Sacrifícios escrita por Shalashaska


Capítulo 10
Estilhaços


Notas iniciais do capítulo

Em virtude de um aspecto legal no episódio de Wandavision, tô postando hoje ♥ Boa leitura! Nos vemos nos comentários ;)



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17/10/2023

Complexo dos Vingadores, NY

17:52

Pietro somente não xingava mais porque pó e fumaça enchiam suas narinas e boca. Tossiu, resfolegou, sentindo o ardor de pequenos arranhões sobre a pele do rosto. O pior era o peso de sua cabeça. Estava zonzo, desorientado, com uma memória nada gentil martelando sua nuca: O jantar do shabat em Novi Grad. O míssil atravessando o teto. O buraco no chão e seus pais mortos. Ele tossiu e tossiu de novo, tentando expelir as cinzas e as lembranças do pulmão. Tentou se focar no aqui e no agora, embora sua mente saltasse entre o passado e o presente, entre um ponto dos escombros e outro.

Sua sorte era estar usando óculos de proteção na hora, o que servia geralmente para ajudá-lo a minimizar o atrito com ar nos olhos durante corridas. Com o corpo encaixado entre pedaços de concreto, ele levantou o tronco e foi capaz de limpar a lente dos óculos com o dedão. Continuou um tanto embaçado, então ele decidiu tirá-lo, deixando-o pendurado no pescoço. Apesar da dor em várias partes do corpo, que certamente lhe deixariam hematomas arroxeados, não tinha sido atravessado por nenhuma estrutura de metal ou esmagado pelo piso que veio abaixo. E, se não fosse por Psylocke estar perto de si e ter seguido uma barreira de energia, sua situação teria sido muito pior.

Betsy? Você tá bem?

Não muito distante, pouco além de móveis destruídos, ele viu uma luz roxa psiônica formar uma lâmina.

— Se me chamar assim de novo, vou te empalar e dizer que foi culpa de um destroço da explosão.

Então ele soube que Psylocke estava sã e salva. Ouviu-a tossir também, enquanto ele próprio tentava sair da posição em que estava. O processo foi lento, gradual e doloroso, até que enfim se viu de pé sobre pilhas de destroços e um resto de tapete. Calculava que tinham descido pelo menos três andares. Andou na direção de Elizabeth Braddock, para ajudá-la a sair de onde estava, e disse:

— Que caralho foi esse?

— Eu não sei, porra. Mas acho que… — Ela ergueu o tronco devagar, fazendo uma careta. — Urgh, acho que tem a ver com aquela andróide.

Nebula?

— Sua tia achou o comportamento dela estranho. Scott prometeu investigar.

— Bom, ele deve ter encontrado alguma coisa. — Respondeu, sem humor nenhum. Não achava Nebula lá muito divertida, mas não a odiava e sequer pensaria que ela era capaz de algo pior do que seus comentários ácidos. Na verdade, pelo o que o jovem se recordava, Tony nutria certa afeição por ela e até mesmo levava-a ocasionalmente para ver a filha. Não havia razão aparente para tamanha mudança e traição.— Ou essa coisa nos encontrou. Será que os outros…? Precisamos encontrá-los. — Ele sentiu um sopro no peito. — Merda, meu pai. Natalya.

— Olha, eu não posso falar por todos, mas… — Ela aceitou a mão dele para içar o corpo para cima e se levantar, afinal. —Erik e Natalya vão ficar bem. Esse lugar tem mais metal do que imagina e sua tia também é uma feiticeira competente. Vá ver Kitty. E Emma… Elas precisam mais de você.

Assentiu, pensativo. A equipe inteira usava comunicadores o tempo todo numa norma de segurança, fosse embutidos nos trajes ou, mais comum, os fones; no entanto, ali dentro eles utilizavam a rede fornecida pela própria estrutura do Complexo. Uma vez destruído, alguém teria que configurar um acesso remoto para os comunicadores voltarem a funcionar e talvez Tony Stark não estivesse em condições para tal atividade. Falar um com o outro se tornou impossível remotamente, mas Psylocke não precisava disso. Sua consideração fazia sentido e Elizabeth tinha a vantagem de possuir telepatia dentre suas habilidades; Desta forma, Pietro confiou em seu julgamento. Erik e Natalya ficariam bem.

— E você?

Pyslocke invocou a energia psiônica roxa com as duas mãos, iluminando os contornos dos móveis espalhados e paredes demolidas.

— Eu vou fatiar meu caminho pra fora. Checar os outros. — A intensidade de seus poderes era tal que até mesmo aquele fascinante formato de borboleta, feita de energia, surgiu ao redor de seus olhos, acima do rosto. — Me esperar vai te atrasar e acho que não temos tempo.

— Tá. Não morra.

Ele colocou os óculos de novo, preparando-se para partir o mais rápido que pudesse — mesmo que correr fosse uma atividade arriscada entre tantos desníveis e apoios frágeis. Não seria tão veloz assim. Já vestindo as lentes um tanto embaçadas ao redor dos olhos, Pietro viu o sorriso breve da amiga.

— Tente não morrer também. Eu odiaria ter que contar isso pro Erik.

Ele riu de volta.

— É, eu odiaria morrer de novo.

