Tempestade Azul escrita por MattSunshine


Capítulo 5
Exílio


Notas iniciais do capítulo

Eae pessoal, tudo beleza? Chegamos a mais um belo final de semana e, como era de se esperar, dia de mais um capítulo ♥. Espero que gostem :3



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Adrian acordou de mau-humor naquela manhã, se recusando a acreditar na vergonha que passou na noite anterior. Seu pai estragava seus planos até quando não sabia deles, era incrível.

Depois daquela ligação inoportuna, Adrian foi forçado a deixar o clube sozinho. Obviamente, não atrapalharia a diversão de seus amigos por um problema dele, principalmente Jonathan, pois não podia exigir a companhia do garoto sendo que mal o conhecia. O pior, entretanto, nem foi ter de pagar a garota pela hora que nunca aproveitaria, foi ter saído sem aproveitar tudo o que o clube tinha a oferecer. Ainda agora se recusava a crer em sua saída de lá.

Os demais não ficariam ressentidos se soubessem o que aconteceu, era mais provável que compartilhassem da decepção do outro. Tinham pais tão exigentes quanto ele, então eram compreensíveis com a sua situação.

Podia ouvir a música ainda tocando, em um canto bem fundo de sua cabeça, zunindo em uma lembrança recente de tudo o que acontecera. Virou-se para o lado a fim de afastar a imagem, dando de cara com outra tão menos agradável: suas malas.

Depois de chegar em casa na noite anterior em um táxi, o menino teve de fazer suas malas para uma viagem que não queria ir. Como se não fosse tortura o suficiente mandá-lo para um lugar distante, sozinho, exigiam também que ele agisse como se desejasse isso, como se fosse uma conquista que sempre quisera. Quando, na realidade, se dependesse dele, não teria arrumado nada. E, de novo, não era como se tivesse alguma escolha. Seus pais podiam fazer parecer que tinha, mas isso nunca foi verdade. Por mais que nunca estivesse em casa, Mark tinha um controle que era assustador, e sua mãe sempre ficava ao lado dele no fim, ele sempre a convencia de algum jeito.

Gostara daquele clube mais do que queria admitir, e esse foi um dos motivos que sair dele sem se divertir mais foi tão angustiante. Bom, talvez quando voltasse para casa em um dos finais de semana ele, Nate e Shanola poderiam voltar juntos, caso os amigos não houvessem saciado sua curiosidade. A dele não havia sido saciada.

— Ansioso? — Perguntou a secretária de seu pai, retirando os olhos de uma agenda encadernada em couro e o encarando de verdade pela primeira vez no dia.

Além de ter de acordar cedo, Mark insistiu em o levar para a empresa e deixá-lo com a secretária. De acordo com ele, era porque a empresa ficava mais próxima do aeroporto e, desse jeito, ficava mais fácil de se organizarem. Claro que era mentira, o filho sabia que a única razão disso era manter o olho nele para que não tentasse nenhuma besteira, como escapar. O que, naquele momento, era uma tentação muito forte em sua cabeça.

— Entediado — respondeu. — E indignado — completou.

Diferente da maioria dos funcionários de seu pai, ele gostava da mulher que cuidava de seus compromissos. Ela era uma boa pessoa e Adrian sequer sabia seu nome, por isso evitava perguntá-lo. Com certeza o seu era conhecido, todos conheciam o filho adolescente encrenqueiro do chefe.

— Indignado? — Ela deixou a caneta de lado e se aproximou mais com a cadeira. Seu interesse era verdadeiro e não educado. Era uma das razões para gostar tanto dela, gostar de sua companhia.

Mark às vezes a levava para jantar em sua casa quando a família se reunia, por alguma razão que ele já esquecera. Sabia muito bem que eles não eram parentes, era sua única certeza. Mas então, por que ela jantava com eles naquelas ocasiões familiares?

Não se arriscaria em perguntar.

Ele também se aproximou, puxando a cadeira um pouco mais para frente.

