Sacrifícios escrita por Shalashaska


Capítulo 11
Azul e Vermelho


Notas iniciais do capítulo

O reencontro ♥ pois nós já esperamos demais.



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17/10/2023

Complexo dos Vingadores, NY

18:12

Steve jamais pensou em lugar em conjunto com grupos tão diversos e tão poderosos. Os asgardianos eram disciplinados e letais, seguindo o exemplo de Thor no quesito brutalidade. Também usavam muito a voz, pois gritavam para extravasar o frenesi da guerra. Enquanto isso, os magos do Kamar-Taj usavam feitiços variados para defender aliados e imobilizar inimigos grandes demais; que geralmente sofriam os golpes finais de algum guerreiro wakandano. Ele viu a cor vermelha das Dora Milaje no campo e as naves de Wakanda no espaço aéreo; escutou o barulho de metal sendo retorcido, claramente um sinal de Magneto utilizando seus poderes.

O objetivo era a aniquilação total do exército adversário. Normalmente, Steve considerava tal medida algo extremo e até desumano, porém naquela ocasião não havia alternativa: era matar ou morrer. Sob hipótese nenhuma o Titã poderia pegar a Manopla para si.  Steve sentiu ossos alienígenas estralarem sob suas mãos sujas de sangue viscoso, membros de inimigos se destacaram do corpo devido ao impacto absurdo de Mjolnir. Mais de uma vez, o Capitão combinou a metade de seu escudo com o martelo para atacar e defender, embora o golpe mais fatal fossem os relâmpagos que invocava dos céus. Ele não parava um minuto e nem conseguiu conferir se todos que conhecia estavam efetivamente lá, como Wanda ou M’Baku. Não podia parar até que sobrasse apenas pó e o corpo inerte de Thanos acima de destroços.

Após um movimento arriscado com os raios, ele escutou a voz ofegante de Clint Barton pelo comunicador:

Cap? O que faço com as Joias?”

Então era ele quem estava com a Manopla. Não era sábio deixar Thanos vê-lo sequer de relance no campo de batalha. Deu uma última martelada num inimigo quadrúpede e se afastou de um foco maior de combate para responder:

— Leve o mais longe possível!

Não!” Bruce Banner se apressou a falar, usando o mesmo canal de comunicação. “As Jóias devem ser devolvidas de onde vieram.”

Todos conectados aos comunicadores ouviram um bafejo irritado de Tony Stark:

Não vai dar. Thanos destruiu o Túnel Quântico.”

Peraí.” A voz de Scott Lang invadiu a conversa. “Não era a nossa única máquina do tempo.”

Nem nos mais estranhos devaneios de Steve Rogers o ritmo de La cucaracha em um alarme de carro soaria como a mais divina salvação. A ideia era boa e inesperada, pois a van tinha um Túnel Quântico em miniatura na traseira. Ele deu mais um passo à frente, subiu em entulhos para conferir onde o veículo estava.

— Alguém mais está vendo uma van marrom e feia?

— Sim! — Valkiria, uma asgardiana, passou voando com seu  cavalo alado acima dele. Apontou sua lança para um ponto adiante. — Mas você não vai gostar de onde está estacionada.

De fato, existiam milhas de distância separando-os do veículo: um extenso espaço com destroços, corpos, pedaços de naves e armamento alienígena, sem falar do fogo e dos adversários que ainda estavam ali.

— Scott, em quanto tempo você consegue ligar a máquina?

Dez minutos.”

— Comece. Levaremos as Jóias até você. Ouviu, Clint? Todo mundo se prepara.

A ação tinha que ser coordenada, mesmo que nem todos estivessem com comunicadores conectados ao mesmo canal e, portanto, soubessem do plano que tinham acabado de formar. E onde estava o rapaz sokoviano, Pietro? Ele sim seria útil nessa corrida. Mas não adiantava perder tempo para localizá-lo: Com ou sem ele, o grupo faria o possível para concluir a missão e talvez isso mostrasse aos demais aliados o que estava se passando. Teriam que abrir caminho.

Steve lançou o martelo para longe, recomeçando a lutar contra os inimigos. Talvez tivesse que atrair a atenção de Thanos para si, o que era perigoso, mas necessário. Antes que avançasse muito, ele viu duas pequeninas figuras humanas voarem perto de si, ao mesmo tempo em que uma voz feminina falava no canal de comunicação:

“E não se preocupe, Scott. Hank irá prover um kit de partículas Pym para quem atravessar o túnel consiga se deslocar no tempo e voltar.”