Despediram-se com um aceno breve. Psylocke seguiu em direção à ala leste, realmente usando seus poderes para abrir um caminho, enquanto Pietro virou-se para a direção oposta e observou quais superfícies pareciam seguras para andar por cima. Após um breve cálculo sobre a possibilidade de sua segunda morte, ele soltou um estalo impaciente com a língua e se pôs a correr como podia. Além de ver Kitty, além de ver Emma e todos os demais que foram atingidos por aquela sequência absurda de explosões, existiam mais coisas que Pietro tinha que recuperar.

A ala leste não estava inteiramente comprometida. É claro que existiam pedaços irreconhecíveis e fragmentos de objetos e equipamentos que na verdade ficavam a pelo menos dois andares de distância, mas Pietro não podia parar. Sua velocidade tinha sido consideravelmente reduzida por causa do piso irregular, sem falar nos andares misturados uns com os outros: buracos em buracos ainda maiores. Não encontrou mais ninguém no caminho e aquilo o preocupava. O que quer que tivesse lá fora era grande e desejava-os definitivamente mortos. Talvez tivesse conseguido. O fato é que uma hora Pietro teria que sair dali e enfrentar uma nave espacial enorme com artilharia pesada seria, no mínimo… Complicado.

Parou no meio do que restava do amplo cômodo.

Onde estava aquela mutante chata? Pietro já tinha que tê-la encontrado naquele ponto. Chamou-a num canto, sem resposta; gritou seu nome do outro lado e nada.

— Kitty? Kitty, sou eu. — Correu de um ponto a outro. — Onde você tá?

Suor escorria pelas suas têmporas. Começou a prever o pior, mas uma voz fina ressoou longe, quase como um miado indistinto:

Céus. Aqui, por favor.

Pietro girou os calcanhares no próprio eixo. Sem encontrar nada de diferente com os olhos, exclamou:

— Fala de novo.

— Aqui, Pietro! — Ela repetiu, agora mais alto. — Rápido.

Correu na direção da voz e finalmente a encontrou: Kitty Pryde estava de joelhos no chão, praticamente esmagada pelo piso de cima. Ferragens atravessavam seu tórax, abdômen e ombros sem machucá-la, pois utilizava seus poderes de intangibilidade. Porém, o horror e a urgência em seu rosto faziam da visão um tanto… Desconcertante.

— Ah, mas você tá bem.

Ela sacudiu o rosto negativamente, assustada. Foi quando Pietro viu uma das mãos esticada para o lado, segurando a ponta de uma cauda amarela: Lucky. Se ela não estivesse usando suas habilidades naquele instante, o cachorro estaria com as vértebras trincadas e possivelmente o tronco entrecortado pelos encanamentos. A questão é que o cão mexia as patas dianteiras, tentando escapar pelo outro lado, e usar os poderes para deixar outro ser intangível era ainda uma manobra árdua para Kitty. Estava presa. Ela não conseguia puxá-lo de volta e se o soltasse… Imediatamente o corpo do animal ficaria entre concreto, metal e madeira. Morreria na hora.

— Eu não consigo segurar por muito tempo. Lucky tá se movendo muito.

Pietro xingou baixinho.

— Não solta, ok? Vou tirar as coisas de cima dele.

O labrador estava com tanto medo que só gania e se movia, cada vez mais perigosamente perto de soltar a cauda da mão de Kitty. Pietro se apressou em mover os destroços pesados; moveu as placas de piso quebradas e afastou o encanamento o máximo que podia. Levou alguns minutos, mas enfim o cachorro pôde se levantar dos escombros sem morrer.

— Bom garoto!

Pietro ajoelhou-se para agradá-lo, recebendo algumas lambidas de agradecimento. Kitty, por sua vez, respirou com alívio e se afastou de onde ficou parada todo aquele tempo, aproximando-se do velocista.

— Obrigada.

Ele soltou um estalo com a língua. Implicar com a moça era um passatempo divertido, mas não iria cobrar por uma missão de resgate e nem a faria se sentir mal por precisar de ajuda. Apenas levantou-se, mantendo o cachorro ao seu lado.

— Não esquenta com isso. Cadê o Ebony?

— Eu não sei. — Ela fez uma expressão chorosa. — Aconteceu tudo muito rápido e…

Eles ouviram o rangido vertiginoso de algo acima deles. Pietro segurou Kitty e o cachorro, para levá-los dali, e Kitty segurou os dois de volta, para torná-los intangíveis por tempo o suficiente. No entanto, quem salvou o trio de serem esmagados por mais destroços do andar de cima foi uma mancha preta. Era enorme e soltou um rugido ao empurrar o concreto com seu próprio corpo. Depois, parou perto deles e ronronou.

Ebony.

— Oh. Dessa eu não sabia. — Pietro se afastou de Kitty e de Lucky ao erguer o braço para acariciar o felino. Era o mesmo Ebony arteiro, cheio de vontades e que sempre queria roubar doces, no entanto tinha aumentado de tamanho dúzias de vezes. Natalya comentara que ele tinha outras habilidades, mas Pietro nunca viu nada muito além da manha dele. — Você é mais que um gato, não?

Outro ronrom. Em seguida, Kitty interrompeu o momento para questionar coisas mais pertinentes:

— Isso foi o estalo das Jóias? Aconteceu algo de errado?

