Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 9
O Conto de Ciberela




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Foi um tremendo azar meu aniversário cair num sábado, quando minhas sextas-feiras à noite, são destinadas à invasão de casas antigas e apreciação das mesmas. Sendo assim, era de se esperar que eu estivesse morta quando fui acordada pela minha mãe, meu pai e um sonolento e mau-humorado Axel. Eles apareceram bem cedo no meu quarto, com um cupcake de m&m (o meu preferido) e cantando “Parabéns para você”.

Todo ano era a mesma coisa e eu poderia dizer que aquele era o ritual da família Trindade. Não me lembro de quando isso começou, mas confesso que esperava que nunca fosse acabar. Afinal, era a melhor maneira de se acordar..., mesmo num sábado.

— Faça um pedido — minha mãe mandou como sempre.

Fechei os olhos e fiz um pedido (algo a ver com a paz mundial, mas todo ano eu me arrependo de gastar meus pedidos de aniversário com algo assim). Sempre fiz esse pedido desde os meus cinco anos e ainda não havia visto nenhum resultado, mas talvez eu o fizesse mais pela tradição do que por acreditar nele. Lembro-me de quando eu pensei pela primeira vez: “se eu tenho realmente o poder de fazer um pedido no meu aniversário... quero algo que seja bom para todos”.

Então soprei a vela e sorri para eles, apesar de estar morta.

Eles me abraçaram e sorriram (exceto o alien que tenho por irmão) até que meu pai me estendeu uma caixa preta com um laço branco e brilhante. Para a minha surpresas, era um colar de pérolas perfeitas e brilhantes... num estilo retrô, do jeito que eu gostava.

— Mãe! É lindo! — eu gritei, pulando em cima dela e lhe abraçando.

— Ei, como você sabe que sua mãe escolheu? — meu pai protestou.

Olhei para ele com desdém, claro.

— Pai, você não escolhe nem suas roupas — debochei.

E ele pareceu um pouco ofendido, mas respondeu brincando:

— Pode ser, mas eu paguei!

— Eu amei. Obrigada pelo cartão de crédito — eu disse, abraçando-o.

— Agora eu entendi! — Axel exclamou de repente, como sempre, chamando toda a atenção para si. Porque ele não podia ficar um segundo sem ser o centro das atenções. E foi para dizer: — A expressão “pérolas dada aos porcos” nunca fez tanto sentido!

— Axel! — mamãe brigou.

Mas eu apenas afastei meus cobertores e gritei:

— Pode me chamara de Predador porque você é um alien morto!

Sabe como é. Coisas de irmãos mais velhos e irmãos mais novos. Temos que mostrar quem manda ou eles acham que o mundo gira em torno deles... sempre.

—--

A pior parte dos aniversários era ter que falar com parentes que você não suporta.

Antes do almoço, meus pais me obrigaram a conversar “educadamente” (meu pai frisou) com os meus avós, apesar de não os ver direito desde que nos mudamos do quinto dos infernos. A ligação é sempre curta, graças à Deus. Minha avó faz questão de enfatizar que eu sou sempre “bem-vinda em sua casa” quando eu “precisar de um lugar seguro”.

Sim, ela sempre fala como se minha mãe fosse uma surtada.

Até hoje.

Eu gostava mais do vovô com o seu costumeiro: “parabéns, Nirvana. Enviamos seu presente pelo correio e deve estar chegando. Se não hoje, amanhã”. O que eu agradecia, fazia uma piada (do tipo: “ah-há, se não tiver greve!”) e então acabavam-se as formalidades. Enfim. Meu pai apareceu com o presente que meus avós mandaram e disse:

— Chegou mais cedo, mas eu escondi porque sabia que você abriria antes do tempo. Eu te conheço muito bem, Nivi.

E ele não teve nem vergonha na cara de dizer isso.

Minha avó tinha o dom de me dar presentes que eu nunca usaria. Provavelmente porque eles acham que eu sou uma garota tipo Cibele, quando eu estava mais para... bem, para Nirvana. Por isso não me surpreendi quando abri o pacote e me deparei com um kit de sombras da Mac chamada “Glam Bitch”.

