Voe X Livre X Coração X Selvagem escrita por Afrodeus da dança


Capítulo 8
Voe X Pelo X Deserto - Parte 02




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Muriel Andrade finalmente encosta no rochedo que seu grupo havia combinado de chegar antes de um descanso. Ela sente sua testa escorrendo em suor e abraça o rochedo, sentindo seu corpo amolecer. Marta é a que está em melhor estado, e mesmo ela está com a respiração pesada. Johnny se encosta na rocha, de costas, e deixa seu corpo amolecer.

— Eu jurava que não era tão longe — ele diz, em um riso triste.

— Né? Levou… Levou quanto tempo? Eu perdi noção do tempo desde que saímos — Muriel começa a rir. — Marta, me dá água.

— Você vai tomar cuidado? — ela indaga enquanto pega a garrafa.

Muriel bufa, os ombros caindo e ela fazendo que sim com a cabeça. Marta sorri e joga a garrafinha para ela, que pega sem problemas. Reflexos ainda afiados. Marta volta o olhar para o céu. Logo iria anoitecer, o sol já está se pondo. Ela retorna o olhar para Muriel, para averiguar que ela não iria beber da água toda, mas surpreendentemente, ela não fez isso nenhuma fez e nem agora. Marta Latynia está feliz, pois tinha se preparado mentalmente para o estresse que isso poderia trazer e no fim se viu livre disso.

— Bem, está anoitecendo — Johnny fala, tirando a sua mochila e a deixando aos seus pés. — Melhor acharmos um lugar para descansar e tudo mais.

Marta assente com a cabeça, relutante pois queria avançar um pouco mais. Só que sabe que os dois companheiros já estão cansados demais e que é melhor usar essa noite para descansar e usar o próximo dia para ir com força total. Muriel nota algo no rochedo e sorri.

— Tem uma caverna aqui, podemos usá-la, hein? Se esconder do frio. Fazer uma fogueira, dormir gostosinho oito horinhas — ela diz, já entrando na caverna.

— Muriel! Não entre assim em algum lugar desconhecido! — Johnny exclama, indo atrás dela.

Marta suspira, suprimindo um risinho, e segue os dois para dentro da caverna. Johnny finalmente alcança Muriel e a impede de sair entrando com tudo.

— Ei, o que foi? É só uma caverna — ela reclama.

— Ainda assim. Cuidado demais não mata — ele retruca, sentindo um cheiro estranho.

Johnny nota que o piso da caverna é inclinado e que estão, lentamente, descendo. Ele respira fundo, ficando tenso.

— Então hoje a gente tira pra descansar — Muriel fala. — A gente come, bebe, descansa. E amanhã vamos com tudo, certo?

— Isso ae — Marta responde. — Precisamos alcançar Arthur e Gisele. Provavelmente devem estar indo descansar agora, mas vão estar bem mais cansados que a gente talvez.

— Ter saído correndo foi uma ideia de jumento — Muriel comenta. — Mas se fosse um filme focado neles, teria sido daora. Exceto a hora que o Chezan deu a volta e trolou eles.

Marta solta um risinho, junto de Muriel. Johnny ainda está tenso.

— Acha que o Agni e os outros dois estão muito para trás? — Muriel pergunta.

Marta pensa um pouco, murmurando.

— Bem — ela ergue a voz. — Sinto que eles vão avançar agora se não começaram um pouco antes. O Manny não gosta de calor. E agora seria mais “fresco” para se andar, sem o sol na cabeça.

— Acha que vão passar a gente? — Muriel indaga.

— Não. Porque eles não dormiram de tarde. Vão ficar com sono e precisar descansar. Talvez alcancem a gente mas dificilmente ultrapassam — Marta explica.

Quanto mais avançam, mais escuro o ambiente se torna. A visão de todos os três começa a ficar mais e mais fraca, conforme andam corredor adentro. O corredor de pedra se expande em uma área maior. Muriel sorri.

— Podemos fazer a fogueira aqui, que tal? — ela alegremente sugere. — Ah, vai ser incrível. Igual nos filmes. Vamos fazer uma fogueira, comer, contar histórias. Vai ser lindo.