— Não, foi uma nave alienígena. — Disse ele, impressionado que aquela frase tão estranha não fosse um mero deboche. Era a mais pura verdade. — Acho que fomos traídos. Talvez pela Nebula.

Houve uma pausa para a mutante absorver a informação e as consequências disso. Ao fundo, outros dois vieram: trovoadas. É claro que não houve dúvidas ao concluírem que se tratava do deus nórdico usando seus poderes lá fora. Quando ela levantou o olhar para ele, Pietro emendou:

— Consegue sair com eles em segurança? — Indicou Ebony e Lucky. — Esse lugar pode ceder a qualquer momento.

— Acho que sim.

— Eu vi um caminho livre pela esquerda, mas toma cuidado. Não sabemos o que estamos enfrentando, então bota esses poderes pra funcionar.

— Tá, mas… Lucky é só um cachorro e tá com medo. Não sei se consigo manter nós três em segurança o tempo todo. Ainda mais se algo vier atrás da gente.

— Primeiro vamos ver se todo mundo tá bem, ok? Tenta ficar escondida até eu voltar ou então encontre mais alguém. Daí eu tiro ele daqui.

Ela suspirou, sem muita alternativa.

— Tá bem.

— É, — O jovem sokoviano riu e acariciou o pelo escuro do imenso felino. Só pelo tom ácido de sua voz, a outra mutante estreitou os olhos. — Acho que só posso contar com o Ebony nessa.

— Pietro!

Mas ele já tinha saído correndo.

Antes de procurar por Emma Frost, Pietro se orientou pelos restos das estruturas para encontrar a área dos dormitórios, ou o que sobrou deles. Com cuidado, ele desceu um nível e caminhou por ladrilhos fragmentados e vidro moído, abismado por quanto o cômodo conhecido havia se tornado só uma memória difusa. Água das tubulações escorria aqui e ali, trazendo som ao cenário silencioso. Mas ele já tinha passado por isso, não? Explosões, ruínas. E tinha sobrevivido.

Buscou em cima e embaixo, de um lado e de outro. O local era menor e mais estável de utilizar sua velocidade, portanto Pietro não passava de um borrão azul ali dentro. Ao fim, achou o que tanto queria: a tiara de Wanda Maximoff. Respirou aliviado, pronto para voltar à sua missão de conferir o estado de Emma Frost, quando algo mais capturou seu foco:

Seus preciosos fones de ouvido, sãos e salvos.

Geralmente tanta sorte assim lhe deixaria desconfiado, entretanto Pietro não quis pensar muito nisso. Tirou os aparelhos do pequeno estojo e optou por ouvir uma música num volume baixo, pois não queria ficar alheio ao que acontecia ao seu redor. Isso poderia matá-lo. Ainda assim, o momento merecia certa… Trilha sonora.

Ele apertou o play e partiu.

***

Estava escuro e quente ali embaixo. A sequência de explosões e o desmoronamento haviam acabado há alguns minutos, porém levou muito mais para Erik Lensherr colocar os pensamentos no lugar. Soube que Natalya estava perto de si e afundara junto com ele; se não fosse a atuação de magia de proteção dela, só o seu capacete de metal não seria o suficiente para mantê-lo vivo. Um pouco de luz adentrava no espaço onde estavam, vindo de fissuras do alto, e ele podia ouvir o barulho de água dos encanamentos estourados. Isso era um problema. Com a fiação do sistema elétrico arrebentada, o contato da água com esses fios expostos poderia eletrocutá-los severamente.

E ele não tinha sobrevivido a tanta coisa para morrer ali.

Todos foram pegos de surpresa e Natalya não estava mais tão habituada a combates rápidos. Apesar de seu escudo de proteção ter sido efetivo, Erik a ouviu gritar pelo esforço. Ele, por sua vez, fez o que pôde para arrastar metal para envolvê-los num estranho casulo, de modo que agora sim jaziam relativamente seguros. Aproximou-se dela, apoiada em pedaços de concreto, e observou sangue escorrendo de seu nariz e de um ponto de sua testa.

— Natalya. Natalya, acorde. — Ele tocou no rosto da feiticeira, tentando ver o brilho de lucidez e foco em seus olhos. — Preciso de você consciente pra sair daqui.

— Erik…

Natalya piscou demoradamente seus longos cílios, recobrando a atenção. Demorou até respirar mais forte e tentar erguer o corpo.

— Consegue ficar de pé?

— Eu não consigo nem pensar.

Bobagem. Vamos…

Mas ela estava ainda muito mole, quase uma boneca. Tentou segurar o ombro dele para se levantar, porém não teve força para içar seu próprio tronco. Falhou logo em seguida, voltando a sentar com um resmungo dolorido.

Erik xingou baixinho, conferindo se havia algo quebrado nela. Não parecia e ele não sentia nenhum pedaço de metal a perfurando, o que lhe trazia certo alívio no peito. Ainda assim, existia irritação em sua voz:

— Não deveria ter se arriscado. Há metal o suficiente para que eu me protegesse e foi o que fiz.

Ela franziu os cenhos, depois ancorou aqueles seus olhos espertos na figura dele.

— É, mas o metal incrustado na estrutura não responderia tão rápido, huh? E não respondeu.

Odiava o fato dela estar certa, pois o metal levou tempo para obedecer seus comandos. Não era tempo demais, mas poderia ter lhe custado a vida. Mais do que odiar o fato dela estar certa, odiava vê-la ferida.

