava sendo, aos poucos, desmontada de novo. Dessa vez não doía. Dessa vez era… Bom. Ela ainda guardava aquele jeito áspero de andar e falar, e talvez aquilo já fosse impossível de mudar, mas estava diferente. Não sabia no que exatamente se transformaria, porém estava curiosa. 

E, agora, ela corria ao lado da irmã para calar Thanos para sempre.

Com a ajuda de suas aliadas, Gamora e Nebula conseguiram desviar de criaturas e disparos. Psylocke se esforçava para abrir caminho com suas lâminas de energia psiônica, enquanto aquelas que podiam voar ficavam nos céus para oferecer cobertura. Okoye e Shuri ficavam na retaguarda, justamente para que ninguém atacasse as duas por trás. No entanto, esse mesmo apoio e eficiência que lhes permitia seguir em frente sem dificuldades absurdas, foi o que serviu para Thanos voltar a sua atenção para elas.

Até aquele instante, ele estava ocupado demais tentando despedaçar o Homem de Ferro ou usar o machado de Thor para fatiar cada um deles que lutava em seu entorno. Ainda jazia numa disputa de força contra Carol Danvers quando o olhar pesado do Titã recaiu sobre Nebula, movendo-se com a Manopla nos braços. Mesmo longe, ela pôde ver a sequência de pensamentos se desdobrar dentro da cabeça dele: Nebula não estava ao seu lado? Não tinha saído para resgatar as Jóias do Infinito para ele? Thanos alternou rapidamente o foco entre Nebula e Gamora e a conclusão foi certeira: Não era a mesma Nebula, não aquela que lhe servia e a qual ele podia usar e punir sem consequências. Aquela Nebula estava morta e a outra que corria estava perigosamente perto de um Túnel Quântico.

O ódio dele se incendiou.

Com apenas um movimento, ele arremessou Carol Danvers contra uma pilha de escombros e estava livre de qualquer amarra ou inimigo próximo. Existia somente ele e sua ira. Nebula acelerou para finalizar a missão o mais rápido que podia, sentindo suas engrenagens internas arderem. Estava tão… perto. Era capaz de sentir a pulsação do Túnel Quântico, ver as cores de seu interior. No entanto, antes que ela atravessasse o Túnel, sem nem se preocupar em pegar Partículas Pym para retornar, Thanos pegou sua lâmina dupla e jogou-a contra a van, provocando uma explosão que lhe arrancou a Manopla dos braços. Ainda no ar, Nebula tentou abrir os olhos para conferir onde estava Gamora. Tudo acontecia tão rápido, muito mais que seus processadores integrados conseguiam captar. Esticou a mão em direção à irmã, enquanto luz branca e abrasiva engolia a todos.

 ***

O zunido ainda ecoava agudo no ambiente, mas a luz da detonação baixara.

Tony Stark não teve muito tempo para ser grato por seu capacete lhe proteger da luminosidade intensa da explosão, nem pôde se atentar aos avisos de Friday sobre as contusões e níveis de cortisol no sangue. Thanos estava de pé, o Túnel Quântico foi destruído e a Manopla do Infinito estava no chão.

Levou menos de um segundo para todos se adiantarem para alcançar a Manopla. 

Apesar de existirem mais aliados no perímetro, Thanos estava mais perto. Num primeiro momento, Tony utilizou os propulsores para voar rapidamente até ele e empurrá-lo na direção oposta, na esperança de que alguém — Thor, Steve, Carol ou qualquer um do time — pegasse o objeto. O custo foi ter o seu tronco apertado pelo Titã mesmo através da superfície sólida da armadura e depois arremessado para o outro lado. Enquanto rolava nos entulhos e sentia um ferimento nada bonito na testa, o engenheiro ainda conseguiu refletir sobre o que estava lutando agora. Ou melhor, por quem estava lutando.

Tony Stark tinha uma filha em casa esperando pelo pai e pela mãe. A pequena e tão, tão, esperta Morgan Stark, com quem dividia hambúrgueres e doces enquanto Pepper não estava olhando.

E não era apenas por ela. Era por Natasha, aquela sua amiga reclusa e simultaneamente aberta, dotada da língua mais afiada de todas. Ela tinha morrido para que eles estivessem ali, com a Manopla inteira. Se sacrificara pelos outros, por pessoas que nem conhecia, para que todos desfrutassem de um futuro que ela jamais conheceria.