Eram Janet Van Dyne e Hank Pym: a Vespa e o Homem Formiga originais. As chances de vitória dos Vingadores subiam a cada minuto. Steve sorriu ao ver as duas figuras partindo e então voltou ao combate. 

***

A única barreira entre o caos incandescente dentro de Wanda e o resto do universo, era a camada de sua pele. A Feiticeira ainda sentia a dor do golpe em sua nuca, feito por Proxima Meia Noite, ainda sentia seu tronco latejar por ter sido arremessada por Thanos. Pior do que isso, era seu espírito em frangalhos.

Estava ferida, exausta, confusa. Sua cabeça voltava à expressão de Visão morrendo pelas suas mãos apenas para em seguida morrer de novo.

Cada morte pelo estalo das Joias do Infinito tinha reverberado em seu coração, causando marcas profundas e, imaginava ela, irreversíveis. A realidade tinha sido distendida e remendada de modo que a metade da vida do universo apagou-se para jamais existir de novo. Wanda soube quando chegou o momento de partir para sempre. Tremia, como se para se agarrar pela última vez em qualquer coisa que fosse sólida, e ficou nos braços de James Barnes, esperando a inexistência apagar suas memórias de sofrimento.

E aquele momento chegou. Ouviu os protestos de Steve, a voz de Natasha; segurou bem as mãos de Bucky, numa maneira silenciosa de dizer que o amava. Ela fechara os olhos depois de ver seu pai, depois de assistir sua própria mão se desintegrar, e esperou sua carne tornar-se cinzas.

O vento soprou e de repente Wanda Maximoff estava ali de novo, sentada sobre a vegetação de Birnin Zana, capital de Wakanda. Existia algo errado em seu peito, é claro, algo fragmentado; mas era como se… Ela tivesse apenas piscado os olhos. O pior era não encontrar todos ali. Não havia o azul de Steve ou a cor rosa da aura de Natasha, nem mesmo Tony, Bruce Banner ou Rhodes; e seu pai, com seu rosto sofrido e olhos vítreos, também não estava lá. Não havia exército, fosse aliado ou inimigo, e nem o corpo inanimado de Visão jazia na terra. Só T’Challa, Bucky, Sam, tão confusos quanto ela estava; do outro lado do campo, ela encontrou poucos integrantes dos X-Men, como Ororo Munroe e Jean Grey.

Então, quando um portal faiscante surgiu no ar e Stephen Strange explicou que haviam se passado cinco anos, Wanda começou a tremer de novo. Segundo Strange, uma verdadeira guerra acontecia naquele exato instante no Complexo dos Vingadores e Steve necessitava de ajuda urgente. Wanda desejava primeiro saber onde Erik Lensherr estava, mas iria sim, ajudar o seu amigo e condenaria Thanos a toda dor que ele lhe infligira. Sua aura era vermelha, oscilante e visível a quaisquer olhos.

Talvez sua pele nem fosse barreira o suficiente para conter o caos que rugia em seu peito. Ela se separou dos amigos — até mesmo de James Barnes — quando todos foram transportados para o campo de batalha e pouco quis se ocupar com inimigos menores. Escutara a conversa entre Steve e os demais através do comunicador, que ainda estava encaixado em seu ouvido, então sabia do plano de levar a Manopla em direção à van. O objetivo era ajudar quem corria com as Joias naquele momento, no caso, o Pantera Negra.

Ela sobrevoou os escombros utilizando magia, esmagando quem estivesse no caminho, e enfim encontrou seu alvo: o Titã com armadura dourada, de voz calma e agressividade no rosto. Thanos acabara de atingir T’Challa, de modo que a Manopla caiu de suas mãos e ele avançava para recuperá-la antes que o inimigo a pegasse.

Wanda pousou entre Thanos e a Manopla com um movimento único, fazendo o chão tremer com a energia vermelha. Sua face estava torcida, suas íris e escleras banhavam-se em pura luz escarlate. Quando enfrentara Chthon, a Feiticeira não se recordava de transparecer sua fúria assim, latente em sua pele e em sua voz — pois tivera que ser astuta e controlada na ocasião — mas agora… Sentia seu sangue correr rápido e volátil, com a ira do próprio demônio.

— Você tirou tudo de mim.

— Eu não sei nem quem você é.

Ela riu da audácia.

Vai saber.