— Por que fez isso? Veja seu estado agora.

A outra só soltou um suspiro exausto e irritado.

— Seja grato.

— Eu sou grato! E estou cansado de você ser sempre evasiva em suas respostas. Por que fez isso?

Silêncio.

Primeiro, Natalya estreitou as pálpebras, pensando nas palavras do mutante e em seu tom de voz. Aquela aparente agressividade falhava em esconder a sensação de impotência frente a respostas dúbias, a aflição de Erik em vê-la ferida ao tentar protegê-lo. Ela o salvou por quê? Por que era o certo? Por puro instinto? Ou por algo mais, um sentimento sem nome?

A consciência da mulher clareava e isso era notável em sua expressão. Estavam falando deles.

— Então é isso? Você quer conversar sobre isso aqui, agora?

— Tem algo melhor para fazer enquanto tentamos sair de metros de concreto?

Ela riu fraco, como se o humor da situação fosse aparente, apoiando uma das mãos nas têmporas. Ajeitou os cabelos para trás, num gesto tão familiar à Erik, e disse:

— Eu acho essa sua rigidez adorável.

— E eu considero essa sua tranquilidade irritante.

Natalya sorriu em silêncio, a curva de seus lábios puxadas para cima na expressão que fazia quando palavras tentavam jorrar pela sua boca. Sacudiu um pouco o rosto, negativamente, e voltou a encará-lo como se tudo fosse claro, palpável e óbvio, mas Erik cego. Com paciência, ela questionou:

— Eu preciso dizer mais alguma coisa para você entender?

Seu coração perdeu o ritmo entre a sístole e a diástole, porém Erik soube disfarçar o impacto  que aquela afirmação causava em seu peito. Piscou, engoliu seco.

Não. Mas eu quero ouvir.

— Para quê?

— Para ser real, acredito.

Ela olhou para os próprios joelhos, calada. Erik soltou um estalo com a língua e lhe deu as costas, tateando o ambiente com seus poderes magnéticos a fim de encontrar uma saída. Seus poderes, que talvez tenham sido mais lentos para protegê-los anteriormente, agora eram a ferramenta perfeita para saírem de lá com segurança. Sem falar que essa era uma boa forma de encerrar a discussão. Não achava que ela fosse lhe responder mais nada e, em seu íntimo, admitia que aquele momento e local eram impróprios. No entanto…

Parte de si queria a confirmação de que ela não tinha se arriscado apenas por dever ou instinto, pois assim ele saberia que aquilo que criava raízes dentro de si também atingira-a. Conhecia Natalya há cinco anos, por intermédio de Wanda. Ela esteve ao seu lado em momentos felizes, como comemorações com a filha e jantares, e também esteve ao seu lado durante meses de luto. Foi ela quem trouxe Pietro de volta.

Erik não saberia dizer com todas as palavras a razão dele pensar nela diferente em relação a como pensava em outras pessoas, mas existia uma sensação distinta quando Natalya estava presente: Ele podia se sentir mais um pai preocupado demais com os filhos do que uma pessoa marcada pela dor; de repente ele era apenas alguém fissurado por horários e demasiado irascível do que um líder de uma nação. Com ela em sua vida, ele podia ser somente Erik: temperamental, severo, talvez um tanto incoerente e, sobretudo, passional.

Melhor esquecer, pensou. Não existia terreno fértil nas quatro cavidades de seu coração. Então ela disse, a voz muito frágil atrás de si.

— É real, Erik. — Suspirou, derrotada. Seu sentimento por ele agora jazia tangível, dito e cristalizado. — É real. Satisfeito? Uma confissão de uma mulher sangrando abaixo de escombros. Pode rejeitá-la agora.

— Eu não vou.

Uma pausa incômoda, tensa.

— Por que?

Ele virou o rosto de leve, para encará-la brevemente antes de voltar a usar seus poderes. A face dela jazia incrédula, os olhos muito brilhantes mesmo na penumbra. Talvez ela esperasse desprezo, silêncio... Mas não que a recíproca fosse verdadeira. Erik desanuviou a expressão e respondeu.

— Porque é real.

***

Scott sentiu a respiração sôfrega de Emma sobre si. Estava escuro e a lembrança dos últimos minutos veio de repente em sua cabeça. Havia pó e pouco espaço, seus ouvidos ainda ardiam com o zumbido das explosões. Nebula. Nave. Tiro. Míssil.

— Minha nossa. Emma, você…? — Os óculos dele ainda estavam no lugar, o que era bom. Enxergou os contornos da telepata acima dele, protegendo-o de ferragens em sua forma completa de diamante. Isso explicava como tinham sobrevivido ao impacto e ao desmoronamento. Falta apenas arranjar uma forma de sair debaixo dela e as coisas. — Ah, você tá bem. Obrigado, querida.

Ela não respondeu, apenas respirava pesado. Scott segurou o rosto dela com cuidado, tentando enxergá-la melhor entre tanta escuridão. Inclinando seu pescoço levemente, um raio de luz incidiu em sua bochecha lapidada e refratou por dentro de seu corpo inteiro.

— Emma?

A telepata soltou um arquejo engasgado, como quem queria começar a chorar, mas se segurava. Foi neste momento que ele viu veios em sua superfície cristalina, fissuras. Vinham desde o ponto onde o tiro tinha se cravado em seu corpo.