— Ele e minha mãe tomaram essa decisão sozinhos, eu não sabia de nada até anteontem.

A boca dela desenhou um O perfeito. Bem como a dele ao descobrir tamanha barbaridade. Mas fazer o que? Ele já estava acostumado. Não deveria, mas estava.

— Uau, isso é... bem surpreendente.

— Eu sei. Não esperava isso dele.

— Bom, não posso falar muita coisa. — Ela sorriu minimamente. — Se ele ouvir algo, eu sou cortada daqui.

— Não acho que esse seja o caso, você é uma das melhores funcionárias dele.

O elogio a fez erguer as sobrancelhas em surpresa. Nem Adrian esperava aquele elogio, veio do nada, imprevisto.

— Ele disse isso?

— Não — respondeu de imediato. Esse comentário teve o efeito contrário do anterior: os ombros dela baixaram. — Mas eu sei — retrucou-se rapidamente. — A maioria das pessoas aqui são chatas, mas você é legal.

— Em outras palavras, você me aprova.

— Em outras palavras é isso mesmo. E meu pai deveria ser grato por não ficar o dia todo com gente chata.

Ambos sorriram em sintonia. Ele sentiria falta dela. Sua mente divagou na leveza do momento, direto para dois dias atrás, quando esteve naquele escritório pela última vez. Recordou-se da gentileza dela enquanto dizia que comprara uma revista de arte pensando nele, o garoto apreciara o gesto, embora não tenha tido a chance de dizer em voz alta, ou até de retribuir.

— Jessica — disse a voz de Mark. Ele estava parado à porta de seu escritório entreaberta para falar com ela. Então Jessica era o nome dela —, transfira a reunião seguinte para o início da tarde, daqui a pouco vou levar Adrian ao aeroporto. Havia me esquecido totalmente dela.

— Como o senhor quiser. — Jessica voltou à sua mesa e tomou a agenda junto a uma caneta azul. Mark se recolheu de volta em sua sala de maneira discreta, quase como se nunca houvesse estado ali antes.

Ela abriu o caderno encouraço. Tudo estava perfeitamente organizado, embora difícil de se ler. No entanto, Jessica riscou o horário da reunião e puxou o telefone, discando número após número. Realizou uma pequena série de ligações, avisando o atraso da reunião sem citar o motivo em si até convencer todos a concordarem com o novo horário. Adrian sentiu uma cutucada de insatisfação por ter causado aquele incomodo à secretária, por mais que soubesse que boa parte da culpa cabia a seu pai. Toda a culpa cabia a ele na verdade, ninguém mandou atrasar todos os seus compromissos por uma bobagem qualquer.

— Meu pai só te causa trabalho — comentou quando viu que, dessa vez, Jessica não puxaria assunto.

— Pelo menos eu tenho um. — Ela sorriu para ele.

Verificando os arredores e constatando que não era observada pelo chefe, Jessica desfez a postura ereta e profissional, ficando um pouco mais à vontade. Parecia que relaxar era algum pecado naquela empresa. Claro, tinham de manter uma postura profissional, como esperado de todo e qualquer empregado, mas estar o tempo todo assim devia ser cansativo e meia hora de intervalo não parecia o bastante para amenizar isso. Adrian imaginava o quanto deveria ser difícil trabalhar ali, toda a cobrança exigida, o peso do nome da Companhia Signor em sua postura e ações, sabendo que qualquer coisa, qualquer conduta inadequada, poderia prejudicar a empresa e sujar seus nomes.

— Você gosta de trabalhar aqui? — perguntou a Jessica.

Ele desviou o olhar, encarando o teto com calma. Fez a pergunta por puro impulso. Não esperava realmente que ela fosse sincera, ninguém diria para o filho do chefe que não gostava do trabalho, então desconsideraria a resposta independente de qual fosse, pois não seria confiável. Óbvio que se ela dissesse que não gostava do emprego, Adrian não diria nada ao pai, sequer conversavam sobre ele, então não seria Adrian a falar sobre outra pessoa, em especial algo que poderia prejudicá-la. Além de que ter algo contra seu pai era um motivo de aproximação com a pessoa, e não um motivo para se afastar.