E Tony batalhava também por sua família desajustada, absurda e cheia de problemas; uma família enorme e que só crescia desde que a Iniciativa começou por Nick Fury. Rhodes. Thor. Banner. Sam. Steve. Tantos outros mais e até aquele doido do Rocket.

Demorou um segundo para ele processar o impacto final de seu corpo contra os destroços de uma nave chitauri. Arregalou os olhos, viu Thor tentar acertar a cabeça de Thanos com seu machado, enquanto Steve segurava-o com força. Viu Carol Danvers se levantar para mais uma vez oferecer o sabor de uma luta difícil ao inimigo. Tony franziu os cenhos, sem bem escutar a voz da Inteligência Artificial nos sistemas da armadura. Pensava sobre o quanto ele era pequeno naquela guerra.

É claro, era um excelente profissional e alvo de entretenimento nas horas vagas, mas… Não disparava lampejos de puro fótons como Carol, nem era um deus feito Thor ou digno de armas místicas como Steve. Apesar das revistas resumirem toda sua persona como gênio, bilionário, playboy e filantropo, Tony Stark se sentia mais como um engenheiro. Consertava coisas, inventava outras. Sempre foi um homem mais acostumado a metal, circuitos elétricos e motores; talvez mais do que era acostumado com pessoas. O Homem de Ferro. 

Naquela equação, ele era uma incógnita que parecia severamente fora do lugar. Repetidas vezes raciocinou e raciocinou sem bem entender seu lugar no mundo ou entre variadas pessoas com super poderes. Podia ser apenas empresário e cuidar das Indústrias Stark junto com Pepper, focando seu patrimônio em investimentos na ciência, mas… Sempre voltava a fazer uma armadura. Dizia que era um hobby, uma mentira que nem ele acreditava. Então, talvez naquele instante, quem sabe aquela difícil equação estivesse clareando em sua mente: a incógnita estava separada e prestes a encontrar a solução.

Tony buscou o rosto de Stephen Strange para testar sua teoria e o encontrou próximo a uma vazante d’água, protegendo os demais de uma inundação através de um feitiço. O olhar de ambos se cruzou. Antes… Strange havia dito que eles tinham apenas uma chance dentre quatorze milhões e seiscentos e cinco possibilidades de futuros diferentes. No entanto, não podia dizer se era aquele em que eles venciam, pois... Não aconteceria. Naquele momento, porém, os dedos trêmulos de Strange fizeram um aceno: o sinal de número um.

Uma chance.

A teoria de Tony Stark estava certa. Chegara a hora de eliminar a questão. 

Thanos tinha acabado de tirar apenas uma Jóia da Manopla, a do Poder, para derrubar Carol e lançou, mais uma vez, para longe. Se Tony tinha apenas uma chance, era aquela. Mesmo respirando forte, abalado pelo peso da decisão e pelas dores severas ao longo de seu torso, ele curvou o corpo e pegou na Manopla ainda na mão de Thanos. Sofreu um soco, depois uma joelhada que talvez tenha trincado uma costela.  Estava sem capacete devido aos danos que o nanomaterial de sua armadura tinha sofrido, mas naquele instante tal fato era irrelevante. A tecnologia da Mark LXXXV conferia tudo o que era necessário para sua última missão, portanto, quando Thanos deu-lhe um chute, reclamação nenhuma saiu de sua boca.

Ele parou ajoelhado e ferido no chão, esperando.

Thanos se afastou com calma e sua boca púrpura repuxava-se para cima, no esboço de um sorriso sádico. Não queria matá-lo ainda. Não, é claro que não. Queria que ele assistisse à morte de tudo o que Tony jurou proteger. 

— Eu sou… — Sua voz grave ecoou longe, enquanto sua mão direita preparava-se para estalar a Manopla do Infinito. Ao contrário de Banner, que sofrera desde o exato segundo em que vestirá a luva, a energia dela não pareceu afetar tanto a fisionomia robusta de Thanos. — Inevitável.

E ele estalou seus dedos grossos.