Através de seus poderes, ela ergueu dois blocos de concreto no ar e jogou-as contra Thanos. Mudar a realidade estava fora de cogitação, pois além da Manopla estar no mesmo ambiente — de modo que as consequências de utilizar suas distorções eram imprevisíveis e perigosas — Wanda desejava que Thanos sofresse. Não iria condená-lo a inexistência assim como fez com Zola ou Chthon, não: Iria feri-lo, iria fazê-lo sangrar e implorar, e então o mataria lentamente.

A magia escarlate ardia tanto que era possível ouvir o barulho à distância: soava como uma onda grossa, para então reverberar como estilhaços. O Titã não parou mesmo com o impacto do concreto contra seu torso, tampouco ela deixou de andar em sua direção. Invocou um imenso tiro de energia psiônica, depois mais outro e mais outro: Thanos foi obrigado a utilizar sua imensa lâmina dupla para se defender dos ataques.

Ao ver T’Challa recuperar a Manopla e voltar a correr, Wanda distraiu-se por um átimo de segundo e quase foi atingida na cabeça, tamanha era sua proximidade com o inimigo. Segurou a lâmina dele com seus poderes, inspirando fundo e depois sorrindo. Tolo. Thanos era um grande tolo se não achava que a Feiticeira Escarlate estava disposta a ser o monstro sanguinário que tanto ouviu que era. Tinha matado um aliado, não? Visão. Se ele a obrigou a matar, então agora teria que lidar com uma ávida assassina.

Com um golpe, ela afastou o Titã de si e arremessou sua lâmina para longe; Com a outra mão, ela gesticulou brevemente para mantê-lo suspenso no ar. Fragmentos do chão flutuaram junto, compondo uma cena bela de uma criatura sofrendo e energia vermelha envolvendo-a por inteiro.

Com apenas um movimento, a armadura dele começou a soltar de seu corpo, peça por peça, de modo que fragmentos fincassem em sua carne púrpura. Calor queimava-o junto com a magia. Lhe ocorreu então que poderia destroçá-lo aos poucos: a armadura pesada, então a primeira camada de sua pele, em seguida desfiaria uma a uma cada fibra de seus músculos junto com veias e artérias. Com deleite, Wanda o assistiu torcer o rosto em puro horror.

— Chuva de fogo! — Ele gritou, a voz agonizante. — Agora!

A Feiticeira Escarlate era menos humana e mais uma besta ao vê-lo sofrer, ao imaginar outras formas de obrigá-lo a implorar pela própria vida, no entanto, quando a nave de Thanos passou a disparar contra o terreno inteiro, ela ignorou a sua sede por sangue. Deu um salto largo para trás e ergueu uma forte barreira psionica, a fim de proteger seus aliados.

Ela era um receptáculo do caos e transbordava fúria; talvez merecesse o título de monstro e de ameaça. Mas, ela também clamava para si o título de heroína e não permitiria mais mortes enquanto estivesse presente. O escudo se alastrou por metros e metros, poupando amigos e completos desconhecidos, enquanto Thanos seguia em direção à Manopla.

Ela gesticulou mais um pouco, resgatando na memória um feitiço de proteção duradouro para manter o escudo, e em seguida parou. O tempo parecia se desacelerar enquanto todo som do mundo se calava. Na frente da jovem sokoviana, uma aura azul e prateada surgia, como se tivesse acabado de achá-la em meio à confusão após muito tempo:

Pietro Maximoff.

Ele sorriu e se aproximou com um ritmo calmo, aquele seu sorriso folgado e franco no rosto. A ferocidade de Wanda se apagou no mesmo instante, cedendo lugar a uma sensação vazia. Ela sentiu os joelhos tremerem, a boca balbuciar a palavra “irmão” em sua língua materna, lágrimas começaram a escapar de seus olhos. E mesmo que ele caminhasse em sua direção, a jovem quase cambaleou ao dar um passo para trás.

— Wanda...

Pietro chamou no tom que sempre usava, deixando escorrer aquela nuance de humor que costumava sair de seus lábios. Era a mesma voz que em suas lembranças misturava-se ao vento frio de Sokovia. O mesmo rosto que buscava na memória quando as noites eram muito pesadas e o sono já não vinha. Ela chorou e ganiu baixinho, dando outro passo para trás.

Não! — Disparou energia contra ele. — Saia!

— Wanda, sou eu!

Habilmente, aquela cópia de Pietro desviou de seus golpes, embora ela também tivesse a certeza de que já não mirava muito bem e não era mais capaz de lançar um tiro potente. Seus dedos tremiam e erravam os movimentos que lhe eram tão naturais para invocar magia. Aquilo que escapava de suas palmas agora mais parecia um truque de luz, inócuo e meramente ilustrativo. Ainda chorando, Wanda tentou se livrar de tão vil alucinação

Desapareça!