Jessica se surpreendeu com a pergunta e por alguns segundos ficou estática, Adrian a observou pelo canto do olho, não resistindo à curiosidade que começava a pinicar. Piscando lentamente, respondeu com voz tranquila:

— Eu não desgosto dele. Tem dias estressantes é claro, onde não vejo a hora de deixar as agendas e o telefone e ir para casa — disse calma, fantasiando e relembrando. Hoje não era um desses dias estressantes e o louro imaginava que eles fossem raros, pois foram poucas as vezes em que viera ali e Jessica não trabalhava sem pausa, fazendo anotações e atendendo ligações. — Mas tem os dias calmos também, em geral não é um trabalho tão movimentado e eu posso dar conta da meta diária sem problema nenhum.

Voltou a olhá-la nos olhos, não esperava uma resposta tão longa, apenas um “sim” ou “não”. Tentou adivinhar se ela falava a verdade ou se mentia, mas o sorriso só dificultava, também não sabendo se era verdadeiro ou falso.

— Está sendo sincera ou só está dizendo o que espere que chegue nos ouvidos do meu pai? — perguntou rindo, em tom de brincadeira. Ficou realmente curioso a respeito disso, mas não queria colocar pressão ou parecer que a estava avaliando, o que no fim era exatamente o que fazia.

Não houve momento de silêncio, a resposta foi automática:

— Estou sendo sincera. — Ergueu a palma da mão aberta em sinal de sinceridade. — Palavra de escoteiro. Não tenho nada contra ser a garota da secretaria, gosto de organizar as coisas e estar por trás dos panos, não é ruim como as pessoas acham que é. Dá trabalho, mas é bom.

Adrian recostou-se mais na cadeira. Não via nada demais nesse trabalho, lhe parecia como outro qualquer, assim como não via nada demais no trabalho de seu pai. Talvez seu problema fosse com o trabalho propriamente dito, poderia ser preguiça ou indiferença. A única coisa que lhe importava era sua arte, poderia ser a única coisa com a qual não fosse se importar em trabalhar. Ainda assim, não era correto chamá-la de “coisa”, era muito mais que isso, era um modo de vida, um modo de ser. Ao menos era como ele enxergava e, ao que podia observar daqueles ao seu redor, sua visão era muito pouco compartilhada.

Preparou-se para a próxima pergunta, vendo-se subitamente em um interrogatório com Jessica sendo a interrogada. Se a sala fosse menor e estivessem sendo deparados por uma mesa quadrada de metal, a cena não seria tão diferente do que era agora. O que diferenciava, além do local, era o humor que imperava entre as perguntas, esse sendo alegre e curioso em vez de tristeza e de medo.

— Só que esse trabalho vem com meu pai, não sei como você aguenta — confessou, esperando tirar algo de ruim de seu pai. Se negava a acreditar que alguém naquele mundo o via como um santo que não era. — Eu sei que eu não consigo.

Foi a vez de Jessica desviar o olhar, procurando uma resposta de verdade. Se não esperava pelas perguntar anteriores, certamente não esperava por essa. Na verdade, o mais certo a se dizer era que não esperava pela insinuação que veio junto a ela, pois, como Adrian observou por conta própria, não fora nada sutil. Ela, por sua vez, parecia perdida.

— Não temos tanto contato assim, pelo menos aqui na empresa. — Ela riu. — Então é impossível que ele me incomode. Geralmente é ele na sala dele e eu aqui, e seu pai é um homem bastante ocupado também, isso eu posso provar. — Pegou uma de suas agendas e balançou de forma inocente para que o garoto a visse.

— Como assim não tem contato com ele “aqui na empresa”? — perguntou curioso. Surpreendeu até Jessica que não procurou esconder o sentimento.

