Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 4
Uma (Não-tão) Breve Introdução à Mim! Parte 4




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UMA (NEM UM POUCO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM!

(Juro que já está acabando!)

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Após algum tempo convivendo na mesma sala que Augusto Macciani (e arrumando muitas confusões que renderam vários bilhetinhos e até mesmo uma visita dos meus pais à diretoria), eu descobri que ele não era um tirano apenas comigo, mas com várias crianças que ele sabia que não eram da cidade, assim como eu. Xenofobia infantil? Com quem uma criança aprende essas coisas?

O que mais me tirava do sério era que ninguém fazia algo contra isso.

Era injusto. Ou os adultos olhavam para aquela criança loira, de olhos verdes, cara de rato e roupa engomada e pensavam: “olha que garotinho adorável, não tem como ele ser um lobo em pele de cordeiro”. Bem, eram os mesmos adultos que nos diziam para não julgar um livro pela capa. Enfim, a hipocrisia, né?

Parecia que, no colégio, eu era a única pessoa que via a verdade.

Pelo menos a tirania de Augusto ao menos serviu para uma coisa: foi graças a ela que eu conheci a minha melhor amiga. Tínhamos por volta dos oito anos e, para o azar dela, havia vindo parar na mesma sala que nós. Diferente de mim, ele não a perturbou na sala de aula (provavelmente porque não se sentou perto o suficiente), mas na hora do recreio não foi diferente.

Eu o vi empurrando-a para fora do brinquedo mais disputado (uma casinha alta de madeira e estrutura questionável), exatamente como ele havia feito comigo quando eu havia acabado de chegar. Fiquei com tanta raiva que, de onde estava, peguei impulso e cheguei na voadora.

Ou algo parecido com isso.

Eu me senti a Selene de Underworld.

Guto nem viu o que o atingiu. Quando deu por si, estava caído no chão de terra, com sua maior inimiga jogada em cima dele (porque eu havia perdido o equilíbrio no impacto). A cena o fez espumar de raiva como um pitbull, com os olhos cheios de lágrimas por conta da dor. Dessa vez, ele não chorou como quando arranquei seus cabelos.

— Qual é o seu problema sua monstra?! — ele gritou, furioso.

— Deixa a garota em paz, seu babaca! — eu respondi.

— Isso não tem nada a ver com você! — ele retrucou.

— Eu sou o Batman e você é o Coringa. Tudo de ruim que você faz tem a ver comigo! — respondi, saindo de cima dele.

— Se tem uma palhaça aqui, é você! — ele retrucou.

Ignorei, pegando a garota pela mão e disse:

— Vamos. Vamos para longe desse perdedor.

Ela deixou que eu a arrastasse dali, em choque.

Pelo resto da semana, as pessoas riram de Guto Macciani, o garoto que apanhou de uma garota. E eu havia me tornado a garota que bateu em Guto Macciani. Não que isso me importasse, meu maior prêmio foi ter feito uma amiga. Seu nome era Cibele Carloto e era uma boa garota mesmo que fosse do tipo que gostava de rosa (eca!).

— Guto é um otário, não ligue para ele. Agora que você é minha amiga, ele não vai mais te incomodar — eu prometi a ela.

— Sou sua amiga? — ela perguntou surpresa.

— É... Quer dizer, você quer ser minha amiga? — eu perguntei.

— Quero! — ela exclamou, feliz. — Eu quero uma amiga!

— Eu também. Você é minha primeira amiga — eu confessei.

Não era que eu não fosse simpática e sociável (tenho certeza de que sou um amor de pessoa, modéstia à parte), mas é muito difícil as pessoas verem isso quando tem um babaca pegando no seu pé te fazendo parecer uma maluca. Quer dizer, as pessoas olhavam para mim e achavam que eu era uma grossa, maluca, que saía arrumando briga com Guto, o popular irritante e babaca.

