Meu nome é Nirvana escrita por belle_epoque


Capítulo 2
Uma (Não-tão) Breve Introdução à Mim! Parte 2




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UMA (NÃO-TÃO) BREVE INTRODUÇÃO À MIM!

(Eu disse que não era breve)

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E então você pode perguntar “por que diabos essa memória de você com quatro anos experimentando batons pretos é tão importante na sua vida?”. Essa é uma boa pergunta. Bem, você vai logo perceber que (na maior parte das vezes) eu sou muito boa em causar a discórdia entre as pessoas. Mesmo quando não estou tentando fazer nada além de... bem, você sabe, viver a minha fucking vida.

Aparecer aos quatro anos, de batom preto, na casa dos meus avós conservadores...

... Foi o apocalipse.

Assim que passei pela porta e fui para a cozinha comer biscoitos com leite, minha avó esbugalhou os olhos e empalideceu. Como se isso não fosse cômico o suficiente, ela levou uma mão ao peito, se agarrou na bancada da cozinha, e fingiu um desmaio. Ou talvez ela tenha desmaiado mesmo. Até hoje não sei dizer.

Eu peguei um biscoito, como se não houvesse nada de errado (e realmente não tinha!) enquanto observava a empregada Darla, segurar a minha avó e lhe ajudar.

Ao voltar a si, ela olhou para mim novamente e, vendo o maldito batom preto nos meus lábios, seu rosto se tingiu de vermelho. Na recuperação mais surpreendente que eu poderia ter visto. Ela foi tipo: de branca como um papel à vermelha como um tomate. E rugiu apontando para a escada:

— Vá limpar o seu rosto, agora!

Eu pisquei para ela, com os olhos arregalados.

Pensei: mas o que diabos eu havia feito?!

— Por quê? — eu perguntei.

— Vá lavar o seu rosto — ela mandou só mais uma vez.

Vendo que não a obedeci e que, na verdade, eu ia pegar mais alguns biscoitos (porque estavam realmente muito bons!) ela deu um tapa na minha mão que me fez chorar. Você não devia gritar com uma criança de cinco anos e impedi-la de comer biscoitos quando ela não fez absolutamente nada de errado!

— LIMPA O SEU ROSTO VOCÊ! — eu gritei para ela.

(Eu sei que foi uma frase esquisita, mas eu tinha quatro anos!)

Bem afrontosa, sim.

— Ora sua pirralha...

— O que está acontecendo aqui?! — minha mãe perguntou, aparecendo na cozinha. Olhou para a minha avó e então para mim... e soltou um suspiro como se imaginasse. — O que está acontecendo aqui, dona Nanci?

— Sua filha é uma mal criada, demoníaca! — minha avó acusou, apontando para mim como uma criança de cinco anos. — Quem será que ela puxou, hein, Vanessa?! Como você pôde deixar que ela viesse de batom para casa?! Preto!

Minha mãe revirou os olhos.

— É só uma cor. Foi só uma brincadeira — minha mãe suspirou.

Era como se minha avó lhe sugasse toda energia.

— Não é só uma cor! É um batom escuro! É muito adulto! É a cor do Satã! Você tem vinte e cinco anos, Vanessa! Não pode continuar agindo como a universidade liberal que era! Ela tem só quatro anos e está usando a cor do demônio! Essa cor de vagabunda! — minha avó cuspia, com raiva. Metralhando as palavras.

Olhei para a minha mãe, com curiosidade e perguntei:

— O que é cor de vagabunda?

Minha avó não costumava responder minhas perguntas, mas mamãe sim.

No entanto, daquela vez, ela não me respondeu. Minha mãe olhou para mim, do mesmo modo com que vovó havia me olhado depois de se recuperar do desmaio. Raiva. Ou melhor: fúria. Como se estivesse vendo a coisa mais detestável do mundo. E toda a energia que minha avó havia sugado, voltou.

— Olha o que você fica falando na frente da minha filha! — ela gritou, pela primeira vez, com impaciência. — A filha é minha, dona Nanci! Como você fazia questão de me lembrar todo dia! Se ela quiser usar batom preto, e eu deixar, ela vai usar! E não é da sua conta ou da conta de mais ninguém! Que merda!

Darla tentou me puxar pelo braço para me tirar dali, mas eu não consegui. Finquei meus pés no chão. Minha mãe estava dando um espetáculo e eu estava amando cada segundo. Peguei mais alguns biscoitos, confesso. E Darla também. No fundo, ela não se esforçou muito em me levar embora.

