Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 5
Uma (Não-tão) Breve Introdução à Mim! Parte 5




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UMA (NENHUM POUCO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM

(TÁ ACABANDO! EU JURO!)

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Há só mais uma coisa.

A coisa mais fantástica que me aconteceu, ainda ano passado, e prometo que toda essa seção de flashbacks e retrospectivas acaba. Mas como poderia ser diferente? Dezesseis anos de vida não se pode ser resumido em apenas uma página de um diário.

Foi quando eu fui dormir na casa de Cibele.

Estávamos fofocando sobre algumas coisas enquanto ela fazia um penteado que sempre quis tentar em mim. Ela me disse que era algo retrô, como eu gostava, e que, como meus cabelos estavam ondulando com o tempo, ela tinha certeza que ficaria bonito.

Naquela ocasião ela disse:

— Você já parou para pensar se Augusto gosta de você?

A ideia soou tão ridícula que eu quase me desfiz em gargalhadas.

— Essa foi boa, Bele — eu zombei, recuperando o fôlego. — Muito boa...

— Eu estou falando sério! — ela teimou. Então disse com a seriedade de quem cita um grande artigo científico incontestável: — Olha, eu estava lendo um post da MundoTeen outro dia...

— Espera, essa é aquela revista com matérias do tipo: “Menos falam! 10 Coisas que eles odeiam que garotas façam!”, “10 Coisas para se evitar de fazer na primeira vez!”, “5 Coisas que eles amam!”? — eu perguntei, com deboche.

— Tá! Pode ser que tenham matérias antiquadas..., mas não é disso que estou falando — ela disse, com uma expressão constrangida.

Cibele e eu, apesar de nossa grande amizade, temos pouca coisa em comum: ela não gosta de filmes de terror, não gosta de séries antigas e não gosta de estar no meio de uma grande confusão. Como eu disse, ela era uma garota extremamente doce e “normal”, que ama filhotinhos, rosa... e ler conteúdos duvidosos de uma página na internet.

Confesso que às vezes eu acho que era uma ironia do destino, por eu ter achado que minhas colegas de turma eram sem personalidade porque diziam que sua cor preferida era rosa. Algo do tipo: sua melhor amiga é o tipo que você tanto julgou!

Às vezes acho que ela seria mais popular se não houvesse se associado comigo.

Minha melhor amiga era incrível.

— Tudo bem. Desculpa — eu pedi. — O que dizia?

— Dizia que, como garotas amadurecem antes que garotos, era comum que isso os intimidasse... e eles ficassem sem saber como chamar atenção ou demonstrar interesse por uma garota. E isso faz com que eles comecem a chamar atenção como garotos infantis demonstram atenção: enchendo o saco – ela contou.

Eu bufei, insatisfeita.

— E qual é a dificuldade de apenas chegar e falar: eu gosto de você?

— Sei lá. Não sou um garoto — ela respondeu, fazendo-me rir e lhe atirar um rolo de cabelo. Ela desviou rindo. — Mas sei lá... às vezes eu penso se ele não te dá atenção demais... isso para mim é sinal que ele gosta de você... E ainda teve aquela vez que ele te beijou... do nada.

Eu tiro um minuto para pensar nisso, mas a ideia é ridícula.

Tão ridícula que faz nós duas rirmos, como se tivéssemos pensado juntas.

— Tudo bem, retiro o que eu disse. É impossível. É provável que ele só seja maluco mesmo — ela cedeu. — Terminei seu penteado. Dê uma olhada no espelho.

Era um penteado bonito.

Como o de uma mocinha de uma novela de época. Meio dramático e etéreo do jeito que eu gostava. Ela havia separado uma mexa espessa de cada lado das minhas têmporas, enrolado e puxado para trás, fazendo com que meu rosto parecesse limpo e muito chamativo para a minha maquiagem. Mechas onduladas desciam ao lado de meu rosto, mas sem lhe cobrir, até a cintura.

— Está perfeito! Você é muito boa com esses trabalhos manuais — eu a elogiei.

Ela sorriu, parecendo sem graça. Cibele não lida bem com elogios.

— Você não quer mesmo ir comigo? — perguntei, uma última vez.

— Não — ela respondeu sem nem precisar pensar. — Sei que é algo importante para você... acho que a minha presença seria... indigna.