Johnny tenta rir com o que Muriel fala, mas ele nota que tem uma fogueira ali na frente. Uma fogueira com brasas ainda. Recentes. Muriel entra no espaço antes dele, ainda no corredor. Duas pessoas partem para cima dela, derrubando-a. Johnny acaba avançando no intuito de ajudar a colega e uma pessoa o empurra. Marta consegue ver o vulto de alguém partindo para cima dela e solta a bola, usando o braço livre para acertar a pessoa com um soco. A bola quica no chão e ela a chuta, ouvindo o barulho dela acertando seu agressor.

Ela escuta a pessoa cair. Johnny se levanta e expande sua aura, para que pudesse sentir todos ali naquele lugar, seu corpo ficando rígido e compenetrado. Apesar de imóvel, ele agora “vê” todos ali. O ar sai de sua boca, pesadamente, e ele então inspira novamente. Ele avança bruscamente, e aplica um mata leão na pessoa que provavelmente o empurrou anteriormente. Muriel ainda está no chão, com duas pessoas segurando-a. Pessoas… Pequenas.

“Crianças?” se pergunta Johnny, sentindo-as através de seu nen.

Ele engole em seco.

— Atenção, nós não estamos em busca de confusão. Somos três jovens em viagem para York Shin. Não queremos brigas aqui, apenas iríamos passar a noite aqui. Se isso for um problema, partiremos agora mesmo — Johnny diz, reunindo toda a coragem em seu ser para falar aquilo de modo convincente.

Silêncio toma conta do lugar, com exceções de barulhos vindos de Muriel tentando se soltar. Duas pessoas pequenas seguram elas. Muriel pragueja dentro de sua mente. “Anões”.

— Somos uma família tentando ir para York Shin, também. Só que nós fomos roubados — uma voz feminina fala, próximo de Johnny. — Pensamos que poderiam ser eles voltando apenas para… Nos atormentar. Vocês… Vocês não são eles, né?

Marta suspira, respirando fundo e retomando a calma.

— Não, não somos. Podem ficar tranquilos. Só queríamos nos proteger da noite — Marta fala.

Suspiros de alívio são ouvidos. Muriel se debate.

— Tá, agora sai de cima de mim — ela bufa e consegue se soltar e sentar.

Quando acendem a fogueira novamente, os três jovens se vêem diante de um pai, uma mãe e dois filhos, um garoto e uma garota. Deveriam ter a idade de Manny ou menos. Marta ainda está próxima a saída, ainda desconfiada e atenta, usando sua aura para sentir qualquer aproximação. Johnny está praticamente relaxado, tendo confiado no que lhe foi dito e ao ver o estado deles. Muriel está com fome.

— Ei Johnny — ela sussurra para Johnny, se aproximando dele e puxando ele pela manga de sua roupa. — A gente vai ter que dividir nossa comida? Eu tô com fome.

Johnny suspira.

— O que roubaram de vocês? — ele indaga.

O pai, um homem robusto, olha para o garoto e fala:

— Levaram nossa carroça, junto com nossas coisas nela. Roupas. Comida. Pertences.

— Nossas coisas — a filha diz, com a voz embargada de choro.

Johnny fica pensativo, se agachando e mexendo em suas coisas. O correto é dividir a comida com eles.

— E como eram esses bandidos? Creio que sabermos como eles são seria útil — Marta comenta. — Afinal, estamos indo para York Shin também.

A mãe pensa um pouco.

— Era um grupo grande. Uns vinte? Não tenho certeza — ela resmunga, colocando a mão no queixo.

A mulher começa a descrever todo o roubo, com a mente de Muriel começando a se abstrair dali. Ela começa a brincar com a saliva enquanto fica olhando a fogueira. Escorre. Puxa de volta. Escorre. Puxa de volta. Consegue entender falando sobre o incidente, que cercaram eles e puxaram armas e ameaçaram matar a todos ali. O pai fala algo sobre como iriam terminar a viagem sem as provisões e as coisas roubadas.

“Espero que a gente não tenha que ser babá”, Muriel pensa, puxando a baba de volta para sua boca e suspirando.

— Podemos ajudar vocês, afinal também estamos indo para York Shin também — Johnny alegremente diz.