A Feiticeira caiu de joelhos, segurando a própria cabeça com as mãos. Lágrimas lavavam a luz vermelha de seus olhos, apagando sua cor aos poucos. Não tinha mais força para ficar de pé e só conseguia pensar o quanto a ilusão de Pietro era maldosa. Existia ainda aquele buraco em seu peito, a recordação iminente do que sentira quando seu irmão foi alvejado por balas e depois seu solitário e simples velório.

Resfolegou. Não era assim que Agatha Harkness havia lhe treinado e essa fraqueza não era algo que vinha de sua linhagem. Tinha que ser forte. Tinha que se focar, respirar fundo, e ver aquela aparição sumir. Ela franziu os cenhos, tentou controlar o choro e falhou miseravelmente. Pietro estava lindo. Trajava uma roupa de tons azuis e prata, tinha um óculos de proteção pendurado no pescoço. Deixara a barba por fazer, curta, enquanto o cabelo jazia alto e cheio no topo, mas um tanto aparado nas laterais. Um retrato perfeito de como ele seria um herói se… Se ele não… Estivesse a sete palmos de um cemitério em Novi Grad.

Wanda voltou a chorar indefesa, enquanto ele se aproximava cada vez mais. Céus, até a expressão de preocupação dele era igual. A ela, restou apenas pedir:

Por favor! Eu não… — Ela inspirou fundo, mas ele ajoelhou-se cuidadosamente na frente dela. — Eu não aguento mais.

— Sou eu, de verdade. Seu irmão mais velho.

Ele riu, pois sempre repetia que nascera doze minutos antes. Ergueu o braço devagar, entretanto aquilo a fez estremecer. A lembrança do tapa que recebeu de uma cópia de Pietro em 2017 alfinetava-a no fundo da cabeça. Franziu de novo o rosto e, no lugar da dor, recebeu o toque morno do irmão em sua bochecha esquerda. A sensação curou todos os seus fantasmas.

A pessoa à sua frente, o rapaz sokoviano de figura tão familiar, buscava encarar bem seus olhos, certificar-se de que aquele momento de fato existia.

Pietro…? — A Feiticeira choramingou, ciente que sua face estaria inchada e avermelhada. O verde de seus olhos, porém, era líquido. Timidamente, ela segurou a mão dele sobre sua pele. — Céus. Como…?

— Eu te encontrei. — Ele disse e Wanda só conseguiu armar um sorriso quebrado. Pietro abraçou-a forte. — Shhh, Wanda. Eu te encontrei.

A Feiticeira Escarlate amava seus amigos. Amava seu pai, seu namorado, sua mestra e sua tia. Os últimos anos — os anos que se recordava — foram difíceis em inúmeros sentidos e ela era grata por poder contar com tantas pessoas diferentes e, aos poucos, não se sentir tão terrivelmente sozinha. No entanto, lá estava Wanda, reduzida a uma menininha sensível de Sokovia, e dentro do abraço que mais queria na vida.

Tinha sido encontrada.

Derrubou mais lágrimas, coisas que nem sabia que estavam entaladas na garganta. Soluçou. Não se preocupava com o mundo externo, apenas com o calor de seu irmão e as saudades finalmente sanadas. Se tinha ideia de como ele estava ali? Não. E já não mais importava naquela vida estranha e absurda que Wanda vivia, nas encrencas que sempre se metia. Não significava que Pietro não tentou explicar, naquele seu jeito adorável e inconsciente de falar tudo muito rápido:

— Nosso pai ficou doido depois do estalo de Thanos, então ele e a Natalya decidiram que era uma boa ideia tentar trazer os mortos de volta à vida e... aqui estou.

Então ele sabia de Erik Lensherr. De tia Natalya. Wanda queria perguntar tudo o que acontecera com os mínimos detalhes; desejava escutá-lo falar em seu idioma natal por horas e horas, embora não fosse o momento apropriado. Ao fim, ela apenas acariciou suas madeixas e comentou:

— Seu cabelo… Tá mais branco.

— Olha, só nessa última meia hora qualquer um ficaria com o cabelo completamente grisalho.

Ela riu, um som verdadeiro e tão doce, o que fez a face de Pietro se iluminar mais ainda. Ele abriu um sorriso de lado, e então retirou algo pendurado na lateral direita de seu traje.

— Quero te devolver algo.