Mamãe me olhou com o cenho franzido, esperando que eu grite e arremesse o estojo de maquiagem contra a parede por causa de todas as tonalidades cor-de-rosa que havia nele, porém, tudo o que eu fiz foi lhe estender e dizer:

— Tem uma sombra rosa dourado.

Ela riu, de um jeito cúmplice.

— Eu não deveria...

— Chame isso de indenização — eu provoquei.

— Nirvana! — ela disse, escandalizada, mas ainda rindo. — Eu acho que você deveria ficar com essa... vai que um dia você canse de usar preto.

Pff. Não sei como não ri dela na hora.

Mulher louca.

—--

Eu não sei como as coisas deram tão errado na minha vida.

Ou tão certas, dependendo do seu ponto de vista.

Para começar: enquanto eu beliscava biscoitos caseiros da minha mãe (aqueles mesmos que eu usava para subornar um certo professor de história) tive a brilhante ideia de como eu poderia juntar Daniel e Cibele. E tenho certeza de que a peguei de surpresa quando, à noite, minha melhor amiga chegou em casa com pizzas quentinhas do meu sabor favorito.

Ela estava de cara lavada, cabelos soltos e usava suas roupas de frio preferidas: calças jeans, galochas amarelas, um casaco cor-de-rosa quentinho, onde por debaixo usava uma camisa listrada. Mais do que pronta e confortável para uma madrugada de séries antigas, pizza e refrigerante.

Sua boca caiu quando me encontrou arrumada para sair.

Me maquiei como sempre, mas dei uma trabalhada à mais: a sombra estava mais esfumada e com toques de dourado e fiz um desenho geométrico quase egípcio com o delineador. Separei meus cabelos negros em dois coques altos, para ressaltar minha maquiagem e minha franja curta e repicada, e vesti um vestido muito curto e esvoaçante, de mangas compridas e decote generoso que combinava com meus colares de pérolas novo. Como estava frio, eu coloquei meias ¾ grossas e brancas que contrastavam com meus coturnos pretos de cano alto.

Cibele não entendeu nada, coitada.

— Er... vai à algum lugar? — perguntou, inocente.

Peguei a pizza de sua mão, a abri e dei uma cheirada. Nossa, eu estava com fome. Talvez desse tempo de comermos antes de seguir o meu plano de aniversário para aquela noite. Voltando a fechar a embalagem, eu lhe respondi:

— Eu não. Nós vamos.

Cibele inclinou a cabeça, como se não houvesse entendido, então eu ri e a puxei pela mão até a cozinha. Pegamos refrigerantes, copos e guardanapos e fomos para o meu quarto, num caminho que ela já sabia quase de cor. A casa parecia tão dela quanto minha. Assim que a acomodei na minha cama, eu disse:

— Nós vamos à uma festa!

— Vamos? — perguntou, ainda confusa.

Eu concordei com a cabeça, abri a caixa e peguei uma fatia de pizza com um guardanapo. Tomando cuidado para não sujar meu vestido branco (porque, você sabe, ele mancha e tal).

— Sabe... eu estive pensando... você gosta do Daniel...

Ela se encolheu e corou, desconfortável, pegando um pedaço para si.

— Você é bonita, legal e gentil. Tenho certeza de que tem todas as chances para começar a sair com ele... só precisa ser notada — eu disse. — E como você pretende ser notada se ficarmos trancadas em casa hoje, no meu aniversário? Ainda mais quando sabemos que tem uma festa enorme sendo planejada no lado rico da cidade? E aonde nós sabemos que o seu príncipe encantado vai estar?

A pizza que Cibele comia quase caiu de sua mão.

— Você não pode estar falando sério... — ela gemeu.

— Acredite, estou — respondi, determinada.

— Você não foi convidada! — ela exclamou, estupefata.

Eu dei de ombros.

— Detalhes, Cibele. São só detalhes — respondi. — Você sabe que nada me daria mais prazer do que fazer o oposto que Guto espera que eu faça.

Ela inclinou a cabeça como um filhotinho diante de uma ordem difícil.

— Nada me daria mais prazer também do que te ver com Daniel — Eu confessei, reflexivamente. — Além disso... estou doida para saber como Augusto reagiria quando visse seu melhor amigo caidinho pela minha melhor amiga. Tenho certeza que ele ficaria de cabelos em pé!