Os olhos de Muriel se arregalam enquanto ela é subitamente puxada de volta para o presente. Ela não quer dividir a comida dela. Deu duro por ela. Tipo, ela teve que pôr na mochila. E esconder coisas extras na roupa. Johnny que divida a dele. Ela já tem que sustentar a si mesma. Pelo jeito que Marta resmungou e acenou a cabeça, ela provavelmente está de acordo em ajudar aquela família. Muriel pensou que ela iria recusar, já que ela queria chegar primeiro, e com essa família, ficariam ainda mais para trás de Arthur e Gisele. E ainda tem o outro trio, os alunos da Angela.

“O time Muriel acaba de ganhar uma âncora”, ela pensa, apoiando o rosto em sua mão.

— Muriel, tem alguma reclamação? — Marta indaga, percebendo a cara que a colega fazia.

Muriel suspira.

— Eles vão nos atrasar. E sinceramente, nossa comida talvez não renda para tudo isso de gente. A gente planejou para nós. Não para uma família extra.

Marta assente com a cabeça, um tanto assustada. Muriel está… Certa. Por mais que seja a atitude certa, simplesmente levá-los pode não dar certo.

— Mas se querem levar eles, de boa. Mas eu não quero dividir minha comidinha — ela ri.

Johnny olha para Muriel um tanto quanto bravo.

— Muriel!

— Ei, qual é — Muriel retruca, bufando. — Eu dei duro pra poder ter comida. E além disso, se tem mesmo ladrões no caminho para York Shin, tu vai concordar comigo que nós três com fome não vamos conseguir nos defender?

Marta está ainda mais perplexa. Muriel está certa. De novo!

— Muriel, eles precisam de ajuda! — Johnny retruca.

— Sim, claro. Só que isso não vai ajudar eles se a gente for pego pelos mesmos bandidos — Muriel resmunga. — Mas se duas pessoas votaram que vamos levar eles, nós vamos, com toda certeza.

Muriel no fim concordou porque pode fazer a família carregar a mochila dela. Talvez até abanar ela. Isso pode ser útil. Johnny começa a preparar comida, tentando fazer uma ensopado para que possa render mais. Muriel está encostada em um canto da caverna, encolhida e com o corpo mole, para economizar energia. Seus olhos estão fechados e um pouco de saliva escorre de sua boca. Se pergunta quantos dias de verdade precisa-se para atravessar o deserto. Queria logo voltar para casa. Sua nova casa. A cama macia. Sucrilhos. Banho quentinho.

Algo a tira de seus devaneios, um barulho vindo da entrada da caverna. Vozes. Marta também ouviu, ficando com o corpo tenso. E se aquilo fosse no fim uma armadilha mesmo? Marta pondera isso. Fazer eles baixarem a guarda em um ambiente pequeno e fechado como aquele. Ou será que é só os bandidos mesmo, tendo retornado para acabar com o que sobrou dessa família? Marta respira fundo, olhando para Johnny que também já percebeu. Ela então olha para Muriel, que ainda parece estar dormindo. Marta começa a se aproximar devagar com a sua bola de baixo do braço direito. Passos cuidadosos para que não façam barulho. As vozes ficam claras.

— Eu não acredito que depois de um dia todo descansando, agora vocês querem descansar por estar frio demais — alguém diz.

É a voz de Manny, junto das risadas envergonhadas de Agni e Derren.

— Nós não conseguimos descansar de verdade de tarde — Agni responde, tímido. — Parem. E falem baixo.

— O que houve? — Derren indaga, ainda em um tom de voz alta.

Agni faz um longo “shiu” para o amigo. Ele notou a luz da fogueira.

— Tá tudo seguro — Marta diz, quebrando a tensão.

Os três jovens que entravam na caverna levam um susto, com Derren acabando por soltar um gritinho de susto junto de Manny. Muriel solta um risinho e volta a fingir que está dormindo.

— O que vocês estão fazendo aqui? — Agni pergunta alegre.

— Viemos fazer uma pausa para dormir. Fugir do frio também — Johnny conta rindo, notando que Agni está tentando disfarçar que está tremendo de frio. Sem sucesso, claro. — Bem, vamos para a fogueira. Temos muito o que conversar.

Eles se dirigem até a fogueira, com Marta se admirando do quanto conseguiram avançar no período em que pararam para descansar. Por sorte, Agni e Derren decidiram parar. Johnny, por outro lado, sabia que não poderia subestimar o time de Agni, e está feliz por eles terem parado ali, afinal, tem bandidos na estrada.