— A senhora é uma bruxa velha e rabugenta! Mal posso esperar para que Diego se forme logo! Para que possamos ir embora daqui! Se minha filha quer usar a “cor do demônio” é porque ela passou tempo demais nesse inferno! E perto da senhora! A própria madame Satã! Puta que pariu hein!

Mic drop.

.

Foi o dia mais longo de toda a minha vida.

Como na música “The Room Where it Happens” de Hamilton, à noite os adultos da casa se trancaram numa sala e tomaram decisões. Decisões que não envolviam uma pobre garota de quatro anos que só queria usar batom preto. Não sei o que foi conversado. O que foi decidido... tudo o que sei, foi que escolhas foram tomadas: meu pai ia sair da casa dos meus avós e minha mãe poderia voltar a fazer o que ela quisesse, assim que ele se formasse.

O que aconteceu quando eu tinha cinco anos.

Meu pai foi mandado para assumir alguns negócios em uma pequena cidade no interior. Uma cidade que meu avô vinha reclamando de desvios de dinheiro do seu administrador. Foi a chance perfeito de ficar o mais longe possível deles sem causar nenhum mal-estar (que já não houvesse sido causado).

Meu pai me dizia que íamos nos mudar para uma cidade pequena, perto do mar, e que tinha um grande lago onde eu poderia nadar com tubarões. É claro que, na época, eu não saiba que tubarões não nadavam em lagos. Mas a ideia me empolgou muito, tanto quanto a mudança empolgou minha mãe.

Ela não estava brincando quando disse que mal esperava para irmos embora dali. Depois da reunião, ela começou a cuidar da nossa mudança para outra cidade o quanto antes. As visitas à loja de cosméticos, perfumarias e roupas, deram lugar à passeios em lojas de construção, decoração, à corretores imobiliários e escritórios de arquitetura e design.

Foi a melhor época da minha vida!

Minha mãe me deixou escolher tudo o que dizia respeito ao meu quarto. Diferente da minha avó, que quando fez o meu quarto em sua casa apenas saiu comprando tudo o que havia de cor-de-rosa para mim... Que não era a minha cor preferida. Nunca senti que rosa ficava bem em mim como ficava na minha mãe.

— Que cor você quer no seu quarto? — ela me perguntou.

— Branco... branco ou preto... branco e preto — eu respondi, empolgada.

Minha avó teria dito: preto? Nem pensa! Você é uma criança!

Minha mãe, apenas concordou com a cabeça.

— Tudo bem! Preto e branco — ela concordou me imitando.

Minha mãe é a melhor mãe do mundo.

Ela me incluía na escolha de tudo da casa nova, eu me sentia uma adulta. Uma arquiteta ou uma decoradora profissional porque ela fazia questão de incluir todas as minhas ideias na arrumação da casa (exceto quando eu sugeri um tobogã que fosse da janela do meu quarto até a piscina, mesmo que essa fosse a melhor ideia de todas!).

Quando nos mudamos de cidade e de casa, parecia um sonho.

Se existia a “Casa dos Sonhos da Barbie”, essa era a “Casa dos Sonhos de Nirvana”. Eu nunca havia ficado tão excitada e feliz em toda a minha vida.

Após a mudança, aquela poderia ter sido o melhor momento da minha vida. Mas não foi. Quer dizer: eu tinha a casa perfeita, os pais quase perfeitos, e uma cidade que realmente tinha um lago. Quando meu pai me levou para vê-lo, depois de eu muito insistir, meu queixo quase caiu no chão.

Era grande e de água azul, como uma enorme bacia, cercado por casas grandes e belas que deixavam a nossa adorável casa no chinelo. Nós fizemos um piquenique à beira do lago, como as pessoas pareciam fazer nas manhãs de sábado, para ver pessoas andando de lancha, caiaque...

— E os tubarões? — eu perguntei para o meu pai, com medo.

— Tubarões? — mamãe perguntou sem entender.

— Papai disse que tinha tubarões — eu disse. — Quero ver os tubarões!

Minha mãe olhou feio para o meu pai e riu.

— Não tem tubarões em lagos, Nivi! Eles vivem no mar! — ela disse. — Seu pai pode entender de pessoas, mas não entende nada de animais!

Então eu ri dele, e meu pai ficou muito sem graça.

Como eu disse, aquele poderia ter sido o melhor momento da minha vida.