A expressão dela se derreteu. Ele já havia devolvido, pois ela sentia seu coração bombear inteiro dentro do tórax. Vermelho e azul, entre uma batida e outra. Metade de si, finalmente de volta.

Ele ergueu o objeto, quase um M de metal vermelho e polido. Colocou-a sobre o topo da cabeça dela, emoldurando-a com cuidado.

— Sua tiara.

Ah, Pietro…

Eles permaneceram assim, ajoelhados um de frente para o outro, observando o rosto que era mais caro a seus corações. Tentaram decifrar naqueles poucos segundos o passado recente que não viveram juntos, as dificuldades, sonhos e o sono perdido. Wanda ergueu a mão e Pietro segurou-a como sempre fazia, trazendo calor a seus dedos gelados. Ambos riram e choraram mais um pouco.

Até que o som de uma explosão no ar quebrou aquele instante. A nave de Thanos, que disparava incessantemente no campo de batalha, atingindo inimigos e aliados, foi atravessada por um cometa, ou melhor, uma pessoa. Os gêmeos se levantaram alarmados com o barulho e com a luz. Wanda apertou mais as pálpebras, observando a silhueta da mulher pairando no céu como uma pequena estrela. Tão rápido quanto destroçou a nave, ela zuniu em direção à Thanos.

— Quem é?

— Carol Danvers, tá do nosso lado. Olha, — Pietro voltou a colocar seus óculos de proteção acima do rosto. — Depois eu te atualizo de tudo, mas acho que o ideal agora é detonar esses caras. Tipo do jeito que você tava fazendo agora. — Sorriu. — Enquanto isso, eu…

Wanda segurou o pulso dele.

— Não, — Ela engoliu seco, nervosa. — Não vá.

— Você pode se virar, Feiticeira Escarlate. — Seu gêmeo debochou, tão lindo e tão azul.Wanda jamais conseguia ficar verdadeiramente brava com ele, mesmo com os deboches, mesmo com certas oscilações de humor. Amava-o e podia chorar só de colocar aquele sentimento dolorido em palavras. Tê-lo de volta e vê-lo partir era uma tortura. — É rapidinho.

Sua boca estava prestes a tentar convencê-lo a ficar quando outra voz cortou a conversa. Wanda sentiu outro arrepio, reconhecendo a cor familiar e intensa daquela aura:

— E você não tá sozinha.

Erik Lensherr desceu dos céus e pousou suavemente perto dos dois, para então caminhar suave até eles. Era uma visão rubra: O capacete era exatamente como ela se lembrava, o tecido pesado das roupas lhe conferiam um aspecto sólido, absoluto. Magneto inteiro exalava uma imagem de poder e decisão, mas em sua face Wanda enxergava apenas o rosto de um homem ferido e passional. Parecia ter voltado aquele exato instante em que Wanda sentiu sua própria alma se desintegrar, com o Erik assistindo-a com o rosto frágil, pálido e olhos vítreos. Encarava a tiara que ele mesmo fez para a filha.

Wanda deu um passo para a frente e proferiu a mesma coisa que havia dito antes:

Pai…  — Ela segurou suas mãos enluvadas, lágrimas querendo fugir de seus olhos de novo. Apesar da face dura como ferro, era notável que Erik pressionava a mandíbula, afetado pela emoção borbulhante dentro de si. — Cheguei a pensar que… Que o pior tinha acontecido.

Aconteceu. Eu perdi você por cinco anos. — Erik segurou seu rosto com carinho, afastando uma lágrima teimosa que escorreu por sua bochecha, enquanto ele próprio tinha os olhos úmidos, avermelhados. — Não teve um dia que não pensei em você, garotinha.

Ela comprimiu os lábios, a expressão inteira querendo desabar em prantos. Não aguentou e abraçou o pai forte, aspirando o cheiro ainda de fuligem e guerra no tecido de suas vestes. Não importava. Estava nos braços de sua família de novo.

— Eu te amo, pai.

Ouviu-o engolindo seco, beijando o topo de sua cabeça. E não demorou para outra pessoa se juntar ao abraço, lançando os braços em torno dos dois: Pietro.

— Eu também amo vocês.

Ela riu fraco, questionando sua própria sanidade. Aquilo estava mesmo acontecendo? Ou então realmente tinha morrido e encontrado o paraíso? Impossível dizer, embora fosse palpável. Um sentimento quente e eufórico subia e descia dentro de seu tórax e ela não acreditava que pudesse caber-lhe tamanha alegria. Se não estivesse realmente morta, a felicidade em suas veias poderia acabar por matá-la.