— Você não lembra? — Adrian acenou negativamente com a cabeça. — Eu costumava ir na sua casa quando sua mãe não estava para cuidar de você quando era menor. Quando cresceu não foi mais preciso já que sua mãe se aposentou.

— Sério isso?

— Sério! — Ela riu, divertida com a situação. — Cuidei de você até uns dez anos mais ou menos. Seu pai me contratou como secretária poucos anos depois, gostou do meu trabalho e estou aqui até hoje. Como eu disse, ele é um homem bem ocupado, raramente estamos juntos agora, no máximo os jantares em sua casa.

Bom, pelo visto tinham um ponto em comum em relação a seu pai, por mais que esse ponto não fosse o ódio mútuo. Ambos viam o loiro mais velho poucas vezes e eram distantes dele, por mais que devessem ser próximos, ele por ser filho e ela por ser a secretária agora.

— Nem queira ficar ainda mais perto dele, ele é insuportável.

— Não precisa ser tão duro — disse calmamente, sem lhe cobrar nada seriamente, mas Adrian sentiu verdade em suas palavras.

E por um segundo, Adrian pensou em levar a sério suas palavras e tentar entender o pai. Jessica sempre foi a mais amável com ele dentre os funcionários daquela empresa, sempre o tratou bem e não como o vândalo filhinho de papai como todos o viam, ela foi diferente desde o início e, por essa razão, tinha um peso maior para ele, tinha conquistado sua confiança e respeito, apesar de não saber se poderia dizer que eram amigos, por mais que gostasse de pensar que sim. Suspeitava que poderia considerá-la como amiga, uma vez que ela cuidou dele desde pequeno. E, no momento em que ela disse isso, Adrian chegou a pensar que talvez existisse algo a mais além de seu pai rabugento, ausente e viciado em trabalho, poderia até existir um ser humano ali.

Por um momento, pensou em compreender Mark. Então lembrou-se que era de seu pai que falavam, o mesmo pai que não aguentava mais o filho e agora o mandava para o outro lado do mundo.

— Impossível — respondeu puramente.

Talvez Jessica tivesse uma resposta para isso também, porém Adrian nunca saberia, pois nesse momento a porta do escritório foi aberta e dois homens saíram de lá. Um de cabelo ruivo extremamente claro que atravessou a sala murmurando um breve “Tchau” por educação antes de sair e fechar a porta e um louro já conhecido, esse último com um sorriso no rosto para a secretária que logo desapareceu ao cruzar o olhar com o filho.

Mark...

— Pegue suas malas, estamos indo agora — disse ele, pegando uma delas para ajudar a transportar as roupas.

— Sim, papai — respondeu com nítido deboche. Mark não reagiu, apenas continuou segurando a mala maior enquanto esperava o filho se ajeitar com as duas menores.

Sem disfarçar sua indisposição, Adrian deixou a sala com o pai, despedindo-se brevemente de Jessica. Sentiria falta dela.

Adrian olhava a paisagem através do vidro da janela do carro, os prédios da cidade que logo deixaria e não veria por meses talvez, ou semanas. Era tão injusto ser mandado embora por uma birra do pai. Quem ele pensava que era? Ficar sentado vendo a cidade passar diante de seus olhos à medida que se aproximavam do aeroporto era como observar sua vida passando diante dos seus olhos, pois sua vida estava prestes a acabar. Estava tão exausto e revoltado que nem encontrava palavras boas o suficiente para expressar isso.

Mal tivera tempo de se despedir de seus amigos, pois não os encontrou noite passada quando deixara o clube e muito menos pôde sair sem supervisão hoje. Até deixou mensagens para Shanola e Nate e deu um longo e demorado abraço em Maeve, seu coração doído ao ver as lágrimas escorrendo pelo rosto da irmã mais nova enquanto lutava para não deixar as suas escaparem.