Em vez do som eletrizante que se esperava, das luzes variadas e o calor infernal, veio apenas o som de metal raspando metal. Em pânico e confuso, Thanos encarou a Manopla com atenção, apenas para vê-la vazia. Sem cores, sem Jóias. Voltou a observar Tony, que erguera o próprio braço. A nanotecnologia no material vermelho deslocava cada pedra em seu devido lugar, acima dos ossos e das costas das mãos. A energia começara a se acumular em seus músculos, trazendo aquele som crescente e etéreo.

— E eu… 

Uma lágrima solitária escorreu em sua face. Queria ver sua filha e sua esposa uma última vez, mas já não era hora para hesitar. Aquele era o sacrifício final e a única chance. Ao menos… Tinha gravado aquela mensagem antes de viajarem no tempo, pois aquela seria sua despedida.

Parte da jornada é o final.

Antes de completar a frase ou estalar os dedos, porém, ele sentiu uma mão em seu ombro. Inclinou o pescoço para ver quem era e encontrou o azul dos olhos de Steve Rogers. Ali, Tony pôde ver tudo. Anos de amizade. Anos difíceis de amizade. E uma promessa a ser cumprida: Se caíssem… Cairiam juntos.

Houve um segundo de compreensão mútua. Steve estava ali para dividir sua dor e a energia liberada pelas Jóias do Infinito. Se Tony fizesse isso sozinho, a descarga das Jóias poderia matá-lo, e é claro que ambos entendiam essa consequência. O loiro respirou fundo, e disse:

Nós

Thor chegou em seguida, tocando em seu ombro oposto. Depois veio Rhodes, Clint e Wanda, que rapidamente teletransportou os amigos de equipe. Sem Banner por perto, ferido pelo estalo anterior, ou Carol Danvers, dividir o fardo da Manopla era a única solução. O barulho e a vibração das Jóias aumentava, distribuídas em inúmeras nuances entre todos os corpos que se conectavam em toques fraternos. Alguns deram as mãos, outros apenas seguravam o ombro um do outro. 

— Somos…

Tony concluiu:

Os Vingadores.

E em seguida estalou os dedos.

A realidade dobrou-se em si mesma, numa explosão de luzes azuis, verdes, amarelas, vermelhas, laranjas, roxas. O som era pior do que de uma turbina e o calor parecia fundir a pele do Homem de Ferro contra sua própria armadura. Ele evitou dizer mais alguma coisa ou reclamar, mas a verdade é que sua carne queimava, por mais que sentisse o restante do time suportando uma boa dose de dor. 

E então, cinzas.

Quando Tony Stark abriu as pálpebras, esperava encontrar o paraíso ou qualquer tipo de pós morte onde seu espírito pudesse descansar. Era isso que muitos esperavam, não? Talvez tivesse visto um estranho cenário laranja e os cabelos ruivos de Natasha Romanoff, mas não tinha certeza. Quem sabe fosse apenas uma alucinação brilhante, febril. No segundo seguinte, lá estava o engenheiro muito vivo e observando o exato cenário que tinha deixado:

Corpos de aliens. Rastros fundos de destruição. Thanos.

Mas a expressão do Titã era de puro choque. Cambaleou para trás, na tentativa de conferir o que o grupo terráqueo tinha feito com tamanho poder e, sob a cor dourada do sol poente, assistiu o vento levar suas tropas, aliados, naves e todo o seu legado transformados em pó. Caminhou um pouco sem proferir uma única palavra, manco e sangrando, e se sentou acima de destroços. Respirou fundo, olhou o sol. Baixou a cabeça calva e, suavemente… Deixou de existir.

O Homem de Ferro permaneceu um bom tempo encarando o nada. Não prestava atenção no braço, nas vozes dos amigos ou dos alertas cada vez mais urgentes de Friday. Somente esboçou reação quando Pepper pousou a sua frente e com leveza o abraçou, dizendo:

— Acabou, querido. Acabou. A gente pode descansar agora.

Ele tossiu discretamente. Não desejava trazer mais preocupação para ela, que já acompanhara a vida absurda dele por tempo demais. Sorriu fraco, admirando a esposa. Jamais pensou que ela chegaria a usar a armadura que construiu para ela… Na cor daquele vestido que ela comprou em 2008. 

— É, eu acho que merecemos uma viagem, huh? Sem ser uma no tempo, por favor. 

Arrancou a luva da armadura, feliz por Wakanda ter sido generosa o suficiente em compartilhar pesquisa com nanotecnologia. Jogou-a um tanto longe, querendo na verdade chutar as Joias assim como Clint tinha feito com o modelo da Manopla anterior. Mas seria pedir demais da sorte num único dia.

