Entre Lobos e Monstros escrita por Nc Earnshaw


Capítulo 12
Coração partido




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ALERTA! O CAPÍTULO CONTÉM GATILHO.

 

Capítulo 11

por N.C Earnshaw

 

BATIDAS FORTES fizeram-na pular da cama com o coração acelerado de medo. Ela agarrou o cobertor contra o peito, ainda sentindo seu corpo tremer pelo susto. Tentou se acalmar respirando profundamente, no entanto, o barulho ainda continuava, e sua porta estremecia com a força que era aplicada contra ela. 

Com os olhos arregalados, Erin encarou o despertador na mesinha de cabeceira que ficava ao lado de sua cama. Quando conseguiu ver através da névoa de sono que ainda não eram nem sete da manhã, xingou baixinho. Era seu dia de folga, não precisava acordar cedo. 

Ela jogou o cobertor para o lado, tentando ignorar a pessoa do outro lado da porta. Sabia bem quem era o infeliz que queria atormentar seu dia de descanso. 

A Landfish pensou em deixar a porta trancada, mas sabia que se não abrisse, Carter acabaria cumprindo a sua promessa de derrubar o pedaço de madeira, caso ela o ignorasse novamente. Mesmo sentindo cada célula do seu corpo gritar para que não fizesse, ela enrolou seu corpo no lençol para cobrir o pijama revelador que estava vestindo. Era uma das suas roupas de dormir antigas, de quando ainda era uma adolescente magrela, e apenas tinha colocado-a na noite anterior por não ter tido tempo de lavar suas próprias roupas. 

Com o corpo completamente tapado pelo tecido, sentiu-se segura o bastante para enfrentar seu demônio pessoal. 

— Está surda que não me ouviu batendo, garota inútil? — rosnou Carter assim que ela abriu uma brecha da porta para enfiar sua cabeça. — E por que está se escondendo aí atrás? — Ele tentou empurrar a madeira com o punho, mas Erin segurou com o corpo. — Tanto faz. Quero que desça e faça meu almoço. Sua mãe acordou se sentindo mal, então se faça agradecida pelo menos uma vez em sua vida e cumpra as tarefas dela do dia. 

Normalmente, a Landfish refutaria e mandaria ele para o inferno. No entanto, um brilho estranho passou nos olhos daquele homem, fazendo com que seu subconsciente a alertasse de que não seria uma boa ideia brigar com ele. 

Ela concordou, engolindo todo o seu orgulho. Quando fechou a porta e a trancou de chave, pôde finalmente respirar. A cada ano que passava, ficava cada vez mais difícil conviver com Carter. Erin vivia um inferno constante por não poder se sentir confortável na própria casa. E, apesar de ele nunca a ter tocado de maneira indevida, ela percebia que desde a época após a sua puberdade, ele a encarava de uma maneira diferente. 

A quileute vestiu um conjunto de roupas velhas e folgadas. Uma calça de moletom comprida e uma camiseta masculina de banda — que ela pegou de um ficante antigo para dormir. 

Desceu as escadas pulando os últimos dois degraus — o penúltimo estava com uma rachadura enorme e a madeira precisava ser trocada. Com sua mãe grávida, aquilo era um perigo imenso. 

A sua cozinha era simples, mas bem cuidada. Kayla passava o dia limpando o lugar e preparando refeições para o marido. 

Erin abriu a geladeira cantarolando uma música qualquer. Pegou os pedaços de peito de peru para fazer alguns sanduíches, assim como queijo cheddar, alface e tomate. Colocou todos os ingredientes sobre a mesa pequena com quatro cadeiras, e iniciou o preparo. 

Seu sexto sentido a avisou que tinha alguém atrás de si. Um arrepio desconfortável passou pelo seu corpo ao perceber Carter parado atrás dela — próximo demais, observando cada movimento seu. A respiração dele chegava a bater contra o seu pescoço, e ela se apressou a terminar o almoço, sentindo o olhar dele quase paralisar seu corpo. Eram raras as vezes que se sentia tão frágil. 

Logo que se afastou dele para colocar os sanduíches em um saquinho de papel, ele bufou alto. Estendeu o braço para entregar o almoço, com uma careta de nojo no rosto, e encarou os olhos castanho-escuro, quase negros. Odiava tanto aquele homem. E odiava mais ainda como se sentia quando ele se aproximava. 

Carter arrancou o lanche da sua mão e crispou os lábios, olhando-a da cabeça aos pés. 

— Essa merda vai servir. 

Assim que Erin ouviu o barulho do carro se distanciar, respirou com alívio. A energia que vinha do seu padrasto naquele dia em específico era sufocante. 

