Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 3
Uma (Não-tão) Breve Introdução à Mim! Parte 3




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UMA (NEM UM POUCO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM!

(Melhor?)

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Quando minha mãe entrou em trabalho de parto, eu não soube.

Tudo o que eu me lembro é que a Sra. Erileusa (e você achando o meu nome ruim) estava me esperando quando eu saí do colégio, ou melhor, do inferno que aquele demônio havia criado para mim. Ela segurou a minha mão e disse que me levaria para casa aquele dia. Eu achei estranho e quando lhe questionei ela respondeu que minha mãe havia ido para o hospital ter o meu irmãozinho.

Pensei: “tudo bem, minha mãe estava inchada feito uma melancia há meses, faz sentido que ela tenha ido parar no hospital por conta do meu irmão”. Então fui para casa e a desgraça começou no momento em que terminei o dever de casa e percebi que aquela mulher decidiu que a televisão da sala (a única televisão na casa) era apenas dela.

— Terminei o dever, posso ver televisão agora? — eu perguntei educadamente, como minha família me ensinou a fazer quando tinha gente estranha na minha casa.

Isso soou estranho, certo? É o que acontece quando você é criança.

— Claro, que pode. Sente-se aqui — ela disse.

Então me puxou para o sofá com ela. Obviamente sem entender que eu queria voltar a ver meus filmes de terror ao invés de suas novelas chatas, românticas e sem sentido. Quer dizer, quem disse que eu me importava se a irmã gêmea má de Paulina Martins estava querendo voltar para a vida dela e para o gostosão do Carlos Daniel? Se ela fosse esperta, nem teria ido embora porque ele era muito mais gostoso do qualquer outro homem que ela tenha tido de amante.

— Não, eu quero ver Nusfetu — eu reclamei.

Obviamente, eu tinha seis anos e não sabia falar “Nosferatu”.

— O que é isso menina? — ela perguntou, fazendo o sinal da cruz.

— Filme de terror... de um vampiro engraçado — eu insisti.

Ok, ele não era engraçado, engraçado, era só que ele era feio.

— Credo menina. Você não deve assistir isso na sua idade — ela respondeu, fazendo uma expressão de desgosto. Como se eu fosse estranha. — Além disso, está nos capítulos finais da minha novela e não posso perder... se você não quiser assistir, vá brincar no seu quarto!

Não é possível que eu seja a única criança a achar um absurdo que meus pais paguem uma estranha para ficar “de olho em mim” e isso dê a ela poder absoluto sobre a minha própria casa, certo? Quer dizer... eu moro aqui dona!

Então, eu quero que você preste atenção neste momento. Exatamente no momento seguinte a quando ela me dispensa para o meu quarto: acho que foi a primeira vez em que minha natureza rebelde se manifestou de verdade.

Eu, inconformada, simplesmente puxei o cabo de alimentação da televisão da tomada, fazendo com que o aparelho se apagasse. Ela me olhou com incredulidade então se levantou e correu atrás de mim pela casa toda, com uma vivacidade que eu não esperava. Eu corri até o meu quarto, onde eu me tranquei no único lugar onde eu estaria segura da ira da mulher de Matusalém.

Pode ter sido pequeno.

Um pequeno sinal de que Nirvana Trindade, mesmo aos seis anos, não era o tipo de garota que levava desaforo para casa... ou melhor, na própria casa.

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Quando meus pais voltaram do hospital, estava muito tarde e eu já deveria ter ido dormir. Na verdade, eu estava dormindo, mas ouvi vozes e isso me acordou. Fiquei feliz em ouvi-los (principalmente porque isso significava que Sra. Erileusa havia ido embora) então saí do meu quarto em busca deles. Encontrei o quarto deles vazio e com as luzes apagadas. Como se não houvessem ido para lá ainda.

Então eu vi aquele quarto, entre o meu e o deles, com a porta entreaberta e uma pequena luz escapando pela fresta. Era o quarto do meu irmão. Fazia sentido que eles estivessem lá, então abri a porta devagar, sentindo no ar que havia algo errado. O cômodo parecia vazio. Sem sinal de adultos por perto, porém, a luz perto do berço estava acesa, o que despertou a minha curiosidade.

Sons nojentos ecoavam pelo cômodo, baixos, como murmúrios.

Aproximei-me devagar, como se um monstro fosse pular em cima de mim de repente. Perguntava-me onde estariam os meus pais e porque o cômodo parecia que estivera ocupado não havia muito tempo. Enquanto eu me aproximava do berço, me sentia presa dentro de um dos filmes de terror inspirado nos livros de Stephen King, meus preferidos.