“Só espero que Arthur e Gisele saibam lidar com isso", ele reza.

Marta e Johnny, com ajuda dos pais da família, explicam a situação para os três recém chegados. Manny fica conversando com os filhos do casal, enquanto Derren tenta fingir seriedade no assunto quando na verdade está esperando a conversa acabar para perguntar se pode comer. Marta aproveita e traz o que Muriel disse, achando importante deixar todos os fatos na mesa.

Ao fim, Agni está com um semblante sério.

— Então, o que pensam em fazer? — ele pergunta.

— Antes de vocês chegarem, pensávamos em apenas levá-los conosco, em segurança, mas com vocês, com a gente, com o Agni junto, a gente pode tentar ir atrás das coisas deles.

Derren ergue uma sobrancelha.

— Acha que damos conta? — ele pergunta.

Marta sorri, confiante.

— Estamos treinando para ser Hunters — ela responde.

O casal que ouve a conversa se entreolham. Eles querem ser Hunters. Isso explica  bastante coisa.

— E cá entre nós — Johnny sussurra. — Todos nós quatro sabemos a base ou além de nen.

— É, se forem só bandidos normais… Nós podemos dar conta deles sim — Derren diz, subitamente entusiasmado.

Agni suspira e sorri, se espreguiçando.

— Como eu posso dizer não a isso? Fechado, vamos fazer isso aí — Agni diz. — Mas que tal agora comermos?

— Te falar que tava pensando nisso — Derren resmunga.

— Mas eu acho que Derren precisa ficar aliás — Agni fala. — Digo, Muriel e Manny são bons? São, mas...

— Bom mesmo que saiba disso — Manny comenta.

— São os nossos novatos, deixá-los sozinhos cuidando da família pode ser um pouco ingênuo. Derren, você é ideal para isso. E você é o mais fraco dentre nós quatro então… Você agrega mais aqui do que lá.

Eles riem, com exceção de Derren. Por um lado ficou triste por não poder ir junto, mas por outro lado está feliz que vai poder ficar descansando.

— Bem, se você tá dizendo que é melhor — ele dá os ombros. — Mas é triste saber que Arthur e Gisele vão ficar, tipo, bem a frente da gente.

Agni dá os ombros e o casal de viajantes ajuda a servir os três jovens que se juntaram na caverna com sopa, com Johnny ajudando a dar uma incrementada nela com um pouco de comida cedida por Agni. Muriel, ainda acordada e apenas fingindo estar daquele jeito para que possa ser deixada de fora de conversas sérias e poder ficar relaxando. Ela ouve Manny e as crianças do casal brincando, começando a perguntar sobre porque eles querem ser Hunters. Os pais curiosos igualmente para ouvir as histórias dos colegas de Muriel.

“Eu poderia contar coisas incríveis sobre mim desse nível?” A pergunta surge na mente de Muriel.

Ela se encolhe mais e deixa sua mente levemente se desligar do que lhe prende ali, se sentindo afundar em si mesmo.

Muriel percebe que está em um hospital. Ela vai até o balcão e se estica para se debruçar no balcão.

— Você viu minha mãe?

A balconista olha para ela com um sorriso largo. Assustadoramente largo. Pele branca demais, olhos desfocados.

— Como assim? Sua mãe não está com você? — ela pergunta.

Muriel morde o lábio e nega.

— E onde está seu responsável? Seu pai? — A balconista questiona.

Muriel engole em seco, olhando para trás, estando em casa, e vê seu pai pendurado. Enforcado. Morto.

— Ele está no bar. Bebendo — ela responde, voltando o olhar para frente.

Sentada em uma carteira de escola, um professor olha com um pouco de dó para a garota. Alguém ao lado dela solta um risinho.

— Ela não tem pai nem mãe — o garoto zomba, para um outro amigo.

Muriel ouve o alarme da escola tocar e de repente ela está chutando o garoto que zombou dela. O amigo dele está assistindo a tudo estático, no fundo da escola. O rosto do garoto parecia um morango e Muriel fica mais e mais brava conforme chuta.

"Ele riu porque minha mãe fugiu. E porque meu pai é um cretino que só bebê" ela pensa. "Cadê os pais dele para defender ele então?"