De qualquer forma, Cibele sabia como era ser rejeitada por Guto como eu e isso foi o suficiente para que nos tornássemos amiga. Quando nos tornamos amigas, ela havia mostrado seu sorriso banguela. Foi o sorriso mais sincero que eu havia visto alguém dar.

— Você foi tipo um príncipe encantado — ela me disse, rindo.

— Eu gosto da ideia de usar uma capa! — eu pensei, empolgada.

Todos os melhores personagens que eu gostava usavam capas, como, por exemplo: vampiros, super-heróis e até mesmo príncipes encantados.

— Mas acho que eles não usam saias — ela observou, parecendo em dúvida.

— Por que não? Você viu a altura do chute que eu pude dar de saia?

Cibele riu e acabou concordando com a cabeça, como se fosse a coisa mais razoável que eu poderia ter dito. Foi ali que eu soube que nossa amizade duraria para sempre (como ela dura até hoje).

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Quando eu saí do Ensino Fundamental I, e fui para o Ensino Fundamental II, as coisas mudaram drasticamente. E para melhor. Parecia que eu estava em outro mundo: um mundo vasto, colorido e maravilhoso.

Para começar, eu havia me livrado do horrível uniforme infantil de regata cor-de-rosa e saia branca. No Ensino Fundamental II o uniforme era um pouco mais agradável: uma camisa padronizada branca, calça jeans e tênis. Não era o meu estilo preferido, mas era o suficiente para me fazer querer beijar o diretor por não precisar mais ter aquela horrível cor rosa no meu guarda-roupa.

E então, havia uma segunda maravilhosa notícia: Guto não estava mais na minha sala. Eu não era mais obrigada a ver aquele rosto de rato toda manhã, muito menos obrigada a lhe dirigir a palavra, ou a dividir o mesmo ambiente. E o que tornava tudo uma maravilha era que Cibele estava na minha sala. Enfim as coisas estavam como deviam ser: incríveis.

Para fechar tudo isso com chave-de-ouro: a área destinada aos alunos do Ensino Fundamental II era maior. E ter uma área maior significava que minhas chances de me encontrar com Guto eram menores. Graças a Deus.

De repente, de todos os conselhos que minha mãe me dava sobre ter paciência e ser superior, apenas uma coisa que ela dizia tinha sentido: “as coisas vão ficar melhores”. E eu sentia que elas estavam começando a ficar.

Infelizmente, tudo foi por água abaixo.

Apesar de Guto não estar mais na mesma sala que eu, parecia que ele fazia questão em me caçar por toda escola a fim de me perturbar. Às vezes, eu o encontrava parado, conversando com alguns amigos, na frente da minha sala, para então ficar me provocando e me perseguindo.

Aquele devia ser o cúmulo da idiotice.

A única coisa que mudar de sala havia mudado era que nós havíamos trocado as agressões físicas por agressões verbais no corredor. Sério colégio...  Eu esperava mais de você. A partir daí formulei uma teoria: “o ser humano nasce bom e puro, o colégio o transforma num verdadeiro escroto”.

O ápice desse garoto nojento, foi quando eu fiz treze anos.

Mamãe me presenteou com um batom preto. O mesmo tom de batom que havia pedido para experimentar aos quatro anos e que havia deixado a minha avó maluca. Eu fiquei tão feliz que a abracei, mesmo que já tivesse deixado de ser aquela criança sentimental e carinhosa a um tempo.

Meu pai fez uma careta de reprovação, mas ele não era do tipo que contradizia ou que opinava em questões de moda. Ele se limitava em pagar as coisas e me por de castigo quando eu chegava com notas baixas (o que era raro no ensino fundamental II) ou com um bilhete contado que eu bati em Augusto.

Eu fiquei tão fascinada com o batom, que o usava para tudo, em qualquer ocasião. Ele se transformou em um acessório tão importante quanto a roupa do meu corpo ou o meu uniforme do colégio. No início, na escola, houve um pouco de reclamação e uma professora me disse que eu estava causando desconforto aos alunos ao usar um batom tão chamativo.