Eu poderia ter soltado uma risada maligna diante da cena que se formou em minha imaginação, mas Cibele apenas demonstrou preocupação. E o rosto de Cibele preocupado parece muito com o rosto da minha mãe quando eu falava em usar preto para sempre, e quando eu falei em descolorir o meu cabelo.

— Não entendo vocês dois... — ela suspirou.

— Não tente entender. Só... me deixe ser sua fada madrinha Ciberella – eu pedi, lhe dando uma piscadela. – Prometo que essa noite você vai fisgar o seu príncipe, ou eu não me chamo Kurt Cobain.

Ela riu de mim, mas como me conhece, sabia que era inútil protestar.

Quando eu colocava uma coisa na cabeça, era aquilo e estava decidido.

Assim que terminamos a pizza, dei início ao meu projeto de transformar Cibele para a festa. Ela não é o tipo de menina que estava acostumada a esse tipo de evento (e eu confesso que nem eu estava), mas havia algo muito empolgante em ser responsável pela maquiagem e roupas de alguém.

Juro que dei o melhor de mim para deixá-la estonteante. Peguei o estojo de sombras que a minha avó me deu, e o usei nela, fiz um delineador matador que realçou o formato de seus olhos castanhos, e realcei a cor deles com um tom de rosa e prata na sombra. Ela fez o seu próprio penteado, porque é muito melhor nisso, enquanto eu separei uma roupa que não a fizesse parecer minha irmã gêmea.

Consegui encontrar um vestido que a Barbie usaria (a boneca, não a namorada de Guto), decotado com a saia rodada, e que combinaria perfeitamente com o casaco de Cibele e suas galochas de uma maneira estilosa (o que foi algo muito mágico porque eram galochas, disse a garota que usa coturnos).

Ela ficou maravilhosa.

Talvez, mais bonita do que eu mesma. E meu peito era só orgulho. Como ver uma lagarta que eu cuidei durante tanto tempo enfim transformada em borboleta. Quando descemos as escadas, nem meus pais acreditaram.

— Uau, vão a algum lugar, moças bonitas? — meu pai perguntou.

Cibele abriu a boca para responder, mas respondi antes:

— Nos chamaram para ir à uma festa bem ali — menti na cara dura, e, acredite, eu sei que isso é feio. — Não vamos demorar muito. Só que... vocês sabem, é meu aniversário e tal... Tem gente querendo me dar os parabéns...

Sério, por um instante, achei que eu tinha estragado tudo.

Outro dia meu irmão jogou na minha cara que eu era uma esquisitona sem amigos... não era possível que eles acreditassem nesse papo de “tem gente querendo me dar os parabéns”. Mas para a minha surpresa, eles trocaram olhares orgulhosos e disseram:

— Tudo bem... você conhece as regras. Volte até à 00h

— Mãe... — eu protestei. — 00h é quando começa a festa.

— Então tá... até 1h e não se fala mais nisso — ela cedeu.

Acredite. Essa barganha por si só já era uma vitória.

Como não temos carro, fomos de ônibus até a parada do Lago Clementine e, como estávamos um pouco atrasadas, éramos as únicas passageiras arrumadas para uma festa. Algumas pessoas nos encararam, principalmente uma senhora de idade que fez o sinal da cruz para mim. E retruquei fazendo caretas para ela. Porque sim.

Se lembra quando eu disse que o lago fazia parte de um condomínio fechado com segurança 24h? O.K. Não era bem assim que as coisas funcionavam. Em teoria, ainda era um espaço público. A diferença fora que os ricaços conseguiram afastar o ponto de ônibus para longe do lago e das casas, e os seguranças não mexiam com pessoas que andassem bem arrumadas e... “sem estereótipo de ralé” (alguém disse “discriminação”?).

Eu sei, os ricos dessa cidade me enojam também.

A começar por Augusto Macciani.

— Está sentindo isso, Cibele? — eu perguntei à ela, quando descemos na parada. Um guarda, desses de segurança particular, passou por nós numa bicicleta e nos cumprimentou rapidamente com o chapéu.

Ele obviamente não prestou atenção em mim. Se não, teria parado.

Eles sempre param..., sabe como é. Garota gótica e tal.