Muriel pisca e de repente está na casa de Solange, chutando quem a matou. Ela recua para trás, assustada.

Muriel acorda, ainda assustada. Os dois adultos já estavam acordados, sentados juntos em um canto e olham surpresos para Muriel.

— Bom dia, querida. Muriel, certo? — a mulher pergunta.

Muriel assente a cabeça em confirmação. Ela se espreguiça, decidindo permanecer acordada. Não tem porque voltar a dormir agora. Ela olha em volta e vê que Marta não está ali.

— Viram a garota loira? A Marta? — ela pergunta.

— Ela acordou bem cedo, um pouco depois da gente — o homem fala, se ajeitando. — Ela está lá fora.

Muriel assente e se levanta, indo até Marta. Ela está de costas para ela, observando o deserto. Muriel sorrateiramente se aproxima até que segura os ombros de Marta, gritando:

— Bom dia!

Marta se assusta, muito focada em seus próprios pensamentos, e acaba dando um pulinho, se soltando de Muriel e tentando chutá-la.

— Ótimos reflexos! Isso aí! Você precisa estar pronta para tudo se for ir resgatar a carroça daquelas pessoas

Marta bufa, colocando a mão no peito.

— Não faça mais isso — ela diz, irritada. — E como sabe que vamos ir atrás dos bandidos? Achei que tivesse dormindo.

Muriel solta um risinho e se encosta nas paredes da caverna, soltando o cabelo.

— Eu só estava fingindo estar dormindo. — Muriel ri. — De todo modo eu fico aliviada de poder ficar descansando. Boa sorte pra vocês.

Marta suspira, passando a mão pelo cabelo.

 

Gisele Bel Air está caminhando sentindo seu corpo pesando. Ainda está cansada, não dormiu o bastante e Arthur não quer fazer pausas de verdade. Mesmo contra as reclamações constantes vindas da colega, Arthur se recusa a pausas. Ainda podem avançar mais.

— Arthur, já é de noite — ela diz.

— O clima está mais fresco — ele responde, com uma voz calma.

— E não descansamos ainda. Mal paramos para comer!

— Podemos fazer isso… — Arthur começa a tentar falar.

— Não! — Gisele o interrompe. — Nós não podemos continuar assim. Okay se você tem tanta energia e força de vontade, mas o seu corpo (e principalmente o meu) precisa de descanso. Por favor, vamos parar por hoje e descansar.

Arthur para, cerrando os punhos. Ela está certa. Ele está sendo teimoso, desnecessariamente. Em vão. Ele olha para frente, na direção de York Shin. Não quer falhar, não gosta de falhar. Mesmo em um treino. Se ele falhar em um treino como esse… O que vai ser dele após se tornar um Hunter? Após sair do título de “aprendiz“ e poder ir atrás do que o motiva.

Gisele, que ficou vendo as costas do amigo sem saber o que fazer, toca o ombro dele. Ele está claramente cansado também. Só sendo teimoso. Ele vira o corpo na direção da colega, a olhando com olhos marejados.

— Vamos descansar então? — ela indaga.

A resposta de Arthur não vem, pois seus ouvidos começam a escutar, mesmo que longínquos, barulhos de motos após um alto assobio. Gisele só percebe alguns segundos após Arthur, que volta a ficar sério e leva a mão para algo preso no cinto de sua calça, em uma bainha de couro simples. E então eles começam a surgir. Motos e mais motos, com seus pilotos e passageiros gritando e uivando, enquanto vão para cima de Arthur e Gisele.

— Se serve de “eu avisei” — Gisele resmunga. — Eu sinto que se a gente tivesse feito pausas de verdade e parado antes, a gente estaria bem mais disposto para isso.

 

Na manhã do dia seguinte, o grupo da caverna acorda cedo e Marta, junto de Agni e Johnny se preparam para sair, junto com o pai da família que estão ajudando. Conversam sobre onde aconteceu o roubo e onde que podem estar alocados, saindo sem muita demora, antes mesmo de Muriel estar completamente acordada.

— Nossa, eles já se foram? — Muriel resmunga, andando com os pés arrastado até Derren, que está na saída da caverna.

O garoto se assusta e se vira para trás rindo, envergonhado.