Desfez-se do abraço e viu ainda outra figura se aproximar.

— Tia Natalya!

Sim. — Ela sorriu. Sua face estava cansada, suja por poeira, mas ainda havia brilho naqueles seus olhos grandes e vulpinos. — E trouxe mais companhia.

Um portal trouxe a cor púrpura de Agatha Harkness, a mestra de Wanda. As vestes longas e lilases da bruxa ondularam com um movimento seu, deixando o perímetro mais seguro através de um único feitiço. Ebony, o gato preto, estava do seu lado sob sua forma imensa e bestial, pronto para o combate; e por fim veio um portal anelar e faiscante, do qual saiu o melhor feiticeiro formado pelo Kamar-Taj, Stephen Strange. Ele aproximou-se do grupo com cirúrgica precisão, a aura esmeralda e cristalina. Parecia ter muito o que falar com a Feiticeira Escarlate, mas pouco tempo:

— No passado… Você teve uma sensação que culminou no estalo em 2018.

Ela assentiu. Foi na biblioteca do Kamar-Taj, antes de Wanda partir para sua missão de derrotar Chthon. Na ocasião, ela estava disfarçada, mas Strange viu através de sua magia e sentira a mesma familiaridade. Agora ambos sabiam que era o reconhecimento de Wanda, tocada pela Joia da Mente, com outra Jóia do Infinito pendurada no amuleto do Mago Supremo. Além disso, houve algo mais, um pressentimento do futuro: o estalo que ocorreu um ano depois.

— Agora me diga, senhorita Maximoff, o que sente agora?

Ah, o caos dentro dela ronronou. De novo suas íris foram tomadas pela cor escarlate, à medida que seus cabelos ondulavam mesmo sem vento. O que ela sentia agora? Euforia. Ira. Sentimentos opostos e violentos.

— Vingança. Vitória. — Encarou diretamente o rosto anguloso do outro feiticeiro. — Fim de jogo.

Pietro uniu as mãos de repente, provocando um som que cortou a tensão do momento.

— Bom, — Ele abriu um sorriso tolo e forçado, dando um passo para trás. — Já que as pessoas que gesticulam pra usar poderes se encontraram, eu… Tenho que correr. Parece que o resto do time tá jogando um tipo de… Futebol americano com a Manopla. E vocês sabem que eu sou o melhor corredor daqui.

Isso era inegável, mas o rosto de Erik Lensherr denunciava incompreensão.

— Temos que lançar as Jóias  no Túnel Quântico da van. Você não ouviu nada pelos comunicadores?

— Hã, eu… — Pietro inclinou a cabeça, seus pensamentos velozes. Wanda captou-os de leve através de sua telepatia e riu: seu irmão tinha jogado os comunicadores fora, substituindo-os por fones de ouvido. — Tava ouvindo música.

Magneto fechou as pálpebras, desacreditado. Aquele era seu filho estúpido e adorável, não é? Strange balançou a cabeça com o breve descompasso familiar, enquanto Natalya e Agatha riam baixinho. Por sua vez, a Feiticeira Escarlate adiantou-se para frente quando ele disse:

— Até já.

— Pietro… — Pediu, antes que ele partisse. — Volte.

Seu irmão lhe ofereceu um dos melhores sorrisos.

— E eu já não voltei?

O coração dela bateu mais morno. Sim, ele tinha voltado para ela e Wanda desejava que seu gêmeo voltasse de novo, sempre, sempre. Assentiu com suavidade e deixou-o partir. Teria o resto de sua vida com o irmão, mas agora tinha que se focar em salvar o mundo para que aquele doce futuro existisse. E se algo ficasse em seu caminho… A cor escarlate em Wanda seria mais do que sua magia.

Seria sangue. 

***

Um, dois; um, dois.

O ritmo de Pietro Maximoff se confundia com o compasso de “Sweet Dreams'' tocando em seus fones de ouvido. Talvez tenha sido realmente bobagem jogar fora os comunicadores, pois não ouvia e nem falava com nenhum dos colegas conectados no mesmo canal de áudio. Portanto, ele não sabia o que estava acontecendo até encontrar Wanda e observar com calma a movimentação de seus aliados. O campo de batalha era frenético e confuso, com inúmeros desníveis de terrenos, obstáculos e coisas terrivelmente inesperadas, como poças de sangue viscoso de alienígenas.

Ou seja, correr era uma atividade perigosa.