Eu dei um tapa gentil no seu braço.

— Sua presença nunca seria indigna — eu disse, levantando-me do chão.

Diferente de Cibele, eu não estava de pijama. Ainda vestia meu vestido leve e transparente branco, com uma faixa na cintura. Era um vestindo Vintage com mangas de amarrar sobre o ombro que o sustentavam e mangas que caíam sobre o ombro com detalhes em pérolas falsas. A delicadeza dele contrastava absurdamente com os meus coturnos pretos e minha maquiagem pesada.

“Uma menininha capaz de chutar o seu traseiro” era a minha mensagem.

— Não se esqueça de voltar até a meia-noite — ela me lembrou. — Vou deixar a janela aberta para você... por favor, tenha cuidado e me liga.

Revirei os olhos.

— Tá, mamãe — eu debochei.

Havia um motivo pelo qual às vezes eu ia dormir na casa de Cibele e ia além de uma boa “noite de garotas”: eu havia fundado um clube. Era um clube do colégio, mas cuja verdadeira animação se passava fora do horário estudantil. Na verdade, a animação de verdade acontecia à noite, por volta das 23h até às 00h30.

Eu havia fundado o Clube de Apreciadores de Casas Antigas.

E até agora sou sua única participante, obrigada.

Infelizmente, minha escola é uma dessas com horário integral (urgh) e como eles nos fazem a passar mais tempo no colégio? Te forçando a participar de atividades escolares ou de clubes, de esportes, teatro... qualquer coisa que “mantenha um jovem adolescente ocupado demais para se meter em problemas” o direto havia me dito.

Também conhecido como “KK” (que parece muito melhor que CACA). A ideia havia surgido depois que o diretor insistiu que eu deveria entrar para algum clube de atividades extracurricular, mas eu não havia achado nada que condissesse com o meu perfil: garota um pouco gótica e um pouco vintage apaixonada por histórias de fantasmas.

Foi quando ele disse:

— Se não tem nenhum clube para você, funde um então!

Foi quando eu pensei em fundar o KK. Basicamente eu pesquisava a história por trás das casas antigas e abandonadas na cidade (muitas das quais se transformaram em lendas urbanas de casas mal-assombradas), e então ia até elas ver de perto os detalhes, os cômodos, o que havia sobrado... e então eu tirava fotos com a minha câmera semiprofissional que eu havia pedido de natal a algum tempo.

Eu consegui fazer uma boa argumentação a respeito disso.

Até mesmo subornei o professor de História com biscoitinhos sem açúcar e caseiros (porque ele é diabético) para que aceitasse ser o “supervisor”. Claro que eu não contava à ninguém que minhas visitas à casas antigas eram feitas à noite e escondida dos meus pais, mas ter um clube desses havia lá suas vantagens. Por exemplo: eu podia pedir uma carta de apresentação ao meu professor supervisor e ter permissão para explorar.

Claro que eu nunca a usava.

Parecia suspeito falar: “então, quero visitar sua casa às 23h é possível?”

Além do que, na maior parte dos casos, ter uma carta de apresentação não resolvia nada porque os responsáveis por essas casas antigas nem se importavam com elas. Como eu me importava. Sendo assim, o que eu fazia não parecia errado, parecia?

Eu não sentia como se fosse.

Sendo assim, meu único problema era que meus pais jamais concordariam em me deixar sair tarde da noite para ver uma casa abandonada. E era por isso que eu ia para a casa de Cibele e, de lá, me esgueirava para a liberdade. Minha amiga não se preocupava muito comigo. Depois da voadora, talvez pensasse que eu conseguia me sair bem sozinha. A única coisa que me pedia era mensagens no Whatsapp.

No início, ela relutou, é claro. Ela havia questionado:

— Você não pode fazer isso na luz do dia, como uma pessoa normal?

Era uma pergunta ingênua. Ela devia saber que eu não sou normal.

— Não tem graça... além do mais, quero histórias de fantasmas — eu respondi. — Fantasmas não aparecem na luz do dia, certo?

— Então o seu clube é apenas uma fachada... para você caçar fantasmas? — perguntou, incrédula.