Ela estava trincada.

***

Ao fechar sua mão sobre o cabo do Mjolnir, Steve Rogers tinha apenas uma certeza: Ele não iria falhar de novo. Não gastou muito tempo pensando se, de fato, era uma pessoa digna ou o que exatamente tal coisa significava; nem mesmo se ocupou da memória de 2015, ocasião em que tentou puxar o martelo pela primeira vez e notou que sim, com um pouco mais de empenho, ele o levantaria.

Naquele instante, as coisas estavam frenéticas e perigosas demais para pensar nisso tudo.

Thor era atacado naquele exato segundo e Tony jazia ferido em algum lugar no campo de batalha. Todo o resto de seus amigos foram soterrados pelas explosões no Complexo dos Vingadores e Steve podia apenas supor, com boa dose de otimismo, que ainda estivessem vivos. Ele não entendia todos os detalhes de como o inimigo havia retornado, mas tinha uma boa aposta: o Túnel Quântico.

Deixar Thanos vencer de novo era condenar a outra metade do Universo a aniquilação; era destruir todo o esforço das tentativas de reverter a tragédia; era também… Condenar o sacrifício de Natasha ao inútil esquecimento.

Então, quando ele empunhou Mjolnir e sentiu a eletricidade percorrer seu corpo, seus olhos iluminaram-se em pura fúria. Não iria falhar em proteger as pessoas de Thanos. Não de novo. Jogou o martelo na direção do inimigo com toda a força que lhe cabia, impedindo o Titã de cortar o peito de Thor com o machado Stormbreaker. Depois do impacto, houve um átimo de confusão: Thanos lhe encarou com incredulidade, enquanto Thor murmurava que sempre soube que Steve poderia segurar Mjolnir.  

Ele correu com o martelo numa mão e o escudo na outra.

Os movimentos vinham com uma naturalidade jamais sentida pelo Capitão América. Seu coração bombeava fúria, todos os seus músculos obedeciam perfeitamente seus comandos, sua respiração queimava. Jogou o escudo de vibranium, que atingiu o ombro de Thanos; em seguida lançou Mjolnir e viu a arma rebater no escudo para aplicar um terceiro golpe nele. Enquanto um braço se defendia dos ataques do alienígena, o outro segurava de volta algum dos objetos e se movia para contra-atacar.

Ouvia-se o som do martelo zunindo com velocidade, feito uma estrela. O escudo assoviava baixo quando cortava o ar.

No entanto, não era o suficiente. A armadura de Thanos servia como uma carapaça dourada acima da pele roxa. Ele lhe encarava com desprezo e ainda conseguia acertar seu torso aqui e ali; inclusive abriu um talho grande em sua coxa com a imensa lâmina dupla que carregava. Steve soltou um grito de dor e ergueu o martelo para o alto, arrancando uma torrente eletricidade dos céus.

Ele não imaginava que as nuvens fossem responder ao seu chamado. Naquele instante, ele era alguém disposto a fazer tudo para eliminar tamanha ameaça; era um homem com sangue na boca, transpirando luto e ira. Pensou nos rostos dos amigos que viraram cinzas. Pensou naqueles que lhe acompanharam durante a terrível jornada. Mais do que só um garoto do Brooklyn, mais do que uma cobaia de laboratório, mais do que uma propaganda de um país em guerra: Com relâmpagos nas mãos e nos olhos, Steve tornou-se a própria tormenta.

***

Achar Emma Frost e Scott Summers não foi nada fácil.

Mercúrio cruzou os destroços do Complexo dos Vingadores com cuidado. Viu Rhodes, Rocket e Hulk serem ajudados pelo Homem Formiga e Psylocke; viu Clint Barton ser salvo por uma mulher verde e Nebula, que havia atirado em outra Nebula. Estranho. Mas, já que tudo parecia tomar seu próprio rumo, ele continuou correndo até achar escombros intocados, perto do pátio onde estava, ou melhor, estivera a plataforma da Máquina do Tempo. Quando encontrou a figura dos dois mutantes presos entre os destroços e ferragens, ele somente passou a fazer o que tinha feito antes para tirar o labrador do perigo: usando a maior velocidade que podia naquele solo irregular, retirou os pedaços de concreto, moveu encanamento e fragmentos de metal dos aparelhos lá dentro.

Já estava nas peças finais e usava menor velocidade quando desatou a comentar:

— Vocês estão bem? Tá uma loucura lá fora. — Foi de lá pra cá, jogando parte de uma viga para a direção oposta. — Posso jurar que vi Steve Rogers invocar raios, acredita? E olha que aquele martelo é pesado. Bom, um resumo da história: Nebula traiu a gente e agora Thanos está de volta.

— Pietro, cuidado. — Scott murmurou, seu tom baixo demais para quem era sempre tão confiante. — Por favor.

— O que foi? Porra.

Frost ainda estava agachada no chão, tremendo. A luz que escorria do céu adentrava seu corpo de diamante e os raios púrpuras do lado de fora só ressaltavam as fissuras em seu torso. Parecia ser capaz de quebrar com um mísero sopro.