Quando corria, o cenário ao seu redor parecia desacelerar. A face das pessoas adquiriam aquela lentidão engraçada ao se retorcerem em expressões que duravam poucos segundos; suas gotículas de suor se deslocavam muito demoradamente no ar. Não significava, porém, que não existiam riscos. Trocar de rumo em velocidades absurdas era algo especialmente complicado, ainda mais com um chão tão desnivelado e sua cabeça sendo forçada a processar milhões de estímulos simultaneamente. Ouvir música costumava lhe conferir certo tipo de foco, o que era preferível no momento.

Embora não resolvesse tudo.

Mercúrio cruzou o caminho com incontáveis inimigos, retirando lanças e armas de suas mãos esquisitas ou empurrando-os sutilmente para o lado, onde receberiam algum golpe. Não ocupava sua mente com a ética daquilo; só queria que aquele desastre terminasse para voltar ao abraço gostoso da irmã e poder lhe contar coisas estranhas, como o romance não admitido entre o pai deles e Natalya Maximoff. Assim, não era difícil para ele atrapalhar seus adversários de forma divertida e letal enquanto uma playlist dos anos 80 ressoava em seus ouvidos.

O cenário se desenrolava um pouco de cada vez. Os raios púrpuras invocados por uma mulher de cabelos brancos, possivelmente a famosa Ororo Munroe, se confundiam com o azul dos relâmpagos de Thor e Steve Rogers, e desciam em cascatas violentas até atingirem o chão. Pietro correu mais um pouco, desviando das descargas elétricas ainda no compasso da batida, viu Pepper Pots trajando uma armadura azul marinho e disparando mísseis no céu. Loucura. Existiam outras figuras no campo de batalha, como Scott Summers disparando lasers, Kitty sendo empalada sem se machucar, e gente que Rocket parecia conhecer e se importar profundamente, como a criatura-árvore e uma garota de gestos estranhos, olhos pretos e antenas. Ele tocou na ponta de uma delas para conferir se era real, depois voltou a seu rumo.

O objetivo era chegar até quem estava com a Manopla do Infinito, causando o pior caos entre o exército de Thanos; ajudando os aliados e — Por que não? — e se divertindo um pouco no meio de tudo aquilo. Depois ele próprio poderia levar a Manopla e terminar a missão. Foi deste modo que ele enfim chegou perto do namorado da sua irmã, o tal do James “Bucky” Barnes. Pietro comprimiu os lábios observando-o utilizar uma arma semiautomática para metralhar as criaturas quadrúpedes que se aproximavam. Ele, de fato, tinha um braço metálico muito maneiro e até parecia um sujeito legal, mas o jovem sokoviano mal esperava a oportunidade de atormentá-lo. Como Bucky tinha sido um bom namorado para Wanda, Pietro decidiu lhe dar uma chance e o ajudou: notou que seu cabelo caía sobre os olhos e ajeitou-o num penteado improvisado, meio preso com um coque pequeno na parte de trás. Quando mais novos, Wanda cortava seu cabelo e Pietro ocasionalmente a ajudava com alguns penteados, então ele podia afirmar que sua obra estava... Perfeita. Ele soltou um estalo de satisfação e partiu.

A Manopla estava com um rapaz vestido de aranha, que se balançava em teias e pegou carona com Potts e sentou na garupa de um cavalo alado antes de ser arremessado com força de volta ao chão. Pietro correu até ele e enfim parou.

— Hey, cara.

— Oi. — Ele respondeu, sua voz jovem e o rosto descoberto da máscara. Não parecia ter muito mais que quinze anos e estava ferido em múltiplos pontos. — Me chamo Peter Parker.

— Engraçado. — Ele repetiu uma coisa que disse há muito tempo, para  outra pessoa. Achava interessante esbarrar com quem  tinha nome semelhante. — Me chamo Pietro.

Peter levantou, agarrado com a Manopla. Encarou o resto do exército de Thanos adiante, uma quantidade terrível. Além do mar de criaturas, existiam tanques de guerra adiante e, mais a frente, as naves triangulares fincadas no solo. No meio de tudo aquilo, a van. Era óbvio que, apesar do rapazote querer fazer a coisa certa, o instinto do medo latejava em sua cabeça. Pietro não o culpava e queria poupá-lo.

— Vamos, cara. Vou terminar essa corrida pra gente, que tal?

— Tome cuidado.

O sokoviano assentiu. Pegou a Manopla com cuidado e voltou a correr, um passo de cada vez. Não estava tão longe assim e Scott Lang já tinha conseguido ligar os sistemas do Túnel Quântico, enquanto à pouca distância estava Carol Danvers trocando socos com Thanos. Bastava chegar até a van.