— Não. Eu realmente gosto de casas antigas..., mas pode ser que eu queira me esbarrar com algumas fantasminhas também — eu respondi. — Não seria legal?! E se eles me convidarem para uma festa?!

Ela balançou a cabeça com incredulidade.

— Não! — Ela respondeu horrorizada. Então disse em tom mais baixo: — E se não tiver só fantasmas? E se tiver todo tipo de criatura noturna? Sei lá... vampiros, bruxas... mendigos.

Como se tivesse medo de falar muito alto e acabar atraindo as criaturas.

Apesar de “mendigos” não ser um termo socialmente aceitável. Eu já havia me esbarrado em alguns e eles sempre foram caras super legais comigo. Na verdade, adoravam me dar lição de moral e me mandar ir para casa.

— Há! Eu não teria tanta sorte — retruquei.

Cibele soltou um suspiro e me olhou como se quisesse rir de mim. Ela era uma dessas garotas que parecem doces, sabe? Roupas da moda, quarto cor-de-rosa, nenhum pôster de O Estranho Mundo de Jack ou qualquer filme do Tim Burtton. Tínhamos poucas coisas em comuns, mas isso nunca pareceu ser um problema. Seus cabelos eram cheios e cacheados, escuros, e sua pele era num tom bonito de café com leite.

— Você não tem medo de monstros? — ela murmurou.

— Nenhum monstro me parece pior do que ter que suportar o Guto. Sério.

.

Naquela noite, eu fui à Casa da Mulher Solitária.

Era uma enorme mansão em um estilo que parecia gótico, talvez a única casa na cidade que tivesse esse estilo. Seus portões de ferro fundido eram trabalhados em desenhos de folhas e espirais, altivos, com pequenas lanças nas pontas, como se ameaçassem espetar o céu ou qualquer um que tentasse pular por sobre eles, invadindo o terreno.

Passando os portões, havia um jardim que um dia deve ter sido magnífico, mas que naquele dia estava cheio de plantas secas e cadavéricas e ervas daninhas. Afastado há alguns metros, se erguia a enorme construção. Assemelhava-se à um castelo antigo, com torres pontudas, gárgulas parecendo guardar as calhas trabalhadas, e janelas abóbodas.

As lendas diziam que uma senhora rica, vinda da Europa, havia construído aquela casa para esperar seu marido e seus filhos voltarem de alguma guerra. Eles estavam cansados dos pequenos conflitos europeus e decididos a se mudar para cá, onde era pacífico e preocupado apenas com a própria economia... De acordo com a lenda urbana, seu marido e seus filhos nunca vieram. E ela ficou ali, esperando eles chegarem... solitária.

Batizaram-na então de “Casa da Mulher Solitária”.

As lendas também diziam, que ela costumava ficar esperando-os voltar olhando o mar do seu mirante no telhado que dá de frente para a costa; dali ela esperava ver um navio Inglês aportando. Diziam que ela passava tanto tempo naquele mirante, que se você olhar do ângulo certo, e no momento certo, quando o luar bate você é capaz de ver o fantasma dela.

De onde eu estava, na rua, do lado de fora, lembro-me que o vento do mar batia forte e salgado, mas não fazia frio naquela noite. Pelo contrário: o vento que era cuspido para a cidade, parecia quente e abafado, como era de se esperar no verão.

Dali, tirei algumas fotos. Tentando encontrar o ângulo certo para ver alguém no mirante. Quando terminei de bater as fotos, olhei ao redor para ter certeza de que não havia mais ninguém por perto. A rua estava deserta. Comum para uma sexta-feira quase de madrugada. Em cidade pequena, poucas eram a diversão disponível, e qualquer uma que você escolhesse ficava do outro lado da cidade.

Aproveitei o momento e escalei o portão com uma habilidade impressionante.

Eu sei o que você deve estar pensando: “Meu deus, Nirvana, você está invadindo propriedade particular?!”, é estou. Mas a propriedade particular em questão foi abandonada há muito tempo pelos seus herdeiros (algo que eu não acho justo). Além do que, não é como se eu estivesse entrando para depredar alguma coisa... pelo contrário, eu estou entrando para não deixar que tudo o que aquela casa passou caia no esquecimento!

Sendo assim, não, eu não estou com peso na consciência.

E sim, eu invadi a casa.