Pepper se afastou um pouco e Steve se ajoelhou ao seu lado, conferindo o estado do amigo. Estável, apesar do ombro. Embora ele próprio estivesse exausto, o Capitão América transbordava gratidão.

— Conseguiu, Tony.

— Bom, — Ele deu um estalo com a língua, falando agora mais alto. Queria que os outros escutassem claramente. — Já que vocês todos interromperam meu momento brilhante de sacrifício e heroísmo, posso dizer que… — Sorriu. — Nós conseguimos.

A expressão de Steve era bondosa, mas antes que Tony falasse qualquer outra coisa, recebeu um chacoalhão amigável, e não muito gentil, do deus do trovão. 

— Você teria morrido, Tony.

— É um preço que qualquer um de nós pagaria. Uma solução óbvia para uma peça velha, afinal, sou só o engenheiro da equipe, não é mesmo? Agora me ajude aqui, amigão. Preciso levantar.

Pepper riu da modéstia fingida do marido e passou o braço em um de seus ombros, o bom, enquanto Thor pegava-lhe pelo outro. O movimento foi devagar, mal calculado e sofrido, portanto Tony levantou-se de fato após algumas tentativas nada agradáveis e regados a xingamentos. Ele soltou um longo assovio ao parar para prestar atenção no pouco que sobrou do Complexo dos Vingadores, calculando os milhões para limpar todo aquele entulho e os bilhões para reconstruir o prédio.

Dane-se. Queria algo mais interessante naquele momento, talvez um hambúrguer. Não, algo ainda melhor:

— Ei, Steve. — Gritou para o amigo que caminhava mais a frente. — Que tal um shawarma?

O capitão se virou com sorriso de lado.

— Vai ser perfeito, Tony.

— Ótimo. A gente pede para o ligeirinho Maximoff pegar ou… Um desses magos maneiros.

Steve o encarou sério por um segundo, depois se aproximou apenas para abraça-lo forte,sem se importar com os hematomas que ambos tinham ou a armadura que o Homem de Ferro trajava. Foi um abraço desajeitado, pois Thor e Pepper ainda ajudavam o engenheiro a ficar de pé, mas naqueles poucos segundos ele sentiu uma distância de anos ser superada definitivamente.

— Vai ser perfeito. — Ele repetiu, embora Tony soubesse que Steve tentava mentir para si mesmo.

Recriar aquela mísera comemoração de 2012 não seria totalmente perfeito se Natasha Romanoff não estivesse lá… Mas eles poderiam tentar sorrir naquele momento  quem sabe fosse algo que ela desejasse. Steve depois se desenlaçou do abraço e lhe deu as costas, conferindo o resto do time e os arredores.

Sem ser capaz de continuar a caminhada, Tony se apoiou numa outra pilha de escombros, pois o Capitão América iria encontrar algum lugar melhor para se sentar. Pepper, por sua vez, partiu para se despedir de algumas pessoas do Kamar-Taj, além de também tentar conferir um local mais adequado para os feridos do combate, como Gamora e Nebula, que estavam muito próximas da explosão do Túnel Quântico. Sofreram alguns ferimentos mais sérios, mas nada fatal. Algo no diálogo sugeriu chamar Outer Heaven remotamente, embora isso fosse demorar algumas horas.

Encarando a conversa de seus amigos, vivos e bem, dentro do possível… Ele viu que valeria a pena cada dólar investido para o Complexo dos Vingadores. E que teria que adicionar outro andar na estrutura.

Ou então Wanda Maximoff poderia ajudar. Ela e sua mestra, a bruxa Agatha Harkness, tinham reconstruído o porto de Genosha perfeitamente após um atentado em 2017, então não haveria razão de não conseguirem fazer isso de novo. Daria um tempo razoável para todos descansarem, inclusive ele próprio, e conversaria com a moça, ou então com Magneto. Ele também seria de grande ajuda a movimentar as estruturas metálicas na construção.

Sozinho enquanto Pepper dialogava com outras pessoas, uma figura alta e serena parou ao seu lado. Era o tal Mago Supremo, Stephen Strange, com sua capa longa e as maçãs do rosto afiadas. Ficaram em silêncio durante alguns minutos, sorvendo das lembranças entrecortadas de cinco anos atrás. Por fim, Tony criou coragem para questionar:

Strange… Foi isso o que viu? No planeta Titã, em 2018?