— Não vai falar nada? — perguntou seu pai, não desviando os olhos do trânsito enquanto chegavam no aeroporto. Estava movimentado e cheio de gente. Adrian se perguntava como se moveria entre tantas pessoas, porém seria ótimo para uma possível fuga. — Ficou quieto o caminho inteiro.

— E você quer conversar? — perguntou de volta, observando o pai através do reflexo do vidro enquanto estacionavam. Sem ver nada de especial, voltou os olhos para os outros carros. — Porque eu não quero.

— Na verdade, eu quero. — Seu pai realmente não sabia entender uma direta. Não era que Adrian não quisesse falar, só não queria falar com ele em específico, principalmente naquela situação. — Você está quieto, não é comum de você.

Ele fez uma manobra, colocando o carro em uma vaga sobrando antes que outro carro o fizesse, o motorista berrou e Mark sorriu consigo mesmo em triunfo, mas logo voltou o ar falso de preocupação. Adrian não esperou para encarar aquela face e abriu a porta, batendo-a com força logo em seguida e se escorando no veículo.

Procurou dirigir sua atenção para qualquer coisa que não fosse seu pai enquanto o porta-malas era aberto e as malas eram tiradas de dentro dele. Havia um passarinho sobre um fio de luz, logo um segundo pousou ao seu lado para lhe fazer companhia, em pouco tempo os dois estavam se beijando, ou o que quer que estivessem fazendo com seus bicos daquele jeito.

— Me ajude com suas malas — pediu seu pai, fazendo o mais novo bufar.

Adrian pôs a mochila nas costas, pegou as duas malas e saiu em direção ao aeroporto, sem esperar pelo pai. Sabia que era seguido, pois ouvia os pedidos de espera, todos friamente ignorados. E continuou ignorando quando adentrou o local, se dirigindo à sala de espera.

Já havia viajado com a família em férias, partindo daquele mesmo aeroporto, portanto lembrava-se de onde ficava cada sala, cada coisa ali, não precisava perguntar a ninguém, muito menos esperar pelo seu pai. Caminhou a passou decididos, tentando não ceder ao peso do que carregava e parar para descansar, pois isso poderia significar ser alcançado por aquele que vinha atrás de si, cujos pedidos de espera haviam cessado ao ver sua ineficácia.

A sala de espera estava cheia. Adrian atravessou-a até encontrar algum assento livre e, para sua decepção, o único que encontrara estava ao lado de outro também livre. Em uma atitude birrenta, desfez-se das coisas que carregava, colocando-as no chão e a outra em um dos assentos, o que não iria ocupar. Ficou encarando o lugar livre com um olhar de tédio. Não queria estar ali. Não deveria estar ali, deveria estar em casa assistindo televisão com sua irmã, jogando algum jogo online ou saindo com Nate e sua namorada como geralmente ocorria nos fins de semana.

— Podia ter me esperado — disse seu pai chegando com o restante das malas e desocupando o banco que Adrian tinha estrategicamente ocupado e sentando-se nele. Colocou a mão no bolso da calça e de lá tirou uma espécie de carteira. — Aqui, já segure com você.

Entregou o passaporte para o filho que, com cara fechada, aceitou e botou em seu próprio bolso. Quando estava prestes a se sentar ao lado do pai, uma ideia improvável cruzou sua mente como uma faísca no céu estrelado. Era uma ideia arriscada, improvável e que provavelmente não daria certo, mas era sua única opção naquele instante. Além do mais, conhecia a alternativa. Era uma boa incerteza contra uma certeza que lhe embrulhava o estômago.

— Vou no banheiro — informou ao pai, saindo da sala sem esperar uma resposta. — Cuide das malas. — Sua velocidade com certeza era suspeita, mas Adrian não se importou com isso, afinal Mark teria de permanecer ali, pois alguém teria de cuidar da bagagem em sua ausência. Pensando bem, seu plano mal elaborado no calor do momento tinha suas chances de dar certo.