Mas tinha a escola... e a minha escola naquela cidade era um pesadelo. Era um lugar irritante cheio de crianças choronas, barulhentas e chatas. Cheguei a última conclusão depois que a professora perguntou para as garotas da sala qual a cor preferida delas e 90% respondeu rosa. Quer dizer... eca!

E como se isso não bastasse, eu ainda era obrigada a usar um uniforme cor-de-rosa padronizado: uma camiseta rosa bebê com uma saia de pregas branca. Eu me sentia um sundae de morango, ao invés de uma criança. Os garotos, por sua vez, podiam usar a camiseta branca sem mangas e shorts cor-de-vinho. Bem melhores.

Não sendo o bastante para completar meu pesadelo, tinha aquele garoto irritante que insistia em mexer comigo desde que a professora havia me levado para a frente da sala e anunciado:

— Turma, essa é Nirvana, a nova colega de vocês. Sejam gentis com ela.

Ele tinha cabelos loiros, como os de minha mãe, mas o rosto era estranho como o de um rato, seus olhos eram verdes e ele era magrelo. Não sei o que havia de errado com ele, mas assim que passei na sua frente para ir à um lugar vago no fundo da sala, ele meteu o pé para que eu caísse e toda a sala riu de mim, porque minha saia levantou e todo mundo viu a minha calcinha.

Eu olhei para ele com ameaça nos olhos.

— O que tá olhando, aberração? — ele perguntou.

— Um perfeito idiota.

— De fato, perfeito.

— Em idiotice.

— Ei, garota nova! Se sente, por favor — a professora pediu.

Já havia se esquecido do meu nome.

Esse foi a penas o início do meu pesadelo no jardim de infância.

Ele transformava a escola em um inferno para mim: zombava de mim, não me deixava brincar nos brinquedos do parquinho, ficava puxando meus cabelos trançados e tentando levantar a minha saia do uniforme. Garotos e garotas riam como se isso fosse engraçado, eu já estava começando a ficar irritada.

E eu nem sabia como ele se chamava.

Minha mãe percebeu que algo estava acontecendo no colégio, porque eu chegava em casa muito irritada e estressada.

Quando eu lhe contei, ela me disse:

— Lembre-se que garotas amadurecem mais rápido que garotos, Nivi. Sei que essa situação é chata, mas você deve ser adulta e deixar isso para lá. Você é melhor que ele e isso basta.

Sério que tipo de resposta é essa? Que desculpa é essa?

“Lembre-se que garotas amadurecem mais cedo” pelo amor de deus!

Mas minha mãe apenas me beijou na testa e me mandou ir fazer o dever de casa, como sempre fazia. E eu adorava fazer o dever de casa, por mais estranho que isso possa parecer. Eu gostava mais de quando ela me liberava a televisão e eu podia assistir a filmes tomando sorvete. Geralmente ela se sentava do meu lado e os assistia comigo, minha mãe era louca por filmes infantis.

Mas houve uma vez, em que ela teve que ir atender à um telefonema e me deixou sozinha com a televisão. Quando eu a liguei, estava em um canal que não costumava ficar à tarde, e me deparei com um filme de terror antigo: “O Iluminado”. Eu fiquei tão entretida com o filme que não vi minha mãe voltando ao cômodo. Só percebi quando ela tentou mudar de canal e eu protestei.

— Não! Não! Quero ver! — eu gritei.

Ela se sobressaltou, mas voltou para o canal e me observou.

Eu estava muito atenta, como se fosse algo muito interessante.

Derrotada, minha mãe se sentou ao meu lado, em silêncio como se não tivesse certeza se deveria me deixar ver algo tão assustador (e com quase cenas de nudez) como aquele filme. Então, ao ver que eu não parecia incomodada e nem assustada, ela começou a fazer barulhos para me assustar.

Eu adorava quando ela fazia isso.

Adorava a sensação de sentir meu coração quase sair pela boca e então me dar conta de que tudo era apenas coisa da minha cabeça. Que nada era real e que eu estava segura. Gostava desse alívio.

É uma pena que as tardes em que ela me assustava enquanto assistíamos filmes de terror desapareceram assim que ela decidiu engravidar de novo. Pelo menos, ela disse que foi uma gravidez planejada (mas eu não acredito). Não consigo pensar em alguém que quisesse dar à luz, de livre e espontânea vontade, ao meu irmão mais novo: Axel.

E sim, o nome dele tem a ver com Axel Rose, do Guns N’ Roses. Não que tivesse a ver com a trilha sonora do romance dos meus pais. Tinha mais a ver a trilha sonora do meu filme de terror particular.

Eu disse que poderia ter sido pior.


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