Eram resmungos sem sentido, como os de uma criatura desconhecida.

Foi quando criei coragem: ficando nas pontas dos pés, dei uma espiada para dentro do berço. Uma pequena criatura de pele enrugada e rosada, de metade do meu tamanho, se remexia, inquieta. Seus olhos estavam fechados como se suas pálpebras houvessem sido coladas, e sua boca sem dentes estava entreaberta como se ele estivesse em um choro silencioso o tempo todo.

Parecia um alien devorador de cérebros.

Eu soltei um grito.

Um grito que fez meus pais voltarem correndo para o cômodo e o bebê no berço começar a chorar, de verdade, alto e estridente.

— Meu deus, Nirvana! Está tudo bem?! — meu pai perguntou me segurando pelos ombros.

Minha mãe passou por mim e foi direto para o berço, onde a criatura chorava. Ela o pegou nos braços e começou a aninhá-lo e aquela imagem me encheu de medo. Quer dizer... minha mãe estava aninhando um alien!

— É um alien! — eu gritei apontando para a criatura.

Meu pai riu e olhou para a mulher, que também deu um riso cansado.

— Não, Nivi, não é um alien — ele disse, pacientemente. Como se quisesse cair na gargalhada — Este é o seu irmãozinho, Axel.

Bem, não me leve a mal.

Olhe para mim... olhe para ele... ele devia ser bem mais bonito.

Meu pai me puxou para perto da criatura, apesar de eu relutar, e minha mãe se inclinou para me mostrar o famoso Axel: a criatura mais nojenta que eu já havia visto fora da televisão. Olhando nos braços dela, ele parecia mais inofensivo, mesmo assim, ainda tinha o aspecto de um alien comedor de cérebros, seus dentes afiados como facas deviam estar embutidos nas gengivas.

— Nirvana, esse é Axel... o mais novo membro da família — meu pai disse, com orgulho.

— Você é irmã mais velha agora, Nivi — mamãe disse com carinho.

Eu sinceramente queria que Axel fosse só orgulho, carinho e felicidade como meus pais estavam tentando aparentar, mas a verdade era que meu irmão, desde o momento em que chegou à família, só me trazia desespero e dor de cabeça. A única coisa boa que ele já fez por mim, foi ter me acordado às duas horas da manhã com o seu choro irritante.

Parecia que era tudo o que ele sabia fazer: chorar.

E só foi bom porque enquanto meus pais o mimavam no andar de cima, eu havia perdido o sono, então fui para a sala e liguei a televisão. Foi quando eu descobri um canal que, de madrugada, exibia séries de televisão interessantes e antigas: “Família Monstro”, “A Família Addams”, “A Feiticeira”, “Geanie é um Gênio” (porque eu não vivo só de terror).

Foi o único momento em que eu pensei em dizer: “obrigada, pequeno alien”.

No entanto, como era de se esperar de uma criança que fica até tarde vendo séries antigas, eu acordei sem vontade nenhuma de ir para a escola no dia seguinte (não que eu já tenha tido alguma desde que me mudei). Mas pode-se dizer que eu estava completamente sem paciência para lidar com o garoto que insistia em puxar meus cabelos e tentar levantar a minha saia na frente de todo mundo.

Eu entrei na sala de aula já irritada e fui para o meu lugar de sempre.

Ele e seus amigos olharam para mim no instante em que eu passei pela porta, e eu olhei para eles de volta. Sem fingir que eu não percebi, como eu costumava fazer. Como sempre ele colocou o pé para me ver cair, mas como eu já esperava dei um pisão no seu pé e segui meu caminho fingindo nem perceber que ele se contorcia em dor.

Ouvi risadas que dessa vez não eram de mim.

E eu me senti tão bem com isso, que foi quando eu percebi que talvez a melhor forma de lidar com a insistência chata daquele garoto seria revidar de volta, ao invés fingir que nada estava acontecendo (como minha mãe havia me aconselhado). Foi quando eu percebi que “ser uma garota madura” não me levava a lugar nenhum e que estava na hora de eu revidar à altura.

Como você pode ver, eu tenho um motivo para ser rebelde.

Essa escola me fez ser quem eu sou.

Na hora do intervalo, enquanto eu me dirigia para o parquinho, senti ele e seus amigos caminhando atrás de mim. Enquanto eu caminhava, o senti puxar meus cabelos (naquela ocasião, presos em maria-chiquinhas) e eles riram com isso. Então eu fiz algo que não tinha feito até então: parei e me virei para ele e seu grupo.