Preocupada com a mãe, subiu as escadas tentando não fazer tanto barulho. Era idiota, pois Carter não tinha dado a mínima para o fato de quase ter derrubado a casa tentando acordá-la. 

O quarto do casal era um lugar quase proibido para ela. Sendo o local em que seu padrasto odioso passava boa parte do seu tempo, Erin evitava entrar nele — principalmente porque era ali que eles… Por todos os ancestrais, não conseguia nem pensar sem querer vomitar. 

Andando na ponta dos pés, ela entrou no quarto. Se sua mãe estivesse dormindo, não queria acordá-la. Apesar de sentir que parte da culpa do sofrimento que passavam era dela, Erin sentia pena. Kayla precisava de um tipo de amor que sua única filha não podia dar, que ela achou ter encontrado no seu pai vinte anos antes, depois em Carter. 

O rosto sereno, tão parecido com seu, apertou seu coração. Era tão bom vê-la relaxada pela primeira vez em tanto tempo. Sua mãe vivia tensa, correndo de um lado para o outro o dia todo, sendo serviçal de Carter — ao qual a mulher acreditava ser o que uma boa esposa fazia pelo marido, e Erin esperava que o bebê mudasse aquilo. Que mudasse aquela casa para melhor. 

A criança mal tinha nascido, e a quileute sentia medo pelo que ela viveria.

O início da sua infância foi bom, até sua mãe casar de novo. E aquele pobre bebê já estava condenado a ter um pai horrível. 

Ela checou a respiração da mãe e acariciou as maçãs altas do seu rosto, dando um leve beijo em sua testa. Saiu do quarto preparando-se para longas horas de faxina, uma vez que, quanto mais limpasse, menos trabalho sua mãe teria. 

Começou pelo banheiro, depois foi para a cozinha e, por último, para a sala. 

— Porco nojento — xingou baixinho, achando restos de comida no sofá. Ela enfiou a mão em uma das brechas, procurando por mais pedaços de alimento; se deixasse aquelas coisas ali, em breve apareceriam milhares de ratos. 

Erin tocou uma superfície lisa, sem conseguir associar a nada. Quando puxou a coisa para fora, prendeu um grito e jogou-a para longe. Era uma maldita camisinha! E, para piorar, era usada

Levou bons minutos para se recuperar do choque, e quando seu estômago embrulhado se acalmou, ela limpou o sofá — que por sorte era um couro falso muito fácil de limpar do que se fosse de tecido, colocando toda a sua fúria na ação. 

A raiva foi o tempero principal do jantar. Bateu naquele pedaço de frango visualizando o rosto sujo do filho da puta do seu padrasto. Colocou a mesa, separando uma marmita para si mesma. Como se recusava a jantar “em família”, às vezes ficava sem comer. Carter fazia questão de se entupir de comida o máximo possível para deixá-la sem nada. 

Após tomar um banho muito merecido, resolveu assistir um pouco de TV. Michael tinha feito um grande favor em gravar os últimos episódios lançados da primeira temporada de Supernatural, e Erin estava morrendo de ansiedade para ver o amor de sua vida, Dean delícia Winchester. 

Acabou os quatro episódios com tristeza — demoraria semanas até que o amigo entregasse as próximas gravações, e colocou em um canal aleatório, sentindo os seus olhos pesarem de cansaço. 

Erin pensou em ir até o próprio quarto, mas estava tão exausta que não possuía forças nem para se mover, quanto mais subir aqueles degraus. Foi quando o sono finalmente a embalou e sua consciência foi levada para o mundo dos sonhos. 

A Landfish agradeceu pela primeira vez em sua vida por ter o sono leve. Mesmo dormindo, tinha sempre sua guarda levantada, temendo que um dia seu padrasto enlouquecesse de vez e arrombasse a porta do seu quarto como tanto ameaçava. 

Em dias que estava muito exausta, pegava seu carro e estacionava em um lugar qualquer. Dormir dentro dele com as portas travadas faziam-na sentir-se mil vezes mais segura que em sua própria casa. 

Gemidos abafados fizeram ela franzir o cenho durante o sono. Mesmo não sentindo vontade de acordar, seu cérebro a alertou que algo estava errado, então ela tentou entreabrir os olhos para conferir se estava tudo bem ao seu redor. 

Um grunhido rouco a fez arregalar os olhos por completo. E assim que conseguiu se adaptar à luz intensa da lâmpada acima da sua cabeça, sentiu vontade de gritar. 

Sentado no braço do sofá com o corpo na direção do seu, estava Carter. Ele tinha as calças abertas e tocava-se livremente enquanto encarava o corpo de Erin. De algum modo, o homem tinha dado um jeito de afastar o cobertor que cobria as pernas dela, ou ela tinha jogado no chão enquanto dormia. 