E digo mais: não fui a única naquela noite.

Enquanto eu descia do portão, com a mesma desenvoltura com que eu escalei, vi uma luz forte aparecer no início da rua. Faróis de carro. Senti meu coração bater com força no peito e terminei de descer, aterrissando graciosamente na grama seca e malcuidada.

Eu me encostei contra a parte de pedra do muro e me escondi.

Um carro azul e velho, de motor barulhento, parou em frente aos portões que eu havia escalado ainda pouco. Um grupo de garotos saiu dele. Eles fazem barulho e parecem meio bêbados. Isso fez com que um embrulho se formasse no meu estômago. Se havia uma coisa que minha mãe sempre me dizia era que garotos juntos (principalmente os bêbados) tinham um dom para arrumar confusão.

— Vamos Silas! — um garoto gritou, empurrando outro. — Esse é o seu desafio! Todos nós já passamos por isso!

Lembro-me que na hora eu fiquei intimidada, pois eles eram garotos muito mais velhos que eu. Pensando agora, não havia muita diferença entre mim, uma garota de quinze anos, e eles, uns garotos de dezesseis a dezoito anos. Na nossa cidade, eu já havia reparado que “jovens” dirigiam (mesmo sendo ilegal e não possuindo carteira) ainda mais quando eram ricos e desde que não atropelassem ninguém, claro. Ou fossem pegos bêbados.

Qualquer coisa e os pais “não sabiam de nada”.

Mesmo assim, a sensação que eu tive era que eles pareciam estar à anos luz de mim. Era um grupo de pelo menos cinco garotos, um deles sendo empurrado contra o portão apressadamente, sendo coagido a entrar.

— O que é para eu fazer mesmo? — o garoto contra a grade perguntou, se fazendo de desentendido.

Me surpreendi com o como ele soou calmo.

Ele usava um boné de time de basquete americano e aparentava estar no ensino médio, e eu ainda estava no maldito fundamental II. Suas roupas eram folgadas e normais, como de qualquer outro garoto: jeans, tênis e camiseta estampada. Suas feições pareciam cobertas pelo boné.

— Você tem que entrar na casa, pegar uma lembrança e acenar do mirante da Mulher Solitária — respondeu um dos garotos, o que parecia um pouco mais velho. — Essa é a sua missão.

— Parece simples — o garoto disse para si mesmo.

— É simples! — outro incentivou.

— Beleza — o garoto disse, virando-se para o portão e começando a escalar.

Eu me apertei ainda mais contra o muro de pedra, rezando para que ele não me notasse ali. Meu coração martelava com força no meu peito. Não sei se minhas rezas deram certo, mas ele realmente não me viu (mesmo que eu estivesse usando branco), e saiu andando meio agachado para os fundos da casa.

— Você acha que ele consegue? — perguntou um dos garotos em dúvida.

— Claro que ele consegue. Silas é o mais corajoso daqui — respondeu alguém.

— Sei não... Silas tem pose, mas é medroso — outro desdenhou.

— Como você? — alguém retrucou, em tom zombeteiro. — “Socorro! Socorro! Ela quer me pegar! Ela quer me pegar! ”.

Os garotos riram entre si.

— Não enche! Eu vi alguma coisa! — o garoto replicou, perturbado.

Sua frase foi o que me deixou ainda mais ansiosa. Ele afirmou que viu alguma coisa... E isso era algo que eu não podia perder. Aproveitando que eles pareciam distraídos, me arrisquei, ainda encostada contra o muro, e tentei seguir pelo mesmo garoto que foi para os fundos da casa e desapareceu. Talvez ele houvesse encontrado uma entrada.

Para a minha surpresa, entretanto, ele nem havia entrado na casa ainda.

Na verdade, parecia estar bem perto de ter um ataque cardíaco. Sua mão estendida para a maçaneta da porta dos fundos parecia paralisada e estava tremendo. Eu poderia ter me perguntado: “hum, como ele vai reagir quando encontrar uma garota pálida, de maquiagem pesada e vestido branco ao seu lado?”, no entanto, tudo o que eu pensei foi: “ah, não, ele não pode estar amarelando... hã-hã”.

— E aí? Vai entrar ou não? — eu perguntei, aparecendo ao seu lado.


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