Lentamente, Scott Summers saiu debaixo de Emma, que havia usado seu tronco para absorver o impacto do desmoronamento, e ajoelhou-se ao lado da parceira. Pietro não podia ver os olhos de Ciclope devido seus óculos escuros, mas nunca tinha visto o homem tão desolado. Era isso que Psylocke havia visto com sua telepatia? A dor de Emma? Ele engoliu seco, sem saber o que fazer para ajudar os dois.

— Ela tá… Ela tá trincada. Já tinha sido atingida por uma bala no centro do corpo e… O impacto restante deve ter sido demais.

— Hã…  — O velocista não reconheceu a própria voz. — Ela pode virar pessoa de volta, não?

— Eu não sei, isso jamais aconteceu…

A mulher resfolegou, o que causou um som de vidro moído. Pietro sentiu algo dentro de si quebrar também, pois admirava-a e odiou vê-la tão frágil. Frost era sua terapeuta e cuidara dele. Cuidava de outros jovens. Uma telepata brilhante, com um senso de liderança e responsabilidade absurdos.

— É perigoso. — Ela conseguiu responder. — Preciso…

— De cola?

Scott encarou feio o rapaz, mas sua dúvida era genuína.

— Preciso descansar. Não vou me recuperar… — Ela grunhiu. — Tão cedo.

Houve uma pausa. Raios caiam à distância e o silêncio era absoluto entre os três, até que Scott Summers levantou-se e segurou um dos ombros de Pietro.

— Tá com as pernas boas? Você tem que levá-la embora.

— Pra onde?

— Você sabe o caminho para o Instituto Xavier, não sabe?

Ele franziu os cenhos.

— Fica a quilômetros daqui.

Scott anuiu. Aquele pedido não era uma pergunta e nem uma brincadeira. Com cuidado, ele ajudou a telepata a se erguer e vagarosamente pegou-a em seus braços. Mirava-a com carinho e preocupação, determinado a mantê-la fora do perigo.

— Vá. Leve-a com cuidado. — Pietro segurou-a quando o outro mutante passou o corpo dela para seus braços. Não era tão pesada quanto ele achou que seria, embora o jovem sokoviano nada soubesse de carnes feitas de diamante. Esperava poder correr com segurança, pois era hora de retribuir a ajuda que recebera de Frost. — E peça ajuda a quem estiver na mansão… Vamos precisar.

Tsc. Volto já.

O velocista saiu correndo. Depois de alcançar o asfalto, o restante do percurso não seria tão difícil, pois imaginava que a estrada não tivesse sofrido tanto impacto nos últimos cinco anos. Movendo-se na maior velocidade que o terreno ainda irregular lhe permitia, Pietro viu Steve Rogers continuar com uma sequência de ataques com o escudo, o martelo e raios. Tony já se levantava com o auxílio das turbinas da armadura, enquanto Thor invocava o machado mágico para si. Quem sabe ainda houvesse esperança e Pietro retornasse às ruínas do Complexo dos Vingadores com tudo aquilo terminado.

***

Erik e Natalya andaram sobre concreto, fagulhas de madeira e vidro até chegarem à superfície. Encontraram Kitty Pryde com Ebony e Lucky no caminho, o que foi bom para conferir que ao menos mais pessoas tinham sobrevivido às explosões, e não tardou para que Psylocke viesse ao encontro do grupo.

O grupo parou num local acima dos escombros, observando o fim de uma sequência de golpes entre Steve, Tony e Thor contra o Titã Louco, Thanos. Mesmo com todos os esforços, era nítido que estavam perdendo e em breve a situação ficaria ainda pior, pois um exército de criaturas foi invocada ao comando de Thanos. Existiam os aliens de muitas patas no chão, os mesmos que atacaram Wakanda há cinco anos, assim como vieram naves no céu e seres voadores indescritíveis, flutuando com suas carapaças cor de bronze acima das nuvens pesadas. Ainda era dia, mas pouco havia luz. O cenário desolador adiante brilhava com um pouco de fogo que ainda sobrara dos mísseis e o vento trazia o cheiro das cinzas.

Natalya discretamente segurou a mão de Erik, mas quem quebrou o silêncio denso foi Psylocke:

— Acho que morremos e agora estamos testemunhando a visão do inferno.

Magneto soltou um bafejo irritado.

—  Se estivéssemos no inferno, seria porque merecemos. Não há justiça nisso.

— Sinto em desapontá-los, mas… — Natalya suspirou, o rosto resoluto. — Isso é bem real.

— Quem mais falta?

— Rhodes, Hulk, Rocket e Lang estão do outro lado. Ajudei a cortar o caminho, mas eles ainda tem a sair de lá.— A oriental prosseguiu, ainda com as lâminas de energia roxa em suas mãos. — Thor, Tony e Steve lá embaixo.

Ela continuou a explicar que a situação de Emma não era nada boa, mas que Pietro partira com ela até um local seguro, o Instituto Xavier, e Scott estava se dirigindo até aquele ponto no mesmo instante. Além disso, Rhodes, o guaxinim e Bruce Banner logo viriam. Difícil era explicar a situação de duas Nebulas, Clint e uma mulher verde, a irmã morta da androide azul — porém sua versão muito viva do passado.

