Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 6
Uma (Não-tão) Breve Introdução à Mim! Parte 6




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/796470/chapter/6

UMA (NENHUM POUCO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM!

(EU FALEI QUE ESTAVA ACABANDO!)

 

.

.

.

O garoto deu um grito apavorado e caiu de bunda no chão.

Eu tentei não rir, mas acabei me engasgando.

— Seus amigos estão fazendo apostas — eu comentei, divertida, enquanto ele recuperava o fôlego após perceber que eu era viva como ele. — Só tem uma pessoa que acha que você consegue. É melhor não o decepcionar.

— Você está querendo me matar de susto?! — ele murmurou para mim, raivoso.

Eu neguei com a cabeça.

— Juro que não era minha intenção — eu respondi com sinceridade. — Eu achei que você tinha encontrado uma entrada... eu quero entrar na casa também.

Franziu o cenho para mim como se eu fosse uma garota louca, então se pôs de pé e tentou limpar a areia das calças jeans. Seus olhos estavam fixos em mim, como se ele tivesse medo que eu sumisse do nada.

— Por livre e espontânea vontade? — perguntou desconfiado.

Eu concordei com a cabeça.

— Faz parte do meu clube — expliquei mostrando minha câmera para ele. — Eu gosto de tirar fotos de casas antigas à noite. Sou do Clube de Adoradores de Casas Antigas, também conhecido como KK. Me chamo Nirvana Trindade, a propósito.

Ele arqueou uma sobrancelha. Se estranhou meu nome, não demonstrou.

— Sou Lucas Silas. Mas tudo mundo só me chama de Silas — ele disse, ainda desconfiado. — Acho que já ouvi falar de você...

Mostrei um sorriso mínimo, mas a verdade era que não me interessava muito. Imaginava o que ele havia ouvido falar: que eu era uma garota estranha e essas coisas. Então ouvimos seus amigos gritando da rua, perguntando se estava tudo bem e se ele já tinha entrado. Ele olhou para mim, demonstrando receio e medo.

Quase tive vontade de rir.

— Silas, é só uma casa antiga. Não quer dizer que tenha fantasmas — eu disse.

Ele concordou com a cabeça, mas não fez sinal de se mover. Então eu subi os degraus para a entrada dos fundos e tentei abrir a porta. Estava fechada. E como eu disse antes: não tinha intensão de danificar ou depredar o patrimônio dos outros. Sendo assim, comecei a procurar por janelas abertas, primeiro na cozinha, na dispensa... nada, então comecei a mexer na janela do porão.

Voi lá — eu soltei ao encontrar uma pequena janela aberta, segurada engenhosamente por um tijolo. — Você vem?

Ele hesitou, mas então disse:

— Pode ser perigoso deixar uma garota ir sozinha.

— Ahã, claro. Pode ser — respondi sem dar importância. — Vamos.

Eu entrei primeiro e depois ele entrou. Teve que fazer um esforço pois, apesar de ser magro, Silas era um pouco mais largo do que eu. Mas, no fim, ele conseguiu passar e acho que nem ele acreditou até que sentiu a poeira invadir seu nariz e então começou a tossir.

Dei tapas nas suas costas.

O porão era um porão normal: cheio de móveis quebrados, cobertos por lençóis, caixas velhas e objetos que pareciam completamente obsoletos. Mas tudo parecia tão empolgante para mim! Peguei a minha câmera e tirei algumas fotos (com flash, claro) até que o senti agarrar o meu braço como se fosse uma criancinha com medo de monstros.

— Não some da minha vista, por favor — ele mandou.

— Tudo bem — eu concordei, tentando não rir.

Era normal ter medo de monstros, eu me lembrei.

Ele não era obrigado à ser um machão corajoso. Certeza que Cibele agiria igualzinha à ele. O guiei para a escada do porão e então para a porta. Ela deu em uma passagem debaixo de uma grande escadaria. A primeira coisa que vimos foi um arco enorme que dava para uma cozinha suja e quase vazia. As pessoas haviam feito questão de levar todos os objetos possíveis para fora da casa. Parecia que eu estava vendo um museu saqueado e a imagem machucou meu coração.

No entanto, ainda haviam lamparinas, bonitas e trabalhadas, em um estilo meio Art Nouveau, o que me deixou acreditar que elas ainda eram a gás ou do início da eletricidade. Não resisti e tirei algumas fotos daqueles detalhes todos. Enquanto caminhávamos pela casa, cômodo após cômodo, eu tirei foto dos detalhes das luminárias, dos lustres, das janelas, das portas, das escadarias, dos papéis de parede, dos espelhos... Era tudo tão bonito, infelizmente, tão abandonado.