O garoto chato deu um pulo, como se não esperasse que eu o encarasse.

— O que foi monstrenga? — ele perguntou de modo agressivo.

— Como você se chama? — perguntei.

Ele pareceu visivelmente desconfiado.

— Augusto Macciani — ele respondeu, numa defensiva que parecia ataque.

Sua plateia observou aquilo de perto, com olhos atentos.

— Então tá, me desculpa Gusto — eu disse, antes de enterrar minhas mãos naqueles cabelos loiros irritantes e puxar com força.

Como você pode ver. Eu ainda tinha um resquício de educação aos seis anos. Eu devo tê-la perdido aos poucos quando se tratava de babacas.

O garoto se contorceu de dor debaixo de minhas mãos, mas eu não larguei seus cabelos. Eu estava irritada. Irritada com todo aquele bullying sem-sentido para cima de mim desde que eu havia pisado ali. Então ao invés de soltá-lo e de me sentir mal com aquilo, eu sacudi sua cabeça perguntando:

— Qual o seu problema comigo?! Por que você me odeia?!

Seus amigos começaram a gritar, Augusto tentou me dar tapas e socos para que eu o soltasse, e chegou a me empurrar até contra a parede, no entanto, nada teve efeito. Só quem conseguiu apartar a briga foi um grupo de garotos mais velhos que passavam pelo corredor. Eles se meteram entre nós dois, afastando Augusto de mim com um empurrão.

Minhas mãos arrancaram algumas mechas de cabelo dele, fazendo-o chorar muito, chorar como uma criancinha. Como o irritante Axel.

— O que está acontecendo aqui?! — a professora perguntou.

— Ela atacou Guto! — um dos amigos dele disse.

— Ela é uma selvagem! — outro me acusou.

— Ele me atacou primeiro! — Eu respondi, com os olhos cheios de lágrimas. Estupefata. — Ele me ataca todo dia! Desde que eu cheguei aqui!

A professora perguntou para os garotos mais velhos o que havia acontecido, mas nenhum deles soube responder. Exceto um deles, que disse que já havia visto Augusto me perseguindo várias vezes no parquinho e no corredor, disse que tinha certeza que eu só estava dando o troco.

E foi assim que nós dois fomos parar de castigo: eu e Augusto.

O primeiro castigo da minha vida, entre vários que viriam depois.

A professora nos forçou a ficar o recreio todo presos na sala de aula, sob sua supervisão, fazendo um exercício de escrever várias vezes: “não devo brigar com o colega”. E mandou um bilhete para os nossos pais pela agenda, contando sobre o ocorrido. Foi um dia humilhante para mim, mesmo assim, quando olhei para Augusto, ele me olhava como se quisesse me matar.

— Qual é o seu problema comigo? — eu perguntei a ele, baixinho.

— Eu te odeio — ele disse, entredentes.

— Tá. O que eu te fiz? — Eu insisti.

— Você é estranha — foi a resposta dele.

Até então eu era uma garota normal, eu acho... cabelos pretos, olhos claros, cara de bolacha, e usando um uniforme rosa e branco que eu simplesmente odiava. Mas eu tenho certeza que eu parecia uma criança normal. E ele havia começado a implicar comigo antes de me conhecer.

— Você nem me conhece — eu resmunguei.

— Você não é daqui — ele respondeu. — Por isso te odeio.

Eu soltei um som de indignação.

Eu fiquei indignada, e até mesmo meu “eu de seis anos” soube que essa não era a melhor justificativa do mundo. Mas o que eu poderia dizer? “Não me odeie, vamos ser amigos?”. Eu não queria ser amiga de alguém como ele, então eu me contentei em dizer:

— Se você me odeia, então eu te odeio também.

E foi assim que se iniciou a guerra mais conhecida do Colégio Deodoro da Fonseca. Uma guerra silenciosa entre Augusto Macciani e Nirvana Trindade.

.

Quando minha mãe leu a nota que veio na minha agenda (e não teve como esconder dela porque ela tinha que assinar) ela olhou para mim com decepção. Falou que havia falado para eu relevar, ser superior e tudo o mais, e eu expliquei para ela que eu estava sem paciência para ele. Ela pediu para que eu não brigasse e que da próxima vez avisasse à professora.

— Não quero mais saber de bilhetinhos, Nivi — mandou, assinando.

Eu concordei.

Juro que quando prometi que não me meteria mais em problemas eu havia falado com seriedade. Quer dizer, eu realmente acreditava que conseguiria ignorá-lo... obviamente, eu estava enganada. Aquele havia sido apenas o começo.


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