Pelo o que Elizabeth Braddock conseguir entender através de seus poderes telepáticos, lendo a mente da própria Gamora e Clint Barton à distância, a Nebula que voltou junto com os Vingadores há dias era também uma versão do passado, ainda crua e sádica, que prometeu ajudar Thanos e o trouxe através da Máquina do Tempo. A Nebula que eles conheciam, do presente, ficou presa durante aquele período inteiro, mas afinal deu um fim a sua cópia: um belo tiro no peito.

O pior problema, no entanto, não desapareceu: Thanos estava ali e desejava as Jóias do Infinito para acabar com tudo.

A mutante mais jovem, Kitty Pryde, estremeceu. Erik observou a moça se ajoelhar para confortar o cachorro que trazia consigo, enquanto Ebony - transformado num imenso felino - permaneceu parado, calculando o horror que desdobrava diante de seus olhos amarelos. Tímida, talvez até com um pouco de medo, a mutante arriscou a perguntar:

— Então… a gente vai lá?

— Steve Rogers é um bom homem, mas não irá vencer um exército sozinho. Nem ele, nem um deus ou engenheiro.

— E por acaso nós vamos?

Magneto repousou seu olhar com peso e atenção sobre a moça. Talvez ela não tenha tido a experiência necessária junto aos X-Men, talvez nada em ambiente aberto e contra tantos inimigos. Fazia sentido, uma vez que ela só alcançou a maioridade após o estalo de Thanos, em 2018 e nunca teria ido a uma missão mais arriscada. No entanto, se ela estava ali, tinha que enfrentar seus medos. Seria a única forma de sobreviver. Com calma e muita seriedade, Erik argumentou:

— Você é a que tem mais chance de sair viva entre nós, Katherine.

— Sim, mas…

— Essa não é mais uma decisão pessoal. — Scott Summers chegou, concordando com o que tinha ouvido dessa parte da conversa. Sua face era severa. — É um dever.

Pyslocke tinha os olhos violetas e as asas de energia sobre o rosto.

— Perdemos e o universo será obliterado em uma versão que não conhecemos. Não é uma opção.

Com aceno austero, Magneto anuiu. Suas vestes vermelhas tremulavam com o vento e o capacete conferia-lhe foco em cada nuance de campo magnético e metais naquele extenso e fúnebre campo de batalha. A armadura de Thanos, infelizmente, não era composta por um material ferromagnético. Se questionou se poderia trazer as naves para o chão, esmagando-as umas contras as outras. Se dependesse apenas de seu ódio, sim.

— Toda a minha vida — Ele começou, o olhar fixo na figura de Thanos lá embaixo. — Me deparei com sujeitos que pensavam assim, que era necessário extirpar seres da existência para que o equilíbrio e a harmonia imperassem vitoriosas. Para a paz. Eu me pergunto… A razão de acharem que não haverá alguém para pará-los.

— Imagino que saibam… — Natalya respondeu.— Mas pensam também que é uma resistência pífia.

— Mostraremos-na então. Afinal, paz nunca foi uma opção.

Algo prateado sumiu e parou ao lado deles. Pietro. Ele arfava e parecia mastigar alguma coisa, talvez um lanche qualquer que havia pegado na mansão Xavier para repor as energias. Ele se inclinou, apoiando-se sobre os próprios joelhos, e fez uma pausa para recuperar o fôlego.

— Voltei. A Emma tá segura. — Inspirou e expirou fundo, depois endireitou a própria postura. Erik se aliviou por vê-lo bem, mas em seu íntimo queria o filho longe dali. — O que eu perdi? Porra, isso são monstros voadores? Quando saí, o Steve tava vencendo!

Ele encarou o grupo, mas ninguém tinha respostas o suficiente ou animadoras. Steve Rogers estava levantando-se do solo, com seu escudo quebrado e o orgulho ferido. Erik, por sua vez, deu uma última olhada no cachorro e pediu:

— Pietro, preciso que leve Lucky daqui.

— Tá. — Disse ele, já abraçando o labrador. Foi e voltou em segundos, o que fez seu pai pensar que o cachorro não estava tão longe, embora não fosse duvidar de que estava seguro. Seu filho, por mais que fosse debochado ou impulsivo, não era tolo. — E agora?

— Um resumo, rapaz, — Scott deu um passo a frente. — Havia duas Nebulas e a do mal está morta. Agora temos que derrubar Thanos, então me diga que buscou ajuda no Instituto Xavier.

— Falta só chegarem.

Magneto suspirou e ficou à frente dos demais. Todos já estavam a par das informações necessárias e quem precisava de segurança se foi. Não tinham mais tempo para debates, pois o vento trazia ainda o cheiro da fumaça e o barulho da marcha inimiga. Era duro estar mais uma vez num campo de batalha, mas ele faria isso mil vezes se necessário.

Encarou fundo cada um deles. Olhou especialmente seu filho.

— Nós sabemos o que perdemos há cinco anos. Eu perdi uma filha. Vocês perderam amigos, mentores, pessoas queridas. Irmãos e irmãs. E não pudemos conferir ainda se tivemos sucesso em trazê-las de volta. Mutantes… — Magneto utilizou seus poderes para pairar no céu tempestuoso, sua voz austera muito sólida no ar. — Nós lutamos desde o berço apenas por carregarmos o gene X. Hoje, lutaremos não apenas por nossa espécie, como muito já lutamos. Será pela existência de tudo o que conhecemos, tudo o que amamos e tudo o que odiamos também. Então, se preparem. Não importa o que acontecer, vocês e eu não iremos igual a ovelhas para o abate: nós mostraremos nossas garras. Nós somos mutantes e não vamos nos curvar a quem deseja decidir pelas nossas vidas. Nunca mais.