Uma pausa. O mago inspirou fundo e o encarou para responder.

Não. — Tony automaticamente engoliu seco, com o coração gelado. O significado daquilo era óbvio: no futuro que Stephen Strange observara a vitória, ele não sobreviveu. Seu sacrifício havia sido consumado. — Isso foi melhor.

— É. Eu vou precisar de mais alguns anos de terapia.

Stephen quase sorriu. Como também era médico, examinou brevemente o estado de seu braço e ombro, sugerindo em seguida:

— E fisioterapia.

De súbito, uma voz jovial invadiu o cenário e caiu entre eles de repente: era a mesma companhia que o mago e o engenheiro tiveram a bordo da nave que foi para Titã em 2018.

— Senhor Stark! Ah, oi, senhor doutor Strange. — O rapazote ainda confundia os nomes, pronomes de tratamento e alcunhas.  O mago até podia suspirar de irritação com aquilo, mas secretamente Tony considerava aquilo adorável. Imaginava o momento em que Morgan e Peter se juntassem para brincar: isso sim seria uma parceria de crime. — Como pensou naquilo? Eu vi de longe, mas foi genial!

Tony piscou apenas um olho, sem revelar todas as dúvidas e considerações que atravessaram sua mente há tão pouco tempo.

— Ora… Eu sou o Homem de Ferro. — Uma pausa. — Então, você gosta de shawarma, garoto?

***

Wanda chorou por quase dois dias inteiros depois que soube que Natasha morreu.

Talvez o luto jamais ficasse fácil no fim, não importava quantas vezes enterrasse amigos e familiares. Pietro e Ebony ficaram ao seu lado praticamente o tempo todo, assim como Bucky. Também era difícil para o soldado, por mais que ele tentasse não chorar na frente dela ou de Steve, as pessoas mais sensíveis pela morte da russa, mas a Feiticeira sentia sua aura densa, magoada. Ela também era sua amiga, sua pequenina bailarina.

Depois que a batalha terminou, eles esperaram por Outer Heaven, a base voadora que estava estacionada em segurança há quilômetros dali. Stephen Strange facilitou o processo abrindo um largo portal para trazê-la e depois partiu com o restante de magos do Kamar-Taj, não sem antes, é claro, de também levar os asgardianos restantes para Nova Asgard, em Tønsberg, e os guerreiros wakandanos para seu país. Desse modo, parte dos feridos restantes foram tratados em Outer Heaven e a outra parte retornou para o Instituto Xavier.

Eles tiveram tempo para se recuperar.

Wanda ainda sentia a sensação de morte rastejar por seu corpo e aguentar a vibração das Jóias do Infinito no golpe final parecia ter remexido com algo fundo dentro de si. Não sabia se era o caos, se era a sua alma a ou ambos. Fisicamente, a sokoviana estava bem, só precisava descansar um pouco. Escondeu seus temores de seu pai, tia, irmão e amante; armou um sorriso e prometeu à Tony ajudar a reconstruir o Complexo dos Vingadores quando estivesse em condições. Por enquanto, tudo estava suspenso e até mesmo as Jóias do Infinito jaziam trancadas a salvo em uma maleta.

Através de sua pulseira-comunicador, Wanda conversou com Shuri, com Ororo Munroe, Jean… E pôde descobrir as amizades do irmão, como Psylocke e Kitty. Falou até mesmo com Emma Frost, que aparentemente agora era a terapeuta de Pietro e se curava de uma condição grave de sua forma diamante. Havia tanto mais para descobrir, tanto mais para compartilhar com sua nova família. 

No entanto, todas as suas tentativas de afirmar a si mesma que estava tudo certo se foram quando o grupo a chamou para conversar no escritório e contaram a razão de Natasha Romanoff não estar lá.

Para pegar a Joia da Alma, era necessário oferecer uma, e Nat… havia cumprido sua missão sem nem hesitar.

Quem observasse o rosto de Wanda Maximoff durante o velório diria que a jovem estava séria, resoluta. A verdade é que de tempos em tempos ela mordia os lábios para não cair em prantos e seus olhos jaziam úmidos e avermelhados desde a notícia. Encontrou forças no apoio do pai e de Pietro, e agora estava do lado de Bucky, com sua mão entrelaçada na dele.