— Essa casa tem muita influência da arquitetura europeia — eu murmurei. — Talvez Francesa ou Inglesa. A Inglaterra era conhecida por usar estrutura de aço nas construções... no entanto, acho que só a França tinha esse refinamento.

Silas me encarou com os olhos esbugalhados.

A cada ruído alto ou flash que minha câmera soltava, ele cravava suas unhas em minha pele. Um sinal de que estava sempre alerta. Sempre atento para os sons que nos rodeiam.

— Você parece estar na Disney — ele zombou.

— Esse é o meu tipo de Disney — concordei.

A única parte da casa velha que foi deixada inteira, parecia ser o quarto principal. O quarto da mulher solitária, não sei se por respeito a ela ou se foi porque talvez ninguém tenha tido interesse de entrar ali. Era um cômodo grande e de mobília simples: uma cama de casal de dossel, sem lençóis ou travesseiros, um grande armário de madeira completamente trabalhado com folhas e animais talhados, em estilo Art Nouveau, uma penteadeira cujo espelho já estava completamente sujo e mal podia ver meu próprio reflexo.

Silas me soltou para olhar ao redor com atenção, em busca de alguma coisa pequena que ele pudesse levar para mostrar aos amigos. Enquanto eu fiquei batendo fotos de tudo, e terminei me sentando à penteadeira.

Era tão bonita. Um luxo que eu sentia falta nas decorações de hoje em dia.

Abrindo uma das gavetas encontrei uma escova de cabelos antiga que devia estar num museu, e um dedal de ferro com desenhos fundido, completamente abandonado. Ninguém mais usa hoje em dia. Ninguém mais deve saber o que é isso hoje em dia. Peguei o pequeno objeto e disse à Silas:

— O que você acha disso? É um dedal.

— Um o quê, garota? — ele perguntou, se virando para mim, como se eu tivesse falado um palavrão. Então ele paralisou um momento. — Meu deus, você combina muito com esse lugar. Parece uma assombração.

Tentei não me sentir lisonjeada com seu comentário.

— Um dedal. É algo que as mulheres usavam quando bordavam ou costuravam, para que a agulha não lhes machucasse a ponta dos dedos — eu respondi, colocando o objeto na mão dele. — Eu já vi alguns de porcelana num Antiquário, com pequenas paisagens bucólicas do Século XVIII. Esse é único. Ele é de ferro, vê? E há pequenas folhas e espirais talhados nele... eu diria que é do século XIX ou início do Século XX.

Ele me olhou desconfiado, antes de analisar o objeto.

— Acho que serve... — concordou em fim. — Você parece ser muito entendida...

Ele parecia surpreso, mas apenas dei de ombros. Confesso que, apesar de demonstrar indiferença, eu me sentia como se fosse uma historiadora. Como se fosse uma Indiana Jones invadindo templos antigos e caçando tesouros. Não para lhes tirar do lugar, mas para anotar e bater fotos antes que eles se perdessem para sempre no esquecimento.

— Acho que agora tenho que subir no mirante da mulher solitária... — ele disse, parecendo desconfortável. Como se quisesse vomitar.

— Eu te acompanho até lá, para você não se borrar de medo — ofereci.

Ele me olhou feio, como se dissesse que jamais se borraria de medo por algo assim, mas nós dois sabíamos que era mentira e que ele estava apavorado. Saímos do quarto e ele abriu um alçapão no teto, de onde desceu uma escada estilo marinheiro. Ele me lançou um olhar, antes de subir primeiro. Não sei se foi porque eu sou uma garota de vestido, ou se era porque ele não queria parecer medroso, mas de qualquer forma, eu agradeci.

A primeira coisa que eu senti quando subi depois dele, foi o vento do mar, abafado e quente, sendo escoado para dentro da casa pela pequena abertura do mirante. Ele vinha veloz, só não bagunçando meus cabelos porque estavam parcialmente presos, mas levantando suavemente o meu vestido como se eu fosse Marilyn Monroe. Parecia que eu estava sentindo a respiração de alguém, ou a respiração da casa. Como se ela fosse um ser ainda vivo.

A escada dava para um corredor estreito onde, bem à frente, podíamos ver a porta aberta onde ficava o mirante da mulher solitária. Silas foi até lá e acenou, tirando o boné dos cabelos e o erguendo como um vitorioso. É assim que eu consegui ver que seus cabelos são escuros e rebeldes. De lá do corredor, escutei seus amigos gritando comemorações.

Então eu tive uma ideia genial.