***

Suor e sangue escorriam pela pele do Capitão América. Ele sentia fuligem e sujeira do campo de batalha sobre sua pele, além dos vários pontos de seu corpo quase anestesiados de tanta dor. Mesmo zonzo, ele se obrigou a ficar de pé e endireitar a postura.

A visão que tinha era angustiante.

A sua frente, havia mais que Thanos: existiam incontáveis criaturas agressivas, bestas, além de tanques e naves de óbvia potência militar. Ele conhecia o formato de alguns, como os chitauri que enfrentou em Nova York em 2012 e os seres que invadiram Wakanda há cinco anos. Era um exército completo adiante, enquanto ele estava de pé sozinho. Engoliu seco, respirou fundo. Não costumava recuar numa batalha em que a causa era justa, ainda que estivesse nas piores condições. Podia ser um beco, a Segunda Guerra, um aeroporto na Alemanha ou contra alienígenas: Steve Rogers se levantaria de novo e lutaria.

Podia fazer isso o dia todo.

Ouviu Thor invocando o machado, preparando-se para o novo combate; a armadura de Tony fez aquele rangido macio, quando endireitou-se sobre o terreno. O vento também trouxe a voz de Erik Lensherr se dirigindo a alguém, mais aliados a disposição. Não era a quantidade ideal para enfrentá-los, mas era o que tinham e teria que ser o suficiente. Antes de dar um passo à frente, porém, Steve escutou algo mais. Um som quase indistinto, picotado, em seu comunicador, cujo canal havia sido danificado devido a explosão do Complexo. Sem dúvidas, no entanto, de que tratavam-se de fragmentos de áudio. Cruzou o olhar com Tony, que também captou aquilo e disse:

— Redirecionando canal de áudio. — O centro de sua armadura pulsou antes de voltar a brilhar como antes. — Reator Ark como âncora.

A atividade dos comunicadores foi restabelecida e primeiro veio o som de estática vazia. Depois, uma voz que fez seus joelhos bambearem de expectativa:

“Cap, na escuta? Capitão, é o Sam.”

“Está ouvindo?”

Ele ficou trêmulo por inteiro. Seus lábios estremeceram, sem conseguir responder, enquanto as pálpebras piscavam numa tentativa quase inútil de conter as lágrimas. Com o coração batendo forte dentro de sua caixa torácica, Steve buscou manter a compostura enquanto encarava Tony e Thor atônitos.

O mundo desacelerou quando ele escutou:

“À sua esquerda.”

Um círculo dourado e faiscante surgiu no horizonte próximo, justamente à sua esquerda, trazendo muita luz e um cenário longínquo: os campos de Wakanda. Três silhuetas andaram para fora do portal, muito calmas e com sorrisos no rosto: Okoye, T'Challa e sua irmã, Shuri. Atrás deles, o exército e as naves wakandanas. Ar faltou no peito do Capitão América, mais do que quando era asmático antes do soro, mas ainda havia mais motivos para seu corpo ficar mole de tanto alívio: Dúzias e dúzias de círculos se abriram um após o outro, de inúmeros lugares e com inúmeras figuras. Sam Wilson saiu de um deles, voando com rapidez e graciosidade para as ruínas do Complexo dos Vingadores. Viu Bucky, viu Groot, Pepper Potts em uma armadura; viu rostos que não conhecia e que estavam ali para a batalha.

Steve queria se ajoelhar e chorar. Tinha dado certo. A viagem no tempo, o estalo… Metade da vida no universo estava ali, restabelecida. Desejava que Natasha testemunhasse tal visão, um cenário cheio de luz.

Enquanto mais aliados vinham do espaço, de Nova Asgard, Wakanda e até do Kamar-Taj, um estrondo se fez dos destroços: o Homem Formiga assumira sua forma gigante e libertara a si e aos amigos, Rhodes, Rocket e Bruce Banner. Lá do alto, estava Magneto e o resto do grupo de mutantes; à direita, um círculo disforme e rosa-choque abriu um portal para o Instituto Xavier, trazendo mais ajuda.

Só de vê-los… Ele sentia sua força aumentar em cada fibra de seu corpo. Havia algo mais em si do que a eletricidade do martelo Mjolnir, era uma espécie de euforia crescente em seu diafragma, uma certeza pulsante, quente e simultaneamente palpável:

Não estava sozinho, afinal. E eles não iriam falhar.

A cena inteira durou segundos. O exército inimigo ainda estava adiante e agora ardia por avançar sobre eles, a fim de esmagar qualquer pensamento de vitória. Thanos jazia com sua postura sólida, inflexível e atroz, talvez até mais motivado em derrotá-los.

De súbito, Steve recuperou a força e a voz em sua garganta.

— Vingadores… — Ele estendeu o braço, recuperando o martelo. — Avante!

A batalha final começou.

 


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Notas finais do capítulo

*O capítulo foi revisado, mas existe a possibilidade deste arquivo ser sabotado pela I.M.A. Caso encontre algum erro (seja gramatical ou de continuidade), favor reporte à Shalashaska.



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