Todos estavam lá, em frente ao lago próximo à casa de campo de Tony Stark:

Os Vingadores. A equipe principal dos X-Men, embora Emma Frost não. Hank Pym, Janet e Hope Van Dyne, mais Scott Lang.  Strange. Carol Danvers e Nick Fury. A família real wakandana. Pepper e Morgan, obviamente. Silver Sable e… Yelena Belova.

Eles não tinham um corpo para sepultar, então a cerimônia foi simples. Wanda ajudou a escolher as melhores flores para uma diminuta coroa e escolheu uma quantidade par, assim como mandava a tradição russa para funerais. Não sabia exatamente quais espécies pegar, porém optou por uma variedade de flores vermelhas para simbolizar os diferentes penteados da espiã ruiva e espetou algumas camomilas no arranjo, indicando ainda os laços de Natasha com a sua terra natal.

No entanto, não existiam objetos pessoais para colocar ali. Ninguém sabia de alguma coisa física e palpável que ela gostasse tanto ou que carregasse sempre. Os desenhos de Steve foram queimados com as explosões e as poucas fotografias que Natasha tinha estavam desaparecidas. Tony sugeriu colocar uma garrafinha de vodka, mas logo a ideia foi descartada. Foi então que sua quase irmã, Rooskaya, colocou no arranjo uma fotografia velha das duas ainda muito jovens, vestidas de bailarinas para uma dolorosa missão. Em silêncio, foi ela quem colocou as flores na água.

Não houve música. Algumas pessoas falaram algumas coisas, mas Wanda não conseguiu prestar totalmente atenção. Ela própria não foi capaz de dizer alguma coisa. Só observou a água ao lado de James e, fazendo força para não começar a soluçar, prometeu:

— Eu vou achar o seu gatinho, Liho, Nat. Ele não vai ficar sozinho em Moscou, tá?

O vento respondeu com uma brisa suave e Wanda não aguentou, procurando o abraço de James Barnes para chorar. Ele sussurrou coisas doces em seu ouvido, dizendo que tudo ficaria bem e que Natasha estava sim ouvindo, enquanto acariciava suavemente suas costas.

Sentir tanta auras em luto no mesmo lugar deixava sua pele arrepiada e a obrigava a se lembrar de Novi Grad pesarosa, quando foi bombardeada há muitos anos; e depois em 2015, quando a cidade foi arrasada por Ultron. Na primeira vez, ela compareceu ao funeral dos pais e da segunda, a do irmão.

E era um sentimento misto em todos. Sim, eles tinham conseguido trazer metade da vida do Universo de volta após tanto tempo, Wanda tinha o gêmeo ao seu lado, mas… Natasha era insubstituível. 

As pessoas conversaram um pouco depois da cerimônia. O assunto era delicado, sobre como a situação era triste e quais eram os planos — se tinham planos — para o futuro. Agora mais sozinha, pois sua família se afastara e James havia ido falar com Sam, Wanda se aproximou de Steve.

Ele estava com a postura rígida dentro daquele terno preto, a barba impecavelmente feita e os cabelos alinhados. Formal. 

Mesmo nos momentos mais melancólicos e tensos juntos, a Feiticeira jamais tinha visto um tom de azul tão escuro em sua aura. Era a zona mais funda do oceano, águas abissais que tinham um largo volume de memórias e emoções acima. Ela o abraçou forte, sem dizer coisa alguma, e permaneceram assim durante alguns minutos.

Wanda devia isso a ele. Conforto. Amparo. Quantas vezes tinha recebido aquele olhar preocupado de Steve, disposto a afastar todas as suas tristezas e dúvidas com os punhos? Mais de uma vez, ele perguntara o que podia fazer para ajudá-la. Não havia muita coisa, é verdade. Respondia que queria ficar sozinha, mas… Também não queria se sentir solitária. Um abraço nele, por ora, seria um bálsamo leve e talvez servisse como tratamento constante.

Wanda precisava daquele abraço forte também.

Quando se desenlaçou do loiro, viu uma lágrima única escorrer por sua face pálida, assim como… Sentiu vislumbres de pensamentos perigosos em sua cabeça. Steve Rogers havia incumbido a si mesmo da difícil tarefa de devolver as Jóias do Infinito a suas linhas do tempos originais, a fim de preservar a continuidade delas. Já era complicado o suficiente, mas… Ele tinha outras ideias envolvendo Vormir e a Jóia da Alma.