Ele só não contava com a velocidade e a precisão absurda dos canhões dos tanques alienígenas. Parte de sua cabeça cogitou que foram projetados para serem tão eficientes porque faziam parte de artilharia contra naves espaciais, estupidamente rápidas também. A outra parte de sua cabeça foi obrigada a concluir que estava em sério perigo quando um tiro quase lhe atingiu. Pietro derrapou e desacelerou, mas teve que continuar se movendo antes que um disparo arrancasse seu crânio fora ou então algum outro alien qualquer devorasse suas pernas.

Ele xingou e depois viu que era uma pessoa idéia xingar enquanto tentava correr. O gosto de fuligem invadiu a sua boca, enquanto suas pernas decidiam se iam para um lado ou para outro. Não fazia diferença, pois os tiros eram rápidos e ele escapava por milímetros, talvez por pura sorte. Nem mesmo conseguia enganar os tanques a atirarem no próximo por acidente, fato que o fez supor que tinham algum sistema matemático capaz de praticamente prever suas rotas. Pietro não estava acostumado com adversários tão ou mais velozes do que ele e o fato de correr num terreno tão ruim o deixava inseguro para arriscar um movimento diferente.

Parou por um instante, tentando conferir se existia algum aliado por perto. Poderia passar a Manopla e então distrair os tanques para que alguém continuasse a missão com mais segurança. Quando encontrou uma figura a poucos metros, colocou as pernas para funcionar e se foi.

Pietro não foi atingido, mas o disparo que acertou o chão a sua frente provocou tamanho impacto que o fez voar. Atravessou parte do campo de batalha no ar, de repente o mundo era mais veloz do que o próprio velocista. O mutante segurou forte a enorme Manopla e sorveu o sabor de sangue na boca devido ao impacto bruto contra o solo. Rolou entre fragmentos de naves espaciais, vidro e concreto. Quando afinal parou, metros e metros de onde estava, o raciocínio de Pietro estava zonzo, sem saber se tentava checar se quebrara algum osso ou se ainda jazia em risco iminente. Aquilo lá na frente era o brilho vermelho de Wanda, detonando os tanques? Impossível dizer com sua cabeça zunindo daquele jeito.

Felizmente, alguém lhe estendeu o braço para pegar a Manopla: Nebula.

Ele inspirou fundo e tentou falar com sangue na boca.

— Você é a Nebula boazinha, certo?

— A outra não merecia viver.

Ah.

Talvez nenhuma delas fosse exatamente boazinha. Ainda assim, ele conseguiu confiar no rosto impassível da andróide azul, pois a honestidade em sua voz era nítida e, além disso… Scott Summers havia dito que a outra Nebula, a que trouxe Thanos, estava morta. A Nebula que conhecia estava do lado deles.

— Eu fico com isso.

Deixou-a pegar a Manopla, enquanto ele próprio tentava se erguer. Pela dor que sentira no processo, a chance de ter ao menos trincado alguma coisa era real. Ele apertou os olhos, observou o terreno adiante. Mesmo com Wanda se ocupando com os tanques e com as naves chitauri — pois agora tinha certeza de que era a sua irmã invocando o inferno lá na frente — havia muitos outros inimigos, sem falar que a luta entre Danvers, Steve, Tony e Thor contra Thanos parecia cada vez mais acirrada.

Faltava-lhes tempo e Pietro não iria mais conseguir correr.

— E como você vai passar por tudo?

Outra figura surgiu, desta vez uma mulher da mesma altura que Pietro, porém de pele esverdeada, com desenhos finos num tom mais claro ao redor dos olhos e nas maçãs do rosto; o cabelo longo, de pontas arroxeadas. Ele a reconheceu dos arquivos de Rocket: Gamora.

A mulher ficou ao lado da andróide e respondeu a questão de Pietro por Nebula, encarando-a.

— Ela tem uma irmã.

Mais aliadas surgiram: A moça asgardiana no cavalo alado, Pepper Potts, a alien com antenas, outras duas com trajes com asas de inseto, Psylocke e mais outras mutantes — a de cabelos brancos que soltava raios e uma ruiva que tinha telecinese — Shuri e, por fim, a general de Wakanda, Okoye.

— E elas não estarão sozinhas.

Gamora e Nebula se entreolharam. No instante seguinte, passaram a correr.

 


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Notas finais do capítulo

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela I.M.A. Caso encontre algum erro (seja gramatical ou de continuidade), favor reporte à Shalashaska.



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