Eu e Cibele trocamos olhares.

Aos treze anos, na minha turma, tinha garotas que usavam maquiagem como se fossem concorrer à um concurso de beleza. Blush, rímel, gloss... o que havia de errado com a minha maquiagem? Era só um batom preto.

— Só eu que não entendi? — eu lhe disse.

— Ela provavelmente falou isso porque você fica muito gata de batom preto — minha amiga disse dando de ombros.

A ideia me fez rir e ignorar completamente o comentário da professora.

Cibele tinha razão: eu ficava gata de batom preto.

De certa forma, devo meu primeiro beijo ao meu batom preto, apesar de ele ter sido roubado de mim. Não o batom, o beijo. O beijo foi roubado. Eu estava simplesmente andando pelo corredor depois da aula, me sentindo a garota mais incrível desse mundo, quando Guto me parou e disse:

— Ei, sua boca está suja, monstrenga!

Fazendo seus amigos rirem.

— E a sua está falando merda como sempre, cara-de-rato — eu retruquei.

Sim, eu sou uma garota desbocada.

Era incrível como, apesar de nem sermos mais da mesma sala esse garoto tinha o dom de me provocar pelos corredores e arrumar desculpa para me dirigir a palavra. Se dependesse de mim, sua presença seria tão relevante quanto uma mosca irritante.

Foi quando ele me puxou pelo braço e disse:

— Sabe que eu nunca beijei uma garota de batom preto antes?

Eu fui pega de surpresa, confesso. Mesmo assim eu consegui ter força de espírito para revidar com sarcasmo:

— Você nunca beijou uma garota na sua vida, Guto.

Seus amigos riram dele, e isso o deixou com raiva. E foi quando ele me puxou e me beijou. Simples assim. Nirvana, aos treze anos, deu o primeiro beijo no corredor com Guto Macciani, o garoto que ela odiava. Eca! Eu fiquei tão chocada (porque eu nunca esperaria algo assim dele) que não tive reação a não ser sentir seus lábios nojentos contra os meus. Foi um beijo nojento.

Sabe quando você lê numa história que o primeiro beijo da mocinha sempre é maravilhoso e, sei lá, tem borboletas no estômago e o caralho à quatro? Bem, comigo passou longe. Era nojento, grudento, babado... eu quase vomitei.

Quando ele me soltou, ele riu da minha cara e disse:

— Seu beijo tem gosto de cemitério!

Enquanto ele ria, eu me recusei a ir para casa chorando como uma garotinha... uma mocinha indefesa das novelas que a Sra. Erileusa via. Não. Eu sou Nirvana Trindade e não levo desaforo para casa.

Enquanto ele ria, dei um tapa no seu rosto.

O som pareceu ecoar por todo o corredor e o calou na hora. O choque passou pelo seu rosto, como se ele não acreditasse na minha ousadia. Seus amigos riram mais descontroladamente, riram dele.

— Isso é assédio! — eu gritei. — Vou chamar a polícia!

Ele olhou para mim, com raiva e choque.

— Não diz que você não gostou — ele debochou.

Fiz uma cara de nojo.

Ele não podia estar falando sério.

— Claro que não gostei! Seu beijo tem gosto de inexperiente — eu retruquei, antes de ir embora. — Tem que comer muito arroz e feijão para virar gente grande, criança!

Eu sabia que aquele era o meu primeiro beijo.

Mas ele não precisava saber.

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Confesso que assim que cheguei em casa, tive um grande dilema.

Lembrei-me do beijo dele e a vontade que eu tive foi a de tirar o meu batom e esfolar a minha boca até sobrar nada. Se pudesse eu cortava fora. Cheguei a subir para o meu quarto, furiosa, e ir para o meu banheiro. Lavei minha boca e passei tudo o que era possível para desinfetar, se fosse possível, eu bochecharia álcool em gel. Se era bom para H1N1 imagine para os germes nojento daquele ser desprezível?!