Se afastou da sala alguns metros, parou no meio do corredor, no meio das lojas que ali haviam, e olhou para trás para ter certeza que seu pai não o seguia. Apesar da quantidade de pessoas que ali transitavam, um louro alto de terno se destacaria facilmente na multidão, principalmente sendo ele o alvo de suas buscas. Olhou de rosto em rosto, buscando os olhos azuis tão parecidos com os seus, porém, para sua sorte, não os encontrou. Deviam estar vigiando as malas de acordo com seu plano.

Subitamente, mudou o seu caminho, indo em direção à saída. Sabia estar adiando o inevitável, porém era aquele o seu modo de rebeldia, de se voltar contra aquelas atitudes idiotas e sem sentido de seu pai, contra essa decisão dramática, exagerada e injusta que, até o momento, Adrian se negava a acreditar que levava o apoio de sua mãe. Tinha muita coisa errada ali, muita. A nova escola era espetacular, não podia negar isso depois da noite que passara buscando informações sobre ela. Mas sua vida não era lá, sua vida era ali, em Nova York, ou era até o momento em que seus pais tramaram para arrancá-la dele.

E, decidido a seguir em frente em suas atitudes e em seu plano, se dirigiu ao segurança ante à área de embarque, não sem antes olhar ao redor mais uma vez em busca de um certo louro. Não havia sinal dele em lugar nenhum. Adrian voltou a andar até o segurança, chamando sua atenção com um pigarreio.

— Pode me ajudar? — perguntou, tentando passar preocupação e poder em sua voz. Logo notando o quão difícil era fazer isso. — Preciso de um favor.

— Dependendo do que for... — respondeu ele. Prestativo e desconfiado ao mesmo tempo. Não estava negando de imediato, mas havia um segundo olhar, afinal não teria porque confiar em um adolescente suspeito como ele logo de cara.

— Resumindo a situação toda: meu pai está me forçando a ir morar em um internato do outro lado do mundo e eu não estou muito a fim de ir — informou, resumindo toda a sua desgraça em poucas palavras. — Então vou sair do aeroporto e adiar minha ida, afinal tenho coisas pendentes por aqui. Então se meu pai perguntar por mim, você só precisa dizer a ele que me viu entrando no avião.

Os olhos do segurança se arregalaram com suas palavras, o que era mais que compreensível.

— Olha, garoto, sinto muito por sua situação, mas não posso fazer isso. Não vou mentir para seu pai.

Adrian já esperava por essa resposta, claro. Não tinha acabado por aí.

— Te dou quinhentos reais em dinheiro se prometer me ajudar. — Recorreu ao dinheiro, sabendo que poucas pessoas resistiam a uma proposta daquelas. E ganhar quinhentos reais por uma pequena mentirinha era algo tentador, Adrian já via o desejo refletido nos olhos do homem junto da resistência, não era uma quantia de dinheiro para se jogar fora. — O que acha?

Ele abriu a boca para responder. Refreou-se no mesmo segundo, repreendendo a si mesmo.

— Desculpe-me, não devo aceitar nenhum suborno.

Essa era uma resposta que ele não contava. Não havia chego ao fim.

— Setecentos e cinquenta! — Deu o novo lance, a fim de fisgar o segurança com uma quantia maior de dinheiro.

E por um segundo, soube que tinha ganho, soube que a vitória era sua. Mas seu triunfo foi rápido, pois logo a derrota chegou mais feroz do que nunca na forma de uma repressão. Ela não veio do segurança, foi outra voz.

— Então é isso que você tem feito enquanto eu esperava você voltar? — questionou ironicamente em desafio. — Subornando seguranças?

— Oi, pai — disse já sabendo quem era, depois se virou para ele, dando as costas ao segurança que tentava disfarçar à vergonha por ter caído nas tentações do dinheiro de um garoto de dezessete anos. — E as malas? — Tentou mudar de assunto.

— Despachadas. Você vai encontrá-las quando chegar na cidade da escola que, antes que eu esqueça de avisar, vai encontrar um funcionário do colégio para te levar até ele. — Pelo visto a mudança de assunto havia dado certo. — E não mude de assunto. — Ou não. — Não acredito que estava tentando subornar um segurança. Você não tem noção das coisas?