Ideias envolvendo Natasha.

— Ah, Steve…

— Pietro disse que me viu.

— O que?

— Na viagem do tempo, em Asgard. Fui eu quem devolvi a Joia da Realidade na visão que ele teve… Ou eu ainda iria fazer isso. Então eu soube que essa era a minha missão.

— Sim, mas… O que você quer fazer depois disso é diferente. É arriscado.

— Eu sei. E é por isso que não quero deixar que ninguém mais faça. Wanda, por favor. — Ele segurou as mãos dela com carinho e firmeza. Tinha entendido que a Feiticeira havia captado seus pensamentos altos demais. — Não diga nada a ninguém.

Ela balançou a cabeça de leve. Não revelaria nada que ele não quisesse dizer por si próprio.

— É perigoso. Não prefere que… Eu vá com você?

Steve olhou para um ponto distante atrás de Wanda, onde Erik, Pietro e Natalya se reuniam, e depois lhe ofereceu um sorriso triste, breve.

— Você tem família, Wanda. Aproveite.

— Você também tem, Steve.

Ele sorriu de novo, concordando. De fato, tinha uma família ali, embora não de sangue, e a preocupação da jovem sokoviana lhe comovia o coração. No entanto, ele estava decidido.

— É por ela, Wanda. Se existe a possibilidade… Eu tenho que tentar.

A Feiticeira encarou os próprios sapatos por vários segundos antes de responder:

— Só… Não me faça ficar de luto de novo. — Apertou um pouco mais a mão dele. Lágrimas ardiam por transbordar a beirada de seus olhos enquanto ela suplicava: — Por favor.

— Ah, Wan. — Steve puxou-a para outro abraço. — Jamais vou querer te fazer sofrer.

No entanto, a Feiticeira Escarlate sabia que aquilo não era uma promessa. Não era nem algo remotamente perto de uma garantia de seu retorno. Era apenas uma constatação de que Steve se importava com ela e agradecia seus temores, mas ele não recuaria agora.

E, assim como Steve confiou em Wanda e a deixou partir no passado, ela teria que fazer aquilo também.

Doeu quando assistiu-o partir do funeral. Se fosse mais egoísta, ela apenas manipularia a mente dele para que não fizesse nada perigoso, porém isso seria tolice e maldade da sua parte. Decidiu então conversar com outra pessoa que precisava de seu apoio e por isto caminhou até Clint Barton, que admirava o lago com o cachorro ao seu lado, preso numa guia.

Lucky estava particularmente quieto naquela tarde quente. Clint também.

O arqueiro sentiu a presença de sua bruxinha e ambos permaneceram num silêncio agradável, observando a luz do sol ser refletida pela água. Wanda, além de vislumbrar sua aura e seus devaneios, era capaz de sofrer as emoções dele como se fossem suas. Culpa. Tristeza. Nuances de raiva e arrependimento. O Gavião Arqueiro pensava que deveria ter sido ele, não Natasha. Se sentia responsável pela morte da amiga e a cena do corpo dela se chocando contra as pedras do penhasco se repetia de novo e de novo em sua cabeça. Mesmo que ela tivesse dito que queria isso, que estava em paz… Não parecia certo.

Do mesmo modo que as palavras de Visão não reconfortavam a Feiticeira Escarlate. Ela ainda escutava seus gritos, enxergava a face sintética dele expressar o mais puro horror enquanto a magia de Wanda detonava sua cabeça. Tudo em vão. Ele morreu duas vezes na sua frente e era uma memória que estaria gravada para sempre em seu cérebro.

De repente, Clint soltou um suspiro forte, chamando sua atenção. 

— Eu queria que tivesse um modo dela saber que… — Ele estalou a língua, visivelmente emocionado. Wanda sabia a quem ele se referia. — Não foi em vão. Que nós conseguimos.

Ela o abraçou de lado, pensando em Natasha e no sintozóide. As baixas do grupo.

— Ela sabe. Os dois sabem.


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Notas finais do capítulo

*O Steve não vai desistir da Nat!

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela I.M.A. Caso encontre algum erro (seja gramatical ou de continuidade), favor reporte à Shalashaska.



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