Os Humanos escrita por Camélia Bardon


Capítulo 2
Um laço para a vida


Notas iniciais do capítulo

Oioi! Fico muito feliz com a boa recepção do capítulo anterior, obrigada pelo carinho de sempre ♥ O capítulo de hoje conta mais um pouquinho da relação da Ginger com a Lily, a antiga dona do Hércules.

eu·ti·mi·a
substantivo feminino

— Tranquilidade de espírito; paz interior; serenidade; sossego.



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Era bem mais fácil para Ginger enxergar tudo colorido e alegre em todo seu esplendor quando era mais nova. Agora, crescida e um tanto mais experiente, continuava alegre; entretanto, enxergava o colorido com alguma nuance opaca ocasionalmente aqui e ali.

Talvez o grande sinal identificador de seu amadurecimento foi ter pintado as madeixas alaranjadas de castanho na primeira oportunidade. Ou, talvez, a pequena rebelião ao decidir voltar para a cidade que tanto bem lhe proporcionou ao invés de ir mais adiante.

Morar na capital. Preços de moradia exorbitantes. Mais emprego disponível, porém mais a provar para os pais. Ginger os amava de todo o coração, mas isso batia de encontro com sua própria independência. Portanto, bateu o pé e voltou para a cidade litorânea de sua adolescência... De seu primeiro amor. Não, esse tinha ficado para trás e podia já ter muito bem seguido em frente.

Poderia procurá-lo... Nem que fosse apenas para dar um oi. Mas ao fazer isso, não pareceria desesperada? Não, não. Ela tinha feito sua escolha. Nathaniel era apenas uma lembrança doce. Era capaz que, se mexesse com quem estava quieto, apenas abriria mais a ferida.

 Portanto, após piscar algumas vezes e ver os pontos positivos na situação que se encontrava, Ginger pensou: estarei fazendo bem a quem precisa. Independente se é um trabalho sério ou não.

Aliás, o trabalho era aparentemente o de apena fazer gracinhas. No entanto, para todos os atores ali era algo bem sério. Ao longo do mês, durante o “camarim” – um amontoado de garotas no banheiro, perucas na pia e tinta e maquiagens distribuídas em pequenos estojinhos em todo o lugar – era comum ouvir comentários agridoce. Um deles, ainda fresco na cabeça da garota, vez ou outra pipocava em seu subconsciente enquanto se preparava.

Enfermeiros e médicos ajudam a cuidar do corpo. Nós cuidamos da alma.

Daí em diante, sempre que não se sentia lá tão pronta para o dia, recordava-se de que podia fazer a diferença no dia de alguém.

Ainda que a recomendação geral fosse de não ter pacientes preferidos, todos sabiam que era praticamente impossível não se apegar a um rostinho conhecido. Com Ginger, o favoritismo saudável caiu em Lily. Lily era uma paciente do setor de oncologia, ostentava seus seis anos com um enorme sorriso de quem mal ligava para estar doente. Apesar de toda a energia e disposição próprias da idade, os medicamentos que consumia a derrubavam durante o dia. À Ginger, sobrava apenas a noite para interagir com a garota.

— Boa noite, capitã Lily — Ginger cumprimentou, fazendo uma reverência cômica para a menina sentada de perna de índio na cama. Em seguida, voltou-se para o gato dela, sempre fiel ao manter-se ao lado da garota por toda a noite. — Imediato Hércules.

O gato preto, por sua vez, balançou o rabo de modo simpático, reconhecendo sua presença ali.

— Oi! — Lily devolveu o cumprimento, ajeitando-se na cama. — Você viu? A Maggie foi transferida de setor.

Ginger lançou um olhar para o leito vazio. Sabia bem o que “transferida de setor” significava, e tinha o palpite de que Lily também sabia. As duas faziam um bom trabalho em usar de eufemismos uma com a outra.

— Vou sentir falta dela... A gente ‘tava fazendo maratona da Disney...

— É? Em que filme vocês pararam?

Os olhos de Lily brilharam com o convite velado.

— O Corcunda de Notre Dame!

— Ah, esse é um dos que eu mais gosto — Ginger sentou-se na cama ao lado do gato, apoiando os cotovelos na grade metálica.

— É mesmo?

— Mas é claro! A Esmeralda é pura elegância, só não mais que a cabra.

Lily gargalhou, concordando com a cabeça. Naturalmente, a garota esgueirou-se pelas beiradas da cama até alcançar onde a palhaça estava. Daí, sentou-se confortavelmente no meio de suas pernas, olhando para cima com um sorriso banguela.

— Posso ficar aqui?

— Claro que pode — Ginger piscou para ela, repousando um dedo no nariz delicado da garota. Em resposta, Lily fez o mesmo com o nariz vermelho de plástico de Ginger. — Fom-fom.

Como sempre, Lily deleitou-se com a brincadeira. Já Hércules transitou entre os locais para deitar-se entre as pernas de Lily, completando a escadinha.

Ginger estava acostumada a passar a noite brincando e rindo, no entanto naquela permaneceu a maior parte em silêncio, apenas escutando a cantoria das partes musicais do desenho. Era bom sentir-se útil.

◌ ◌ ◌

Quando Lily foi “transferida de setor”, um mês depois, Hércules continuou deitado em sua cama, aguardando pacientemente o retorno da dona. Mesmo quando ela não voltou, Hércules continuou olhando a acompanhante de sempre com um olhar de expectativa.

— Ela não vai voltar — Ginger sussurrou, pegando-o no colo. Não esperava que ele entendesse, mas o clima de eutimia facilitou sua compreensão. — E agora, o que vamos fazer sem ela?

Gato e humana permaneceram alguns minutos em silêncio, como sinal de respeito. Quando menos repararam, lá estavam os pais de Lily, parados na porta do quarto. Com o movimento, Ginger sobressaltou-se. Estava com metade da maquiagem desfeita, portanto levantou-se de supetão.

— Olá! Desculpe, eu estava...

— Não há problema — a mãe replicou, num fiapo de voz. — Na verdade, eu...  Nós gostaríamos de lhe pedir um favor. Lily falava de você todos os dias.

O coração de Ginger contraiu-se no peito.

— Eu também a considerava muito querida.

— Sabe, nós... — o pai continuou, pigarreando para conter a emoção. — Adotamos o Hércules para ajudar a Lily no tratamento. Agora... olhar para ele fica cada dia mais difícil. Sempre associamos a visão dela com ele.

Ginger assentiu com a cabeça, com cuidado.

— Certo...

— Gostaríamos de saber se não quer ficar com ele. Sabemos que ele iria para um lar amoroso, e não queremos devolvê-lo. Seria crueldade com quem não tem culpa... Além disso, ele já é castrado e vacinado.

Ginger olhou para o gato aninhado confortavelmente em seus braços. Não precisou pensar duas vezes. Podia se virar para pagar os ajustes no apartamento.

— Claro, não se preocupem. Cuidarei dele.

Naquela manhã (e todas as outras posteriores), Ginger e Hércules fizeram companhia um ao outro.


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Notas finais do capítulo

Porque aqui a gente não vive só de comédia *assoando o nariz*
Até o próximo!



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