Os olhos negros encontraram os seus. No entanto, o fato dela estar acordada pareceu deixá-lo ainda mais excitado. Os movimentos ficaram mais rápidos e violentos, e a Landfish conseguia apenas ouvir o barulho da carne sendo acariciada. 

Uma enxurrada de sentimentos tomava o corpo de Erin. Nojo. Raiva. Medo. 

Ela sentia vontade de gritar por ajuda, mas da sua boca apenas saiu um grunhido seco. Implorou para que seu cérebro ordenasse que seu corpo se movesse para longe daquele monstro asqueroso, entretanto, o choque tinha deixado-a sem reação. 

Foi apenas quando sentiu a outra mão dele se estendendo para tocar sua perna, que reagiu. Com um grito feroz, ela chutou a cara de Carter sem dó. 

Ele caiu para trás — dessa vez gemendo de dor, levando a mesa de canto ao chão. Vários pedaços de vidro do vaso que se espatifou junto com o padrasto, pareciam ter entrado em sua carne. E, enquanto gritava impropérios como se ele fosse a vítima, segurava o nariz que, muito provavelmente, estava quebrado.

Naquele momento, Erin não conseguia sentir satisfação. Na verdade, encontrava-se letárgica pelo que estava acontecendo. Carter tinha acabado mesmo de assediá-la? 

A Landfish abraçou o próprio corpo, tentando se proteger. E apenas se deu conta que estava chorando quando passou a mão no rosto. 

Foi assim que Kayla, sua mãe, viu a cena assim que desceu pelas escadas. No rosto, tinha uma expressão horrorizada. 

Erin deixou que a mãe levasse seu tempo para compreender o que tinha acontecido, mesmo que tudo estivesse muito claro. Carter ainda estava jogado no chão com o pau nojento de fora, e a quileute soluçava a um ou dois metros de distância. Não precisava ser um gênio para entender. 

Por um segundo. Por um ínfimo segundo, a segurança de estar na presença da sua mãe a fez se acalmar. A vontade que tinha era de se jogar nos braços dela para ser acalentada, e ouvir a promessa que nada e nem ninguém a machucaria novamente. 

Horas depois, enquanto pensava no acontecido, percebeu o quanto era inocente. 

— Mamãe — choramingou Erin, aproximando-se da mulher que já caminhava na sua direção. O alívio que sentiu ao ver que ela, sua mãe, tinha escolhido ir primeiro até ela, fez com que os soluços aumentassem. Tudo ficaria bem no final. 

— O que fez com meu marido? 

Se ela tivesse levado um tapa, doeria menos. 

— Mãe, ele… — As palavras travaram em sua garganta. Contudo, mesmo que estivesse em condições de explicar o que aconteceu, Kayla não permitiria. 

— Eu não acredito em nenhuma palavra que venha de você! 

Erin abriu a boca para falar, tentar explicar. Queria mostrar para sua mãe que Carter era o monstro. Ele estava errado. Não entendia porque Kayla estava indo em defesa do marido. 

— Carter é um bom homem. É o pai do meu bebê, e eu não admito que o desrespeite ou o agrida dentro de sua própria casa! 

— Mãe, se acalma. A senhora não está pensando direito... — A Landfish tentou se aproximar para tocá-la, mas Kayla se afastou, colocando a mão sobre a barriga para proteger o bebê. 

— Eu tentei ao máximo com você, Erin. Fiz tudo que eu podia por você. Carter fez tudo que podia por você. 

A quileute não conseguia acreditar no que estava ouvindo. 

— Mas você não nos ajuda tentando acabar com nosso casamento. Chegando de manhã, agindo como uma vadia...

Erin cravou as unhas na própria carne, tentando fazer com que a dor física superasse a dor que sentia em seu peito. Sem sucesso. Seu coração se partiu em milhares de pedaços. 

— Eu lavei as mãos com você. Não posso tentar te apoiar em detrimento da felicidade de outro filho ou da minha felicidade. 

Ela nunca esqueceria o olhar que sua mãe a lançou antes de correr para o marido. Sempre se recordaria da maneira como ela cuidou dele. Como fechou as calças, acariciou seu rosto chorando enquanto era xingada pelo homem, mesmo implorando várias vezes por desculpa. 

— Você tem cinco minutos para pegar suas coisas e sumir daqui. — Kayla nem sequer virou para olhar para Erin. — Não quero mais sua presença nesta casa. 

A Landfish levou alguns segundos para se mover, mas antes de subir a escada, parou para encarar a mãe. 

— Vai ter um dia que a senhora vai se arrepender disso, mamãe. — Ela cuspiu a última palavra com asco. — E sou eu que não quer ficar na mesma casa que vocês dois.


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