Minha amiga inspirou profundamente e fez careta.

— Cheiro de areia molhada? — perguntou.

— Não! Emoção! — eu ri, entrelaçando nossos braços.

Eu tinha uma vaga ideia de onde ficava a casa de Guto, mas é claro que eu não precisava ser uma grande detetive para adivinhar: era só seguir a multidão. O enorme fluxo de carros e o som alto de algum hip-hop (ou funk) nojento e machista – só Guto para ter tão mau gosto assim.

Só para deixar claro, tenho nada contra Funk.

Ano passado meu toque era o McBrinquedo porque Cibele não parava de cantar essa música dele durante as aulas. E não tenho nada contra o que eu chamava de “funk das gay” (que era o melhor funk que existia!).

A casa dele é uma enorme construção de madeira e vidro. Como um grande chalé, ou como uma mansão em formato de chalé. Havia carros estacionados aleatoriamente na rua e no gramado do jardim. Lembra de quadno eu disse que os riquinhos, mesmo menores de idade, dirigiam na minha cidade? Era disso o que eu estava falando... Ridículo, não é? Claramente, a escola inteira compareceu em peso naquela festa que prometia ser a “festa do ano”.

Cibele se agarrou ao meu braço como se estivesse muito intimidada. Como se não pertencesse àquele lugar. Eu sorri para ela, para tranquilizá-la, então a guiei para dentro da casa.

Lá dentro estava escuro, mas luzes dignas de boate piscavam de maneira quase epiléptica, e sua enorme sala de estar estava decorada com balões nas cores preto e brancos, que fez meu queixo se abrir levemente. Havia um karaokê onde pessoas bêbadas passavam vergonha para outras pessoas bêbadas reunidas ao redor do palco improvisado.

No canto da sala de estar, tinha um bar abastecido com todo o tipo de bebida alcoólica que alguém poderia querer.

Por uma enorme parede de vidro que dava para ver o deck de frente para o lago, pude ver a famosa “piscina aquecida” onde pessoas se jogavam, brincavam, conversavam, bebiam e se esfregavam (nunca que eu ia entrar naquela piscina, nem que me pagassem um milhão). Ao lado dela, havia um rapaz com uma caneta que aplicava as tatuagens de renna. Parecia um perigo fazer tatuagem, mesmo que de renna, em pessoas bêbadas.

— Meu deus — ouvi Cibele arfar atrás de mim.

— Isso é ridículo — eu gritei para ela. — É tanta pessoa, e elas estão tão bêbadas que não tem como Guto saber que eu estive aqui!

Minha amiga pareceu nervosa e eu a guiei até o bar cheio de bebida.

Peguei um Ice para ela e um para mim, fazendo-a arregalar os olhos.

— Eu não vou beber! — ela gritou, negando veemente.

— É claro que não! — eu retruquei. — É só para parecer descolada. Eu também não vou beber do meu. — Fiz uma pose. — Tá vendo? Descolada.

Ela pareceu mais aliviada, então pegou o outro de minha mão.

Eu dei um aceno encorajador com a cabeça. Perfeito.

Agora só precisávamos encontrar Daniel e eles se encarregariam do resto. Ficamos um tempo ali no canto, observando as pessoas cautelosamente, procurando por algum sinal do Projeto de Michael B. Jordan. Cibele fez o que eu mandei: ficou apenas segurando a garrafa de Ice fingindo dar um gole hora ou outra. Quase tive orgulho da minha cria.

Até que eu o avistei. Do outro lado do cômodo conversando com Barbie.

Peguei o braço de Cibele, sem dizer uma palavra, e a guiei até onde ele estava, nos camuflando por uma pista de dança e fingindo fazer parte das pessoas que dançavam ali. Quando chegamos perto o bastante para que ela o visse, mas para que ele não nos percebesse, a empurrei contra ele e me escondi no meio das pessoas que dançavam.

Eu sei, quando eu disse que ela “precisava ser empurrada para o caminho certo” tenho certeza de que você não imaginou que eu falava literalmente.

Sim. Ela quis me matar depois que eu fiz isso. Mas, hey, era assim que funcionava o serviço casamenteiro Nirvana Trindade. O pacote estava entregue e tudo o que ela precisou fazer, foi ser ela mesma.


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