Saudações, meu anjo da guarda…

É sábado, papai e mamãe em casa hoje. Seus irmãos preguiçosinhos ainda estão dormindo. Não é pra menos, afinal, a manhã está nublada e chuvosa.

Esse clima deixou-me inspirada. Lembrei de quando descobri que estava grávida de você. Estava chovendo, o céu não tinha cor, mas não era um dia triste, era o completo oposto.

Estava passando mal já tinha uns dias, sem apetite, enjoada, e insistia a seu pai que não era nada. Prometi que iria me consultar com um médico se não melhorasse. Ele então, através de um exame de sangue, me deu a notícia de que eu estava grávida de três semanas. Você estava dentro de mim, meu amor...

Foi um misto de surpresa, alegria e medo, pois nunca pensei em ser mãe. Nunca achei que meu ventre um dia seria como uma furda quentinha e aconchegante para um serzinho tão pequeno. E nunca me ocorreu que sentiria um amor maior do que eu sinto pelo seu pai. Roubou a metade do meu coração e levou com você quando partiu. Sei que não foi culpa sua. Não foi minha também.

Lembro do entusiasmo de sua avó, quase tão feliz quanto eu, saltitando pelos cantos como uma criança que acabou de ganhar um doce e chorando como um bebê manhoso. Foi ela quem me ajudou a organizar toda a surpresa que eu fiz pro seu pai. Fomos ao shopping e compramos um lindo par de sapatinhos amarelos. Eu não sabia se seria menino ou menina, mas também não queria entrar nesse estereótipo de cores. Vovó já tinha cuidado de muitas crianças ao longo da vida e eu sabia que ela me ajudaria no que fosse necessário, então não ficaria tão perdida.

A reação do seu pai foi a mais fofa que eu já vi. Os olhos dele encheram de lágrimas em instantes e ele me abraçou, me tirou do chão, e me deu vários beijinhos.

“Isso é sério?” me perguntou incrédulo, e eu toda boa respondi “é sim”. Ele não parava de dizer “Meu Deus, meu Deus. Eu te amo, eu te amo” com os olhos cheios de lágrimas.

Nossa primeira noite juntos tinha sido mágica, e não foi diferente com as subsequentes, nossa ligação e encaixe são únicos. Jamais achei que isso aconteceria algum dia já que já tive algumas experiências ao longo dos anos. Seu pai é diferente dos outros, é a outra metade de mim. Era de se esperar que uma vez ou outra esqueceríamos de alguma proteção num calor de momento e fogo incontroláveis, mas mesmo assim foi um choque.

Nunca conversamos sobre isso, sobre ter filhos. Não era, digamos, prioridade, sequer passava em nossa cabeça tal hipótese, mas não podíamos estar mais felizes quando a ideia se tornou possível. Quando você, meu amor, estava dentro de mim fisicamente, porque espiritualmente sempre vai estar, no meu coração, e no dele.

Não foi fácil me acostumar com os enjoos e gorfadas instantâneas, mas a decorar seu quarto com todo carinho e mínimo detalhe, ah, eu podia me acostumar facilmente. Foi uma das coisas que eu mais amei fazer durante a gravidez.

Mike e eu fizemos todos os desenhos na parede com tinta e pincel. Estamos longe de ser o que chamam de Picasso, mas ficou uma gracinha. Nos divertimos muito pintando toda a parede com animais, flores, fadas, tudo de fofo que você imaginar. Todo dia era uma bagunça diferente. Em um dos dias de arte, seu pai espirrou tinta em mim sem querer e eu melei toda a cara dele só pra devolver. Nossa barriga doeu de tanto que a gente riu.

Sua avó observava claramente pensando “como essas crianças vão ter uma criança?”.

Porém, nada supera o dia que você se mexeu pela primeira vez.

Estava deitada nos braços do seu pai, na sala, tranquila acariciando a barriga, e sendo acariciada também, até que me queixei de estar faminta.

“Amor, não tem nem meia hora que você comeu” seu pai respondeu.

“Mike, você sabe que agora eu me alimento por duas. É a Flora que está com fome”.

“Ah, vai colocar a culpa na criança, né, sapeca?” não resisti e dei risada. “Uma travessa de lasanha não foi suficiente, mocinha?”

“Não comi a travessa inteira, só a metade. Tá vendo, filha?” conversei com você enquanto continuava a acariciar a barriga redondinha não tão grande “Papai não quer nos alimentar. Vê se pode”.

Foi nesse momento que você chutou pela primeira vez. Gosto de pensar que você tinha acabado de dar uma bronca no seu pai haha. Fiquei imóvel e sorri pra ele que me perguntou o que foi. “Ela mexeu” respondi.

Mike imediatamente deitou a cabeça na minha barriga pra conseguir ouvir.

“Faz de novo, filha” eu pedi. “Briga com o papai”. E você brigou haha. Chutou de novo. Seu pai era a felicidade em pessoa.

Depois do primeiro chute que você deu, passamos a conversar com você todos os dias. Seu pai compôs uma nova música… pra você. Ele tinha criado uma melodia pra mim, inclusive, ainda danço quando ele toca, esse hábito não mudou. A que ele criou pra você é tão melodiosa e calma quanto. Ele tocava todos os dias pra você, principalmente quando você estava agitada, e era incrível que assim que ele tocava, você se acalmava. Do mesmo jeito que se acalmava ao ouvir nossa voz. Porém, ele não a toca mais, pois desencadeia uma crise de choro em mim, e ele não gosta de me ver chorando.

Mesmo sem ter conhecido seu rostinho, sua risada, seu choro ou seu provável olho azul, eu tenho muitas lembranças suas e continuo conversando com você, sempre que vou regar sua plantinha, ou colocá-la no sol.

Consegue me ouvir?

Desculpe, essa carta era para ser feliz, com momentos alegres e especiais, não era pra falar da dor que eu senti quando te perdi.

Disse que não consegui ver seu rostinho, por um motivo, mas isso eu conto depois.

Amo você, minha florzinha.

~ Mamãe.