Adrian calou-se na mesma hora, sentindo vergonha de si mesmo. Vergonha de ter sido apanhado. Se seu pai não tinha se importado em descer tão baixo apenas para manter a integridade das paredes da empresa, ele não se importava de ter descido ao nível do suborno. Tal pai, tal filho.

— Sabe, é exatamente por isso que sua mãe e eu estamos te mandando para lá. Talvez assim você crie um pouco de maturidade e entenda um pouco sobre como é a vida adulta. — Seus olhos faiscavam enquanto sua boca dizia sem vergonha algumas das palavras que pareciam estar entaladas nele desde que tomara essa decisão ridícula. — Se fosse possível, queria evitar dar essa bronca, mas é inevitável depois de tantos avisos ignorados.

Aquela foi a gota da água. Até então, suportara as palavras do pai sem se impor contra elas. Não mais.

— ENTÃO AGORA VOCÊ TEM TEMPO PARA ME DAR UMA BRONCA! — disse a plenos pulmões, não se importando com a atenção que atraía para eles, pois em questão de minutos nem estaria mais naquele país. Pela sua visão periférica, pôde ver um avião adentrando a pista de pouso e parando a muitos metros de onde estava. — AGORA TEM TEMPO DE QUERER SER PAI! — Viu o choque surgir no rosto do pai, mas não se importou com ele. Apenas baixou o tom de voz, mudando o tom descontrolado para um mais gélido e cortante: — Porque nos últimos anos nunca esteve lá quando seus filhos precisaram e agora acha que pode voltar quando bem entender às nossas vidas. Você nem nos conhece mais! Não queira agir como um pai agora! — Concluiu em palavras pausadas para se fazer bem entendido. Isso foi o mais próximo que já chegou a conversar sobre sentimentos com seu pai, o mais próximo que seu ego permitia. Ainda assim, não queria ouvir sua resposta. Não estava preparado para ouvir. — Por favor.

Os olhos arregalados deixavam implícito o quanto as palavras do filho o atingiram, fora uma completa surpresa para ele. E o sentimento de vergonha por ter confessado o que por anos manteve para si, a indignação por estar sendo despachado daquele modo, a solidão que o corroía e a prepotência nas palavras do pai impediam que o garoto se arrependesse.

— Adrian... — Mark balbuciou, entretanto, não haviam palavras a serem ditas que amenizassem a situação entre os dois. Aquela relação já havia sido desgastada demais e um deles nem sequer percebera isso até o presente momento, enquanto o outro sentira esse desgaste crescendo dia após dia até chegar àquele ponto.

Com o canto do olho, Adrian viu as pessoas embarcando no avião com o mesmo destino que ele. Não conseguiam ouvir a confusão de onde estavam, por isso não olhavam para eles.

— Pro favor, não diga nada. — Adrian deu as costas para o pai. As malas já haviam sido despachadas, portanto não havia mais motivos para permanecer ali. Começou a andar em direção à pista de embarque. Foi surpreendido por uma mão em seu braço. Ele o puxou de volta antes que o pedido de espera fosse ao menos finalizado. — Não há mais nada a ser dito, já falamos mais do que o necessário.

E, sem arrependimentos no coração, porém cheio de palavras ainda não ditas, Adrian seguiu seu caminho, deixando seu pai e a vida que conhecia para trás.


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Notas finais do capítulo

E, como sempre, Adrian não sabe se controlar nem um pouco. Agora é totalmente oficial, a família conseguiu se livrar dele um pouco (será?), mas e nós conseguimos?
Jessica como toda babá esquecida de infância é um doce de pessoa e, como todo bom funcionário, prefere evitar falar mal do chefe porque gosta do emprego? Quem nunca? :P
Espero que tenham gostado, comentários são sempre mais que bem-vindos e em breve teremos outro capítulo :3



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