Eu pensei em nunca usar batom preto na minha vida, mas então uma voz relutante disse na minha cabeça: “é exatamente isso o que ele quer. E você não vai dar a Augusto Macianni o que ele quer”. Eu assenti com a cabeça para mim mesma, selando um acordo não verbalizado.

Se ele achou que ser um cretino iria me fazer parar de usar batom preto, estava muito enganado. Era agora mesmo que eu havia decidido que não deixaria de usar aquela cor. E não só isso, ao longo daquele ano, minhas maquiagens foram sendo incrementadas aos poucos, até eu chegar a três itens importantes: batom, sombra preta e delineador.

Sinceramente, eu não sabia como havia conseguido viver no mundo sem sentir vergonha do meu rosto sem aqueles três itens. Sem eles eu era tão... normal. Só mais um rosto andando por aí pelo mundo.

Acho que minha mãe sentiu que havia criado um monstro, pois ela dizia:

— Não está muito maquiada para a escola?

— Não. Estou perfeita — era o que eu respondia.

E ela não tinha coragem de arruinar minha autoestima, então apenas sorria, tensa. Talvez porque tinha o meu irmão para falar:

— Você está parecendo uma monstra!

— E você parece um alien, mas não me vê dizendo isso — eu retrucava.

— Mas você diz isso. Todo dia — ele protestou.

— A senhora entende marciano, mãe? — eu perguntei, fazendo uma expressão confusa e ingênua. — Eu não. Bip, bip. Hora de ir para a escola.

Manhê!

— Crianças — ela suspirava, olhando cansada para o meu pai.

Eu havia parado de conseguir aturar o meu irmão desde o momento em que ele começou a falar. Houve um tempo em que chegou a ser fofo, agora, estava numa fase insuportável de dono da verdade e dei graças a Deus por eu nunca ter passado por isso. Se não, eu voltaria no tempo e me estrangularia.

Só havia uma coisa que me irritava no meu estilo: meus cabelos. Eu adorava minha maquiagem, e adorava meu estilo de usar roupas brancas, mas odiava meus cabelos escuros. Eu queria platiná-los havia alguns anos, mas minha mãe insistentemente dizia que eu era muito nova para arruinar meus cabelos daquela forma. Eu entendia o lado dela e não havia como odiar aquela mulher por uma vez na vida me dizer “não”.

Aos treze anos, foi quando as pessoas começaram a me achar "bizarra".

Talvez porque eu usasse maquiagem preta na escola.

Talvez porque eu gostasse de usar vestidos vintage.

Talvez porque eu gostasse de me vestir como uma criatura fantasmagórica e sedutora como dos filmes que eu assistia na televisão.

Seja quais foram os motivos, isso apenas fez com que Macciani pegasse ainda mais no meu pé. Não que isso me importasse. Com o tempo, eu aprendi a me sentir elogiada com a aversão dele a mim. Ou seja, quanto mais ele pegava no meu pé, mais eu sentia que estava fazendo sucesso e isso o incomodava.

— Ei, garota fantasma! – Ele costumava me chamar no corredor, antes de pular na minha frente e gritar: — BU!

Eu revirava os olhos, enquanto Cibele se encolhia do meu lado.

— Você deve ser uma pessoa muito carente de atenção, Guto — eu provocava. — Se você quer atenção, adota uma chinchila. Ou vai no psiquiatra.

Então o empurrava para fora do meu caminho e continuava caminhando, maravilhosa. Me sentindo a Gisele Büchen do sobrenatural. O beijo que ele me deu na frente de todo mundo havia sido tão constrangedor que nós dois havíamos chegado ao consenso de fingir que ele nunca aconteceu... exceto quando – como naquele momento – ele gritava: “Nirvana, boca de cemitério!” às minhas costas e eu o respondia mostrando o dedo médio por sobre o ombro. Nosso relacionamento era assim. Lindo, não é?


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