Aproximei-me devagar do garoto, enquanto o observava colocar seu boné de volta. Ele continuava acenando e fazendo poses e palhaçadas, até que eu apareci atrás dele. Tudo o que seus amigos viam de mim era um vulto de cabelos negros e vestido branco esvoaçante. Escuto-os gritar para Silas. Algo como:

— Silas! Silas! Atrás de você! Atrás de você!

— Ai meu deus! Ai meu deus!

Mas quando o garoto escuta já é tarde. Arranquei o boné de seus cabelos e o joguei para o alto, vendo o vento o erguer no ar com piruetas até cair perto do portão. Dei a risada mais estridente e maligna que eu consegui soltar naquele momento e o puxei pela gola da camisa para dentro da casa novamente. Fechando a porta do mirante em seguida, com força.

Assim que fechei a porta do mirante, caí na gargalhada.

— Seus amigos vão ficar apavorados! — eu gritei, me matando de rir.

Silas, percebendo, começou a rir também.

— Você é uma garota cruel — ele disse, mas estava morrendo de rir também.

— Eles foram cruéis com você primeiro. Ninguém devia ser forçado a fazer algo que não quer fazer — eu retruquei, dando uma piscadela. — Vamos, vamos embora. Chega de aventura para você.

Eu desci primeiro, e então ele.

Nós seguimos pelo mesmo caminho que fizemos antes até irmos para fora da casa. Para tentar impedir que mais garotos entrem naquela maravilhosa casa em mais um jogo de coragem, eu tirei o tijolo que segurava a janela aberta do porão e então a fechei de vez. Silas me observou atentamente e seu olhar me desconcertou por um momento.

— Você tinha razão — ele disse, parecia decepcionado. — É uma casa antiga.

— Infelizmente — eu suspirei.

Quando deixamos a casa, seus amigos haviam ido embora de medo e isso quase me fez rir enquanto eu recuperava o seu boné que atirei do mirante. Aproximei-me e coloquei de volta em seus cabelos. No entanto, ele o colocou em mim e disse que queria que eu ficasse com ele, como uma lembrança dessa aventura e como agradecimento.

Quando ele me deu seu boné, foi quando eu percebi o quanto ele era bonito.

Como um galã novo da Netflix.

Uma mistura de sorriso do Noah Centineo, com o rosto charmoso e esquisito do Nat Wolff, pele branca (como muita pessoa ali tinha, porque, pff, eu estava morando no Sul agora), olhos claros, e espessos cabelos negros e ondulados. Bagunçados e charmosos graças ao vento marítimo que batia.

Meu coração parou por um momento.

Eu sei, você deve pensar algo do tipo “garota, você vê filmes antigos de terror 24h por dia, não devia ficar apaixonada por um cara tipo Bela Lugosi, ou Jonhy Depp?” Er... pelo visto... é complicado quando se é uma garota de quinze anos com os hormônios à flor da pele.

“É isso?” juro que eu me perguntei “Será que era isso o que meu pai sentiu quando viu a minha mãe pela primeira vez? Uma vontade esquisita de simplesmente não desviar o olhar?”

Eu decidi que não.

Porque justo naquele instante, meu celular tocou: “A novinha não me quer / Só porque eu vim da roça / Roça, roça o piru nela-...”

— Opa! — eu disse, me embananado toda para desligar o maldito celular.

Cibele. Eu ia matar a Cibele por me ligar num momento desses.

Por culpa dela, eu não poderia ficar com o Nat Centineo.

Afinal, nossos filhos não poderiam se chamar “MC” e “Brinquedo”.

.

Ele me acompanhou até a casa da minha melhor amiga também, porque achava que estava muito tarde para deixar uma garota de quinze anos zanzando sozinha por aí. Queria lhe dizer que ele não é tão maior do que eu, mas não quis ser grossa naquele momento. Sei não ser grossa com quem é legal comigo.

Depois daquela noite Silas e eu nunca mais nos falamos.

Quer dizer, não é como se tivéssemos alguma coisa para nos falar. Quando eu entrei no ensino médio como caloura, eu me esbarrei com ele algumas vezes, e ele me cumprimentava com um sorriso, às vezes com uma piscadela, um sinal discreto de quem compartilha um segredo; de quem se lembra.

Pelo que eu ouvi dizer, ele foi o primeiro calouro a pregar uma peça nos veteranos do time de basquete durante o teste de coragem. E isso fez dele um cara muito popular, do tipo que todo mundo adora e todo mundo é amigo.

Aquela noite terminou como o seu boné no meu armário: apenas uma lembrança.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Meu nome é Nirvana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.