— Bom dia, Muriel. — Ele acena. — Caraca, você tem pés leves, hein?

Ela ri e se senta ao lado dele, abraçando sua perna direita e olhando o horizonte árido.

— Acha que eles vão demorar? — ela pergunta.

— Olha… Eu treino com o Agni, sabe, e ele é bem forte — o garoto responde. — Então não acho que vão demorar. Todos os três são veteranos. Já estão até desenvolvendo suas próprias técnicas.

— Johnny não parece um cara agressivo — Muriel comenta. — E Marta sim, é forte, mas sinto que eu posso alcançar ela logo.

— Ambos são fortes, mas Agni é mais. Digo Agni, Arthur e Johnny são os mais velhos dentre nós treinando sob tutela dos nossos professores — Derren elabora melhor, mexendo a mão esquerda, gesticulando.

— E aquela Gisele?

Derren para e pensa como por em palavras.

— Gisele é mais forte que eu, talvez. Talvez por pouco. Mas a Marta é definitivamente mais forte que ela — ele responde, olhando para Muriel.

A garota está estranhamente calma. Séria. Derren estranha isso mas não quer falar nada.

— Eu quero ser mais forte, Derren — ela fala, se abraçando mais firmemente.

Derren não sabe o que dizer. O vento sopra pelo local levantando um pouco de areia e poeira.

— Eu quero poder ser forte igual eles. — Ela ergue a mão para ela mesmo, olhando-a e fechando-a. — Não quero ficar de babá para vocês na próxima, que coisa de fracassado.

Derren segura um riso de pura confusão. Isso é bem a cara de Muriel.

— Sinceramente, se ao menos a gente estivesse lá na casa em York Shin, tudo bem! Teríamos televisão. Uma cozinha. Sofás! — Ela continua reclamando soltando a perna que estava abraçando. — Aqui é um saco.

— E por que não desiste primeiro e volta para lá? — Derren indaga, com um sorriso.

Muriel ri.

— E ter que aturar um treinamento de punição? Mais pesado ainda? — Ela dá uma alta gargalhada. — Nem. E além disso…

Muriel aproxima o rosto de Derren.

— Eu presumo que você e o Manny vão desistir primeiro e provavelmente levar o Agni junto — ela diz em um tom de voz mais baixo, soltando uma risada de hiena depois.

Ela se afasta dele, cruzando as pernas e ficando olhando para frente. Derren fica um tempo em silêncio, assustado. Hunters tendem a ser exóticos e Muriel cumpre isso bem. O tempo passa e os dois começam a conversar sobre televisão, alguns filmes, e sobre lanches. Os dois fantasiam sobre comidas que ficar ali no deserto despertou o desejo de comer.

Só que horas e mais horas se passam. Nada deles voltarem. A inquietação começa a entrar nos corpos e mentes de Muriel, Derren e da mãe da família que eles estão ali, protegendo. Nenhum sinal deles. Muriel várias vezes se vê saindo dali da caverna e andando ao redor da onde estão, subindo no rochedo e tentando ter uma visão de cima.

— Algum sinal deles? — Derren grita.

Muriel olha para baixo.

— Olha, só se eles tiverem se camuflando muito bem! — ela grita, para se fazer ouvida.

Ela começa a descer, deslizando pela pedra.

— Sinceramente, começo a estranhar isso — Muriel fala, bufando. — Quero chegar logo. Senão o Arthur vai ganhar!

Derren ri.

— Que tal irmos investigar isso, meu companheiro Derren? — ela sugere, apontando para o horizonte.

Derren cerra o olhar.

— E deixar o Manny sozinho? — ele retruca. — E nem sabemos onde eles estão.

Muriel olha para ele com um riso endemoniado. Tem um chocolate na mochila de Johnny. Ela quer ele, mas agora sabe que precisa pedir autorização. Logo, irá atrás disso.

— Eu tenho um plano — ela diz. — Confie. Chame o Manny aqui.

Muriel explica seu plano para os três, com o rosto dos dois se iluminando. Muriel consegue parecer séria o bastante, para parecer que seu plano é sobre ir atrás dos garotos e conferir se está tudo bem. Um plano “malegno”. Derren é convencido que agora pode se mostrar útil e que tê-lo deixado para trás foi tolo. Manny está feliz por ter uma missão simples mas que ainda se prova essencial. Muriel pega uma coisa da mala de Marta, coloca consigo e sai da caverna com Derren, segurando seu pingente.

— Lembra a direção para onde eles foram?

Derren faz que sim e aponta para uma direção, Muriel pensativa para um pouco. Eles definitivamente foram assaltados . Nenhum ladrão rouba perto de casa. Ainda mais no deserto. Eles foram pegos na estrada, mas certamente esses ladrões tem uma base, onde podem operar mais seguramente.

Muriel conduz a viagem, em um passo apressado, mas sem colocar energia demais nisso, como se estivessem fazendo uma caminhada no parque. Precisam conservar a energia. Existe uma chance de Marta e os demais terem sido pegos pelos bandidos. Nesse caso, iriam precisar de energia para lutar e libertá-los. Se possível apenas libertá-los. Derren não achou que o caminho correto seria a frente, mas Muriel sabia que ter uma base longe demais da cidade não seria esperto. Em caso de emergência, estariam presos ali.

— Bingo — Muriel comemora assim que eles se deparam com um cânion.

O cânion, lá embaixo, seco e árido como o resto, possui diversas barracas e casas escavadas na terra. Motos enfeitam o lugar, com uma carroça ali também. Derren a puxa para trás de uma pedra.

— Tem uns guardas por aqui — Derren sussurra e aponta. — Sete ali, e tem outros sete do outro lado, eu posso cuidar dos da direita. Você vai pela esquerda, que tal?

Muriel acena positivamente com a cabeça e saca seu martelo e respira fundo, juntando ar em seu peito, tocando em seu colar com a mão, quase que em uma prece. Os dois sabem que não podem deixá-los gritar. Derren vê a garota partir, em fúria, e avança também, tirando algo do bolso de seu macacão: um deck de cartas. Ele as reforça com nen e começa a atirar contra os homens ali. Ele é alguém robusto, chama bastante atenção. Ele tenta sempre mirar no pescoço.

Sua técnica de nen, seu hatsu, está longe de estar pronta, mas isso não é um motivo para não optar por tentar usar ela. Ele foca em derrotar os guardas com o menor número de movimentos e sem muito escândalo. Conseguiu derrotar quatro deles facilmente, conseguindo atingir o pescoço deles e os nocauteando antes que gritassem. Agora se vê caindo no chão com um quinto guarda, os dois rolando pela terra. Derren consegue dar uma cabeçada forte o bastante nele enquanto tapa a boca do homem, se erguendo zonzo. Ele cai sentado e vê um sexto guarda olhando na direção dele com olhos arregalados. Antes que conseguisse reunir forças para atirar uma outra carta.

Um vulto passa por ele e derruba o guarda rapidamente, automaticamente continuando em frente e derrubando um sétimo guarda. E um oitavo. E um nono. O vulto, Muriel, usa seu martelo para nocautear, mas ela também usa de rasteiras e socos. Derren olha para o outro lado do cânion e vê que Muriel não está ali por erro na comunicação: ela já eliminou os guardas do outro lado. Derren fica apenas de boca aberta, se mantendo sentando, ainda com respiração ofegante. Muriel retorna sorrindo, jogando o martelo para cima.

— Parece que eu sou mais forte que você já — ela diz, com um largo sorriso.

Derren franze o cenho, com um riso vindo e inundando seu rosto. Ela não tem nen? Ela fez tudo isso com pura força bruta?

— É. Talvez seja. — Ele começa a se levantar, rindo um pouco com aquilo.

Muriel sorri e solta o ar do peito.

— Agora podemos nos infiltrar e resgatar nossos amigos, Derren — ela diz, vitoriosa.

Derren se aproxima da beirada do cânion, se ocultando atrás de um rochedo por segurança. Ele acha que achou onde seus amigos estão. Diz isso porque é uma segunda carroça com grades e um bando de gente dentro. Ele mostra isso para Muriel que procura especificamente por Johnny.

— Está pronto para a parte difícil? — Derren indaga, olhando para a garota enquanto olha que um décimo guarda acaba de retornar, mexendo no zíper da calça.

O olhar do guarda é tomado de horror ao ver os colegas caídos.

“Ah, pronto” o garoto suspira, seu corpo na luta de conseguir reagir a tempo.


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